AURORA CUNHA
Presidente de Honra do Encontro Mundial
Mensagem
Em primeiro lugar gostaria de felicitar a organização da Associação Mulher Migrante por mais este congresso realizado na linda cidade da Maia, nos dias 24 a 26 de Novembro de 2011.
Foi com grande satisfação e orgulho que no dia 24 recebi tão sentida homenagem por esta associação entregue pela Doutora Manuela Aguiar, uma grande amiga que, ao longo dos anos, tem tido um papel na igualdade dos direitos e oportunidades da Mulher.
Eu, durante 20 anos, competi em vários países do mundo, dando muitas vitórias e muitos títulos aos nossos emigrantes, e guardo muitas recordações.
Actualmente, o meu papel na sociedade está ligado à sensibilização de todas as pessoas para a prática de exercício físico, e consegui implementar em Portugal a corrida da Mulher com a vertente de angariação de fundos para a Liga Portuguesa contra o cancro, onde, mais uma vez, as mulheres portuguesas mostraram ser solidárias, pois chegamos às 15.000 Mulheres.
A todas deixo saudações desta vossa amiga
Aurora Cunha.
SESSÃO DE ABERTURA
-MARIA MANUELA AGUIAR
Presidente da Assembleia Geral da Associação Mulher Migrante
Em nome da Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade Mulher Migrante, uma breve saudação de boas vindas.
Um agradecimento especial ao Senhor Presidente da Câmara da Maia, Engº António Bragança Fernandes, que tão bem nos recebe neste “Forum”, “ex libris” da modernidade da Maia e um centro da sua vida cultural. E, por isso, o melhor lugar para dizer ao Senhor Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, Dr José Cesário, que nada do que vai acontecer nestes dias intensos seria possível sem o seu incentivo e apoio, de primeira hora - sem a vontade de que dá provas de querer avançar para uma nova e decisiva fase nas políticas para as comunidades, com uma vertente de género, com acento nas questões fundamentais da cidadania, da sua vivência por mulheres e homens, através do livre exercício dos seus direitos cívicos e políticos.
Obrigada Aurora Cunha por nos dar, como convidada de honra deste Encontro, o que vem dando ao País, desde o início de uma carreira fulgurante: tanto ou mais do que vitórias, que ficaram para a eternidade em muitos campeonatos, em muitas maratonas, o exemplo de uma vida inteira de constante intervenção cívica, de solidariedade, de capacidade de ultrapassar limites, que é, afinal, a essência do desporto, em estado puro, e, igualmente a essência da luta por quaisquer ideais servidos com paixão.
Aurora Cunha, um rosto feminino para a nossa história, para a história que se escreve com grandes feitos desportivos. A primeira mulher portuguesa campeã do Mundo de atletismo, tri campeã do mundo, (faz neste Novembro de 2011, precisamente 25 anos!). É, assim, a todos os títulos, verdadeiramente, uma honra ter entre nós a Mulher encantadora, sincera e vibrante, que humaniza e feminiza o mito vivo, que é a desportista!
Obrigada a todas e a todos pela vossa participação, de um enorme significado, porque com ela, se vai traçar, inteiramente, o destino este Encontro Mundial, no cumprimento dos seus objectivos. o primeiro dos quais é criar um espaço de reflexão sobre as formas de transformar a sociedade portuguesa, de a abrir à consciência da sua verdadeira dimensão, que não cabe num pequeno rectângulo europeu e nas ilhas atlânticas. Portugal é muito mais mar do que solo pátrio. Portugal é muito mais a sua gente do que o seu território. Herança de uma história antiga que as migrações prosseguiram, até nossos dias, com homens e mulheres – cada vez mais mulheres! - que se dispersam no “mapa mundi” da geografia, mas permanecem enraizados na cultura de origem.
É desse sentimento de pertença que nascem as comunidades portuguesas, numa emigração de famílias inteiras, como é a nossa. Um movimento caracterizado pelo equilíbrio de género e geração, alcançado desde meados do século passado, e anunciado por um crescendo da emigração feminina já nas décadas anteriores. Um crescendo, então, como se sabe, denunciado e combatido por políticos e estudiosos do fenómeno migratório porque receavam que a emigração feminina reconvertesse o projecto de" torna viagem" de homens sós num projecto de integração definitiva da família reagrupada no estrangeiro, em "pura perda" para o nosso país. E decretaram medidas de fortes restrições da liberdade de saída das mulheres, que praticamente duraram até a democratização do regime...
Todavia, só parcialmente tiveram razão, na estrita medida em que se aperceberam de que a presença das mulheres contribui decisivamente para a consolidação de situações de vida em sociedades estrangeiras, para a estabilidade e o bem-estar económico da família. Mas não adivinharam que nessa aceleração e melhoria qualitativa do processo de integração - devida directamente ao contributo das mulheres se haviam de gerar as comunidades, através das quais Portugal se expande universalmente. O que representa um proveito superior a quaisquer perdas...
Em tempo de crise profunda e regressão económica, cá dentro, como é bom constatar que uma grande parte da Nação Portuguesa progride lá fora, sempre pronta a dar-nos razões de esperança! Assim saibamos ir ao seu encontro, que é justamente uma das razões que hoje nos move.
Não estamos numa reunião em círculo fechado de mulheres a falar sobre mulheres migrantes, mas sim globalmente sobre emigração, diáspora, Portugal, sem, porém, omitir, como é coisa corrente, a componente feminina, quase sempre, esquecida e marginalizada. E justamente porque tem sido marginalizada comporta maiores virtualidades de operar mudanças e assegurar progresso colectivo.
A paridade está há muito conseguida na proporção homens/mulheres nas comunidades portuguesas. Todavia, não se reflecte ainda de um modo equitativo e eficiente num poderoso e multifacetado movimento associativo, sobretudo no que respeita aos seus centros de decisão e de poder formal. Pelo contrário, a divisão de trabalho dentro desse todo organizacional, suporte originário e consistente das comunidades, tende ainda a reproduzir na "casa comum", que é a associação, os papéis de cada um dos sexos na casa ou na família tradicional. É ainda um universo predominantemente masculino, conservador de mentalidades, de costumes e de valores - uns intemporais que merecem a nossa admiração, mas outros anacrónicos, que importa deixar para trás - caso das discriminações de género e de geração, que condicionam o crescimento das comunidades, através da metade feminina, tão pouco aproveitada, e dos mais jovens, ainda insuficientemente envolvidos num dirigismo associativo que, com todas as virtudes que se lhe reconhecem, envelheceu no poder, um pouco por todo o lado...
A evolução positiva que vai acontecendo e importa registar, varia muito, nos vários continentes e países. A perspectiva ou visão comparativa, pode, a meu ver, contribuir para um acertar do passo, com a força dos paradigmas mais igualitários. Por isso, a partilha dos resultados da observação no terreno, de estudos científicos, que permita a constatação de avanços, ou, pelo contrário, da persistência de obstáculos e injustiças, pode tornar-se um factor de mobilização para a mudança e assumir verdadeiro interesse estratégico. Um Encontro de âmbito internacional, como este, é sempre uma oportunidade de fazer um balanço, de buscar inspiração em modelos já experimentados, de traçar novas linhas de actuação...
Historicamente o que podemos designar por "congressismo", foi uma arena privilegiada de luta pela emancipação das mulheres - um espaço de diálogo, de concertação de esforços e união, de visibilidade e de protagonismo para elas e para as suas ideias. Na cena de convenções, de colóquios, de sessões de esclarecimento, de comícios, se fez a transição de uma vivência restrita à esfera privada (ou, noutras palavras, de um regime de clausura doméstica...) para a esfera pública. Sair da sombra, sair do anonimato, foi um acto de extrema coragem e audácia para mulheres que se sujeitaram, a todos os riscos e formas de censura social, foi um acto portador de promessas de cidadania.
Elizabeth Cady Stanton, que, em 1848, presidiu à Convenção de Seneca Falls e, pessoalmente, redigiu, a famosa "declaração" , tem hoje a sua estátua no Capitólio, como a sufragista Emmeline Pankhurst faz jus a um monumento junto ao parlamento de Londres, cujas ruas tantas vezes percorreu em ruidosas marchas de protesto.
Nada de comparável, em termos de reconhecimento público, mereceram dos homens seus contemporâneos as notabilíssimas feministas da 1ª República, cuja evocação aqui quisemos trazer. Num "Encontro" pensado para nos levar em viagem pela história das mulheres da Diáspora não é demais começar na origem remota de um movimento para a igualdade de género, ainda tão longe de estar alcançada.
Mudam os tempos, o estatuto de direitos, as situações reais, mas acreditamos que os mesmos instrumentos podem servir em novos patamares de progresso civilizacional, particularmente nos domínios da Diáspora feminina. No que à nossa respeita, o congressismo teve a sua grande manifestação pioneira em Viana do Castelo, de 16 a 20 de Junho de 1985, no “1ºEncontro de Mulheres Migrantes no Associativismo e no Jornalismo”.
A Associação "Mulher Migrante" assumiu-se, desde a sua constituição, quase uma década depois, como herdeira das aspirações e das propostas dessa reunião, precursora de tantas outras: o Encontro Mundial de Espinho, em 1995, os "Encontros para a Cidadania - 2005-2009", e, pelo meio, inúmeras iniciativas que cabem na definição ampla de "Congressismo".
Contámos com a cooperação do Estado, assim como de ONG’, dentro e fora do País, para uma acção incessante, como tem de ser, para que se não deixe esmorecer a vontade de trabalhar em conjunto e de ultrapassar metas...
No ano passado, a Assembleia da República, na Resolução nº 32/2010 da autoria do então deputado José Cesário, veio reconhecer a necessidade de promover um amplo programa que conduza à plena participação das mulheres na vida das comunidades.
No Governo, o Dr José Cesário não tardou a dar-lhe início de concretização e, como na economia da Resolução se preconiza, em parceria com a sociedade civil.
As finalidades da “Resolução” são também as nossas, as de todas as instituições e de todas as pessoas que, na Maia, se dispõem a pensar as formas de as levar a cabo.
Direi a concluir que este é um "Encontro" em que se entrelaçam muitos encontros:
Um encontro com as lições e ensinamentos do passado, em que lembramos aqueles que connosco estarão sempre na memória…
Um encontro de mundos, do mundo político com o da sociedade civil, do mundo académico com o dos protagonistas da aventura da emigração, e entre portugueses e portuguesas de dentro e de fora dos limites territoriais...
Um encontro de formas de viver a identidade nacional - encontro de culturas, em busca da definição do feminino na cultura, ou da cultura de que "constrói" o feminino. "On ne naît pas femme, on le devient", como disse Simone de Beauvoir…
Assegurar às mulheres o seu lugar na sociedade, iguais oportunidades de serem sujeitos da "história por fazer”, no País e na Diáspora, significa mais cidadania para elas, mais força para as comunidades, a certeza da expansão da língua e da cultura nacionais.
Queremos olhar a história das Mulheres Migrantes no seu devir, porque, como disse Agostinho da Silva, “toda a História que vale é do futuro”.
ANTÓNIO GONÇALVES BRAGANÇA FERNANDES
Presidente da Câmara Municipal da Maia
Foi com subida honra que a Maia acolheu e apoiou o 3º Encontro Mundial de Mulheres
Portuguesas na Diáspora que decorreu de 24 a 26 de Novembro de 2011 no Fórum da Maia, numa iniciativa conjunta da Secretaria de Estado das Comunidades e da Associação Mulher Migrante e Participante da Diáspora, a qual contou com ilustres personalidades femininas, mas também masculinas.
Tendo integrado esta iniciativa uma Exposição Coletiva de Pintura e Escultura subordinada ao tema “Feminino Plural” e “Rostos da República” que ficou patente na Biblioteca Municipal Dr. Vieira de Carvalho até ao final do ano de 2011, prestou-se assim homenagem de forma simbólica a todas as mulheres portuguesas na diáspora, através da evocação de duas grandes personalidades que muito fizeram, pela Diáspora Feminina. Maria Lamas mulher de personalidade dinâmica e afirmativa, que desenvolveu vários projetos, organizando conferências, concertos e exposições, refletindo na sua obra escrita, a sua experiência de vida quer durante o período em que permaneceu em África depois de casar, quer como membro do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, associação fundada durante a I República, quer ainda como membro do Conselho Mundial da Paz, que a levou ao exílio, durante oito anos, na cidade de Paris, tendo sido uma das primeiras pessoas a receber a Ordem da Liberdade das mãos do Presidente da República, a qual viria a falecer em Portugal ao 90 anos de idade e Maria Archer, ficcionista, ensaísta, tradutora, jornalista, poeta e dramaturga, que
nasceu em 1905, em Lisboa, e faleceu na mesma cidade aos 77 anos, tendo também a sua obra espelhado a sua experiência de mulher migrante por terras de Moçambique, Guiné e Angola até se voltar a fixar na metrópole.
Traduzindo-se o fenómeno da migração feminina num tema que desperta tão grande interesse de estudiosos e investigadores do mundo inteiro, acredito na utilidade destes fóruns de partilha de saberes e de experiências e na importância de uma atuação informativa e sensibilizadora nestas áreas. Considero que mais do que um encontro de mulheres, este Encontro Mundial das Mulheres Portuguesas na Diáspora que se realizou na Maia, foi um encontro sobre as mulheres no contexto da migração e da sua importância ao longo dos tempos e no momento atual, em que a presença feminina assume especial relevância em todos os quadrantes e segmentos da vida política, social, cultural, desportiva e também ao nível da investigação, entre outros.
O Concelho da Maia sempre fez questão de acompanhar a abordagem dos grandes temas da
atualidade, tendo sido com grande satisfação que viu realizar-se este Encontro Mundial em Terras da Maia, que por sua vez também tem tradições migratórias, pelo que em momentos como este aproveito sempre para recordar que foi com a ajuda dos emigrantes que, quando regressavam definitivamente a Portugal, ajudaram a construir este lindo concelho que é a Maia de hoje.
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MARIA AMÉLIA PAIVA
Cônsul- Geral de Portugal em Newark
“I feel that what we must say to one another is based on encouraging each of us to be true to herself: “Now that we are equal, let us dare to be different” .
Estas são palavras da Engenheira Mª de Lourdes Pintasilgo – uma das mais notáveis portuguesas do século XX e inícios do século XXI, que tive o privilégio de conhecer e, que no decurso da sua vida, muito fez pela promoção da igualdade entre mulheres e homens, tendo sido uma das precursoras na defesa de uma acção pró-activa e consistente por parte da Administração Pública no sentido de combater a discriminação a que as mulheres foram sujeitas durante séculos.
Comemora-se hoje, 25 de Novembro, o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres e, estou certa que em Portugal, como um pouco por todo o mundo serão muitas as iniciativas, que nos convocarão a reflectir sobre esta questão e a manter o tema na agenda pública.
Poderão perguntar-se porque é que eu como diplomata e exercendo pela segunda vez as funções de Cônsul-Geral vos trago hoje este tema. Faço-o sobretudo por que não obstante os muitos progressos e a crescente consciencialização de que a violência contra as mulheres é intolerável, muitas são infelizmente as mulheres e as famílias que nas nossas comunidades continuam, em silêncio, a sofrer esta terrível forma de discriminação. O tema não faz notícia nos jornais comunitários, mas a sua invisibilidade não é sinónimo de inexistência.
Apesar daquele silêncio, a minha experiência profissional mostra-me, no entanto, o contrário já que muitos dos detidos que visitei e visito me dão conta de estar a cumprir pena por crimes de violência doméstica. São eles próprios que me relatam a “surpresa” de serem detidos pelo facto de, nas suas palavras, apenas “terem dado uma bofetada ou um encontrão”.
Por essa razão, e porque a persistência da violência em qualquer das formas que ela possa ter é uma violação dos direitos humanos de todas as mulheres e claro também das mulheres migrantes, me permito trazer-vos estas curtas palavras de reflexão e alerta.
Por outro lado, e numa tónica mais pessoal, o tema também me toca porque foi há doze anos quando era delegada de Portugal nas Nações Unidas e responsável por estas temáticas, que foi adoptada, a 17 de Dezembro de 1999, pela Assembleia Geral das Nações Unidas a Resolução 54/134, pela qual se decidiu designar o dia 25 de Novembro como Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres. Podemos, creio, afirmar que a comemoração deste Dia Internacional tem constituído em todo o mundo, mas também no nosso país, uma importante chamada de atenção para o facto de que “a violência contra as mulheres é uma manifestação da desigualdade histórica das relações de poder entre as mulheres e os homens…e que a violência contra as mulheres é um dos mecanismos sociais pelo qual as mulheres são forçadas a assumir posições de subordinação, em comparação com os homens” (parágrafo preambular 6 da Resolução 54/134).
Importa ainda referir que no próximo dia 18 de Dezembro se comemora o 32º aniversário da adopção, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, depois de um longo e duro processo de negociação entre os Estados, da Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW).
Verdadeira Carta dos Direitos Humanos das Mulheres, a Convenção é um documento de carácter global e vinculativo para todos os países que a ratifiquem. É o caso de Portugal que ratificou a Convenção sem reservas, em 1980, tendo sido o quinto país do mundo a fazê-lo.
A Convenção integra um conjunto de disposições muito amplo, abrangendo direitos civis e políticos e também direitos económicos, sociais e culturais, o que constitui uma inovação a registar. Por outro lado, contém uma definição clara de discriminação, isto é, a distinção, exclusão ou limitação com base no sexo que prejudica o reconhecimento ou exercício de direitos fundamentais.
A Convenção, conhecida habitualmente pela sigla CEDAW (Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women) é um documento fundamental na evolução do pensamento internacional e do respectivo discurso sobre a igualdade de género. Se é certo que a Convenção não resolve todos os problemas, até porque o seu cumprimento envolve problemas estruturais muito profundos, por outro lado, ela abre a porta a uma nova compreensão das questões relativas à igualdade e aos direitos humanos das mulheres. São matérias que se tornam progressivamente questões políticas e que o poder político começa a olhar como questões de sociedade, e não apenas das mulheres.
Para combater a violência doméstica, bem como outras formas de violência, não basta proteger e ajudar as vítimas (mulheres, ou crianças, idosas/os ou deficientes), sendo necessário que a sociedade se ocupe também da pessoa violenta para evitar a repetição desses comportamentos e o surgimento de novas vítimas. A redução ou eliminação da violência contra as mulheres obtêm-se, não apenas lidando com as suas consequências, mas, particularmente, atacando as suas causas.
Estou consciente das dificuldades deste combate mas convicta que só através de uma abordagem multidisciplinar é possível responder ao desafio de tornar possível a existência de famílias e de uma sociedade em geral livres da violência contra as mulheres. Este é um desafio que podemos vencer e para o qual todas e todos somos chamadas/os a dar o nosso contributo, em Portugal e nas comunidades da diáspora.
O problema da violência contra as mulheres – assuma ele a forma de violência doméstica, tráfico e exploração sexual ou outras formas de discriminação nos mais variados domínios, não são problemas das mulheres, são problemas de toda a sociedade, logo o seu combate é um dever de cidadania.
Estamos aqui neste Encontro Mundial para celebrar as muitas conquistas das mulheres portuguesas da diáspora, pelo que gostaria de concluir estas minhas palavras com uma saudação para as congratular pelos muitos progressos alcançados mas também para vos dizer que o progresso do mundo em que vivemos necessita de mais mulheres em posições de responsabilidade, não apenas na esfera política, mas também nas áreas da economia, das finanças e da cultura, e da mesma forma nas organizações das comunidades lusas espalhadas pelo mundo.
Ser mulher, ser diferente e propor novas formas de ver e construir uma sociedade mais justa, mais democrática, e mais inclusiva e por isso e para isso mais igual, não é um desafio que, se levado até às suas últimas consequências e em coerência, seja fácil de concretizar sem desagradar a muitos sectores, sendo, por essa razão, urgente e necessário.
Na realidade, o desenvolvimento sustentável e o futuro dos nossos países dependem claramente de uma participação mais activa de todos os cidadãos – homens e mulheres – a todos os níveis da vida (económica, demográfica, social, política e cultural).
Não há domínios a excluir, pois esse é o significado cabal do termo consagrado na Conferência de Pequim – a integração da perspectiva de género - isto é, a integração plena dos interesses e dos “olhares femininos” sobre o mundo e as suas realidades. Essa partilha de responsabilidades é um instrumento fundamental na construção de uma sociedade em que todos são efectivamente iguais perante a lei e se sentem realizados/as.
FEMINISTAS DA DIÁSPORA - HOMENAGEM A MARIA LAMAS E MARIA ARCHER
MARIA DE JESUS BARROSO SOARES
Presidente da Fundação Pro Dignitate
Conheci Maria Lamas na década de 40 quando ela estava à frente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas. Frequentava eu então a Faculdade de Letras e representava no Teatro Nacional.
