segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Maria de Lurdes Almeida NOVA EMIGRAÇÃO: A Afirmação da Mulher Luso-Venezuelana

I.- CAUSAS DA EMIGRAÇÃO- DO PASSADO AO PRESENTE

II.- TESTEMUNHOS

III.- IDENTIDADE DA MULHER LUSO-VENEZUELANA

IV.- A ATUAL MULHER LUSO-VENEZUELANA

V.- CONCLUSÃO

VI.- BIBLIOGRAFIA

SÍNTESE

Pretendo com esta breve discriptiva dar a conhecer a transformação da emigração
portuguesa dentro da comunidade venezuelana. As nossas origens, o que passámos
e o que fizemos para desempenhar na atualidade o importante papel de mulher de
trabalho e o reconhecimento de que somos objeto. Já passaram os anos em que nós
ficávamos em casa. Hoje em dia desempenhamo-nos no mundo político, económico,
social e cultural num ambiente competitivo, o qual cada dia mais nos demanda
esforços para continuar a crescer como individuos duma sociedade multifacetada e
exigente.

I.- CAUSAS DA EMIGRAÇÃO- DO PASSADO AO PRESENTE

Não se pode falar da nova emigração sem rever a sua história para assim poder melhor
compreender as mudanças que ao longo do tempo têm vindo a suceder. Por isso
é importante saber os motivos que levaram no passado o povo português a buscar
novos horizontes. Razões várias, dos tempos mais remotos à actualidade, justificam
este fenómeno. Devemos assinalar a falta dos meios de subsistência responsáveis
pelo "êxodo" de emigrantes isolados e de famílias inteiras, hoje radicadas nos diversos países de imigração. É também importante assinalar as circunstâncias de natureza política que as determinaram associadas a perseguições desta natureza, à falta de liberdade expressão, à guerra nas antigas colónias e às práticas sociais dominantes que levaram à fuga de muitos jovens, antes ou durante o cumprimento do serviço militar.
A emigração de portugueses sempre esteve presente na sociedade portuguesa cuja
evolução ficou mais forte ao término do século XIX e durante grande parte do século
XX. Todas estas razões são as principais causas da presença da comunidade portuguesa
nos cinco continentes. Inicialmente partiam os homens, para criarem depois as
condições necessárias para a família se juntarem a eles. Isto trouxe como consequência a separação de famílias, ficando a mulher a cumprir as funções de pai e mãe ao mesmo tempo. O emigrante português, no seu perfil mais clássico , partia para outro país para angariar dinheiro para o futuro, pretendendo sempre regressar a Portugal uma vez cumprida a sua tarefa.No entanto, algumas nunca voltariam a ver o homem que procreou os filhos e estes nunca mais voltariam a ver o pai biológico.
Sendo que estas primeiras emigrações eram provenientes na sua maioria de zonas
rurais, numa época em que o ensino superior era mais para aqueles de um estatus
social elevado, é fácil de perceber que a escolaridade dos que emigravam era pouca
ou nenhuma.Assim que o que mais importava era o trabalho árduo, de sol a sol, e
a escolaridade no país de acolhimento passava a um segundo plano. Até à década
de oitenta/noventa o emigrante abdicava de uma vida com dignidade no país de
acolhimento, para a ter no seu país de origem , mesmo que não usufruísse desse bem
– estar. A qualidade de vida , habitação, mobiliário, gastos com os tempos livres era
reduzida ao mais elementar .
A família portuguesa tendeu sempre a acentuar o aspecto da identidade, colocando
de lado qualquer apelo de integração, pois este era entendido e sentido como uma
ameaça à sua identidade. Os emigrantes portugueses procuraram sempre manter uma
unidade cultural , que os impediu de integrar as sociedades onde se inseriam, mantendo sempre a esperança e o desejo de regressarem ao seu país de origem. No entanto, “a dinâmica de uma sociedade multicultural e intercultural assenta, por um lado, na cultura da autonomia, por outro, na obrigatoriedade da participação e o emigrante português, fixado na ideia de regresso, sentia pouca vontade de participar e integrar a nova comunidade.”
Gradualmente, este tipo de emigração sofreu alterações. Se o projecto primeiro era
angariar o máximo de dinheiro no mínimo de tempo, para poder regressar, cedo a
família deu-se conta que esse projecto económico não era realizável no espaço de tempo sonhado e, prolongando-se, entrava em conflito com outros objectivos importantes da família.- A formação escolar das crianças exigia o adiamento do regresso e obrigava a uma certa integração de facto, em conflito com a ideia do regresso.- A redistribuição de papéis na família, muitas vezes de forma pouco fiel à tradição, começava a afirmar-se à medida que as mulheres encontravam formas de trabalho remunerado.