O Conselho tinha junto das mulheres portuguesas um prestígio muito grande sendo, no Portugal de então, um oásis de liberdade onde várias mulheres reflectiam e discutiam sobre diversos temas podendo fazê-lo ali com outra liberdade que não aquela de que gozavam fora dele.
Mesmo assim, é verdade, havia uma vigilância constante da parte da polícia política – a famigerada PIDE – que estava atenta a tudo o que se dizia e fazia no país. O Conselho já vinha da primeira República onde funcionava sem vigilâncias nem censuras ou intervenções policiais.
Maria Lamas exerceu sempre o seu cargo com grande competência, merecendo o apoio e consideração da generalidade das mulheres portuguesas muito embora maior das que tinham actividade política e aproveitavam as poucas oportunidades que se lhes ofereciam para exprimirem as suas opiniões e afirmarem o seu repúdio pelo regime político que nos perseguia ao mínimo pretexto.
Era o tempo da ditadura, do governo persecutório, intolerante e violento de Salazar que nos dominou durante vários anos, quase meio século. Maria Lamas, mulher de grande carácter e grande coragem não se coibiu de exercer a sua cidadania mesmo com grandes riscos, ameaças e até prisões.
Foi conhecida a sua atitude de apoio à candidatura do General Norton de Matos aproveitando o exíguo mês de pseudo-liberdade do período eleitoral para denunciar as acções e até verdadeiros crimes que eram cometidos pelos servidores do Estado Novo. Prisões e perseguições perpetradas pelos apoiantes e servidores do regime eram denunciados por ela sem hesitações ou receios. Isso mereceu-lhe, obviamente, a nossa profunda admiração.
É evidente que em Portugal segui sempre o seu percurso cultural e político e li com grande interesse e entusiasmo os seus imensos e muito belos escritos e os seus famosos e conhecidos livros, sobretudo os que escreveu especialmente sobre a mulher em Portugal e no mundo.
Quando cansada e desgostosa com o procedimento injusto e desumano com que era tratada no país exila-se para França, para Paris, onde a visitei muitas vezes no Hotel Saint Michel, na Rue Cujas. Foi aí, aliás, onde me apresentou um poeta cubano de quem eu aproveitei um muito interessante poema para o recital que fiz no Teatro São Luís, em Lisboa.
Foi aí também que ela seguiu e apoiou os Movimentos Revolucionários como, por exemplo, o Maio de 1968. E foi a sua influência e grande empenho que me levou a comprar em Paris o “Avaloir” da “Voz Humana”, de Jean Cocteau que ela tinha visto nessa cidade representar por uma grande artista francesa. Tratava-se de uma linda peça, apenas para uma mulher que – depois de a conseguir maravilhosamente traduzida pelo grande poeta e amigo Carlos de Oliveira – me serviu de inspiração para o recital do São Luís e que constituiu a parte principal desse recital que também levei a vários pontos do país.
Maria Lamas foi, pois, para mim como para grande parte das mulheres portuguesas, inesquecível.
As suas netas também foram influenciadas pelas atitudes da sua ilustre avó. É o caso de Maria Benedita Monteiro que participa nesta homenagem que se lhe presta e também de uma outra que foi educadora no meu Colégio e que me acompanhou a Aveiro quando eu participei num célebre Congresso de 1973 em que ela foi brutalmente maltratada pela polícia durante a arrancada de uma marcha de homenagem a um ilustre Aveirense.
Tudo isso são factos inesquecíveis para mim e que só reforçaram toda a admiração e amizade por essa grande mulher que foi Maria Lamas fazendo que ela esteja sempre presente no meu pensamento e no meu coração.
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MARIA BENEDICTA VASSALO PEREIRA BASTOS MONTEIRO
Professora ISCTE
"Evocação de Maria Lamas - Uma mulher, Uma escritora, Uma lutadora, Uma memória"
Caros organizadores deste Encontro, é com imenso prazer que estou aqui hoje na Maia, irmanada convosco e com todos os participantes na celebração das Mulheres Portuguesas na Diáspora. Um agradecimento especial vai para a Drª Maria Manuela Aguiar, Presidente da Associação ‘Mulher Migrante’ que neste ano celebra os seus 15 anos de existência.
Evoco hoje aqui precisamente uma mulher migrante, a minha avó, Maria Lamas, na sua qualidade de Mulher, de Escritora, e de Lutadora Política. Junto a esta imagem a de peregrina e a de solidária. Peregrina duplamente: em busca das mulheres do seu país, qual jornalista-etnóloga, e através delas em busca de si própria.
Uma busca que sempre lhe conheci exaltada, inquieta, quase imatura na sua premência, não fora a doçura e a tranquilidade com que se abria a outros espaços de escuta e de empatia inefáveis. Assim parece que a perceberam também muitos dos que a ela se chegaram, no Jornal ‘O Século’, no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, no seu quarto de exilada em Paris, no Movimento Democrático de Mulheres, ou nas casas das suas três filhas, em Lisboa e em Évora, onde viveu durante longos anos.
Maria da Conceição Vassallo e Silva, Ribeiro da Fonseca pelo seu primeiro casamento e Lamas pelo seu segundo casamento foi, antes de tudo, uma mulher, como ao longo da vida se evocou a si própria. Nascida em Torres Novas em 1893, numa família burguesa, foi a mais velha de quatro filhos Vassallo e Silva: Maria (como lhe chamava já a família), Joana, Aurora e Manuel António. Numa cidade de província, como então se dizia, a sua educação foi conservadora e protegida: internada aos 10 anos num colégio religioso em Torres Novas para receber uma educação esmerada, é uma rapariga de 15 anos, cheia de fervor religioso e de sonhos, a que sai do Colégio para se vir a casar em regime civil, em 1910, com o Oficial de Cavalaria republicano Teófilo José Pignolet Ribeiro da Fonseca, meu avô, e com ele partir em seguida para Angola, onde ele estaria em comissão de serviço. Diz Maria Lamas que assim se cumpriu o que dela se esperava como mulher: casar, ter uma família e filhos, viver um grande amor. Nas suas palavras ‘o amor, uma perturbação suavíssima, um olhar demorado, uma carícia, um beijo. A vida trocou-lhe as voltas: depois de sete anos de casamento e duas filhas, a sua angústia e sofrimento com uma relação falhada dá-lhe coragem para partir, aos 25 anos, para o divórcio e voltar para casa dos pais com as duas filhas.
Um segundo casamento em 1921 com Alfredo da Cunha Lamas, jornalista monárquico que conheceu na Agência Americana de Notícias, e o nascimento de mais uma filha, em 1922, estão na origem da sua decisão de consolidar a sua vida de trabalho. A sua vida familiar neste novo casamento viria, em breve, a revelar-se insustentável, e alguns anos depois é de novo uma jovem sozinha, agora com três filhas, que enfrenta uma nova fase da sua vida de mulher, onde a escrita virá ocupar um lugar central de realização pessoal e de sobrevivência familiar.
A vida afectiva e relacional de mulher de Maria Lamas não terminou, no entanto, aqui, embora os seus biógrafos mais não consigam contar. Ela continuou durante toda a vida a exprimir a sua paixão pelas relações humanas, pela busca de muitas formas de amizade e de amor, e foi com ligações amorosas fortes, e por vezes conturbadas, que atravessou a vida até ao fim e se afirmou como mulher inteira.
Mas falemos agora da segunda dimensão da sua vida que aqui queremos salientar: Maria Lamas Escritora. Em ‘O Despertar de Sílvia: Fragmentos de uma Confissão’, uma novela autobiográfica publicada em 1949, Maria refere que teve desde a infância uma paixão pela leitura e que desde cedo sentiu a escrita como uma vocação. Durante toda a década de 20, vai publicar, sob o pseudónimo de Rosa Silvestre, uma diversidade de textos, que revelam a premência da escrita, mas também mostram a sua plasticidade expressiva. Inicia-se com a poesia, em 1923, com o livro ‘Os Humildes’, e no mesmo ano com o romance ‘Diferença de Raças’, enquanto cria e dirige sucessivamente revistas para a infância - ‘O Pintainho’ (1926), ‘O Correio dos Pequeninos’ (1927), ‘A Semana Infantil’ (1927) e ‘O correio dos Miúdos (1928) e publica a sua primeira novela para crianças – ‘Maria Cotovia (1929).
É em 1927 que publica o segundo romance ‘O Caminho Luminoso’, ainda sob o pseudónimo de Rosa Silvestre, editado pela Sociedade Nacional de Tipografia ‘O Século’, em Lisboa. Esta fase da sua vida prolifera em contactos com Escritores, Editoras e Jornalistas que alargaram as suas oportunidades de afirmação como escritora e de militância cívica e política: ‘O jornalismo foi a minha grande escola. Foi ele que me fez tomar consciência da possibilidade de me exprimir escrevendo, dando-me confiança para o fazer’ diria ela mais tarde.
As décadas que se seguem assistem à continuação da sua actividade como escritora, tanto de livros infantis (As Aventuras de Cinco Irmãozinhos, 1931; ‘A Montanha Maravilhosa’, 1933; ‘A Estrela do Norte’, 1934; ‘Os Brincos de Cereja’, 1935; e ‘O Vala dos Encantos, 1942), como de romances.
‘Para Além do Amor’ (1935) foi o primeiro que assinou com o nome de Maria Lamas e onde inscreveu o seu ex libris ‘, desenhado por Júlio de Sousa, Sempre mais alto’, seguindo-se ‘A Ilha Verde’ (1938), passado em S. Miguel, nos Açores.
A par desta escrita intensa, de caracter romanesco, onde se entrecruzam o mito do amor romântico e pinceladas neo-realistas, Maria Lamas trabalhava para sobreviver e educar as filhas. Mas em 1929, ano em que o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, impulsionado por Adelaide Cabete, apoiava o ‘Congresso Abolicionista da Prostituição’, ela é convidada, através de Ferreira de Castro, a ingressar na revista ‘Modas & Bordados, suplemento do jornal ‘O Século’, que iria dirigir durante 20 anos. A partir desta data, a sua profissão central é o jornalismo orientado para a vida das mulheres. Chama colaboradores, cria uma coluna de correio com as leitoras, publica notícias, obras e fotografias de mulheres portuguesas e estrangeiras que escrevem, pintam, cantam, dançam, fazem desporto, ganham prémios, notabilizam-se como cientistas, artistas, empresárias, modelos e artesãs, propõe e ensina actividades domésticas de saúde, alimentação, lazer e de educação dos filhos.
É ao longo destes anos de direcção da Revista que toma consciência da pobreza educativa e do sofrimento calado em que muitas mulheres vivem, do seu estatuto cívico de menores (Salazar só aprova o decreto que concede o voto às mulheres, desde que tenham estudos secundários, em 1931), ignorando alternativas, amarradas a um destino que o fascismo e o catolicismo foram cristalizando em instituições que definiam claramente a função social da mulher: organização da casa, educação dos filhos, práticas
de caridade e de assistência social. E é para sacudir as mulheres desse torpor sem esperança que vai tendo mais e mais iniciativas – revistas, como ‘A Joaninha’, exposições, eventos, como a ‘Exposição da Obra Feminina’, de caracter científico, literário e artístico, que organiza nas instalações de ‘O Século’, ou um Ciclo de Conferências sobre ‘As mulheres’, que organiza com Manuela Porto, Sara Beirão e outras, ou ainda a exposição dos Tapetes de Arraiolos feitos por mulheres da ‘Cadeia das Mónicas’. Mas a que mais impacto político teve foi a ‘Exposição de Livros Escritos por Mulheres’, que organizou em 1947, na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, enquanto presidente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP), cujo catálogo incluía títulos de escritoras de 28 países da Europa, Ásia e Américas. A exposição terminou com uma conferência proferida por Maria Lamas, explicando os objectivos da exposição e da instituição promotora.
Quatro dias depois a o CNMP foi fechado por mandato do governo Civil de Lisboa, que se justificou: ‘Não precisa de se preocupar com a situação das mulheres portuguesas. O ‘Estado Novo’ já confiou à ‘Obra das Mães’ o encargo de as educar e orientar.’
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Mas a sua obra de maior fôlego e que a notabilizou, não só nos meios académico e literário, mas no meio político, foi ‘As Mulheres do meu País’.
A obra consistiu numa extensa ‘reportagem sobre a vida das mulheres portuguesas, publicada em 24 fascículos pela Editora Actualis (criada por Manuel Fróis de Figueiredo, Orquídea Fróis de Figueiredo e a própria Maria Lamas) entre 1947 e 1950, data em que aparece em livro.
A sua publicação, ‘nascida da urgência e da ofensa’, como a classifica a sua neta Maria José Lamas Caeiro no prefácio da obra, foi o culminar de um enorme esforço e determinação para superar, quer as dificuldades económicas, logísticas e de adaptação cultural que um trabalho etnográfico de amplitude nacional envolve, mas também a ameaça constante da censura do regime. Alguns chamaram-lhe ‘jornalismo de iniciativa’, ou ‘jornalismo-reportagem’, aquele que consegue trazer para a luz do dia as vidas esquecidas ou ocultas daquilo a que hoje chamamos ‘minorias’ – grupos humanos subordinados, com pouco controlo sobre o seu destino, normalmente ignorados e estigmatizados pelo grupo dominante na sociedade. Neste caso, as mulheres.
Sempre as mulheres. Em 1949 a Actualis edita os três primeiros volumes de um projecto de livro, ‘As Quatro Estações’, coordenado por Maria Lamas: a ‘Primavera’, o ‘Verão’ e o ’Outono’ (o ‘Inverno’ não chegará a ser editado). Com a experiência da direcção, durante 20 anos, do suplemento ‘Modas e Bordados’ do jornal ‘O Século’, este livro tem a marca do projecto de Maria Lamas: a educação das mulheres através da leitura. ‘Um bom livro é um companheiro indispensável na jornada da Vida’, escreve a autora na primeira página. ‘As ‘Quatro Estações’ deseja ser esse companheiro agradável e sincero, ajudando a preencher, com proveito, as horas em que o espírito procura alargar os seus horizontes, para além da rotina diária, das responsabilidades e dos cuidados materiais.’ Nele encontramos o seu romance autobiográfico ‘O Despertar de Sílvia: Fragmentos de uma Confissão’, bem como textos de muitas mulheres que a ela se juntaram neste projecto cívico, como Manuela Porto, Ilse Losa, Emília de Sousa Costa, Manuela de Azevedo, Maria Elvira Barroso, Graça Brosque, Matilde Rosa Araújo, Maria Lúcia Namorado, Tereza Águas e Lília da Fonseca. Mas também a colaboração de escritores, ilustradores e pintores, como Lima de Freitas, Estrela Faria, Fernando Carlos, Maria Keil, Julião Quintinha, Carlos de Oliveira, Manuel Avelar e Gaspar Santos.
Maria Lamas vai entretanto mudar de rumo e mergulhar na vida política. Mas publica ainda, em formato de fascículos, o resultado de velhos projectos: ‘A Mulher no Mundo’, editado como livro, em 2 volumes, em 1952, ‘O Arquipélago da Madeira, Maravilha Atlântica’, em 1956 e ‘O Mundo dos Deuses e dos Heróis: Mitologia Geral’, em 1961.
Chegamos a Maria Lamas, Mulher lutadora, pelas mulheres, pelos direitos cívicos, contra o regime da ditadura e pela Paz. É durante os anos 40, nomeadamente após a revitalização do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas sob a sua presidência, do impacto público da exposição de ‘Livros escritos por Mulheres’ na Sociedade Nacional de Belas Artes, do encerramento político do CNMP pelo Governo Civil de Lisboa e da sua demissão voluntária do jornal ‘O Século’ (´Senhora D. Maria, ou escreve no ‘Século’ ou faz política’, disse-lhe angustiado Pereira da Rosa, o Director do Jornal, sob ameaça da censura e de suspensão do jornal), e ainda do endurecimento da Ditadura após a 2ª Guerra Mundial, com um progressivo isolamento em relação às democracias europeias, que a sua consciência cívica e política está fortalecida, inabalável, e dedica a maior parte dos anos que se seguem a defender as causas da liberdade, dos direitos das mulheres e da paz no mundo. Ela própria recorda, ‘como o meu primeiro acto político’ a assinatura das listas para a formação do MUD juvenil, em 1945.
Aceita fazer conferências, escrever artigos em Jornais, adere a Associações para a paz, nacionais e estrangeiras, representa Portugal em conferências internacionais, faz crónicas para a ‘Rádio Moscovo’ (sob o pseudónimo de Helena Torres). Em 1946, por exemplo, representa Portugal, enquanto Presidente do CNMP, no I Congresso Mundial das Mulheres, que reuniu mulheres da Resistência, ex-detidas em campos de concentração nazis, como foi o caso de Eugénie Cotton.
Volta a representá-lo em 1948, no II Congresso da ‘Federação Democrática Internacional das Mulheres´ (FDIM), entretanto criada. Vêmo-la depois, em 1949, quando sai da prisão, ao lado de outros ex-presos políticos como Pinto Rodrigues, Rui Luís Gomes, Virgínia Moura, José Morgado, Albertino de Macedo, Pinto Gonçalves e António Areosa Feio, todos signatários de um ‘abaixo-assinado’ contra a instalação da Base Americana das Lages nos Açores.
Em 1950 faz a Conferência ‘A paz e a vida’ em Lisboa, no Museu João de Deus, e uma outra no Porto, no 15º aniversário da Associação Feminina para a Paz, onde afirma: ‘A batalha da vida é a batalha da Paz’. É de novo presa meses depois, em 18 de Julho, por sentença do Tribunal, sendo libertada em Janeiro de 51. Em 1952 participa no Congresso dos Povos para a Paz, em Viena, e em 1953, está de novo a representar Portugal no III Congresso Mundial das Mulheres em Copenhaga.
Nesse mesmo ano, ao regressar via Paris de uma reunião na União Soviética, onde fizera uma intervenção, é de novo presa no Aeroporto, com todos os que a esperavam, excepto a família, sendo depois libertada sob caução paga por um dos genros. Nos anos que se seguem é frequentemente instada pela PIDE para responder pelos seus actos políticos: pela sua participação no Conselho Mundial da Paz, em Ceilão, em 1956, pelo seu encontro com Mao- Tse-Tung em Pequim nesse mesmo ano, ou pela visita a Hiroshima bombardeada.
Até que em 1962 participa, em Moscovo, na ‘Conferência sobre Desarmamento Geral’, o que comprometeu definitivamente a sua segurança em Portugal. No regresso ao país a decisão está tomada: exilar-se-á em Paris, onde colaborará com outros expatriados na luta contra a Ditadura. Aí viveu no Quartier Latin, Rue Cujas, no Grand Hotel Saint Michel onde a visitei em 1967 e 1968, com o meu marida Gonçalo Monteiro. Descobrimos aí uma avó de 74 anos, a viver num pequeno quarto do hotel, onde preparava refeições simples e onde recebia ininterruptamente membros das oposições ao regime - do grupo de Argel aos membros do Partido Comunista na clandestinidade e aos desertores das guerras de África - jovens emigrados ao desamparo, amigos de Lisboa e pessoas sozinhas a precisar de uma palavra. Lembro-me de ver entrar Jorge Reis, António José Saraiva, Maria Nobre Franco, José Carlos Ferreira de Almeida, João Freire, a Miriam e a Teresa Rita Lopes, Helena Pato e Mário Neves, Eugénia Pereira de Moura e Helena Neves. Procuravam ajuda, mas também lhe escreviam cartas e lhe traziam notícias, coisas suas, como presentes: livros, pintura, gravura, desenho, escultura, fotografias, roupa, alimentos. Passavam, ficavam, partiam. Iam passear com ela para o Jardim do Luxemburgo. Às centenas. Era a ‘Avó Maria´. Que continuava a trabalhar nos intervalos nos seus projectos, na sua correspondência e nas suas traduções, na pequena mesa que tinha no quarto, dedilhando a máquina de escrever com estojo verde, qua ainda hoje guardo comigo. Quem não leu, por exemplo, a sua belíssima tradução de ´As Memórias de Adriano’, de Marguerite Yourcenar? Nós ficávamos também no Hotel. Tínhamos ido frequentar, através da Pragma, que a PIDE viria a encerrar algum tempo depois, primeiro um curso de formação em Animação Cultural, e no ano seguinte uma formação em Dinâmica de Grupos, ambos promovidos para sindicalistas da CFDT. Mas nos intervalos saíamos com a Avó, esfomeados de bons filmes, de teatro, jornais e livros a que não podíamos ter acesso em Portugal: Bunuel, Bergman, Nicholas Ray, Fellini, Jean Cocteau, Elia Kazan, Fritz Lang, Murnau, Claudel, Genet. Foi um deslumbramento que a companhia da Avó enriquecia com reflexões e comentários, de tal modo que a sua idade não era um peso, mas uma energia e uma boa surpresa.
Em Paris, Maria Lamas continuou a sua actividade política. Em 1963, estava na Mesa da Presidência do V Congresso Mundial das Mulheres, em Moscovo, que reuniu 1400 delegadas de todo o mundo. Ao seu lado, estavam Dolores Ibarrurri, a Passionária, Eugénie Cotton, Marie Claude Couturier, heroína da resistência francesa, Gusta Fuchikova, resistente checoslovaca e Valentina Teereskova, primeira cosmonauta a viajar no Cosmos. De regresso a Portugal em 1969, na ‘abertura’ da Primavera Marcelista, espera-a ainda muita actividade.
O seu entusiamo com a Revolução de Abril, em 1974, trouxe-a para a rua, a desfilar no 1º de Maio ao lado da multidão. E uma das actividades mais importantes foi o seu papel central, de novo em favor das mulheres portuguesas, na criação do Movimento Democrático de Mulheres, de que foi eleita Presidente Honorária em 1975. A sua posição de Directora da revista ‘Mulheres’ criada pelo Movimento em 1978 representou, antes de mais, para Maria Lamas, o regresso à imprensa feminina, onde a sua vida profissional começara.
Aos anos que se seguem chamei ‘Maria Lamas, uma Memória’. A par das suas intensas relações com os amigos de toda a vida, que a visitavam em Évora ou em Lisboa, em casa das filhas, sucedeu-se um sem número de apelos à sua presença nos mais variados eventos: conferências, visita a escolas, a fábricas, reuniões com
escritores, artistas, entrevistas na rádio, na televisão, em jornais.
De tal modo que se tornou difícil situá-la. Vivera? Vivia? Iria chegar ela mesma, em pessoa? Já não estava connosco?
1968 , À porta do G. Hotel Saint-Michel, Rue Cujas, Paris, com Mª Benedicta (neta) e João Pinto Correia
Em 1974 Maria Lamas e Elina Guimarães foram homenageadas no programa da RTP ‘Nome-Mulher’, dirigido pelas jornalistas Maria Antónia Palla e Antónia de Sousa.
Em Maio de 1976 o MTI - Movimento Unitário de Trabalhadores Intelectuais -
Em 1982 o MDM organizou em Lisboa uma exposição evocadora da vida e obra de Maria Lamas, que ela visita, enquanto emocionadamente revisita a sua própria vida enquanto memória de outros. E o concelho de Torres Novas emite, nesse ano, uma medalha em sua homenagem com a sua efígie.
Maria Lamas morre em Lisboa em 1983, alguns dias depois de completar 90 anos.
Medalhas, evocações, nomes de ruas e de escolas, tapeçarias, desenhos, quadros e placas comemorativas multiplicam a sua memória: das Mulheres Democratas do Barreiro, da Sociedade Cooperativa Piedense, da Voz do Operário, do Coral Phydellius de Torres Novas, da Escola Preparatória de Maria Lamas, no Porto, de muitas mais.
Em 1993, a Biblioteca Nacional de Lisboa comemorou o centenário do seu nascimento com uma grande exposição do seu espólio literário e pessoal.
Em 2003 foi editada a sua primeira Biografia, escrita por Maria Antónia Fiadeiro, e em 2004 o MDM organizou no Porto o Congresso ‘A memória, a obra e o pensamento de Maria Lamas ‘, cujas intervenções foram posteriormente editadas no livro com o mesmo título, coordenado por Regina Marques. O reconhecimento cruza-se com a nossa memória da vida e trabalho de Maria Lamas. Reconhecimento também feito de gestos públicos: a medalha da Ordem da Liberdade, em 1980, que recebe pela mão do Presidente da República, General Ramalho Eanes; a primeira ‘Medalha de Honra’ do MDM, em 1982; e a ‘Medalha Eugénie Cotton’, em 1983, da Federação Democrática Internacional de Mulheres.
Evocar Maria Lamas neste contexto é para mim motivo de profunda comoção, mas também de honra, pela saudade que guardo da minha avó Maria, do seu nobre coração de mulher, da sua profunda empatia com o sofrimento dos outros, do seu valente afrontamento do poder ilegítimo, do seu feminismo que uniu homens e mulheres no mesmo abraço, da sua insaciedade em busca do amor. Nesta noite de evocação das escritoras Maria Archer e Maria Lamas, junto-me aqui convosco, mulheres portuguesas da diáspora, como membro da comunidade científica e como parte dessa ‘metade da humanidade’. E não sei qual dessas pertenças, que não consigo aqui separar, me ditou mais as palavras que aqui lhe dedico. Não importa. O registo de universalidade em que Maria Lamas inscreveu a sua vida e o seu trabalho farão deles, seguramente, uma obra sem tempo e sem pertenças.
Lisboa, Fevereiro de 2012
OLGA ARCHER
"Homenagem à Tia Maria Archer"
Em nome de todos os familiares de Maria Archer apresento os agradecimentos à
Associação de Mulheres Migrantes pela homenagem que aqui, hoje, lhe está a ser
prestada. A Associação convidou o Prof. Fernando Pádua para prestar o seu tributo a Maria Archer, sua tia, neste encontro. Por motivos de força maior não lhe foi possível aceitar tão honroso convite e solicitou-me que, como sobrinha neta, viesse falar-vos um pouco da minha tia-avó. Foi com muito prazer que aceitei e... aqui estou.
Nas várias pesquisas que fiz sobre a minha tia-avó, encontrei, com dor, a referência
a que tinha morrido no esquecimento. Apesar do acompanhamento até ao fim dos
familiares, sou obrigada a concordar. Pode ter morrido no esquecimento, mas não foi nem será esquecida como agora aqui demonstramos, homenageando-a pelas suas manifestações de cidadania, pela obra que nos deixou.
Mas é verdade. Uma mulher da dimensão de Maria Archer não podia ter morrido
como ela, oito anos depois do 25 de Abril. Os seus ideais, a luta pela dignificação da mulher que a levou a sofrer na pele as investidas da ditadura e dos “costumes” organizados de então, mereciam que um país já em plena democracia lhe manifestasse um maior reconhecimento. Mas nunca é tarde. Como diz o professor Eduardo Lourenço, “um tempo é todos os tempos. Não antecipa só o futuro. Recicla todos os passados”. Por isso, aqui estamos, revisitando o passado, com um olhar do presente e a pensar no futuro, sabendo que a nossa imaginação do futuro está ligada aos conceitos que
já trazemos. Na madrugada de 4 de Janeiro de 1899, em Lisboa, na freguesia das Mercês, nasceu Maria Archer, de seu nome Maria Emília Archer Eyrolles Baltazar Moreira, filha de pai alentejano e de mãe também alentejana, neta de irlandeses a viverem em Portugal. Nos anos seguintes nasceram os cinco irmãos, João, Natália, Irene, Isabel e Eugénia. Segundo as irmãs, Maria Archer era a preferida da mãe, talvez por ter sido a primogénita.
Em 1910, com 11 anos, partiu com os pais e com 4 irmãos para a ilha de Moçambique, onde o pai foi exercer a função de gerente numa agência bancária. Viveu até 1913 na ilha a que chamou “ilha de coral branco”.
No ano da implantação da República Portuguesa, tiveram início as suas viagens até
ao continente africano, como ela própria reconheceu no seu livro “Brasil, Fronteira
da África” publicado em 1963, no Brasil: “No 1.º quartel deste século era eu menina, meu pai foi colocado na agência de um banco em Moçambique. Daí derivou a minha odisseia de africanista. Indo e vindo, passando uns tempos em Portugal e outros em África, foram-se quatorze anos da minha vida na terra tropical que só reencontrei no Brasil”. Em 1914, regressa a Portugal, vivendo na linha de Cascais, em Algés e,
posteriormente, em Santo Amaro. Nesta altura, 1915, terminou os seus estudos da
4.ª classe no Colégio Europeu. Em 1916 volta a partir com os pais, o irmão João, meu avô, um ano mais novo, e a irmã Isabel. Desta vez rumou até à Guiné, “a verdadeira África maravilhosa”. Aqui viveu um ano em Bolama e outro em Bissau. Em 1921, o pai foi trabalhar para o Banco Nacional Ultramarino em Faro. Em Agosto desse ano casa com Alberto Teixeira Passos, que tinha conhecido na ilha de Moçambique. Após o casamento, vai viver em Ibo-Moçambique durante cinco anos. Em 1926, como consequência do desemprego que atingiu o marido, o casal regressa a Faro, indo depois para Vila Real de Trás-os-Montes, donde era oriunda a família de Alberto. Em 1931 encontra-se já oficialmente separada do marido. E regressa a Angola para viver com os pais até 1934.
Em 1935 regressa a Portugal, indo viver com uma tia materna e, posteriormente, em
quartos alugados e em casas de amigas. Vivia do seu trabalho de escrita para jornais
e revistas e das suas obras de criação. A convivência de Maria Archer com os irmãos foi intermitente. A vida familiar corria ora em Portugal, ora em África, obrigando, quer por motivos de estudo, quer d
Em 1916 volta a partir com os pais, o irmão João, meu avô, um ano mais novo, e a
irmã Isabel. Desta vez rumou até à Guiné, “a verdadeira África maravilhosa”. Aqui
viveu um ano em Bolama e outro em Bissau. Em 1921, o pai foi trabalhar para o Banco Nacional Ultramarino em Faro. Em Agosto desse ano casa com Alberto Teixeira Passos, que tinha conhecido na ilha de Moçambique. Após o casamento, vai viver em Ibo-Moçambique durante cinco anos. Em 1926, como consequência do desemprego que atingiu o marido, o casal regressa a Faro, indo depois para Vila Real de Trás-os-Montes, donde era oriunda a família de Alberto. Em 1931 encontra-se já oficialmente separada do marido. E regressa a Angola para viver com os pais até 1934. Em 1935 regressa a Portugal, indo viver com uma tia materna e, posteriormente, em quartos alugados e em casas de amigas. Vivia do seu trabalho de escrita para jornais e revistas e das suas obras de criação. A convivência de Maria Archer com os irmãos foi intermitente. A vida familiar corria ora em Portugal, ora em África, obrigando, quer por motivos de estudo, quer de saúde, a que algumas das irmãs nem sempre tenham acompanhado a família. Ainda assim, os laços de sangue são mais fortes. Esta união afectiva é retratada no conto Eu vi o pelicano abrir o peito, de 1944, em que Maria Archer, através da sua pena, suplica justiça para um jovem que quer crescer e não tem meios. Aos 17 anos, o sobrinho prodígio vê vedada a possibilidade de frequentar a sonhada universidade. A mãe, em desespero, apela à irmã que, com a forte arma da palavra, comova “aqueles que poder têm para ajudar o sobrinho”. Após regressar de Luanda, Maria Archer participou em várias conferências e palestras sobre o ultramar na Sociedade de Geografia de Lisboa, aos microfones da Emissora Nacional, em liceus da capital e em estabelecimentos militares. Os muitos anos vividos em África influenciaram a sua escrita. A projecção do telúrico é sempre uma das mais fortes influências na artista. A sua sensibilidade foi tocada pela paisagem primitiva dos trópicos e pela cor das terras do sol. Olhou para a natureza que a rodeava e pintou-a através da escrita. Primeiro o pai, depois o marido e, por fim, ela própria, deslocam a sua vida pelas terras onde o isolamento torna mais presente a realidade do mundo físico. Os seus livros estão frequentemente ligados a problemas sociais e às questões da condição feminina, aproximando-a, por vezes, do neo-realismo. Como afirmou em Revisão e Conceitos Antiquados em 1952:“A minha obra literária tem sido norteada pelo princípio vital de rebater o conceito arcaico da inferioridade mental da mulher.” O coarctar da liberdade de pensamento durante o período do Estado Novo, o isolamento social, a perseguição da PIDE, as apreensões dos seus livros e, consequentemente, a ausência de percepção dos seus meios de subsistência eram razões suficientes para se sentir obrigada a abandonar Portugal. Este exílio é consequência última do seu trabalho como repórter do jornal República. Foi credenciada como jornalista por Jaime Carvalhão Duarte, durante o julgamento de Henrique Galvão, em 1952. Estes apontamentos foram-lhe confiscados pela PIDE, conforme relata num artigo datado de 20 de Outubro de 1953 no jornal República, que intitulou “Um caso inédito de perseguição do pensamento”.Apesar de ter sido repentina a saída do país, dois ilustres escritores, Ferreira de Castro e Aquilino, acompanharam-na no momento da despedida, demonstrando a sua solidariedade e companheirismo naquele momento difícil. Laços estes que tinham sido firmados muitos anos antes e que se revisitam na carta de Ferreira de Castro, de 9 de Agosto de 1936, ao reafirmar: “Não é possível que depois de tantos anos de luta, a ideia duma Humanidade redimida num mundo justo possa ser
sufocada!De 1955 a 1971, a família pouco sabe de Maria Archer. Em 1973, através da carta ao sobrinho Fernando Pádua, sabe-se que solicitou que contactasse o então Primeiro - Ministro de Portugal, Professor Doutor Marcello Caetano, no sentido de lhe ser autorizado o regresso. O contacto foi realizado e a autorização foi concedida. E, que transmitisse o seu agradecimento a todos os familiares que contribuíram para lhe amenizar as agruras por que passou durante o tempo de doença.
Em 1979 regressa a Portugal, doente e já com 80 anos, seis anos após ter obtido
permissão e com um novo regime político. No regresso, e ao contactar com a família, dificilmente reconhece os sobrinhos que não via há 24 anos e não relaciona os sobrinhos-netos. No entanto, uma das suas características mantém-se inalterada
até ao fim: a vaidade feminina.Deixa-nos em 23 de Janeiro de 1982. Raul Rego, no artigo “Maria Archer”, datado de 02 de Fevereiro de 1982, para o Diário Popular, escrito dias após a sua morte, debruça-se sobre a actuação sócio -política da escritora em Portugal. O jornalista explana como a sua postura anticonformista a “afastou logo de muitos meios oficiais e de muitos salões de tertúlias, arrastando-a para os contactos com a oposição”. E prossegue: “Ela era uma mulher livre, escritora de garra, senhora de si e impondo-se pelo talento”, o que na altura, não agradava a muitos, a ponto da sua obra Ida e volta de uma caixa de cigarros (1938) ser apreendida. Em 1947 lança Casa sem pão, que, entretanto, fica apreendido, pelas malhas sombrias da censura e falta de liberdade do regime, por 20 anos. Passados mais de 100 anos o que ficou, então? Ficaram os valores e os princípios. Ficaram os fins e os propósitos. Ficou o espírito de pioneirismo.Não podia vir falar-vos da saudade que a minha idade e a diáspora não deixaram nascer. Mas a honra, sim, sente-se e está presente, em todos os familiares.
É uma honra muito grande, para mim, como mulher e portuguesa, ser familiar de
Maria Archer.
Muito Obrigada
DINA BOTELHO
Professora
Homenagem a Maria Archer
Gostaria de começar por agradecer o convite que me foi dirigido pela
Associação Mulher Migrante, através da Dra Rita Gomes, para estar aqui presente esta noite e poder participar numa homenagem, merecida, a Maria Archer.
Fui apresentada como sendo a autora da primeira tese de mestrado sobre a vida e a
obra de Maria Archer. De facto, assim é e apresentei-a em 1994. Intitula-se “Ela é apenas mulher- Maria Archer, Obra e autora” e já na altura disse, apresentando comprovativos, que Maria Archer nasceu em 4 de Janeiro de 1899 e não 1905 como aparece muitas vezes em estudos e até enciclopédias que a estudam ou a ela se referem apenas. É com imensa tristeza que vejo que ainda hoje se desconhece a verdade acerca do ano do seu nascimento. Tenho a certeza que Maria Archer ficaria profundamente contente por saber deste facto até porque era ela própria que o fazia em documentos públicos que preenchia, tal como consta da sua ficha do arquivo biográfico do Diário de Notícias que apresento também na minha tese. Sim, de facto Maria Archer retirava seis anos à sua existência, por um lado por uma questão de vaidade e, por outro lado, porque talvez não gostasse de ter nascido no século anterior. No entanto, chamo desde já a atenção para a necessidade de nós, que a estudamos e por uma questão de veracidade dos factos, devermos apresentar a data correta. Até à minha tese ninguém tinha estudado Maria Archer e ela teve como objetivo iniciar o estudo da autora e da sua obra mas esse estudo não foi, como devem calcular, esgotado dada a riqueza e a
variedade temática da obra de Maria Archer. É necessário continuar a estudá-la sobretudo na vertente da literatura colonial onde considero haver uma grande riqueza por explorar.
Há também que continuar a publicar os seus livros pois representam marcos históricos.
Homenagem seja feita também à editora Parceria António Maria Pereira que já apostou na republicação de dois dos seus livros (Ela é Apenas Mulher e Nada lhe será perdoado). Disse atrás que esta era uma homenagem merecida pois considero que Maria Archer contribuiu imenso para a luta por uma condição mais digna para a mulher e também para a sua igualdade relativamente ao homem, não dizendo ou gritando como referiu a Dra Mª Benedicta sobre Maria Lamas mas mostrando a situação em que viviam as mulheres. Aliás, o tema principal dos seus romances e novelas era a vida da mulher, a sua relação com a família, com o trabalho e com os homens. O título de um dos seus romances mais emblemáticos é Ela é apenas mulher apontando mesmo para a posição decadente da mulher na época em que a escritora viveu e criou. A preocupação fundamental da sua obra era a situação da mulher e as dificuldades por ela sentidas. África era uma paixão na sua obra.
Maria Archer foi uma das poucas mulheres do seu tempo a ter como profissão a de
jornalista e escritora. Ela publicou de 1920 a 1963, tendo havido dois anos em que publicou 4 livros por ano (1938 e 1950) e alguns dos seus livros chegaram mesmo à 3ª edição como por exemplo Há de Haver uma Lei e Aristocratas. Ela é Apenas Mulher é de 1944 e no mesmo ano saiu a 2ª edição tendo chegado à 3ª edição em 1952. Escreveu, pois, 31 livros de 1935 a 1963, 5 deles no Brasil (Terras Onde se Fala Português, África sem Luz, Brasil, Fronteira de África, Os últimos Dias do Fascismo Português e do último nada se sabe), cinco peças de teatro e três traduções. Mas não se julgue que era fácil ser uma mulher escritora na época. Este é outro reconhecido mérito de Maria Archer. Muitas mulheres da época, tais como Maria Lamas e Irene Lisboa, esconderam-se atrás de pseudónimos, quer femininos quer masculinos, para poderem escrever à vontade sem penalizarem a sua vida pessoal ou até mesmo para obterem
maior imparcialidade por parte da crítica. Se agora temos muitas mulheres escritoras, no início do séc. XX, quando uma mulher queria escrever sobre outro tema que não a vida doméstica ou a educação dos filhos refugiava-se atrás de um pseudónimo.
Maria Archer nunca se escondeu, nunca usou pseudónimos, talvez esse mesmo facto
tenha levado ao afastamento da família que, por vezes, não viu com bons olhos certas
publicações suas. Também o seu divórcio (esteve casada apenas 10 anos durante os quais publicou apenas em periódicos) poderá ter tido alguma base na sua profissão apesar da causa pública do mesmo ter mais a ver com questões familiares (sevícias e injúrias graves) e menos profissionais. Maria Archer viveu numa época em que era suposto a mulher ser apenas boa filha, boa esposa e boa mãe. As únicas atividades permitidas à mulher eram a lida doméstica e a educação dos filhos. Maria Archer dizia que escrever era fugir ao longo silêncio a que a mulher da época estava votada. Até o acesso à cultura é negado à mulher na época, como Maria Archer retrata bem na personagem de Adriana (de Casa sem Pão) que tinha de se esconder para ler livros.
Houve mesmo casos em que a crítica a um livro escrito com pseudónimo masculino era
otimista e depois de se saber que havia sido escrito por uma mulher, o mesmo crítico dizia o contrário do que havia dito antes. João Gaspar Simões foi, dos críticos literários da época, o que melhor entendeu a luta da mulher escritora. Disse ele que «Em Portugal uma mulher que queira falar de si mesma com franqueza equivalente à de um homem quase pudico corre risco de enxovalho» Maria Archer mostrou as vozes profundas do seu ser sem nunca recorrer a pseudónimos o que fez dela única na sua época e no seu meio. Maria Archer partia do real e era esse real que interessava aos seus leitores. Ela própria reconheceu que a literatura feminina da sua época não era criativa «pois a mulher encontrava-se subjugada pela estrutura social e familiar repressiva.»