II.- TESTEMUNHOS

1.-A costura é a minha paixão desde pequena

A 3 de Janeiro de 1956 nasce Maria do Rosário Abreu de Freitas, no Porto da Cruz,
Madeira.Com apenas 2 anos de idade, partiria a bordo do navio Santa Maria,
acompanhada pela mãe e pelo irmão mais velho (Manuel), com destino à Venezuela,
país onde o pai já vivia há um ano. Terra nova, vida nova
“A minha mãe conta sempre que quando chegámos à Venezuela, o meu pai perguntou
se ela queria uma ‘malta’, e ela pensou que se tratava de uma multidão de pessoas e não compreendia bem o que é que ele lhe queria dar, até que lhe explicou que se tratava de uma bebida semelhante a um refresco”, conta Abreu, entre risos.
Viveram em Flores de Catia, no edifício Diamante, “e ali conheci a minha melhor
amiga de criança e com quem ainda mantenho contacto constante, Fátima dos Reis, e
também ali nasceu a minha irmã Maria Dolores.”
Depois foram viver para San José, onde nasceram mais duas irmãs, a quarta e a quinta,
Maria de Fátima e Margarita Matilde. “No ano seguinte, mudámo-nos três vezes. De
San José fomos para a estrada velha de La Guaira, El Cementerio e depois para San
Agustín. Ali nasceram mais dois irmãos, Juan António e José Luís”, conta Abreu.
Passados uns anos, o seu pai decidiu comprar uma casa em El Junquito, na urbanização
Luís Hurtado, onde nasceram os três últimos irmãos de Abreu: Ana Isabel, Joaquín
Miguel e María Mercedes. “Mudámo-nos no ano do terramoto, em 1967; recordo-me
que eram 8 da noite e estávamos a ver o Miss Venezuela quando começou tudo a
mexer”,recorda.

Entre a família e a moda

Rosário Abreu ajudava a sua mãe a cuidar dos 9 irmãos e nos seus tempos livres
inventava vestidos para as bonecas e até para os seus irmãos. “Recordo-me que tinha
uma boneca que se chamava Rosa/Luís, era como ter dois em um, porque quando fazia
roupa de menina, chamava-a Rosa e quando a vestia com roupa de rapaz era Luís. Fazia
sempre muitos trajes com os pedaços de tecido que a minha mãe deixava”, conta Abreu.
Aos 15 anos, pediu uma máquina de costura. “O meu pai sabia que eu gostava de
costura e que o fazia muito bem, e assim, aos 15 anos, ofereceu-me uma máquina. “Para
mim foi o máximo”. Dias depois, viu no jornal que estavam abertas inscrições para o
Instituto de Superação, para um curso de corte e confecção que se fazia por
correspondência, ministrado a partir de Nova Iorque. Tirou o curso num ano e com
apenas 16 primaveras, Abreu começou a trabalhar numa fábrica e aos poucos foi
adquirindo as suas próprias clientes. “Lembro-me que fiz um vestido de primeira
comunhão azul com chapéu e tudo”.
Em Setembro, conheceu o marido, Manuel Correia Gonçalves Pereira, nascido em
Campanário, Madeira, e em Dezembro do ano seguinte casaram-se. “Ele era o dono
dum supermercado no quilómetro 12 de El Junquito e foi levar uma encomenda a casa.
Depois de conhecer-me, pediu a minha mão passados 15 dias”. Tem quatro filhos:
Manuel, Juan David, Nahir Olinda e Jeysell Daniela; e cinco netos.
“Há 13 anos, Bernadete Sousa Pires, que tinha montado uma loja no Centro Vista,
precisaram de uma modista. Trabalhei ali 10 anos. Aprendi muito, ganhei experiência e
clientes”.
Há três anos, tornou-se independente e montou o seu próprio atelier no centro
Comercial El Castillo, no quilómetro 13 de El Junquito. “Ali tive o prazer de fazer o
vestido de Dayana Mendes, primeira finalista do Centro Português há dois anos”.
Refere que é a modista e designer de muitos dos trajes usados pelas senhoras das
comunidades portuguesa, italiana e árabe.
Um ano depois de ter aberto o seu próprio atelier, o marido morreu. “Infelizmente
enviuvei mas sempre lutei com a minha família e apesar das adversidades, mantivemo-
nos unidos.” Desde criança Maria do Rosário Abreu sente que Deus sempre a ajudou e
a abençoou ao longo da sua vida, assim como à sua família. “Graças a Deus por tudo o
que me deu”.