Um dos grandes elogios que lhe fazem na época foi feito pelo próprio João Gaspar
Simões que dela fala como se de um homem se tratasse: «Abram os olhos, Exmos Srs – têm diante de vós um escritor (teimo em chamar-lhe escritor porque os seus contos, embora tenham sexo na observação que denunciam e nos temas que tratam, não o têm – são, portanto do sexo nobre – pelo menos num país em que o homem ainda é considerado o 1º sexo- não o têm no estilo, na expressão, na visão , na forma)em nada inferior, como contista, a qualquer dessas incontestadas glórias». E mais à frente diz «esta autora não pode deixar de ser considerada desde já um grande contista, um grande escritor».
Mas sendo este um encontro sobre as mulheres da diáspora não podemos deixar de
referir a sua ida para o Brasil em 5 de Julho de 1955 no navio Sta Maria, com destino a Santos. Tendo publicado dois livros no ano anterior e reeditado um terceiro poderemos questionar- nos acerca dos motivos que a terão levado a partir. Por um lado não estaria contente com a falta de liberdade dos escritores, por outro tinha de evitar ser presa. Maria Archer em 1945 havia já participado no MUD – Movimento de Unidade democrática que era uma frente de oposição ao salazarismo, em 1949 apoiou publicamente a candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República, acompanhou , em 1952, o julgamento do capitão Henrique Galvão - contestador da ditadura salazarista prometendo sobre ele escrever um livro e, em 1953, viu a sua casa invadida pela PIDE tendo-lhe sido confiscado o manuscrito do livro referido. Valeu-lhe na época ter já enviado parte do manuscrito para um seu amigo (Tomás
Ribeiro Colaço) no Brasil. Parte assim desgostosa com o seu país que perseguiu também a sua obra por duas vezes. Em 1939 fora-lhe apreendido o livro Ida e Volta de Uma Caixa de Cigarros e, posteriormente, em 1947 o livro Casa sem Pão. No Brasil escreveu em periódicos como O Estado de S. Paulo, Portugal Democrático e Semana Portuguesa, chegando mesmo a ser diretora deste jornal. Também publicou, como atrás referi, vários livros. De 1955 a 1971 esteve em S. Paulo, donde vai para uma estância em
Campos de Jordão por “Intoxicação da bexiga” e, de 1971 a 1977 encontramo-la em Poços
de Caldas. Nesta altura começa a sentir-se pobre e doente e é então que começa a enviar correspondência para a família e advogada. Começa a sofrer de dores nos joelhos, zumbidos contínuos nos ouvidos e diminuição do campo de visão. Em 1974 falava na possibilidade de escrever um livro sobre um assunto novo que a estava a fascinar mas a saúde não a ajudava. Nesse ano chegou a corrigir discursos de candidatos às eleições legislativas e a escrever publicidade para a rádio local. Em 1977 voltou de novo para S. Paulo tendo estado primeiro no Hospital S. Joaquim e depois na Casa de Saúde Nª Sra do Carmo. Saíu desta última para vir para Portugal mas só depois de receber resposta favorável de Marcelo Caetano ao seu pedido.
Promete «ser neutra à espera da morte em sossego e paz» numa carta de onze páginas que escreve ao seu sobrinho, o Prof. Fernando de Pádua. Em 1973 Marcelo Caetano promete que não a incomodará mas ela só regressará em 1979, com 80 anos pois pretendia ainda ver reeditados alguns dos seus livros para não regressar como uma desconhecida e também porque a doença e as dificuldades económicas não o permitiram.
Quando regressou tinha muitos jornalistas à sua espera mas a mulher que encontram
é uma senhora com dificuldades em ouvir e em falar que os deixa sem respostas. Também
Maria Archer fica desiludida consigo mesma pois, não conseguindo ultrapassar as limitações da doença, refugia-se nas lágrimas. É levada para a Mansão de Sta Maria em Marvila situação tratada mesmo na Assembleia da República a pedido do deputado Vasco da Gama Fernandes que solicitou que se mudasse a escritora do local onde se encontrava. Só conseguiu que a escritora fosse mudada para o único quarto individual desta casa. Faleceu a 23 de Janeiro de 1982 com arterosclerose cerebral.
Termino apresentando duas citações da própria Maria Archer:
«Saibam quantos fazem coro no desprestígio da obra literária das mulheres que os
nossos livros são momentos heróicos. Custam-nos coragem, e angústias, que os homens, para igual feito, desconhecem de todo» (in “Revisão de Conceitos Antiquados” Out. 1952) «Eu precisarei de morrer para que a minha obra seja avaliada na altura que eu lhe atribuí quando a escrevi – como um documento histórico duma época e da situação da mulher. » (1973)
Lanço então o desafio – Não deixemos que a sua obra morra, pois muito ainda há a
fazer, nomeadamente estudos sobre os seus cadernos coloniais e estudos sobre as suas peças de teatro. Devemos enaltecer e reconhecer a sua luta pela dignificação da condição da mulher através da apresentação da realidade que a mulher da sua época vivia. A vida da mulher de meados do séc. XX não está bem conhecida – os jovens de hoje não a conhecem e através da obra de Maria Archer poderão conhecê-la.
SALVATO TRIGO
Reitor da Universidade Fernando Pessoa
"Maria Lamas e Maria Archer: síntese de discursos diversos na unidade de acção"
1. Nascidas no final do século XIX com um intervalo etário de seis anos (Maria Lamas, Torres Novas, 1893; Maria Archer, Lisboa, 1899), estas são certamente duas das mais lídimas e empenhadas representantes, entre nós, do movimento pela dignidade pessoal e pela afirmação social e cidadã da mulher.
2. Não são poucas as similitudes biobibliográficas entre Maria Lamas e Maria Archer: ambas encontraram na literatura e no jornalismo o arrimo mais eficaz, para combaterem por uma causa que só a distorção do patriarcalismo, confundindo a alegoria bíblica com determinações divinas ou naturais, a acomodação na incultura e o marialvismo podem justificar a sua tão tardia consecução histórica.
3. Conhecessem eles Aristófanes (450-386 a.C), o grande dramaturgo da Antiguidade, e tivessem lido, mesmo que apenas extractos, de A Assembleia das mulheres e de Lysastrata, peças em que o autor, preocupado com a reforma de Atenas em crise, evoca a possibilidade de delegar o poder nas mulheres atenienses, “cheias de carácter, de graça, de audácia, de sageza, em que o patriotismo se une à prudência”, tivessem lido tais textos e perceberiam quão fúteis e trágicas têm sido no decurso da história da humanidade as exibições masculinas da razão da força em detrimento do culto feminino da força da razão.
4. Quando a personagem do magistrado pergunta a Lysastrata “Como podereis vós, mulheres, acabar com tanta desordem no nosso país?”, esta responde-lhe sabiamente que usariam para o fazer a experiência que tinham de tecelãs: as desordens e as guerras desembaraçam-se com palavras tal como nós desembaraçamos um novelo de lã, pegando na ponta certa do fio e usando correctamente o fuso. O magistrado, não alcançando a alegoria, impetrou Lysastrata, refutando que as mulheres pudessem ser capazes de combater as desordens, quando não têm qualquer participação na guerra. Lysastra responde-lhe bruscamente: “Eh! miserável, acaso não sofremos nós mais do dobro com esse fardo, nós que, antes, criamos os filhos para vê-los partir para o exército?”
5. O desrespeito da mulher como fonte de vida, que afirma pelo seu direito à maternidade, incultamente transformado pelo homem num dever de procriação, tem, desde Aristófanes, pelo menos, marcado a educação ou, melhor, a pedagogia, no rigor etimológico dessa palavra que, originalmente, como se sabe, significava tomar conta de crianças e orientá-las para a vida futura no respeito pelos valores do passado. Exigir da mulher que ponha no mundo filhos, para satisfazer o instinto predador dos que fazem as guerras só para exibir o poder, é arrogar-se marialvamente como proprietário da existência alheia, vendo-a como materialidade transacionável e não, como a confirmação de que o ideal das criaturas humanas, expulsas do mítico paraíso, é serem companheiras e não, súbditas.
6. Companheiras, na acepção etimológica e na compreensão semântica daí derivada, isto é, companheiro/a é aquele/a com quem partilhamos o pão (cum+ pane-), assim cumprindo o desígnio dos humanos de, biblicamente, ganhar o pão com o suor do rosto.
7. Foi certamente por não terem encontrado nos homens de quem se divorciaram essa compreensão e dimensão de companhia que Maria Lamas e Maria Archer mais terão desenvolvido a sua responsabilidade social de lutar pela dignidade da mulher e pelo seu direito à igualdade cidadã com o homem.
8. O casamento, aos 17 anos, coincidentes com a proclamação da República, com o tenente de cavalaria, Ribeiro da Fonseca, foi para Maria Lamas a porta da entrada na diáspora, acompanhando o marido na comissão militar para a Huíla (Angola), antes de experimentar a amargura do exílio. Os três anos de vivências de África, donde regressou em 1913, inspiraram-lhe a novela Confissões de Sílvia, com que iniciaria a sua vida literária, sendo também motivação para a escrita do romance Diferenças de Raça, publicado em 1924.
9. A implantação da República terá sido para Maria Lamas um dos acontecimentos mais impressivos da sua vida, plantando-lhe no fulgor da juventude as sementes éticas com que conduziria a longa carreira de jornalista que iniciou, pela mão do escritor Ferreira de Castro, em O Século, de Lisboa, onde entrou, no regresso de Angola, para dirigir por vinte anos a revista do lar Modas & Bordados, onde assinou a coluna “O correio da Tia Filomena”, espaço pseudónimo para falar da condição feminina em Portugal.
10. Tia Filomena foi um dos pseudónimos com que começou a sua militância na causa da dignificação feminina, tendo usado também o pseudónimo Rosa Silvestre, para assinar dois livros para a infância, Caminho Luminoso e Para Além do Amor, o pseudónimo Maria Fonseca e o pseudónimo Serrana d’Ayre, para publicar poesia.
11. Essa militância levava-a a conjugar a sua actividade de jornalista com a de dinamizadora cultural, ora organizando exposições dos teares do Minho ora de tapetes de Arraiolos fabricados pelas reclusas da cadeia das Mónicas que, assim, aliviavam as suas condições de detenção.
12. Envolvida ao mesmo tempo nos movimentos associativos femininos, Maria Lamas será eleita, em 1945, presidente do Conselho Nacional das Mulheres, associação fundada na I República que o Estado Novo perseguia sem descanso. Esta função obrigou-a a viajar por todo o país, o que lhe permitiu reunir informações e experiências para a escrita do livro As Mulheres do meu País, publicado em 1948, ano anterior ao da sua participação activa na campanha à presidência da República do general Norton de Matos, sofrendo, por isso, a primeira das várias detenções que o regime de Salazar lhe impôs.
13. A este título seguir-se-ia, quatro anos depois, As Mulheres no Mundo, o que a tornou membro do Conselho Mundial da Paz, a partir de 1961, ano em que partirá para oito anos de exílio em Paris, onde conhece Marguerite Yourcenar, de quem traduziria As Memórias de Adriano, e onde, da janela de seu quarto no Hotel de Saint-Michel, apoiará os jovens do Maio de 68, passando-lhes baldes de água, para eles mitigarem os efeitos dos gases lacrimogéneos.
14. Ainda em Paris, adoptará novo pseudónimo, Helena Torres, sob o qual transmitirá pela Rádio Moscovo mensagens do Conselho Mundial da Paz aos portugueses, antes de regressar a Portugal na “primavera marcelista”, e, sempre solidária, se disponibilizar para testemunha de defesa da romancista Maria Isabel Barreno, no processo das “Três Marias”, quando já começavam a soprar tenuemente os ventos de Abril.
15. Octogenária, mas com o vigor da causa da liberdade por que longamente se bateu, apoia o 25 de Abril e é com justiça agraciada com a Ordem da Liberdade que junta à de Santiago da Espada que, em seu tempo, Óscar Carmona lhe tinha entregado. A dez anos do fim da sua caminhada, Maria Lamas via recompensada a sua militância pela igualdade dos direitos cívicos que defendeu com afinco na sua escrita literária e jornalística.
16. Só na pseudonímia Maria Archer não acompanhou Maria Lamas; na militância pelos direitos cívicos das mulheres, sim. Na pseudonímia, encontraríamos uma companheira para Maria Lamas em Irene Lisboa que, nascida um ano antes, publicaria bem mais tarde, em 1936, o seu primeiro livro, Um dia e outro dia…Diário de uma Mulher, com o pseudónimo João Falco com o qual também escreveu na revista Presença, depois de aí se estrear, quando ainda vivia na Suiça, com o pseudónimo Mara. Irene Lisboa usará ainda os pseudónimos Maria Moina e Manuel Soares, este sobretudo em ensaios de pedagogia, área em que também se destacou.
17. Foi nas páginas da Presença que José Régio, depois de chamar a atenção para a escrita de Maria Archer e de Fernanda de Castro, outra das escritoras da causa feminina tocadas pela diáspora e pelo sortilégio da África, se referiu àquele primeiro livro de Irene Lisboa e a um segundo com o título Outono havias de vir nos seguintes termos: “ Lê-os a gente e pensa: Mas porque é que todas as mulheres não têm escrito assim? Não escrevem assim?”
18. Não se estranhe, por isso, que Adolfo Casais Monteiro, em 1956, tenha escrito de forma tão encomiástica sobre Irene Lisboa: “É contudo o nome de um grande escritor – o da maior escritora portuguesa de hoje, sem discussão possível.” Mas estranhe-se que Casais Monteiro tenha passado ao lado da obra vasta e notável de Maria Archer, até porque coincidiu com ela no tempo e nos motivos do exílio brasileiro, que a escritora iniciaria em 1955.
19. Maria Archer, como deixei dito, tal como Maria Lamas, viverá, na companhia dos pais, na adolescência, três anos na Ilha de Moçambique (1910-1913) e, na juventude, dois anos na Guiné, em Bolama e em Bissau (1916-1918). A Moçambique, voltará já casada, entre 1921 e 1926, ano em que acompanhará o marido para Faro, donde partirão para viver em Vila Real de Trás-os-Montes até 1931. Terminados os dez anos de casamento, Maria Archer regressa a Lisboa, para junto dos pais, mas estes viviam, então, em Angola, para onde a jovem divorciada seguirá, juntando-se-lhes, em 1932.
20. Em Luanda, viverá Maria Archer por quatro anos, tendo-se estreado aí literariamente, em 1935, escrevendo um livro de novelas e de contos, Três Mulheres, em parceria com Pinto Quartim Graça. Nesse ano, terminará também a sua vivência africana e já em Lisboa escreverá o romance África Selvagem (1935) com que se estreou na literatura colonial portuguesa e que lhe mereceu de vários críticos elogios como: “excepcional revelação literária”; obra suficiente “para impor Maria Archer como escritora, para consagrar os seus dotes de narradora perfeita”; “maravilhoso repositório do folclore negro”.
21. A esse romance de estreia seguir-se-ão Sertanejos (1936), Angola Film(1937), Viagem à Roda de África(1938), Colónias Piscatórias em Angola(1938), Caleidoscópio Africano(1938) e Roteiro do Mundo Português(1940). Tal como Maria Lamas, Maria Archer escreveu também para crianças, tendo ganhado o prémio Maria Amália Vaz de Carvalho, em 1938, com o livro Viagem à Roda de África. Escreveria ainda para o público mais pequeno dois ensaios, para que aprendessem a história de Portugal de forma lúdica. A África voltará, mais tarde, à ficção de Maria Archer que, entretanto, escreve o romance Aristocratas (1945), cujas história e personagens têm muito de autobiográfico, o que levou seus pais a romperem com ela, por se sentirem pejorativamente retratados.
22. Este romance vinha afinal confirmar a forma audaciosa como Maria Archer militava a favor da causa da dignificação da mulher portuguesa, o que levou João Gaspar Simões a comentar: “Não conheço mesmo outra escritora portuguesa que à audácia dos temas e das ideias alie uma expressão tão enérgica e pessoal. O seu estilo respira força e solidez.”
23. Aliás, é a própria autora, já depois de ter experimentado a perseguição à sua escrita e aos seus livros, dois dos quais chegaram mesmo a ser apreendidos – Ida e Volta duma Caixa de Cigarros e Casa sem Pão – que, em 1952, dirá da sua obra até então produzida: “A minha obra literária tem sido norteada pelo princípio vital de rebater o conceito arcaico da inferioridade mental da mulher”.
24. A rebeldia do comportamento político e da escrita com que a manifestava, exibida no empenhamento com que acompanhou, em Lisboa, o julgamento do capitão Henrique Galvão, seu amigo e como ela africanista e opositor do regime, empurrou-a naturalmente para o exílio no Brasil, onde chegou em Julho de 1955. É a própria Maria Archer que, em entrevista ao Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, em Janeiro de 1956, conta os motivos por que saiu de Portugal: “ Vim para o Brasil, tendo chegado no dia 15 de Julho de 1955, porque já não podia viver em Portugal. A ação da censura asfixiou-me e tirou-me os meios de vida. Apreenderam-me dois livros publicados, assaltaram-me com policiais a casa e levaram-me um original que ainda estava escrevendo, violência inédita em países de civilização europeia.”
25. Chegada ao Brasil, como tantos outros exilados portugueses, entre os quais Casais Monteiro, Carlos Maria Araújo, Sidónio Muralha, Jorge de Sena, Castro Soromenho, Mário Henrique Leiria, iniciou, por assim dizer, a sua fase de jornalista, colaborando no célebre jornal O Estado de São Paulo. A actividade jornalística não a impediu de continuar a sua obra literária e ensaística. E assim é que, em 1959, publicará Os Últimos Dias do Fascismo Português, livro que lhe foi inspirado pelo julgamento já mencionado de Henrique Galvão. Seguem-se Terras onde se fala Português, África sem Luz (1962) e Brasil, Fronteira da África (1963).
26. Respigando e aumentando algumas das passagens do Roteiro do mundo português, que escreveu em 1940, como alusão à exposição colonial do mundo português desse ano, Maria Archer escreverá Herança Lusíada, livro valorizado pelo prefácio de Gilberto Freyre, no qual destaca o “talento literário”, a “qualidade da observação”, o “poder de análise”, o “gosto pelo estudo do que do ponto de vista europeu é exótico, pitoresco ou bizarro.” Com este livro encerrou-se praticamente a obra literária de Maria Archer, que o 25 de Abril de 1974 não trouxe a Portugal. Para aqui voltou apenas em 1979, doente, para vir morrer, praticamente na miséria, num lar em Marvila, em 1982.
27. Quem conheça a vasta obra de Maria Archer acompanha convictamente o comentário resumptivo que dela foi feito: óptima romancista e um valor inigualável na literatura feminina do século XX.
28. Os sinos que por ela dobraram, em 1982, e por Maria Lamas, no ano seguinte, tinham o mesmo som daquele “augusto bronze” garrettiano, que nos tange na memória a odisseia da nossa diáspora da qual estas duas mulheres, agentes activas do resgate português da cidadania feminina, foram símbolos maiores.
29. No caso de Maria Archer, não lhe reconheceu a pátria, como deveria ter reconhecido, o seu bom combate pela liberdade e pela igualdade da mulher, porque a pátria, tantas vezes, faz que nos sintamos, como escreveu Irene Lisboa, em O Pouco e o Muito: “Cada um de nós é um ilhéu – ilhotas flutuantes em mares profundos e longuíssimos de solidão. De abandono.”
30. Esse abandono, a que Maria Archer foi votada nos últimos anos de vida, denunciou-o o poeta moçambicano Sebastião Alba no poema “À morte de Maria Archer”:
“Esta melancolia andou desocupada
Que há sempre um guizo mudo
O do cordeiro que seus pastos nos evocam
Direi da minha vida
Não é plena mas contém-me
E ao devaneio em que lhe sou infiel
Já sem nenhum recato
Da sua
Que uma escápula no asilo
Lhe suspendeu pela gola a sombra.”
31. Façamos, então, a síntese dos discursos diversos de Maria Lamas e de Maria Archer, que se cruzaram em espaços e tempos, que reclamavam unidade de acção na busca da igualdade social e da cidadania plena da mulher enquanto mátria, donde a pátria deriva e se alimenta dos filhos que a tornaram, que a tornam ditosa, como cantou o nosso poeta maior!
32. Libertemos, pois, a mater dolorosa e tornemo-la mater gloriosa, para que a vida não seja punição, não seja dominada pela violência, pela dor, antes, fruição de companhia e partilha do pão. Se não, a diáspora não terá valido a pena!
Porto e Forum da Maia, 24 de Novembro de 2011.
ELISABETH BATTISTA
Departamento de Letras, Universidade do Estado do Mato Grosso - UNEMAT, Brasil
"Maria Archer – O encontro com uma escritora viajante"
Com Maria Archer gasto horas de trabalho e de lazer ficando-me sempre a impressão de haver passado momentos em boa companhia. Conheci Maria Archer na travessia para a outra margem do Atlântico. Sim, depois que li Ela é Apenas Mulher (1944), no contato com Esmeralda, personagem principal do referido romance, foi encanto à primeira leitura. Naquela oportunidade, debrucei-me à janela e fitei, junto com ela, o majestoso Tejo, no seu desembarque em Cacilhas, frente à Lisboa.