2.-Madeirense de nascimento, Portuguesenha de coração

A cultura e as tradições portuguesas ganham vida todos os dias nestas terras
venezuelanas e Maria da Câmara Araújo é uma digna representante disso. Proveniente
do sítio do Ribeiro Loiro, freguesia de Santa Cruz, Madeira, esta lusitana já está no
país há 37 anos, depois de aterrar na Venezuela em Agosto de 1974.Quando chegou
a Maiquetía, já trazia consigo os dois primeiros filhos, da sua união com Florentino
das Neves Rodrigues. Ainda nasceriam mais dois, mas infelizmente a mais velha viria
a falecer anos mais tarde em terras lusas.Como a maioria das mulheres madeirenses,
Maria, a mais velha de seis irmãos, foi criada entre a agricultura, as tarefas de casa e a necessidade de conseguir algum dinheiro para o seu sustento. Também trabalharia como bordadeira desde muito pequena.O marido, Florentino, saiu de África e rumou à Venezuela dois meses mais tarde. Seis anos depois, mandou buscar a mulher. Ela ainda recorda a sua primeira casa com telhado de zinco na cidade de Acarigua e o seu trabalho como ajudante do marido na limpeza do negócio e no trabalho em casa. No
início angustiou-se muito pelas diferenças culturais: Um idioma novo e uma comida à
qual não estava habituada. No entanto, em breve viria o maior golpe, quando o marido
perdeu o negócio. Mas os tempos melhoraram. Ao acostumar-se ao tipo de vida e
amoldar-se aos costumes crioulos, Maria decidiu mostrar à comunidade tudo o que tinha
aprendido na sua infância e juventude, ao ponto de ser famosa na sua localidade pelos
seus saborosos bolos do caco. E não é para menos: Chegou ao ponto de partilhar os seus segredos de cozinha e ensinar aos habitantes da zona para que aprendessem a elaborá-los.

Uma das coisas pela qual também é famosa na sua zona é pela cura do mau-olhado.
E Maria ainda tem tempo para bordar e deixar aos netos algumas recordações.Maria
vive orgulhosa por ter conseguido inculcar as raízes lusas nos seus filhos. Participou em peças de teatro com a história da Virgem de Fátima, cantou em grupos folclóricos e reviveu a sua infância em três visitas a Portugal.Para Câmara, viver em Acarigua é como estar na sua terra natal: Ainda que tenha bons amigos venezuelanos, por coincidência todos os vizinhos são portugueses. E ainda que as visitas ao seu país de origem não tenham sido frequentes, esta mulher faz o impossível por ser uma
portuguesa em terras crioulas.
Como dado curioso, Maria conta que o apelido Câmara vem da sua avó, nascida em
1882 e abandonada num cesto de vimes à porta de uma mercearia. Um homem que
passou por lá recolheu-a e decidiu levá-la à Câmara Municipal, onde lhe colocaram o
nome de Maria da Câmara. Para além de ter o mesmo nome que ela, também conserva
uma colcha que lhe pertencia e da qual cuida com especial carinho.!

3.-As flores fazem-me feliz

Nascida a 13 de Janeiro de 1949 no sítio dos Picos, nos Prazeres, Calheta, e criada na Ponta do Pargo, no mesmo concelho, Maria Irene Rodrigues é uma mulher trabalhadora
que desperta todos os dias com o propósito de ser feliz fazendo o que mais gosta: Estar rodeada das plantas mais belas, as do seu viveiro.
É a mais velha de seis irmãos e a que durante muito tempo velou por eles e pela sua
mãe, Maria José Abreu, natural da Ribeira Brava, já que o pai, Manuel Rodrigues,
oriundo dos Prazeres, tinha vindo para a Venezuela em busca de uma melhor vida para a
família.
“Muitas vezes não podia ir à escola porque tinha de cuidar da minha mãe quando
ela ficava doente. Era eu que muitas vezes levava as rédeas da casa”, recorda com
nostalgia, clarificando que tanto ela como os seus irmãos, terminaram a primária.
A pouco e pouco, a sua família foi vindo para a Venezuela. A mãe, ajudando um dos
irmãos a fugir da tropa, trouxe-o para a Venezuela, e aqui ficaram todos. “A minha mãe decidiu não voltar à ilha porque na Venezuela conseguiu mais oportunidades para ter trabalho, e passado um tempo mandava dinheiro para as minhas irmãs e para mim”,
conta Rodrigues.
Ficou na Madeira sozinha com duas irmãs aos 16 anos de idade. “Graças a João
Rosário, da Ponta do Pargo, nós tivemos uma casinha onde viver durante um ano,
depois de a minha mãe ter vindo embora e nós termos ficado as três sós. Ele emprestou-nos um quarto com cozinha onde vivemos até que nos mandaram buscar”, recorda Maria Irene, acrescentando que a carta de chamada era para ela e para outra das suas irmãs, já que a mais nova devia ficar sozinha na ilha, ao que Rodrigues respondeu: “Ou vamos as três ou não vai nenhuma”. Foi assim que chegaram as três à Venezuela, no navio Henrique C.