Quando isto se deu? Parece que foi ontem, mas remonta a 2003, o tempo em que a Universidade de Coimbra sediou um evento internacional, no qual, em companhia de uma equipe de investigadores do Brasil, participei com apresentação de trabalhos. O grupo de estudiosos da Universidade de São Paulo – USP, dentre os quais a minha orientadora do Doutorado, a Professora. Doutora. Benilde Justo Lacorte Caniato (in memorian), e a Professora. Doutora. Tania Macêdo, tomou parte ativa no evento que congraçou investigadores de diversas áreas e vários países, visto se tratar de um Congresso Internacional Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais.
Entretanto, de passagem por Lisboa, a Professora Benilde Caniato adquiriu a obra Ela é Apenas Mulher, de Maria Archer, reeditada em 2001 pela Editora Parceria A. M. Pereira, e recomendou-me a sua leitura. Esta foi motivação suficiente para que despertasse em mim o desejo de conhecer o conjunto da produção criativa da autora e saber mais sobre a sua biografia.
E tendo o meu Projeto de Doutoramento a finalidade de contribuir para o estudo de autores da literatura de Língua Portuguesa a partir do século XX ainda pouco explorados nas relações literárias Brasil, Portugal e África, a obra de Maria Archer logo me pareceu ser um corpus em potencial.
Foi assim que ao ter elegido como objetivo dar visibilidade à diversidade cultural gerada por essas relações, me lancei na busca de documentos que fornecessem um testemunho da gênese da obra e da vida de Maria Archer, inclusive visitando alfarrabistas e adquirindo todos os títulos disponíveis. Nessas andanças conheci a escritora Maria Albertina Mitelo. À medida que sobre os materiais me debruçava, deparei-me com um fato curioso que corroborou ainda mais a minha reflexão: O fato de tendo ela nascido no limiar do século XX, e tendo contatado direta ou indiretamente com as correntes de pensamento que influenciaram, ou afetaram de forma intensa o ambiente político-cultural português até meados dos anos cinquenta do século passado, e ser, não obstante, pouco estudada pela historiografia literária da Literatura Portuguesa.
Buscando entre os lusitanos notícias sobre a autora e sua obra, contatei a amiga e poetisa Maria Albertina Mitelo , a qual se referiu a uma recente entrevista do Professor Fernando de Pádua à televisão portuguesa, em que ele, na ocasião teria nomeado a escritora Maria Archer como sua tia, e dava a conhecer a última reedição da obra Ela é Apenas Mulher.
De fato, o dado fornecido pela Maria Albertina Mitelo foi fundamental para que eu acessasse um outro estágio da investigação. Isto porque, ao tomar conhecimento dos objetivos que o mesmo perseguia, o Professor Fernando de Pádua, com a generosidade que lhe é peculiar, acolheu-me muito prontamente e concedeu uma entrevista, colocando-me em contato com pessoas simpatizantes à causa. Na oportunidade, citou existência da Dissertação de Mestrado da Professora Dina Botelho, trabalho que mais tarde fez chegar às minhas mãos. Gesto que por si só fala da confiança depositada, motivo pelo qual sou grata.
Trata-se de uma investigação que resultou num primoroso ensaio sobre a obra e a vida de Maria Archer que veio a servir-me de relevante base e fonte de consulta. Encontrei apoio também na pessoa da Dra. Olga Archer Moreira, sobrinha-neta de Maria Archer, que amavelmente me forneceu duas fotografias para ilustração daquela que em 2007 viria a ser a minha futura tese de doutoramento.
De regresso ao Brasil, o percurso investigativo mostrou-se pleno de gratas revelações. A maior delas foi constatar que, em seu longo exílio em terras brasileiras (1955 a 1982), a escritora havia lançado quatro obras e dezenas de crônicas jornalísticas. Note-se que talvez ela tenha sido a primeira autora a ter a noção exata da escassa circulação literária entre a África e o Brasil, o fato logo posto em evidência no seu ensaio jornalístico sobre o tema, “A Censura à Imprensa e ao Livro” (1956), publicado no periódico Portugal Democrático. Aí, reivindica o direito à circulação literária entre os países de Língua Portuguesa.
Sete anos mais tarde, Maria Archer, no prefácio de sua obra África Sem Luz (1962:5-6) é distinguida pelo reconhecimento dos editores em relação ao fato acima. A propósito colhi da Nota explicativa do ensaísta e crítico literário Paulo Dantas , na referida obra, publicada no Brasil, na coleção Círculo do Livro, o seguinte comentário:
(…) Sente-se que a escritora ama o seu mundo africano, compreende a sua gente, capta as suas ingenuidades, desenhando com segurança a paisagem geográfica e social do Continente Negro, no qual tem vivido e participado, através de viagens, pesquisas, passeios etc. (…) Longe de ser uma “mera turista africana”, Maria Archer, já com uma dezena de livros escritos e publicados sobre a África, é uma das vozes esclarecidas do continente. (…) Viveu e habitou na África. Cresceu no seu chão. Formou-se no seu clima. Física e psiquicamente integrada numa grande e total intimidade ecológica, a escritora tornou-se autoridade no assunto, daí o domínio com que aborda a África em todas as suas coordenadas geográficas e latitudes morais, oferecendo-nos valores de comando e interpretação.(...)
A coletânea de narrativas que integram África Sem Luz apelam à imaginação e evocam a tradição oral – elemento fundamental da cultura desses povos africanos, com quem a autora travou contato. O jogo narrativo sobrepõe-se a dimensão documental. Em suas páginas identificam-se elementos que apontam para o universo plural e diverso que caracteriza as linguagens que a autora buscou exprimir, na sua relação literária e cultural com o continente africano e com o seu tempo.
Acresce ter sido uma excelente jornalista, razoável romancista e ensaísta de certo interesse. Foi sobretudo cronista, autora de vários romances e várias dezenas de contos, como “A Sedução do Mistério” (1944) e “A Japoneza” (1956). A sua escrita tem fascinante clareza. Há uma capacidade de fundir o olhar observador e atento à astúcia de exímia prosadora, elegância no verbo e expressão impactante. Seus textos suportam uma leitura antropológica, e aí parece ter sido precursora.
A melhor fase de sua produção criativa começou na idade madura, ao atingir os 40 anos, mas desde o começo já eram pessoais o seu estilo e visão de mundo. O trato da escrita, no processo literário, em grande parte foi dedicado ao forte sentimento de identidade e divulgação da cultura dos países africanos que se comunicam em Língua Portuguesa.
A cultura portuguesa deve-lhe não apenas as contribuições da escrita perspicaz, mas sobretudo a abordagem lúcida e corajosa de questões que abrangiam a vida social e suas contradições que ela teve a ousadia de levantar sendo este um dos seus traços mais marcantes. A linguagem de Maria Archer não tem banalidades, expõe os conflitos morais e sociais do seu tempo por meio da representação artística. O romance Ela é Apenas Mulher (1944), por si só, constitui-se emblema significativo e, não menos importante, ao tempo de sua permanência no Brasil o seu contributo, ao produzir inúmeros artigos nos jornais O Estado de São Paulo, Semana Portuguesa e Portugal Democrático que deram força à resistência ao regime vigente em Portugal.
Todo o trabalho de investigação culminou na tese de doutoramento intitulada Entre a Literatura e a Imprensa: Percursos de Maria Archer no Brasil defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP/Campus da capital, em 2007, e que teve como objetivos ressaltar as experiências e a contribuição literária desta escritora para a imprensa de Língua Portuguesa para a recuperação e a organização da produção criativa da autora, e sobre a sua obra laborada no período de exílio no Brasil (1955 a 1963).
As preocupações, naquele momento, recaíram principalmente na caracterização e avaliação de sua prática, no contexto dos anos 50-60, período rico e fértil em transformações, tanto no Brasil quanto em Portugal e de intensas lutas pela independência na África lusófana.
Este depoimento, que muito me apraz produzir é também um dos produtos do Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas da Diáspora , dedicado em homenagem à memória das Marias: Archer e Lamas. O evento e a publicação que integrará este e outros textos traduzem-se na atualização da memória e vem, até certo ponto, colmatar uma falha que pesa sobre o nome da autora, e não merece ser deixada ao abandono dos investigadores, tanto mais que é amplamente reconhecida pelo público-leitor.
A literatura de Maria Archer singrou as águas do Índico, do Atlântico e aportou no Brasil. Pode-se dizer que, assim como a força unificadora da língua de expressão portuguesa, a sua produção criativa provou ter vocação marítima, pois transpôs os hostis entraves das fronteiras geográficas, e passou a ser abertura para o estreitamento dos laços identitários entre os países lusófonos.
1 Estágio Pós-Doutoral/Universidade de Lisboa – Bolsa de Investigação/CAPES, na Faculdade de Letras/FLUL/CEC/Portugal. Doutora pela Universidade de São Paulo – USP. Docente no Departamento de Letras do Campus Universitário de Cáceres, e no Programa de Pós-graduação em Estudos Literários – PPGEL, da Universidade do Estado de Mato Grosso -UNEMAT/Brasil.
2 Centro de Estudos de Culturas e Literaturas de Língua Portuguesa – CELP.
3 Maria Albertina Mitelo é autora de quatro obras de poemas: Entre Pássaros e o Mar (2002), O Corpo das Aves (2004), Uma Leve Matéria (2007) e Matéria Brevíssima (2009). Edições Afrontamento.
4 Professor Doutor Fernando Manuel Archer Moreira Paraíso de Pádua, Fundador da Fundação Professor Fernando de Pádua e do Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva – INCP. Autor de O Livro do Coração, (2008) e Conversas no Meu Consultório (2011).
5 BOTELHO, Dina Maria dos Santos. “Ela é Apenas Mulher” Maria Archer Obra e Autora. Dissertação de Mestrado em Estudos Anglo-portugueses, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, sob a orientação da Professora. Dra. Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa, 1994, 182p.
6 Paulo Dantas, ensaísta, crítico literário, romancista, jornalista, vice-presidente da Academia de Letras de Campos do Jordão, presidente da Academia Brasileira de Literatura Infanto-Juvenil. Detentor dos prêmios Coelho Neto e Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras.
7 Realizado pela Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, com apoio da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, na Maia/Porto em novembro de 2011.
8 A autora, além da contribuição à imprensa periódica publicou no Brasil: Terras Onde se Fala Português (1957), Os Últimos Dias do Fascismo Português (1959), África Sem Luz (1962), Brasil, Fronteira da África (1963).
III – HISTÓRIA DAS MIGRAÇÕES PORTUGUESAS: A Nova Emigração Feminina, Relação Transnacional e Mudança
11 – F
MARIA DA CONCEIÇÃO PEREIRA RAMOS
Universidade do Porto – Faculdade de Economia
e CEMRI – UAb
e-mail: cramos@fep.up.pt
"Trabalho e empreendedorismo social da mulher portuguesa na diáspora"
Resumo
A constituição de uma grande diáspora portuguesa e feminina é visível na sua forte representação nos países de acolhimento, onde o trabalho é uma dimensão essencial de autonomia, de integração e de socialização.
Os portugueses imigrantes, homens e mulheres, no passado e no presente, denotam capacidade de organização, de liderança e de comprometimento em organizações de voluntariado, de ordem associativa, organizações sem fins lucrativos, pertencendo ao terceiro sector, à economia social e solidária.
O conjunto de iniciativas socioculturais e político-cívicas (ensino da língua, promoção e divulgação da cultura portuguesa, apoio social, assistência jurídico-informativa, ….) ajudam na integração social dos migrantes e na aproximação e visibilidade da comunidade.
Assinale-se a importância do trabalho das mulheres migrantes, muito dele voluntário, e do seu empreendedorismo para o sistema económico e a solidariedade social. Estas mulheres são agentes de mudança e de desenvolvimento nos países de origem e de acolhimento, onde a sua participação contribui para o aumento da cidadania e da coesão social.
“E aonde chegue um emigrante lusíada chega uma criatura convivente, prestante, diligente e influente, que concilia, congrega, desbrava, cria riqueza, funda instituições benemerentes, semeia humanidade. E chegam sempre portugueses aos mais recônditos confins do globo, de saquita ao ombro e de cordialidade na voz e na alma”.
Miguel Torga, Diário XV, Círculo de Leitores, 2001, p. 1471-1472.
1 – Trabalho das mulheres migrantes e intercâmbios culturais e económicos
Os migrantes, homens e mulheres, têm uma importância fundamental na diáspora de Portugal no mundo, seja pelo seu número, seja pelo papel activo que desempenham no mercado de trabalho, nas redes sociais e associativas, na economia e desenvolvimento dos países de acolhimento e de origem. A constituição de uma grande diáspora portuguesa e feminina é visível na forte representação atingida nos países de acolhimento, onde o seu trabalho é uma dimensão essencial de integração e de socialização.
Importância das mulheres portuguesas nalguns países europeus
Países Nº Portugueses % mulheres
Reino Unido (2009) 96 000 50%
Bélgica (2007) 29 800 49%
França (2007) 491 000 47%
Alemanha (2009) 205 300 46%
Suíça (2009) 205 300 45%
Holanda (2009) 15 400 45%
Fonte: OCDE (2011)
A França e a Alemanha são países de emigração mais antiga, sobretudo a partir dos anos sessenta do século XX, onde os fluxos migratórios já estão consolidados, existindo “segundas” e “terceiras” gerações de migrantes (Ramos, 1999). No Reino Unido e na Suíça, os fluxos de mobilidade são mais recentes e as “segundas” gerações são ainda jovens.
No ano de 2011, as estimativas referem que terão saído 120 mil cidadãos de Portugal. Imperativos de ordem económica e profissional determinam a grande parte destes movimentos migratórios. O aumento da emigração dos mais qualificados ao nível mundial é uma tendência dos últimos anos (Ramos, 2008b). Cerca de 20% dos licenciados portugueses emigram (Docquier e Marfouk, 2006). Actualmente, uma parte significativa desta emigração ocorre no espaço da livre circulação da União Europeia e assume uma lógica temporária e não definitiva, mas também assistimos à descoberta de novos destinos extra-europeus, como o Brasil e Angola. Engenheiros, arquitectos, gestores, face à recessão do sector da construção, começam a dirigir-se para estes destinos mais distantes, onde a oferta de emprego é grande. Enfermeiros, farmacêuticos e médicos-dentistas, por exemplo, têm na Europa o destino privilegiado, estando as mulheres fortemente representadas nestes novos fluxos, nomeadamente associados à saúde e à educação.
Existe uma procura do trabalho feminino na economia global, tanto para actividades mais qualificadas, como menos qualificadas, nas novas tecnologias, na saúde, na educação, nos serviços pessoais e sociais, nomeadamente para o trabalho doméstico e de enfermagem (Ramos, 2009, 2011a). A feminização das migrações internacionais é uma das principais características da nova era das migrações. As mulheres representam 53% dos migrantes na Europa, a taxa mais elevada em relação aos outros continentes (OSCE/OIM/OIT, 2006).
Da análise da emigração portuguesa, constatamos que a emigração feminina transforma a natureza do projecto migratório, reconvertendo-o de temporário em definitivo, ou em mais prolongado. O panorama não se alterou significativamente, até à segunda metade do século XX. É visível o elevado grau de masculinidade na saída de portugueses no período de 1955 a 1974 e incremento da emigração familiar de 1970 a 1974 (Arroteia, 1983; Ramos, 1990). A feminização das migrações ganhou visibilidade no seguimento do choque petrolífero de 1973-74, com as alterações no mercado de trabalho e a reunificação familiar. A família assume um papel determinante no projecto migratório, seja na integração no país de acolhimento, seja na decisão de regresso a Portugal.
A capacidade de decisão e de intervenção das mulheres migrantes portuguesas, bem como o papel activo que desempenham ao nível económico, social e cultural, tem vindo a aumentar. O trabalho, a educação, as competências linguísticas e multiculturais, e a dupla nacionalidade são factores importantes para a integração e a participação cidadã nos países de acolhimento e de origem (Ramos et al, 2007).
Existe heterogeneidade de situações no que respeita à inserção das migrantes portuguesas em diferentes sociedades, sejam de emigração recente ou antiga, sejam mais favoráveis ao emprego e ao empreendedorismo do que outras. No Brasil, por exemplo, os imigrantes portugueses estabeleceram-se nas áreas urbanas e dedicaram-se às actividades comerciais, estando as mulheres portuguesas e o seu trabalho representadas em diferentes estudos (Boschilia, 2005; Pascal, 2005). A importância das mulheres migrantes nos serviços, especialmente trabalho doméstico (Cox, 2006), nomeadamente das mulheres portuguesas, na Europa, é uma realidade (Ramos, 1990, 2009).
As taxas de actividade das emigrantes portuguesas nos países de acolhimento são muito elevadas, superiores às da população residente, autóctone e estrangeira, e a experiência migratória permite-lhes adquirir novas competências. Estando afectadas a serviços pessoais e sociais, têm resistido melhor do que os homens ao contexto de crise actual no mercado de trabalho (OCDE, 2010, 2011), dado que o emprego das mulheres se situa em sectores (sociais e serviços domésticos, por exemplo) que não sofreram tanto com a crise económica. É possível também que as mulheres migrantes tenham aumentado a sua participação no mercado de trabalho, a fim de compensar as perdas de rendimentos dos homens migrantes.
Assinale-se, no entanto, a importância das mulheres migrantes entre os trabalhadores com modalidades atípicas, temporárias e precárias de emprego, onde acumulam algumas discriminações, ocupando mais frequentemente do que as autóctones empregos para os quais são sobrequalificadas e sendo mais afectadas pelo desemprego (Ramos, 2010). É escassa a informação sobre as condições de trabalho das pessoas imigrantes e o efeito que têm sobre a saúde. A invisibilidade das condições de trabalho das mulheres no sector doméstico é um exemplo. Natália Ramos (1993, 2009, 2010, 2011) tem analisado algumas das questões que se colocam à família e à mulher trabalhadora e mãe imigrante em contexto migratório, e às politicas públicas a implementar visando a sua integração, saúde e desenvolvimento.
Nos países de acolhimento, o trabalho das mulheres migrantes é essencial na área dos serviços, verificando-se uma mobilidade ascendente das “segundas” e “terceiras” gerações, nomeadamente através do acesso ao sector público e às actividades mais qualificadas e por conta própria. A inserção laboral das mulheres migrantes é um factor fundamental de autonomia, rompendo muitas vezes com o controlo patriarcal e a situação de “doméstica” antes da emigração, mas é igualmente um factor de socialização e de ajustamento a valores da sociedade de acolhimento, importantes para a integração e o exercício da cidadania.
Há que destacar os projectos de vida das “novas gerações de migrantes”, relacionados com a sua integração social, cultural, laboral e política, nas sociedades de acolhimento e no quadro da União Europeia e dos novos direitos de cidadania (Ramos, 2003b, 2004, 2005, 2007; La Barre, 2006). Os conhecimentos multiculturais e linguísticos abrem novas perspectivas de emprego às gerações descendentes de portugueses, no quadro da globalização. Neste sentido é pertinente estudar os novos comportamentos de mobilidade e a interacção país de origem/país de acolhimento. Os “novos trabalhadores globais” incluem as populações migrantes, necessárias à eficácia económica. Para as empresas, num contexto de globalização, ter pessoal qualificado, capaz de trabalhar em diversos ambientes culturais e em constante mobilidade, é um factor de competitividade. A internacionalização da economia portuguesa passa pela disponibilidade no mercado de trabalho de recursos humanos, tendo este potencial linguístico, cultural e profissional (Ramos, 2003a).
As mulheres migrantes ganham independência, empoderamento e qualificações, no projecto migratório, tendo um papel decisivo na gestão do orçamento familiar e das poupanças. A sua capacidade empreendedora e o peso crescente no envio de remessas financeiras para Portugal, é evidente. As mulheres migrantes contribuem, cada vez mais, para essas remessas, as quais trazem vantagens para o país de origem, no plano social, educativo e sanitário (Martin, 2007; Ramos, 1990, 2003a). A sua capacidade de poupança e de gestão são importantes contributos para a economia familiar e o desenvolvimento, recomendando a ONU às autoridades bancárias, que foquem a sua atenção nas mulheres migrantes, nas suas remessas e apoiem o seu empreendedorismo. Como constatamos (Ramos, 1990), no estudo da emigração portuguesa em França, a contribuição financeira da mulher é importante, por vezes acumulando horas de trabalho como doméstica em particulares, com limpeza de escritórios à noite, com trabalho de porteira, podendo ganhar um salário superior ao do marido (cf. também Leandro, 1995). A autonomia financeira, impensável antes da emigração, acompanha igualmente a usura e desgaste profissional, com longas jornadas de trabalho.