Nova terra, novos sonhos

Ao chegar à Venezuela, em 1968, começou a trabalhar a terra junto com os seus pais
num terreno situado em El Hatillo. “Ajudava-os a colher as verduras”, recorda. Uma
emigrante portuguesa chamada Virgínia e oriunda da Calheta ajudou-a a conseguir
trabalho, e colocou-a imediatamente num casa de família, e nessa mesma noite, com
apenas 19 anos, foi viver para o local onde trabalhou durante um ano. Passado esse
tempo, regressou à família e trabalhou em El Hatillo durante mais seis meses na terra, cuidando das hortaliças.
Depois, apareceu na sua vida Alberto Rodrigues, natural dos Canhas, com quem
está casada há 42 anos e de quem tem dois filhos: Carlos Alberto e Maria Isavette
Rodrigues. Tiveram uma padaria durante sete anos, mas a sua verdadeira paixão eram as
flores, pelo que abriram o viveiro Los Nietos, na Cortada El Guayabo.
O filho também trabalha no viveiro e ajuda os pais no negócio. A filha, que estudou
Informática, também passa ali os fins-de-semana. “Adoro quando os meus netos vêm e
desfrutam dia e noite em contacto com a terra, com as plantas”, confessou Rodrigues.
“Adoro ‘inventar’ no viveiro, o melhor que faço é conseguir obter várias cores nas
jarras e nos lírios, isso faz-me imensamente feliz”, e confessa que as suas favoritas são as jarras Rabinho de Porco.
Rodrigues diz que ter um viveiro é trabalhoso, “há que regar, alimentar, plantar, atender, mas adoro tudo o que faço.”
O que mais sente falta da Madeira são os noivos, e entre risos, Rodrigues confessa
que “foi o mais bonito, os melhores momentos.”
Após 37 anos, voltou à Madeira, “a ilha está muito mudada, muito bela, mas sinto que
já não me dou lá.” O seu local favorito continua a ser a Ponta do Pargo, “as pessoas têm mais calor, são mais próximas que no resto da ilha. Fiz ali toda a minha vida, os meus sacramentos, a escola, tudo.”
Apesar de ter passado maus momentos, os bons foram mais, e fizeram de Maria Irene
Rodrigues a mulher forte e trabalhadora de 62 anos que é hoje em dia.!

4.-Ana Pereira de Almeida-Chegou sem nada nos bolsos, mas os seusconhecimentos
na costura permitiram-lhe progredir
Quem a conhece identifica-a pela sua cabeleira totalmente branca e o seu bom
humor, perante qualquer situação.Essa cabeleira é o reflexo de anos de esforço e essa
simpatia foi-se forjando perante as adversidades. Ana Pereira de Almeida nasceu em
Oliveira de Azeméis (distrito de Aveiro) a 29 de Agosto de 1927. Os seus pais, José da Costa Almeida, era ferreiro. A sua mãe, Maria Pereira da Silva, vendia tecidos nos
mercados (feiras). Ambos trabalharam intensamente para fazer face às necessidades
básicas de Ana e das suas irmãs, Maria da Conceição e Amélia, num Portugal onde a
situação económica piorava a cada dia que passava. Aos 16 anos, conheceu António
Soares de Oliveira Maurício, que a pouco e pouco a foi conquistando com as suas
atitudes de cavalheiro e as suas picardias. Depois de vários encontros na Câmara
Municipal de Oliveira de Azeméis, lugar onde António trabalhava, decidiram casar-se.
Perante a ditadura de Salazar e a difícil situação do país, decidiram começar de zero e emigrar, indo em busca de novos horizontes. Foi então que apanharam o navio
Francisco Morocini em Lisboa, com destino à Venezuela. Depois de um mês de
navegação, chegaram ao mar venezuelano a 12 de Abril de 1952. No entanto,por ser
Semana Santa, permaneceram em alto mar durante três dias.Uma vez em terra
firme,dirigiram-se a Propatria, lugar onde um velho amigo lhes arrendou uma casa. Essa casa converteu-se logo numa oficina de sapatos: Ana e António dedicaram-se à costura de sapatos. Com o passar dos meses e a aparição de novas oportunidades, António começaria a trabalhar para a Cervejaria Caracas como vendedor e Ana para duas
prestigiosas marcas de sapatos. Por essa altura, Ana teve de enfrentar a morte do pai à distância. Em 1955, decidem arrendar uma nova casa em Puente Hierro. Ali, a vida lhes daria uma bonita surpresa e receberama sua primeira filha no dia 7 de Outubro: Ana Maria. Oito anos depois, trariam ao mundo a sua segunda flor, a 24 de Fevereiro de
1963: Marisol. O tempo continuou a conspirar a favor do casal e deu-lhes a
oportunidade de comprar um apartamento no município Chacao em 1965. Ana
continuaria com o seu ofício de costura de sapatos e António passaria por diferentes
ofícios: Venda de licores,venda de câmaras fotográficas num local próprio e até
vendedor de seguros. Ana recorda com tristeza o ano de 1978 quando teve de viajar até
Portugal pois o estado de saúde da sua mãe era cada vez mais delicado. Nesses meses,
esteve longe da filha,que fazia 15 anos, e esta teve de celebrar sozinha com o pai. Em breve regressaria à Venezuela, com o pressentimento de que meses mais tarde seria
confrontada com a morte da mãe.A sua perda mais valiosa foi em Fevereiro de 2006,
quando António, o seu eterno companheiro de vida, fechou os olhos de forma
inesperada. No entanto, Ana Pereira enfrentou a situação agarrando-se intensamente aos seus filhos e aos seus três netos. Atualmente Ana tem 82 anos mas assegura sentir-se com 28. Sente-se bastante orgulhosa de ter suado bastante para dar um futuro às suas filhas.Sem lugar para dúvidas, Ana Pereira considera-se uma“venezuelana de coração”.
E neste país fazem falta pessoas como ela para preencher de alegria e trabalho honesto.

5.- Aqui tenho tudo e não saio

Maria do Carmo Pimentel é de São Miguel, Açores, e emigrou para a Venezuela há mais
de 50 anos, para estar com o marido e dar aos filhos uma melhor qualidade de vida.
Esta açoriana conta que se casou em Portugal, mas por insistência do marido em querer
tentar um futuro melhor fora do seu país de origem, viajou para a Venezuela, onde já
tinha família, e iniciou uma nova etapa da sua vida. “Casei-me com 22 anos e passado
pouco tempo, o meu marido veio para este país. Fiquei grávida e passado quase um ano,
enviou-me uma carta de chamada para que viesse”, recorda.
Durante o tempo em que esteve sozinha, Maria do Carmo dedicou-se aos trabalhos da
casa e a cuidar da sua filha primogénita, Carmélia. Passados nove meses, esta açoriana embarcou no ‘Santa Maria’, em 1959, e rumou a terras de Bolívar.
“Quando cheguei para encontrar-me com o meu marido, fiquei surpreendida pela
beleza de La Guaira. E estava ansiosa por estar com ele e mostrar-lhe a nossa primeira filha”, recorda Maria.
Uma vez em solo crioulo, Maria do Carmo começou a trabalhar na costura, em casa, ao
mesmo tempo que cuidava dos filhos. “Sabia costurar e procurei clientes para fazer todo o tipo de arranjos de roupa e confecção de vestidos”.
O casal teve mais três filhas para além de Carmélia. “Tivemos um casamento unido e
trabalhámos para dar tudo o que os nossos descendentes precisavam”, acrescenta.
Esta emigrante açoriana conta ainda que já foi à sua terra em duas oportunidades, para visitar uma das filhas, que vive em Portugal. “Cada vez que chego lá, tenho sentimentos recorrentes, mas é agradável, é uma sensação indescritível”, assinalou, manifestando que
Portugal é a sua terra mas que a Venezuela é o país onde se desenvolveu como pessoa.
Talvez por isso, Maria do Carmo diz que não troca a Venezuela, porque “aqui tenho
tudo, e não saio”. Esta lusa espera poder continuar a visitar a sua ilha e apreciar a
evolução do seu país ao longo dos anos. “O meu coração é português e venezuelano
porque tenho em ambos os países coisas valiosas e que amo”, concluiu Maria do Carmo.!