Os migrantes, mulheres e homens, desenvolvem práticas transnacionais e relações sociais de natureza múltiplas, ligando as sociedades de origem e as de acolhimento, através de transacções culturais e económicas. As mulheres migrantes contribuem para diferentes transformações e inovações, novas dinâmicas familiares e demográficas e mudanças progressistas que afectam as mentalidades, os hábitos de vida, a educação e a igualdade entre os géneros (Ramos, 2008a).
2 - Economia solidária, voluntariado e empreendedorismo social migrante feminino
O sector não lucrativo, referido por terceiro sector, economia social ou sector voluntário, é constituído por diferentes instituições organizadas sob a forma de associação, fundação, misericórdia, cooperativa, mutualidade, clube, etc., prosseguindo variados objectivos. As características comuns deste tipo de organização, numa perspectiva económica, residem na regra de não distribuição dos lucros gerados na actividade e no desenvolvimento de uma actividade que prossegue o bem-estar social (Ramos, 2011b).
O empreendedorismo social é uma actividade inovadora de criação de valor social, que pode ser desenvolvido em diferentes esferas – económica, educativa, social e espiritual – com actividades realizadas por indivíduos e organizações, incluindo o sector público, organizações comunitárias, organizações de acção social e instituições de caridade (Weerawardena e Mort, 2006).
O empreendedorismo social está associado ao desenvolvimento de projectos (de indivíduos ou de comunidades, não necessariamente envolvidos numa organização) que visam o interesse geral, o chamado bem comum, ou dar resposta a necessidades sociais não satisfeitas. O empreendedorismo social tem sido visto como um agente de mudança social, tanto em áreas de preocupação social como na área das políticas sociais públicas (Waddock e Post, 1991).
Falar de empreendedorismo migrante feminino é ir além do empreendedorismo económico e abranger áreas como o empreendedorismo associativo, cultural, social ou político, com impacto na capacidade de intervenção e poder das mulheres migrantes. Tem sido pouco estudado este empreendedorismo social, propiciador de práticas de inovação social com impacto na sociedade, mais vasto do que o grupo migrante a que se destina.
A economia solidária coloca desafios e oportunidades de inovação social nas suas relações com o Estado e a sociedade civil. A inovação social diz respeito a novas estratégias, conceitos, ideias e organizações que respondem a necessidades sociais de todos os tipos – desde as condições de trabalho e de educação, até ao desenvolvimento comunitário e à saúde – e que alargam e reforçam a sociedade civil. A inovação é uma componente crucial do empreendedorismo social. Evidenciando a importância desta questão, o ano de 2011 foi o ano europeu consagrado ao voluntariado e, nomeadamente, ao associativismo migrante.
As associações de migrantes portugueses desenvolvem-se sobretudo depois de 1974, através de um reforço institucional da área emigratória. Em 1980, assinale-se a criação do Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo, facilitando o apoio às associações que dele fizerem parte (DL nº 373/80 de 12 de Setembro). Foi “a primeira experiência de audição e diálogo institucional, entre o governo português, a sua emigração e a sua diáspora. Era um órgão consultivo do governo, constituído por representantes eleitos no mundo associativo, apelando à força e ao papel central que as associações têm na construção e preservação das comunidades de emigrantes” (Aguiar, 2009:257).
As mulheres portuguesas na diáspora têm um importante papel nas redes sociais, através das relações interpessoais fomentadas pelo trabalho, associações, geminações, actividades em paróquias. Estas imigrantes participam no quadro de associações mistas, sobretudo criadas e dirigidas por homens.
Destaca-se a capacidade de organização, de liderança e de comprometimento dos homens e mulheres migrantes portugueses, em organizações de voluntariado, sem fins lucrativos, de ordem associativa, organizações pertencendo ao terceiro sector, à economia social e solidária (Ramos, 2011a,b). Assinala-se assim a importância do trabalho das pessoas migrantes, muito dele voluntário , e do seu empreendedorismo para o sistema económico e a solidariedade social.
Assistiu-se ao desenvolvimento do movimento associativo português no mundo, com objectivos assistenciais, culturais e recreativos (DGACCP, 2010). A beneficência foi uma das características do associativismo migrante em todo o mundo desde o início de oitocentos. No Brasil, a comunidade portuguesa foi a primeira a estabelecer uma cadeia de instituições de voluntariado, apoio a trabalhadores, hospitais, bibliotecas, alfabetização,... (Trindade, 1988; Fonseca, 2009). Tais entidades tiveram um importante papel, por exemplo, no Rio de Janeiro, numa cidade onde a colónia portuguesa era grande e quando no Brasil, do século 19 e início do século 20, o Estado pouco intervinha nas relações profissionais, não tendo políticas de saúde, habitação, previdência ou lazer, e funcionando o associativismo como um meio dos indivíduos conquistarem e exercerem os seus direitos como cidadãos.
A promoção da cidadania dos homens e das mulheres migrantes é um factor importante de coesão social, entendida esta como “a capacidade de uma sociedade assegurar o bem estar de todos os seus membros, minimizar as disparidades e evitar a polarização” (Conselho da Europa, 2004, in Ramos et al, 2009).
A instalação das famílias vai dirigir o movimento associativo para outras funções. Com a chegada de mulheres e famílias, o associativismo ultrapassa a sua fase inicial de mero centro de convívio, café, tertúlia, para adquirir a vertente cultural, de transmissão de tradições e saberes da cultura portuguesa, acompanhados pela música, folclore, festas populares, gastronomia, artesanato, teatro, exposições, palestras, cursos de língua. As mulheres vão determinar novas orientações ao nível de actividades socioculturais e socioeducativas, mas também como secretárias e algumas funções directivas (CEDEP, 1986; Ramos, 1990). Dentro do processo migratório, a mulher tem um papel importante na transmissão de tradições e saberes e da cultura portuguesa no estrangeiro (culinária, canto, dança…).
As iniciativas socioculturais e político-cívicas (ensino da língua, promoção e divulgação da cultura portuguesa, apoio social, assistência jurídico-informativa...), realizadas por homens e mulheres migrantes no movimento associativo, promovem a sua integração social e participação cívica, são veículo de aproximação comunitária, visibilidade da comunidade e meio de conservação e de transmissão do património cultural. A necessidade de manter e cultivar a identidade cultural da comunidade portuguesa e de criar mecanismos para a defesa dos seus interesses na sociedade de acolhimento fez surgir no mundo, cerca de 3000 associações de portugueses (DGACCP), o mais vasto movimento associativo comunitário, nomeadamente em França, onde já existiam, em 1980, 460 associações (Ramos, 1990:586). A propensão associativa dos portugueses no estrangeiro é ressaltada por muitos autores e considerada superior à que se verifica no próprio país. As actividades das associações dirigem-se sobretudo aos membros da comunidade .
Também na vida política, a participação das mulheres migrantes começa a ser visível, sobretudo das jovens gerações na diáspora, como podemos constatar em França. No movimento associativo, as mulheres destacaram-se, sobretudo as novas gerações, desde os anos 80 do século XX em França, na dinamização de actividades culturais e recreativas (Ramos, 1990, 1999). Muitos jovens, sobretudo do sexo feminino, estão motivados em participar com outros jovens, através de associações por si constituídas, quer para se debruçarem sobre a sua realidade e os seus problemas específicos, quer para encontrarem as melhores formas de preservar a cultura portuguesa nos países onde vivem.
As mulheres portuguesas têm-se progressivamente envolvido em organizações políticas, cívicas e filantrópicas, num crescente processo de associativismo.
O associativismo migrante português tem sido maioritariamente liderado por homens, apesar das mulheres terem criado organizações próprias. Datam do final do século XIX, as pioneiras sociedades fraternais ou de socorros mútuos femininas da Califórnia (Adão, 2005). Na 2.ª metade do século XX, a “Sociedade Beneficente das Damas Portuguesas” de Caracas (1969), a “Liga da Mulher Portuguesa” da África do Sul, ou a “Associação da Mulher Imigrante Portuguesa” da Argentina (1998). Data de 1994, a criação em Portugal da Associação Mulher Migrante. A Sociedade de beneficência de Caracas foi fundada por um grupo de portuguesas com fins exclusivamente beneficentes, sendo os primeiros fundos destinados principalmente ao custeio de rendas de casa de famílias cujos responsáveis estavam doentes ou impossibilitados de trabalhar (A. Vieira, in AAVV, 1986:87).
Os líderes associativos, homens e mulheres, trabalham como membros activos, exercendo influência sobre os membros da comunidade, dada a responsabilidade dos postos que ocupam e do papel informal que desempenham. A liderança, sobretudo exercida por homens, encontra-se associada a determinadas qualidades pessoais e à habilidade com que utilizam os seus recursos: domínio da língua do país de acolhimento; formação académica; nível de rendimentos; competências políticas e credibilidade no seio do grupo (Labelle et al., 1994). Enquanto representantes e porta-vozes das comunidades migrantes, os líderes associativos estão frequentemente ligados à acção política e a reivindicações face ao poder instituído. Detentores de importantes redes de conhecimentos, procuram exercer influência junto de instituições sociais, partidos políticos, etc., procurando melhorar as condições de vida dos seus conterrâneos.
3 – Empreendedorismo e solidariedade associados à Igreja e à Obra Católica das Migrações
É importante assinalar as iniciativas da sociedade civil, da Igreja Católica e das comunidades cristãs que, em Portugal ou nos países de destino, permitem experiências de acolhimento e integração dos migrantes.
A criação das irmandades da Misericórdia, com a sua acção assistencial, médica e social em favor dos carenciados, é um exemplo de difusão de uma das instituições religiosas mais antigas que se espalharam após os Descobrimentos dos portugueses, e foram responsáveis pela criação de numerosas albergarias, hospitais e igrejas, onde se cuidava dos mais necessitados. As Santas Casas de Misericórdia no Brasil, por exemplo, devem-se principalmente à acção da Igreja e acompanharam a fixação de colónias de portugueses no Brasil, país onde se desenvolveram, desde 1539, 110 Santas Casas de Misericórdia (Khoury, 2004), após a criação da Confraria de Nossa Senhora da Misericórdia em Lisboa (em 1498).
Verifica-se a cooperação pessoal e institucional entre estruturas da administração pública, da sociedade civil, da Igreja Católica e de outras igrejas, a nível nacional e internacional, relativamente ao esclarecimento dos migrantes e à respectiva integração em contextos interculturais. Cada vez mais o serviço social da paróquia inclui a componente da mobilidade humana.
Veja-se o papel da Obra Católica Portuguesa das Migrações, fundada juridicamente em 1962 (existia desde 1958), para canalizar o apoio espiritual e religioso aos emigrantes, nomeadamente às comunidades portuguesas no estrangeiro, por exemplo, em termos de capelães, mas também a assistência social aos emigrantes. A Igreja tem sido uma estrutura de enquadramento dos emigrantes, criando numerosas missões católicas nos países de imigração.
A chegada da imigração obrigou a reestruturar os serviços diocesanos, que passaram a incorporar novas valências e a atender os imigrantes através dos Secretariados Diocesanos das Migrações. Há ofertórios, uma vez por ano, em Agosto, na semana Nacional das Migrações, organizada desde 1973, constituindo a base do trabalho das migrações ao nível nacional. Uma parte dessa colecta reverte para o Secretariado Nacional das Migrações, outra para os secretariados locais.
A Igreja Católica dispõe de serviços sociais desenvolvidos e vocacionados para várias áreas, entre as quais a das migrações. Os Secretariados têm apoiado os imigrantes em diferentes domínios (cursos de português, apoio jurídico, bolsa de emprego, apoio à procura de habitação, ….), estabelecendo contactos com o SEF, Segurança Social, albergues nocturnos, entidades patronais, sindicatos, serviços de saúde, hospitais, agências funerárias, senhorios, Consulados dos imigrantes em Portugal, Embaixadas de Portugal e Consulados no exterior, etc.
As mulheres contribuíram sempre, fortemente e de forma benévola, para as actividades sociais associadas à Igreja Católica.
4 - Reflexões finais e recomendações - Migrações, género e co-desenvolvimento
Temos vindo a assinalar, como fizemos também no trabalho para o Conselho da Europa (Ramos et al, 2009), como a participação mais igualitária de homens e mulheres nas migrações contribui para a coesão social e o desenvolvimento. Para potenciar os efeitos positivos das migrações e diminuir os impactos negativos nas sociedades de origem, é necessário construir o co-desenvolvimento através da contribuição das populações migrantes, e das suas associações, nos países de imigração e de emigração. Definimos o co-desenvolvimento pelos laços que “reúnem os migrantes, os governos e outras instâncias públicas e privadas, à volta de um projecto de colaboração visando contribuir para o desenvolvimento do país de origem dos migrantes” (Conselho da Europa, 2007, in Ramos et al, 2009:89).
O co-desenvolvimento implica as associações de migrantes que aspiram a ter um papel de transformação social da sociedade de origem; as organizações locais do país de origem, que orientam os recursos para as necessidades de desenvolvimento; as colectividades territoriais dos países de partida, que desejam contribuir para a definição dos objectivos de desenvolvimento das associações de migrantes; as associações do país de acolhimento, capazes de fornecer apoio em termos de financiamento, formação e formalização do projecto; as colectividades territoriais e outras instituições dos países de acolhimento, envolvidas nesta forma de cooperação.
Assinalemos algumas prioridades a ter em conta:
- É necessário prosseguir a pesquisa sobre as comunidades portuguesas e a sua feminização.
- É importante que os estudos, os programas e as políticas de migrações internacionais sejam sensíveis às questões de género, tendo em atenção a situação social e a inclusão das mulheres e homens migrantes e assegurando o desenvolvimento das suas capacidades de participação no projecto migratório.
- É necessário assumir a igualdade de direitos e deveres entre toda a população, nacional ou estrangeira, denunciando situações injustas, como a discriminação salarial ou o acesso ao mercado de trabalho.
- A área do empreendedorismo social migrante deve merece maior atenção por parte dos investigadores e dos poderes públicos.
- Faltam dados rigorosos, globais, actualizados periodicamente, sobre a verdadeira contribuição do voluntariado e do empreendedorismo social, nomeadamente feminino. No que toca ao movimento associativo migrante, há que registar actividades, funções e cargos ocupados por mulheres e homens, bem como formar para o voluntariado.
- É importante compreender o verdadeiro impacto económico, social e cultural das migrações, tendo a comunicação um papel importante na informação, sensibilização da opinião pública, influenciando mesmo a elaboração de políticas públicas (OCDE, 2010; OIM, 2011).
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ROSA NEVES SIMAS
Universidade dos Açores
"DIVERSIDADE NUMA CULTURA COMUM"
Entre 2003 e 2008, tive o prazer de publicar A Mulher nos Açores e nas
Comunidades, uma colectânea de 6 volumes contendo 100 artigos escritos por mulheres
e homens de variadas idades, profissões e situações de vida, dando assim voz às
diferentes experiências e perspectivas sobre a situação da mulher no arquipélago e nas
comunidades dos Estados Unidos e do Canadá. Os artigos estão organizados de acordo
com os seguintes tópicos: a mulher na sociedade, na educação, nos média, nas artes e
tradições, nos assuntos legais e na saúde, com destaque para a mulher no mundo do
trabalho.
Numa panorâmica da mulher açoriana na Califórnia, o que transparece é um
retrato de diversidade no seio de uma cultura comum. O que surge é uma panóplia de
formas diferentes de viver a experiência comum da açorianidade em terras da costa
oeste dos Estados Unidos. A diversidade dos artigos sobre a mulher migrante na
Califórnia pode ser apresentada em relação a variadas temáticas.
A Migração e a Língua
A emigração das ilhas para a Califórnia é centenária. Por isso, começo por
voltar atrás no tempo, evocando uma mulher que emigrou nos anos 50 do século
passado, altura em que ser imigrante nos Estados Unidos era considerado um entrave
e uma origem étnica não-“americana” era vista como um handicap. Neste contexto, o
sentimento de saudade era enorme e a ligação à família vital.
Emigração para a
Califórnia nos anos 50 do
século XX
~~~~~~
“Cadernos de uma mulher
migrante: A língua e a
procura do sentido da vida”
Volume III
Figura 1: Imagem da autora dos cadernos quando emigrou para a
Califórnia.
Sexta, 28 Maio 1954 – Faz hoje um ano que chegámos à América,
a casa da Maria. Recebi carta do José. Fala-me em vir cá para o ano…
Principiei a sentir o bebé mexer.
Assim começa o artigo “Cadernos de uma mulher migrante: a língua e a procura
do sentido da vida” (III: 555-574), um texto em que a autora, Helena, analisa o impacto da emigração na vida da sua mãe, uma mulher que encontrou consolo na escrita,
para expressar os dilemas e as saudades e para combater o isolamento que sentia
no ambiente estranho da América dos anos 50, época ultra-conservadora e avessa à
migração. Escreve a filha desta mulher que emigrou em 1953 da ilha do Pico:
Contra tudo e todos, a minha mãe escrevia e guardava cadernos de
diários. Caladamente persistente, escrevia quase todos os dias. Isto poderá
não parecer notável, mas a verdade é que ela tinha apenas completado
a antiga quarta classe nos Açores. Para além disso, ela era uma mulher
migrante a viver isolada, em termos culturais e linguísticos, numa das
vacarias típicas do Vale de San Joaquin na Califórnia. (555)
Figura 2: Folhas dos cadernos de uma mulher migrante na
Califórnia.
Como todas as pessoas que migram, esta mulher enfrentou a barreira de uma
língua estrangeira, refugiando-se na escrita em português, como explica a filha, Helena, hoje mestre em linguística aplicada:
A língua, em qualquer das suas formas, evoca muita emoção numa pessoa imigrante. É muitas vezes uma lembrança dolorosa e constante da identidade que ficou atrás, e da separação que sentem do mundo lá fora, a falar através de um código desconhecido. A minha mãe refugiava-se na língua, com os seus pensamentos anotados no papel, para desvendar os hiatos da sua experiência entre dois mundos. (556)
Com o tempo, a filha vem a considerar esta experiência bilingue e bicultural como
uma mais-valia, para si e para as irmãs. Hoje professora, a coordenar o ensino da língua inglesa em doze países do Médio Oriente, Helena observa: “A maior sensibilidade meta-linguística das crianças bilingues permite uma percepção precoce da vertente abstracta e simbólica das palavras” (561). Falando da mãe, diz:
Ao longo dos anos, a minha mãe foi aprendendo a comunicar à vontade na língua inglesa e, com o meu pai ao lado, tornou-se numa pessoa activa e respeitada na comunidade da Califórnia. As entradas nos diários foram mostrando mais auto-confiança e mais abertura ao exterior, ao mesmo tempo que documentavam o seu envolvimento social, mais do que o seu isolamento pessoal. (562-3)
Património e Tradições
Para combater a solidão da migração, e para participar em eventos sociais e
cultivar as tradições das ilhas, a maioria das pessoas que emigra procura as associações e sociedades da comunidade. No artigo “A mulher portuguesa nas sociedades fraternais da Califórnia” (I: 149-172), Deolinda Adão, directora do Portuguese Studies Program da University of California, Berkeley, faz um esboço da história de cinco sociedades comunitárias da Califórnia, duas das quais – SPRSI (Sociedade Portuguesa Rainha Santa Isabel) e UPPEC (União Portuguesa Protectora da Califórnia) – foram pioneiras porque, numa altura em que o associativismo era masculino, e continuou a sê-lo marcadamente até aos anos 70 do século passado, estas duas sociedades foram criadas por e para mulheres, há mais de um século.
SPRSI Sociedade Portuguesa Rainha Santa Isabel
~~~~~~
1889
Figura 3: Sigla da Sociedade Portuguesa Rainha Santa Isabel.
Das muitas e variadas associações e sociedades que organizam eventos
comunitários e mantêm as tradições açorianas na Califórnia, as que são conhecidas
como Irmandade do Espírito Santo (IDES), ou Sociedade do Espírito Santo (SES) são
notáveis. Existe uma, e por vezes várias, em cada comunidade, formando uma rede
que atravessa o estado, de norte a sul. A primeira foi criada em 1861. Ao longo de 150 anos, chegou a haver 144 irmandades. Hoje, 99 mantêm-se em actividade, organizandocelebrações em honra do Espírito Santo em todo o estado.
Figura 4: Imagem da rainha e aias de uma festa do Espírito Santo na Califórnia.
No artigo “As rainhas das festas na Califórnia: a inversão e reversão do ritual”
(II: 281-316), a antropóloga Mari Lyn Salvador descreve os rituais que caracterizam
esta tradição secular, dizendo: “As rainhas participam em festividades que derivam do
ciclo ritual português associado a Santa Isabel, Rainha de Portugal de 1261 a 1336”
(282). Numa perspectiva histórica e antropológica, Mari Lyn descreve “uma das formas encontradas pelos imigrantes para combinar elementos expressivos do país de acolhimento, com os elementos da sua terra natal que consideram importantes para a
manutenção da sua identidade cultural” (283).