III.- IDENTIDADE DA MULHER LUSO-VENEZUELANA

Inserir numa sociedade cujos valores políticos, culturais, sociais e económicos diferem daqueles do país de origem , juntamente com o problema linguístico, é a principal problemática de qualquer comunidade emigrante. Os filhos de portugueses eram dos grupos menos representados no ensino secundário e nas universidades até meados do século XX. Portugal, ainda estava sob um regime ditatorial fascista e apresentava traços duma sociedade agrária, atrasada e subdesenvolvida. Para se entender a situação da mulher portuguesa devemos assinalar que “esta era encarada como célula social básica de reprodução da ordem e das tradições culturais.”A maior parte do trabalho assalariado era reservado aos homens, principalmente as atividades liberais e as realizadas em órgãos públicos, cabendo às mulheres o trabalho de baixa qualificação e remuneração.
A mão-de-obra feminina era composta basicamente por mulheres provenientes das
classes mais baixas e estas dedicavam-se principalmente às atividades rurais e, nas
zonas urbanas, ao trabalho como empregadas domésticas ou em pequenas lojas.
A perda da identidade portuguesa pode, e em efeito acontece em muitos casos, na
segunda geração entre os filhos que conseguem atingir o ensino superior. As mulheres
que atingem o ensino superior têm mais probabilidades de inserirem na sociedade do
país de acolhimento.
Estudos realizados assinalam duas vertentes nas razões que levaram a mulher a trabalhar fora de casa:
1.- A precária condição financeira da família de origem assim como a precária condição
económica da família constituída depois do casamento. Nestes casos a mulher não
continuou os seus estudos secundários.
2.- As mulheres de famílias com boas condições económicas ou de famílias com
bom nível educacional atingiram o ensino superior e exercem funções na docencia,
administração pública, meios de imprensa, etc.
Através de testemunhos podemos constatar que a educação familiar teve um peso
significativo na formação e na vida das mulheres de origem portuguesa, tendo muitas
delas relatado que os pais eram severos e austeros, ensinando principalmente os
costumes da sociedade portuguesa. Relatam que tiveram uma educação diferenciada
em comparação aos irmãos, pois, não gozando de nenhuma liberdade, deveriam ser
acompanhadas sempre que saíam de casa, seja pela mãe ou por um irmão. Os pais
controlavam bem de perto a sua vida até ao casamento, para entregar a filha "intacta" ao futuro marido.
No entanto, as mulheres da segunda geração, que atingiram um nível educativo
superior, são pessoas na maioria das vezes com uma identidade ambígua. Conhecem
bem os padrões da pátria dos seus pais, não partilham a sua rigidez, mas gostam
dos seus hábitos alimentares e das reuniões familiares aos domingos e nos dias de
festa. No entanto, já não conseguem ter grande fluência na língua dos pais, limitando
o seu vocabulário ao indispensável para a comunicação doméstica. Isto traz como
consequência que seja mais fácil expressarem-se na língua do país onde vivem e muitas
vezes já nem se identificam como portuguesas.

IV.- A ATUAL MULHER LUSO-VENEZUELANA

Em Março de 2011, com motivo do Dia Internacional da Mulher, um jornal local, O
Correio de Venezuela, falou de várias mulheres na diáspora luso-venezuelana e que me
parece muito ilustrativo para demonstrar a reafirmação da mulher luso-venezuelana.

1.- Sociedade de Beneficência de Da-mas Portuguesas:

Actualmente, a responsável pela liderança das damas lu-sitanas é Mary Monteiro,
que, com o seu temperamento e a sua paixão pelo trabalho social, tem feito importantes contributos em benefício dos mais necessitados. No entanto, não está só: É acompanhada por Teresa de Fernandes, María Fa-tima Pita, Mari Cova, Luz Da Silva
Branco, Maria Eugenia de Freitas, Maria José Vieira.
A Sociedade de Beneficência de Damas Portuguesas ajuda tam-bém instituições
venezuelanas como a Avepane, Hospital de Crianças J.M. de Los Ríos, Asocirpla,
Fundana, Fundação Padre Pio, entre outras. Para além disso, faz donativos per-manentes a algumas famílias e ajuda algumas pessoas em pro-cessos cirúrgicos e doenças.
Outro importante trabalho le-vado a cabo pelas Damas Por-tuguesas é a administração
do Lar Padre Joaquim Ferreira. Neste caso, as pessoas encarre-gues de dirigir a
instituição são Maria Inocência da Silva, Vera Natália Bastos, Maria Rosa Martins,
Crisanta Campos, Manuela Rodrigues, Maria José Abreu, Maria Augusta da Silva,
Natália Rodrigues, Ma-ria Fernanda Moreira, Alda de Sousa e Jeanethe Sousa.

2.- Academias da Espetada

Foi no ano 2003 que Noemi Coelho, acompanhada por um gru-po de mulheres
habitantes de Maracay, estado Aragua, organizou a primeira Acade-mia da Espetada
na região. A ideia era simples: Fazer um jantar mensal onde um grupo de mulheres
comessem espe-tada e angariassem dinheiro que se destinaria a obras de beneficência.
Actualmente, a academia estende-se a Caracas e Barquisimeto. É ainda espe-rada a
criação de uma terceira filial no estado Carabobo.
A Academia da Espetada de Maracay organiza tertúlias de beneficência há oito anos.
A actual presidente, Ana Maria Abreu, conta com o apoio de Fátima Fernandes
de Pestana, Adriangela Goncalves, Fátima Soares, Ana María de Vera-cruz, María
Helena de Vera-cruz, Salomé de da Silva, Ma-ría Graca de Canha, Micaela Varguem,
Coicencao Figueira, Elisabety de Abreu, María José Goncalves, Jovita Da Silva y
Manuela Fernandes.
A Academia da Espetada de Ca-racas foi criada a 18 de Maio de 2009. Conta com
a orientação de Sílvia Henriques, acompan-hada por Maria Couto, Móni-ca da Silva,
Elsa Abreu, Maria Odília Rodrigues, Maria Luísa Nunes, Maria José Farias e Ana de
Castro, e mais de 100 mul-heres reúnem-se mensalmente em diferentes restaurantes e
salões de banquetes da capital.
Meses mais tarde, a 19 de Outubro de 2009, Trinidad Macedo teria a ideia de orga-
nizar a Academia da Espetada em Barquisimeto, estado Lara, onde, junto com Maria
Matias, Fátima Macedo, Maria Mestre, Irene Ferrão, Conceição de Sousa, Teresa da
Silva, Janeth Farias e Eleonara Soares, já realizaram 15 encontros.

3.- Alcaldesa Municipio El Hatillo

Myriam do Nascimento. Licenciada em Publicidade e Marketing, e com cursos em
áreas como Gestão e Legislação Municipal, Administração Tri-butária, Participação
Cidadã e Controlo de Gestão, trabal-hou durante 25 anos no sector público.

4.- Assambleia da República

Deputada do partido do poder Desireé Santos Amaral: Licenciada em Jornalismo
e defensora acérri-ma dos direitos individuais, passou das páginas dos jornais aos
meandros da Assembleia Nacional venezuelana

5.- Conselheiras Das Comunidades Portuguesas

a.- Lic. Maria de Lurdes De Almeida- professora de línguas, magister em planificação
educativa, condecorada em várias oportunidades pelo seu desempenho laboral dentro e
fora da comunidade.
b.- Estela Lúcio- presidente da Associação dos Filhos de São Vicente, empresária.

6.- Executiva na área farmacéutica

Noreles Mendonça Mendes- luso-descendente iniciou o curso de Farmácia na
Universidade Central de Venezuela. Em 2002, saiu já licenciada, com especialização em
Análise de Medicamentos. Posteriormente, fez uma pós-graduação também na UCV,
juntando ao seu currículo uma especialização em marketing de empresas. Começou a
trabalhar de imediato numa farmácia, para depois integrar a equipa de profissionais de um laboratório nacional. Mas também se manteve durante pouco tempo, pois, passado
menos de um ano, assinou um contrato para trabalhar na Sanofi–Synthélabo. Isto foi
em 2004, e até à data, trabalha nesta empresa farmacêutica, que hoje em dia se chama
Sanofi-Aventis.