De uma forma sintética, Mari Lyn explica como “uma rainha do século XIII
que oferecia as suas jóias para dar de comer aos pobres e coroava um homem pobre
com a sua própria coroa” foi transformada nas rainhas de hoje, ricamente trajadas
com vestidos, capas e tiaras de luxo. Tal metamorfose é exemplo claro do processo
de recriação e adaptação das tradições do Velho Mundo, transplantadas no Novo
Mundo. Simultaneamente, é um exemplo notável da intervenção activa da mulher na
transmissão do património cultural, entre gerações.
Figura 5: Imagem de uma mãe e a filha, rainha da festa de Espírito Santo.
A Expressão Artística
Como migrantes, as/os açor-descendentes vivem a sua herança cultural de formas
variadíssimas, com características pessoais e idiossincráticas. A diversidade de técnicas e temáticas nas obras de duas artistas plásticas da Califórnia retrata bem esta realidade.
A mais jovem artista, Marlene Angeja, que vive na área de San Francisco, diz em “Duas
paisagens: a visão de uma artista luso-americana” (II: 421-438):
Aquilo que une as várias formas que as minhas obras assumem é uma força subjacente, que é muitas vezes inconsciente e instintiva. Essa força motora parece estar relacionada com duas coisas. Uma é a paisagem das Ilhas dos Açores. A outra é o meu interesse nas histórias, lendas e mitologias do povo português. (422)
Figura 6: Imagem da obra “Duas paisagens” de Marlene Angeja.
A obra “Duas Paisagens” conjuga a tradição da vindima nas ilhas com a vivência
do meio rural da Califórnia onde Marlene cresceu. Outro exemplo do seu trabalho é a
própria capa da antologia A Mulher nos Açores e nas Comunidades, que retrata a mãe
desta artista, hoje mestre em Belas Artes e professora na California State University,
San José. Referindo-se a outra obra, Marlene desvenda aspectos da sua experiência
como descendente de emigrantes oriundos dos Açores:
Ao Aeroporto é um desenho mixed media de uma menina com o dedo na boca… Ao longo do lado esquerdo da tela lemos as palavras “eu fui ao aeroporto, tu foste ao aeroporto, você foi ao aeroporto…” Esta conjugação do verbo “ir” em português evoca a aquisição de uma língua estrangeira. Alude, também, ao medo e ao encanto que senti na primeira viagem às ilhas e ao sentido de perda que senti quando partimos. Um aeroporto é um lugar de chegadas e partidas. Como os portos de onde os antigos marinheiros
partiram para as Descobertas, é um lugar marcado pela saudade. (423)
A segunda artista é Maxine Olson, que vive no sul do Vale de San Joaquin e tem um largo currículo artístico. Em vez de abstracta, como a da Marlene, a obra de Maxine é claramente figurativa, justapondo imagens de pessoas que marcaram a sua vida numa tentativa de recriar na tela as narrativas de uma açor-descendente. O artigo de Maxine tem por título “Um retrato da minha mãe: o que ficou por dizer” (Volume II: 409-420) e conta a história da sua viagem aos Açores, em busca de respostas sobre as suas antepassadas. Maxine acaba o texto dizendo:
As tentativas que tenho feito para descobrir os segredos da vida de minha mãe, e da mãe dela, têm-me levado a perceber melhor as forças que controlam a minha vida. Se vamos aprender com o passado, e ser perdoadas pelas nossas decisões e omissões no presente, não podemos esquecer as estórias e as ofensas, as penas e as dificuldades pelas quais as nossas progenitoras passaram na sua demanda pelo amor e pelo afecto. (414)
Figura 7: Imagem da obra “Retrato da Minha Mãe” da artista
Maxine Olson.
A Saúde e o Envelhecimento
A construção da identidade migrante depende muito das relações em família e da
postura perante o passado e a vida presente dos familiares. Nesta demanda, o desafio
é ainda maior quando o envelhecimento das pessoas que nos são queridas bate à porta.
Efectivamente, neste contexto, como em tantos outros, as mulheres têm maior tendência
para assumir o papel de cuidadoras, dentro da família e da própria comunidade. Esta
dinâmica social é a génese do artigo “POSSO: um centro comunitário da Califórnia”
(IV: 975-982), da autoria de Vicky Machado. Como co-fundadora da POSSO e elemento activo da comunidade, Vicky descreve a origem deste centro comunitário, há mais de três décadas:
A Portuguese Organization for Social Services and Opportunities (POSSO) é uma ONG e foi criada pela comunidade portuguesa de San José para auxiliar imigrantes na sua integração social e adaptação ao país de acolhimento. Foi fundada em 1976 para assegurar à comunidade portuguesa pleno acesso aos serviços sociais e benefícios governamentais… Éramos formados e estávamos inspirados pela onda de orgulho étnico que prevalecia na América de então, e pela calorosa lealdade que sentíamos pelos nossos pais e avós imigrantes… Para o nome, escolhemos o acrónimo POSSO,
precisamente para combater o fatalismo da nossa comunidade idosa, que se sentia fragilizada para conseguir a integração social de que precisavam para lhes garantir a sua quota-parte do sonho americano. (975)
Figura 8: Imagem da dinâmica social na sede da organização
POSSO.
Ao descrever os muitos programas e serviços da POSSO, Vicky sublinha a
importância desta organização para a comunidade idosa, “um grupo isolado porque as/
os familiares tinham e têm o seu tempo muito ocupado, trabalhando fora de casa para
conseguir a sobrevivência económica da família” (976). Ao terminar, Vicky destaca a
intervenção feminina neste projecto comunitário:
Desde o princípio, as mulheres têm sido fundamentais para a POSSO, como fundadoras, chefes, staff e voluntárias. Numa perspectiva tradicional, a POSSO desempenha, hoje, as “tarefas da mulher” porque presta cuidados e apoio às pessoas idosas e outros familiares vulneráveis, enquanto as mulheres, que cumpririam tais tarefas, trabalham fora de casa, contribuindo assim para o sustento da família e para a sua realização profissional. Vista nesta perspectiva, a POSSO deve o seu sucesso e longevidade à feliz conjugação de valores tradicionais e actuais. (978)
Educação e Empresariado
Tradicionalmente, a mulher açoriana, dentro e fora das ilhas, foi sujeita a muitas
limitações e condicionalismos sociais e culturais. No contexto actual, muito mudou.
Na educação, por exemplo, verifica-se uma acentuada presença da mulher no ensino
superior. Elmano Costa descreve esta situação no artigo “A feminização do ensino
superior numa comunidade rural da Califórnia” (III: 575-620). Este educador faz um
esboço da comunidade rural, situada no norte do Vale de San Joaquin, ao mesmo tempo
que descreve a evolução dos valores e olhares da mesma, no que concerne à educação,
ao trabalho e à situação da mulher. Ao apresentar os resultados do seu estudo, este
educador e professor na University of California, Stanislaus, faz a seguinte síntese:
As mulheres luso-californianas gozam de oportunidades que as suas mães nunca tiveram. Podem seguir uma carreira; casar quando querem e não porque precisam de alguém que as sustente; escolher ficar solteiras; ou optar por serem domésticas. E podem regressar à vacaria, para assumir a gerência do negócio, mas como gerentes diplomadas. (583)
Elmano termina o seu texto com este desejo: “E oxalá que elas possam dar aos seus filhos homens a mesma motivação que as levou a frequentar e a completar, com êxito, os seus cursos superiores, para que eles, no futuro, possam também usufruir dos
benefícios de um diploma universitário” (584).
A mulher açor-californiana tem-se aventurado, ela própria, em outros domínios,
incluindo o mundo empresarial. O mesmo autor debruça-se sobre este tema no artigo
“Empresariado no feminino: novos horizontes para a mulher luso-americana” (VI:
1429-1456). Ao analisar a crescente participação da mulher como empresária no
mundo dos negócios, Elmano observa: “Estas mulheres são, sem dúvida, pioneiras, pois
conseguiram não só superar a discriminação de género, como também ultrapassaram as
dificuldades que imigrantes, da primeira e da segunda gerações, tiveram de enfrentar
para se integrarem na nova cultura do país de acolhimento e no mundo competitivo do
trabalho e do empresariado” (1429).
Efectivamente, visto que a relação de qualquer imigrante com a sua comunidade é multifacetada e, por vezes, muito complicada, estas empresárias californianas tiveram
de enfrentar e ultrapassar muitos obstáculos e desafios. Numa óptica negativa, a
descriminação de género teima em persistir e são muitas as dificuldades da integração
numa outra cultura. Do lado positivo, verifica-se uma relação de grande proximidade e
envolvência com a comunidade, fazendo com que estas mulheres destaquem o desejo e
o prazer que sentem ao contribuírem para o bem-estar da mesma. Segundo o autor: “As
empresárias luso-americanas gozam de outra característica que não vem na literatura.
Quase todas sublinham a importância que tem nas suas vidas o contributo que podem
prestar à comunidade luso-americana” (1439).
A Indústria de Lacticínios da Califórnia
Em termos económicos, ao longo de décadas, o grande trunfo da presença açoriana na Califórnia tem estado na indústria de lacticínios, hoje um negócio de milhões que está predominantemente nas mãos deste grupo da diáspora. À primeira vista, estas mãos parecem ser só masculinas. Contudo, um olhar mais cuidado revela outra realidade, como demonstra Alvin Graves em “Empresárias invisíveis: a mulher açor-americana nos lacticínios da Califórnia” (VI: 1487-1510). Este estudioso da
presença açor-americana nos lacticínios californianos aponta para duas épocas:
…o período pré-2ª guerra mundial, quando dominava a cultura tradicional e a produção leiteira era um modo de vida, e o período pós- guerra, quando as normas culturais foram-se alterando e a produção leiteira do estado se transformou no que se chama agrobusiness. A mulher está bem presente em ambos os períodos, mas de uma forma invisível. (1488)
Figura 9: A mulher migrante na indústria de lacticínios da Califórnia. *
Embora tenham sempre contribuído para os trabalhos da lavoura, as mulheres,
actualmente com níveis mais elevados de escolarização, estão mais bem preparadas para
lidar com o novo mundo do agrobusiness, em particular com a gestão financeira e a
criação de bezerros. Alvin explica:
* Imagem tirada do livro The Portuguese Californians: Immigrants in Agriculture do autor Alvin Graves.
…são elas que fizeram cursos superiores; especializaram-se em gestão de empresas, finanças, contabilidade ou direito, tendo assim uma formação essencial que o marido raramente possui. Como a geração anterior, muitas continuam a gerir o negócio. Outras fazem marketing e formação do consumidor, e tomam parte nos lobbies do sector e na promoção de legislação favorável ao negócio leiteiro. (1495)
Figura 10: Imagem evocativa da presença açoriana na indústria leiteira californiana. *
Formada em direito, Deanne Ferreira é uma açor-descendente que lida de perto com a legislação referente aos lacticínios, especialmente vista à luz das questões
ambientais. No texto “Uma mulher e o ambiente: os desafios de sempre” (VI: 1643-
1658), Deanne explica:
Sendo recente, a legislação ambiental é ainda considerada um nicho do mercado no mundo da advocacia. É uma área dominada por homens, porque é normalmente necessário ter formação científica, e são os homens, mais do que as mulheres, que fazem a sua formação nas ciências exactas. (1645)
Tendo referido a participação dos seus antepassados na indústria leiteira do estado,
Deanne conjuga a sua profissão com as suas raízes açóricas quando, ao referir o seu
futuro profissional, descreve as suas intenções e motivações da seguinte forma:
Estou a estudar os efeitos da emissão de gás metano pelas vacas leiteiras. Várias vacarias estão a utilizar equipamento próprio para captar o gás metano do estrume (biomassa) de vaca, para depois convertê-lo em energia renovável. Os benefícios são notáveis. É minha intenção auxiliaros produtores de lacticínios da Califórnia a lidar com o labirinto de regrase leis ambientais que existem actualmente. Quero contribuir para que aherança dos nossos antepassados na indústria leiteira deste estado permaneçanas comunidades de descendentes de imigrantes dos Açores, um povo cujoesforço e conhecimento ultrapassaram tudo e todos. (1648-9)
* Imagem tirada do livro The Portuguese Californians: Immigrants in Agriculture do autor Alvin Graves.
Redefinindo a Identidade Cultural
Demonstrando, assim, uma grande sensibilidade para com a sua herança cultural
e o reconhecimento inequívico das capacidades dos seus antepassados, Deanne Ferreira
é uma jovem açor-descendente que, no contexto actual, está a redefinir a sua identidade cultural à luz dos novos paradigmas da contemporaneidade. Outro exemplo é Márcia Dinis, que se apresenta como “O ser jovem e luso-americana na era da globalização” (I:181-190), descrevendo os afazers do seu dia-a-dia e os parâmetros da sua identidade daseguinte forma:
Levanto-me e tento fazer um jogging matinal todas as manhãs. Vouàs aulas, faço umas horas de trabalho part-time, e às vezes jogo futebol ao serão. Depois, vou para casa e falo ao telefone com a minha mãe. Estas conversas são a melhor parte do meu dia porque me acalmam e me dão a oportunidade de falar a minha língua materna, o português… Na faculdade, escolhi o curso de Estudos Globais. Se perceber melhor a nossa sociedade global, talvez possa ajudar a minimizar os malefícios da mesma, enquanto ajudo a promover os benefícios. Ao mesmo tempo, estou a especializar-me
em Português. Estudo a língua, a literatura e a cultura. Sou luso-americana,
sou mulher e tenho 21 anos. (181)
Mais à frente no seu artigo, a jovem Márcia faz o seguinte o balanço do seu
mundo e da sua identidade pessoal e cultural, afirmando:
Sou uma pessoa privilegiada. Acredito plenamente que esta era da globalização tem levado os jovens a sentir orgulho pela sua herança cultural… A bandeira portuguesa por cima da minha cama, a tatuagem do açor nas minhas costas, as peças de louça tradicional penduradas na parede do meu apartamento lembram-me que estou acima da média, que sou especial porque sou portuguesa. (182)
Carol Gregory é outra jovem de ascendência açoriana na Califórnia que está a
desbravar o seu próprio caminho e a forjar o seu retrato individual, em relação estreita com o passado colectivo da comunidade californiana. No artigo “A geografia da minha identidade cultural” (I: 191-212), Carol traça as seguintes coordenadas identitárias:
Como geógrafa, estou a estudar a dimensão geográfica e a localização específica dos marcos da cultura lusa na Califórnia. Refiro-me a salões, igrejas e outros edifícios, e a nomes de ruas, zonas comerciais, bairros e parques. A riqueza deste património é o tema da minha tese de doutoramento, onde faço um inventário da quantidade e localização destes marcos historico-geográficos, desta forma ilustrando e descrevendo o impacto da nossa presença na paisagem cultural deste estado. (195)
Tendo colaborado com a Portuguese Historical and Cultural Society (PHCS) de
Sacramento, a autora afirma que o contributo de Portugal foi fundamental para a história e para “o conhecimento geográfico do Mundo” (191).
Para concluir, o exemplo de uma jovem que está a redefinir a sua identidade e
herança cultural ao ritmo da contemporaneidade. Chama-se Felicia Viator e é autora do
artigo “A Neta do hip-hop: uma luso-americana no mundo da música contemporânea”
(II: 381-392). Esta jovem, que vive na cidade de San Francisco, é DJ e é conhecida pelo apelido Neta. Como mulher, Felícia considera-se “quase um oximoro na cena hip-hop”e explica que, desde o seu início, nos anos 70, a cultura hip-hop tem seguido o modelo masculino. Eis a surpresa e a satisfação do público que assiste às suas actuações.
Descendente, pelo lado materno, de emigrantes do Pico, esta jovem explica que
escolheu o nome Neta em memória da avó. De visita à ilha ancestral, Felicia descreve
os seus sentimentos e as recordações da avó, redefinindo-se como pessoa à luz desta
herança vital e marcante, quando escreve:
De visita ao Pico, deixei-me levar pelo mundo da minha Vó e comecei a perceber a dor que sentia. Procurava compreender como ela e este mundo tinham sido, sempre, uma parte vital de quem eu sou. Logo de seguida, a alcunha de DJ que tinha escolhido, o nome pelo qual sou conhecida no mundo do hip-hop de toda a área de San Francisco, cristalizou-se. Subitamente, o meu espírito elevou-se e senti simultaneamente humildade e ousadia. Parti do Pico e dos Açores sabendo: “I am Neta.” (385)
“I am Neta”
Figura 11: Imagem da ilha do Pico, no arquipélago dos Açores.
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PAULO PISCO
Deputado à Assembleia da República
Quero agradecer à Dr.ª Manuela Aguiar, à Dr.ª Rita Gomes e à Associação Mulher Migrante o amável convite que me foi dirigido para participar nos trabalhos deste encontro com um tema tão aliciante… mas também tão difícil. Quero também pedir a vossa compreensão para o facto de ter de me ausentar logo após a intervenção, mas tenho um avião para apanhar para o Luxemburgo, onde vou participar no encontro que assinala o 20º Aniversário da Confederação das Comunidades Portuguesas no Luxemburgo.
Esta intervenção é também para mim uma oportunidade para reflectir sobre um assunto que me parece muito relevante para se conhecer melhor o perfil das nossas comunidades através da situação e do papel que nelas desempenham as mulheres.
Utilizarei sobretudo a informação que decorre das minhas observações e da experiência que ao longo do tempo fui adquirindo, mas que nunca sistematizei nem aprofundei. Trata-se, portanto, de uma intervenção que não tem qualquer pretensão a não ser partilhar a minha percepção sobre este tema e assim dar o meu modesto contributo para este debate tão necessário.
Num dos recentes congressos organizados pela Associação Mulher Migrante, uma das principais conclusões foi a falta de estudos e de dados estatísticos nestes domínios, o que é revelador das dificuldades em fazer uma abordagem mais profunda das múltiplas dimensões do universo das mulheres nas comunidades. É verdade que já existem muitos estudos sobre estes temas, mas não me parece que existam assim tantos trabalhos sobre a mulher migrante portuguesa. Julgo que tal se fica a dever a alguma invisibilidade na sua condição, como de resto acontece com a generalidade das mulheres migrantes independentemente da sua origem, como vários estudiosos destes temas notam. É uma questão de grau. As comunidades portuguesas são discretas, de uma maneira geral. E as mulheres são ainda mais discretas neste contexto.
Procurarei então lançar algumas pistas sobre temas que me parecem interessantes e que poderão contribuir para que se façam outras abordagens sobre a forma como as mulheres podem determinar o perfil e identidade das nossas comunidades.
Desde logo devemos reconhecer que da nova emigração, ou seja, da emigração dos anos mais recentes, faz parte uma geração de mulheres com mais formação académica, com mais informação e com uma atitude diferente perante a vida. Portanto, com um perfil que se afasta claramente das mulheres que saíram do país há duas ou três gerações por razões essencialmente económicas ou para acompanharem ou se juntarem aos maridos, que deram o primeiro passo da emigração.
Nos meus contactos com as Comunidades, e por uma questão de atitude pessoal, não tenho o hábito de distinguir entre os homens e as mulheres. Considero que ambos são portadores da mesma capacidade de intervenção nas sociedades de acolhimento, sendo que as mulheres, com a sua sensibilidade particular, poderão dar um contributo qualitativo muito relevante e diferenciador.
Reconheço, no entanto, uma presença mais acentuada dos homens no movimento associativo ou nas actividades políticas. Nas associações, por exemplo, as mulheres participam mais nos grupos folclóricos e nas actividades culinárias e, nessa dimensão, constituem um pilar essencial da sustentação da vida associativa. No entanto, algumas desempenham também funções de direcção nas associações e esse seria um tema de estudo relevante, dado que, na grande maioria dos casos, o mundo associativo em toda a sua diversidade é, sobretudo, um domínio de homens. São eles que, de uma maneira geral, se dedicam à gestão das associações, às actividades desportivas e à organização dos programas e têm, portanto, uma maior visibilidade.
Por outro lado, no âmbito das actividades políticas também existe claramente uma maioria de homens, embora se note uma crescente presença e participação das mulheres. O caso de França é, neste contexto, verdadeiramente exemplar.
Curiosamente, enquanto reflectia sobre este tema apercebi-me que o protagonismo dos homens deixa de ser tão evidente nas artes e na literatura. A percepção que tenho, é que existem pelo menos tantas mulheres como homens com actividades criativas nestes domínios. Atrevia-me mesmo a dizer que provavelmente as mulheres têm uma presença mais forte nas artes e na literatura. Em França ou na Alemanha, por exemplo, ocorrem-me mais nomes de mulheres do que de homens no âmbito da criação artística. Parece-me haver nestes domínios uma capacidade para a exteriorização da sensibilidade artística mais fácil por parte das mulheres, o que certamente mereceria a atenção dos investigadores.