6.- ARTES E ESPECTÁCULOS

a.- Marlene de Andrade: Esta modelo e ac-triz luso-venezuelana, depois de passar
pelo Miss Venezuela 1997, iniciou uma carreira como modelo em diferentes países. No
regresso à Venezuela, foi escolhida para encarnar ‘Pipina’ na no-vela ‘Carita pintada’.
Daí seria sempre a subir, participando noutras produções como ‘Mis tres hermanas’, ‘La soberana’, ‘Trapos íntimos’, ‘Mujer con pantalo-nes’, ‘Arroz con leche’, ‘La vida
entera’ e ‘La Mujer Perfecta’. Isto sem contar com o papel no filme ‘La señora de
Cárde-nas’ e ainda as fotografias como ‘Chica Polar’.
b.-Marjorie de Sousa: Esta actriz começou a sua carreira artística aos 12 anos em
alguns comerciais para televisão. É em 1999, depois da passagem pelo Miss Venezuela,
que inicia a sua carreira como actriz de televisão, nas teleno-velas ‘Amantes de Luna
Llena’, ‘Guerra de Mujeres’, ‘Gata salvaje’, ‘Mariana de la noche’, ‘Rebeca’, ‘Ser
bonita no basta’, ‘Y los declaro marido y mujer’, ‘Amor Comprado’, ‘¿Vieja
yo?’, ‘Pecadora’ e ‘Sacrificio de Mujer’. Destaca-se tam-bém o seu desempenho como
modelo para marcas conhecidas como a Polar e a Pepsi Cola.
c.-Myriam Abreu: A jovem actriz luso-des-cendente saltou para a fama depois de
participar no certame de beleza mais importante do país, onde representou o estado de
Miranda. Desde então, a sua carreira começaria a desenvolver-se com participações
no talk show ‘Cásate y Verás’ e na série juvenil ‘Túkiti’. Mais à frente, interpretaria personagens nas telenovelas ‘La Trepadora’, ‘Necesito una amiga’ e ‘Libres como el Viento’.
d.-Aileen Celeste: Esta luso-descendente começou a sua carreira no ‘El club de
los tigritos’ e como animadora de ‘Toda acción’. Posteriormente, iniciaria a sua
carreira de actriz com as telenovelas ‘Jugando a ganar’ e ‘Calipso’. Depois de seis
meses a trabalhar como modelo no México, regressaria à Venezuela para participar
nas telenovelas ‘La niña de mis ojos’, ‘Mi gorda bella’, ‘La Cuaima’, ‘Natalia de 8
a 9’, ‘Mujer con pantalo-nes’, ‘Por todo lo alto’ e ‘Nadie me dirá como quererte’.
Isto sem contar com a sua aparição nos comerciais da Chi-notto, Coca-cola, Wella e
Biotherm.
e.-Laura Vieira: É comunicadora social, tendo estudado na Universidade Ca-tólica
Andrés Bello (UCAB) na área de Jornalismo Audiovisual. Também se licenciou em
Administração. De su-blinhar que depois de ter sido avaliada pela sua tese universitária,obteve o segundo lugar do prémio Eduardo Frías e uma bolsa para estudar no exterior, assim viu a publicação de grande par-te do seu trabalho. O profissionalismo desta luso-descendente foi observado por milhares de espectadores em ‘El Informador’, ‘Sálvese Quien Pueda’ e na apresentação de programas como o Miss Mundo e Miss Universo.
f.-Catherine Correia: Com apenas 9 anos de idade, esta actriz iniciou a formação
ar-tística ao estrear-se nos palcos com ‘El Libro de la Selva’. Aos 19 anos, começou
os estudos de Filosofia na Universidade Católica Andrés Bello, ainda que não
tenha podido continuar devido a diver-sos compromissos artísticos. Quatro anos
depois, participou em três obras consecutivas: ‘Buster Reatón’, ‘Subma-rino
Amarillo’, ‘Cuentos de Sábado’ e ‘Yerma’. Em 1993, começaria a sua fama ao animar
o ‘Club Disney’ na RCTV e com a participação nas telenovelas ‘El Desafío’, ‘Entrega
Total’, ‘Llovizna’, ‘Cambio de Piel’, ‘Aunque me cueste la Vida’, ‘Carita
Pintada’, ‘Viva la pepa’ e ‘La Cuaima’.
g.-Flor Helena Gonzalez: Iniciou a sua carrei-ra aos 10 anos de idade no
espectáculo ‘Domingos con Popy’. Tempos depois, iniciou a formação em
representação e participou nas telenovelas ‘María Sole-dad’, ‘Por estas calles’, ‘La
Dueña’, ‘Doña Perfecta’, ‘El Hombre de hierro’, ‘Amo-res de fin de siglo’, ‘Cambio de
piel’, ‘Mis tres hermanas’, ‘La Soberana’, ‘Juana, la Virgen’ e ‘La Cuaima’.
h.-Vanessa Gonçalves: Nasceu a 10 de Feve-reiro de 1986 e fez vibrar a comunidade
lusitana a 28 de Outubro do ano pas-sado, ao ser coroada como a primeira Miss
Venezuela de origem portuguesa. Estudou na faculdade de Odontologia da
Universidade Santa Maria, e no seu primeiro ano de reinado, Vanessa tem participado
em diversos programas televisivos nacionais e internacionais, convertendo-se numa das
figuras do ano no mundo.

V.- CONCLUSÃO

Se bem é certo que nos principios da emigração portuguesa, no que refere à Venezuela,
observamos a típica emigração da mala de cartão, a saudade do país que deixaram
atrás e da família que não voltariam a ver senão depois de muitos anos, não é menos
certo que esta emigração logrou inserir na comunidade venezuelana e traspassar as
barreiras culturais e linguísticas que num principio llhes parecia quase impossível.
Os portugueses estão hoje perfeitamente integrados na cultura, na sociedade e na vida económica venezuelana. No entanto também observamos que as novas gerações estão a afastar-se das raízes portuguesas. É por isto que Portugal deve reforçar a relação ibero-americana, a qual deve passar pelo fortalecimento nas áreas política e económica, mas também pelas áreas educativa e cultural. Não podemos perder de vista que o multiculturismo e a globalização são fenómenos crescentes e irreversíveis.

VI.- BIBLIOGRAFIA

.- Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales- Universidad de
Barcelona. Nº 94 (30) 1 de agosto de 2001. Prof. Dr. Jorge Carvalho Arroteia-
Universidade de Aveiro
.- RTP- Ei-los que partem- A História da Emigração Portuguesa-Serie

Documental
.- Memórias da Emigração Portuguesa- Porque emigram os Portugueses-
Carlos Fontes
.- Jornal Correio de Venezuela
.- Os Portugueses na Venezuela- -Nancy Gomez- 2010
.- Cadernos Ceru- História da Mulher Migrante
.- Imaginário.- Junho 2007- ISSN 1413-666X