Seja como for, considero que homens e mulheres podem e devem participar em pé de igualdade em todos os domínios da vida em sociedade nas nossas comunidades. Seria um importante factor de afirmação colectiva se as mulheres tivessem uma participação mais intensa na defesa dos seus interesses a nível local, no relacionamento com as instituições administrativas e políticas e também na definição das actividades do mundo associativo. Estou convencido que essa participação daria um forte contributo para uma melhor integração colectiva e ajudaria os portugueses a conviverem com os cidadãos dos países de acolhimento de forma mais igual e menos complexada. Ajudaria a criar sociedades em que o papel de cada um, ou seja, de cidadãos dos países de acolhimento e de emigrantes, é relevante, complementar e baseado no respeito mútuo.
Claramente percebemos que na última década houve um progresso notável a nível das qualificações. Hoje, a percentagem de jovens entre os 18 e os 24 anos que frequenta ou completou a universidade é superior 20 por cento - portanto, perto dos valores da média europeia. A dificuldade da nossa estrutura empresarial em absorver todos estes jovens com formação superior e a crise que limita brutalmente as possibilidades de emprego levam necessariamente muitos jovens a emigrar.
Com efeito, o conturbado período de crise financeira, económica e social que actualmente vivemos é propício ao aumento dos fluxos migratórios, sem que seja necessário os governantes incentivarem os jovens a sair do país. Até porque Portugal tem visivelmente aquilo a que alguns estudiosos chamam a “cultura de emigração”, o que torna mais fáceis as saídas de jovens para outros países, onde têm pessoas conhecidas que os podem orientar. Ou então beneficiam dos programas europeus de incentivo à mobilidade profissional, como acontece com a rede EURES.
É por isso que os actuais fluxos migratórios são muito diferentes dos que se verificaram dos anos 80 para trás. Hoje, de uma maneira geral, muitos dos portugueses que saem do país têm mais estudos, estão melhor informados e são mais descomplexados. São mais cosmopolitas, e isso é bom, porque os ajuda a integrarem-se melhor, a não viverem em guetos.
Como já há mais de uma década a percentagem de mulheres com formação superior é maior do que a dos homens, é natural que este facto também se reflicta nas características das mulheres portuguesas que emigram e nas condições em que o fazem, havendo inclusivamente muitas que saem sozinhas. Por exemplo, há em vários países enormes carências nas áreas da saúde, cujos profissionais são predominantemente do sexo feminino. Têm sido frequentes as notícias que dão conta do interesse de países como a Dinamarca, Suécia, Austrália, Alemanha ou Inglaterra em profissionais portugueses nas áreas da saúde.
Mas também conheço várias mulheres que deixaram toda a sua vida familiar para trás e partiram sozinhas para países que desconheciam e aí reorganizaram as suas vidas. A rede de conhecimentos que os portugueses foram tecendo ao longo de décadas constitui um precioso instrumento que facilita a emigração e uma melhor integração. Não há dúvida de que esta atitude demonstra uma grande coragem e independência, hoje muito mais fácil de assumir do que há duas ou três décadas atrás.
Estas mudanças de contexto acabam também por redefinir a identidade destas mulheres, através da sua nova situação e do seu novo papel social. Com efeito, estas mulheres deixam determinados contextos, muitas vezes em meios semi-rurais ou rurais, marcados pelo preconceito e pelos constrangimentos sociais, para recomeçarem tudo em grandes meios urbanos e cosmopolitas, onde reinventam as suas vidas com mais autonomia, independência e liberdade, criando novos padrões de vida, adaptando-se a novos valores e formas de convivência social.
À partida, estas mulheres libertas de constrangimentos familiares parecem ter melhores condições para se valorizarem pessoal e profissionalmente, dedicando-se a todo o tipo de actividades sociais, frequentando cursos, aprendendo línguas, o que de outra forma muito provavelmente não fariam.
Mesmo em contexto conjugal, como refere uma investigadora da Universidade de Minas Gerais, Stela Souza, o trabalho constitui para a mulher migrante um instrumento de libertação, de maior auto-confiança e de independência, o suficiente para desestabilizar os papéis de género. “Dessa forma, a família, cuja estrutura pode ser baseada em funções conservadoras, vê a emigração feminina como uma ameaça à sustentação da união familiar, por poder promover a liberalização da mulher”, afirma.
Assim, tanto o contexto cada vez mais frequente da mulher que emigra sozinha e a forma como recria o seu papel social, como a independência que ganha no contexto conjugal em virtude da autonomia e auto-confiança que adquire através do trabalho, são, a meu ver, dois domínios que certamente merecem uma análise mais aprofundada para se compreender melhor o papel da mulher na emigração.
A actividade política é outro domínio muito interessante de análise, por tudo o que comporta de rompimento com um mundo tradicionalmente dominado por homens. A verdade é que vemos cada vez mais mulheres nas comunidades com funções de destaque na actividade política, particularmente das segundas e terceiras gerações, mas não só. O exemplo da França é paradigmático. Com efeito, há inúmeros casos de mulheres que se tornaram referências pela sua persistência e que até chegaram a maires, como o demonstra o exemplo de Alda Lemaitre, em Noisy-le-Sec, que assim, com a sua ascensão na vida política, sentiu também necessidade de redescobrir as suas raízes portuguesas. Nalguns casos, nem sequer a falta de estudos é impedimento para conseguirem lugares de destaque a nível local, como acontece com Fernanda Alves, uma mulher combativa que começou por se dedicar ao movimento associativo em Cenon, na região de Bordéus, e assim ganhou visibilidade e influência, tendo depois sido convidada para participar nas listas candidatas e é hoje adjoint au maire. No caso das segundas e terceiras gerações, muitas vezes o combate é bastante duro, sobretudo quando passa também pela luta política na vida interna dos partidos, porque têm de ultrapassar simultaneamente o facto de serem mulheres e serem de origem portuguesa, dupla condição que por vezes se torna negativa na vida política, não obstante todos os progressos que se têm verificado neste domínio.
Julgo, por isso, que também seria importante aprofundar o conhecimento do mundo das mulheres portuguesas ou de origem portuguesa na vida política, para se perceber melhor de que forma evoluiu a integração das nossas comunidades e como vivem a sua condição num mundo tão difícil e disputado como é o da política.
Não me vou alongar mais. Quero agradecer mais uma vez a oportunidade que me deram de reflectir sobre este tema e poder partilhá-lo convosco e que também me ajudou a compreender melhor este universo tão particular, que é o do papel, influência e evolução das mulheres na vida das nossas comunidades.
Obrigado.
LEONOR FONSECA
Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Espinho
"A Nova Migração Feminina".
O fenómeno da emigração mudou. Substituiu os seus actores. Hoje verificamos que quem emigra em número considerável são mulheres, com qualificações superiores. O móbil é o mesmo de outrora: a busca por uma vida melhor, mais qualidade de vida (ou simples sobrevivência), ou seja, a resolução do problema da falta de emprego que atualmente assola o nosso País, a Europa e o Mundo.
A falta de perspectivas, a conjuntura económica e social existente hoje em dia, empurra os cidadãos para fora do seu país de origem. Mas os emigrantes de hoje são pessoas com características completamente diferentes daquelas que partiram nos anos 60/70.
Hoje, parte gente qualificada e fala-se em fuga de cérebros, cérebros esses cada vez mais do sexo feminino. As mulheres são hoje independentes, possuem habilitações superiores e saem de mote próprio.
Noutras décadas as mulheres acabavam por sair apenas por uma questão de reagrupamento familiar, perseguindo o futuro que o marido/companheiro havia escolhido para si e frequentemente dedicavam-se tão só ao papel de mãe, esposa e dona de casa. A sua intervenção cívica poderia passar, quanto muito, pelo papel - mesmo assim secundário - no associativismo. E contrariamente ao que muitos veiculam, não porque não tenham capacidade de intervenção ou vontade, mas tão só porque os cargos de direção eram inevitavelmente ocupados por homens, sobejando para as mulheres o eterno papel secundário.
Decididamente, afasta-se o papel da mulher enquanto elemento vulnerável, dependente do companheiro, actor passivo no processo migratório.
A mulher independente dos nossos dias faz carreira académica, é empreendedora, cria o seu próprio trabalho, gera riqueza e contribui para o desenvolvimento socioeconómico, quer do seu país de origem quer do país de destino.
A globalização, com o que isso tem de benéfico e maléfico e a alteração do mercado de trabalho conduzem a que a emigração no feminino tenha implicações económicas, sociais e laborais tornando-se verdadeiros agentes de mudanças e de desenvolvimento.
A nível mundial a população feminina instruída aumentou 68% em comparação com a masculina que apenas aumentou 42%.
Que as mulheres têm o mérito intelectual e a destreza de fazerem face à maternidade, tarefas domésticas e abraçar uma carreira profissional plena de profissionalismo competência e mérito, ninguém dúvida mas que os homens continuem inebriados pelo poder e deslumbrados com a sua própria eloquência e a reservar para as mulheres os sectores que consideram ainda hoje, serem mais adequados - leia-se cultura e social – onde entendem que apenas “chá e simpatia” serão requisitos essenciais – cometendo, ou melhor, continuando a cometer o erro crasso de não reconhecer à mulher o mérito que ela em si encerra.
São as mulheres, umas pelas outras que lutam há décadas para o merecido lugar de destaque, só conseguindo, e digo-o com mágoa, pelas quotas. Estas revelam-se um mal necessário num mundo cada vez mais guiado pelos interesses e politiquices, (não politica) que descredibiliza tudo e todos.
Estas são algumas das razões porque os “cérebros” femininos estão em fuga.
Mas mesmo em fuga a sua afirmação continua a ser difícil. Senão vejamos, recebemos em Portugal muitas mulheres dos PALOP, temos muitas profissionais qualificadas designadamente na área da saúde. Mas fica um “amargo de boca ”. Esta migração silenciosa, onde as mulheres continuam a ser vitimas da segregação ocupacional e em que ficam sempre sob a alçada de um supervisor/superior hierárquico, nem sempre ocupando os lugares correspondentes às suas habilitações académicas e mérito.
Em jeito de conclusão, as mulheres continuam a ser percecionadas como vítimas passivas, quer das estruturas patriarcais opressivas, quer dos ciclos impessoais do capital neoliberal.
Assim, perde-se a prespectiva estrutural, ou seja o móbil: a mulher tal como o homem migram para melhorar a sua vida, por alargar os seus horizontes, para ver reconhecidas as suas competências, o seu profissionalismo, a sua dignidade.
Mas é necessário continuar a LUTAR. Por isso estes espaços são importantes e imprescindíveis.
!
LOURDES TRAÇA
Conselheira do CCP (Conselho das Comunidades Portuguesas)
"NOVA EMIGRAÇÃO: A AFIRMAÇÃO DA MULHER LUSO-VENEZUELANA"
I.- CAUSAS DA EMIGRAÇÃO- DO PASSADO AO PRESENTE
Para poder falar da nova emigração é preciso rever a sua história, para assim poder
melhor compreender as mudanças que ao longo do tempo têm vindo a suceder. Para isso
é importante saber os motivos que levaram, no passado, o povo português a procurar
novos horizontes. Razões várias, dos tempos mais remotos à atualidade, justificam este fenómeno. De assinalar a falta dos meios de subsistência responsáveis pelo "êxodo" de emigrantes isolados e de famílias inteiras, hoje radicadas nos diversos países de imigração. É também importante assinalar as circunstâncias de natureza política que as determinaram, associadas a perseguições desta natureza, à falta de liberdade de expressão, à guerra nas antigas colónias e a práticas sociais dominantes que impulsaram a fuga de muitos jovens, antes ou durante o cumprimento do serviço militar.
A emigração de portugueses sempre esteve presente na sociedade portuguesa cuja
evolução ficou mais forte ao término do século XIX e durante grande parte do século
XX. Todas estas razões são as principais causas da presença da comunidade portuguesa
nos cinco continentes. Inicialmente partiam os homens, para criar as condições
necessárias para que a família se juntasse a eles. Isto trouxe como consequência a
separação de famílias, com a mulher a cumprir as funções de pai e mãe ao mesmo
tempo. O emigrante português, no seu perfil mais clássico, partia para outro país para angariar dinheiro para o futuro, pretendendo sempre regressar a Portugal uma vez
cumprida a sua tarefa. No entanto, algumas mulheres nunca voltaram a ver o homem
que procriou os filhos e estes nunca mais voltaram a ver o pai biológico.
Estas primeiras emigrações eram provenientes, na sua maioria, de zonas rurais, numa
época em que o ensino superior era para aqueles de um status social elevado. É fácil
perceber que a escolaridade dos que emigravam era pouca ou nenhuma, o que mais
importava era o trabalho árduo, de sol a sol, e a escolaridade no país de acolhimento
passava a um segundo plano. Até à década de oitenta/noventa o emigrante abdicava
de uma vida com dignidade, no país de acolhimento, para a poder ter no seu país de
origem, mesmo que não usufruísse desse bem-estar. A qualidade de vida, habitação,
mobiliário, gastos com os tempos livres era reduzida ao mais elementar.
A família portuguesa tendeu sempre a acentuar o aspeto da identidade, colocando de
lado qualquer apelo de integração, pois este era entendido e sentido como uma ameaça
à sua identidade. Os emigrantes portugueses procuraram sempre manter uma unidade
cultural que os impedia de integrar as sociedades onde se inseriam, mantendo sempre
a esperança e o desejo de regressar ao seu país de origem. No entanto, “a dinâmica
de uma sociedade multicultural e intercultural assenta, por um lado, na cultura da
autonomia, por outro, na obrigatoriedade da participação e o emigrante português,
fixado na ideia de regresso, sentia pouca vontade de participar e de se integrar na nova comunidade.”
Gradualmente, este tipo de emigração sofreu alterações. Se o projeto primeiro era
angariar o máximo de dinheiro no mínimo de tempo, para poder regressar, cedo a
família deu-se de conta que esse projeto económico não era realizável no espaço de tempo sonhado e, prolongando-se, entrava em conflito com outros objectivos importantes
- A formação escolar das crianças exigia o adiamento do regresso e obrigava a uma certa integração de facto, em conflito com a ideia do regresso.
- A redistribuição de papéis na família, muitas vezes de forma pouco fiel à tradição,começava a afirmar-se à medida que as mulheres encontravam formas de trabalho remunerado.
II.- TESTEMUNHOS
1.-A costura é a minha paixão desde pequena
A 3 de janeiro de 1956 nasceu Maria do Rosário Abreu de Freitas, no Porto da
Cruz, Madeira. Com apenas 2 anos de idade, partiu a bordo do navio Santa Maria
acompanhada pela mãe e pelo irmão mais velho (Manuel), com destino à Venezuela,
país onde o pai já vivia há um ano. Terra nova, vida nova. “A minha mãe conta sempre que quando chegámos à Venezuela, o meu pai perguntou se ela queria uma ‘malta’, e ela pensou que se tratava de uma multidão de pessoas e não compreendia bem o que é que ele lhe queria dar, até que lhe explicou que se tratava de uma bebida semelhante a um refrigerante”, conta Abreu, entre risos. Viveram em Flores de Cátia, no edifício Diamante, “e ali conheci a minha melhor amiga de criança e com quem ainda mantenho contacto constante, Fátima dos Reis, e também ali nasceu a minha irmã Maria Dolores.”
Depois foram viver para San José, onde nasceram mais duas irmãs, a quarta e a quinta,
Maria de Fátima e Margarita Matilde. “No ano seguinte, mudámo-nos três vezes. De
San José fomos para a estrada velha de 'La Guaira', 'El Cementerio' e depois para 'San Agustín'. Ali nasceram mais dois irmãos, Juan António e José Luís”, conta Abreu.
Passados uns anos, o seu pai comprou uma casa em 'El Junquito', na urbanização Luís
Hurtado, onde nasceram os três últimos irmãos de Abreu: Ana Isabel, Joaquín Miguel e
Maria Mercedes. “Mudámo-nos no ano do terramoto, em 1967; recordo-me que eram 8
da noite e estávamos a ver o Miss Venezuela quando começou tudo a mexer”, recorda.
Entre a família e a moda.
Rosário Abreu ajudava a mãe a cuidar dos 9 irmãos e nos tempos livres inventava vestidos para as bonecas e até para os seus irmãos. “Recordo-me que tinha uma boneca que se chamava Rosa/Luís, era como ter dois em um, porque quando fazia roupa de menina, chamava-a Rosa e quando a vestia com roupa de rapaz era Luís. Fazia sempre muitos trajes com os pedaços de tecido que a minha mãe deixava”, conta. Aos 15 anos, pediu uma máquina de costura. “O meu pai sabia que eu gostava de costura e que o fazia muito bem e assim ofereceu-me uma máquina. Para mim foi o máximo”. Dias depois, viu no jornal que estavam abertas inscrições para o Instituto de Superação, para um curso de corte e confeção por correspondência, ministrado a partir de Nova Iorque. Tirou o curso num ano e com apenas 16 primaveras, Abreu começou a trabalhar numa fábrica, aos poucos foi adquirindo as suas próprias clientes. “Lembro-me que fiz um vestido de primeira comunhão azul com chapéu e tudo”.
Em setembro, conheceu o marido, Manuel Correia Gonçalves Pereira, natural do
Campanário, Madeira, e em Dezembro do ano seguinte casaram-se. “Ele era dono dum
supermercado no quilómetro 12 de 'El Junquito' e foi levar uma encomenda a casa.
Depois de conhecer-me, pediu a minha mão, passados 15 dias”. Tem quatro filhos: Manuel, Juan David, Nahir Olinda e Jeysell Daniela; e cinco netos. “Há 13 anos,
Bernadete Sousa Pires, que tinha uma loja no Centro Vista, precisou de uma modista.
Trabalhei lá 10 anos. Aprendi muito, ganhei experiência e clientes”. Há três anos,
tornou-se independente e criou o seu próprio atelier, no centro Comercial El Castillo, no quilómetro 13 de El Junquito. “Ali tive o prazer de fazer o vestido de Dayana Mendes, a primeira finalista do Centro Português de há dois anos”. Refere que é a modista e designer de muitos dos trajes usados pelas senhoras das comunidades portuguesa, italiana e árabe.
Um ano depois de ter aberto o seu próprio atelier, o marido morreu. “Infelizmente
enviuvei mas sempre lutei com a minha família e apesar das adversidades, nos
mantivemos unidos.” Desde criança Maria do Rosário Abreu acredita que Deus sempre
a ajudou e a abençoou ao longo da sua vida, assim como à sua família. “Graças a Deus
por tudo o que me deu”.
2.-Madeirense de nascimento, Portuguesinha de coração
A cultura e as tradições portuguesas ganham vida todos os dias nestas terras
venezuelanas e Maria da Câmara Araújo é uma digna representante disso. Proveniente
do sítio do Ribeiro Loiro, freguesia de Santa Cruz, Madeira, esta lusitana tem 37 anos no país, contados desde que aterrou na Venezuela, em agosto de 1974. Quando chegou a Maiquetía, trazia consigo os dois primeiros filhos da sua união com Florentino das Neves Rodrigues. Ainda nasceram mais dois, mas infelizmente a mais velha faleceu anos mais tarde, em terras lusas. Como a maioria das mulheres madeirenses, Maria, a mais velha de seis irmãos, foi criada entre a agricultura, as tarefas de casa e a necessidade de conseguir algum dinheiro para o seu sustento. Também trabalhou como bordadeira desde muito pequena. O marido, Florentino, saiu de África rumo à Venezuela. Seis anos depois, mandou buscar a mulher. Ela ainda recorda a sua primeira casa com telhado de zinco na cidade de Acarígua e o seu trabalho como ajudante do marido na limpeza do negócio e no trabalho em casa. No início angustiou-se muito pelas diferenças culturais: Um idioma novo e uma comida à qual não estava habituada. No entanto, em breve viria o maior golpe, quando o marido perdeu o negócio, mas os tempos melhoraram. Ao adaptar-se ao tipo de vida e amoldar-se aos costumes 'crioulos', Maria decidiu mostrar à comunidade tudo o que tinha aprendido na infância e juventude, fez-se famosa na sua localidade pelos seus saborosos bolos do caco. E não é para menos: Chegou ao ponto de partilhar os seus segredos de cozinha e ensinar aos habitantes da zona para que aprendessem a elaborá-los.
Uma das coisas pela qual também é famosa na sua zona é pela cura do mau-olhado.
E Maria ainda tem tempo para bordar e deixar aos netos algumas recordações. Vive
orgulhosa de ter conseguido inculcar as raízes lusas nos seus filhos. Participou em peças de teatro com a história da Virgem de Fátima, cantou em grupos folclóricos e reviveu a sua infância em três visitas a Portugal. Para Câmara, viver em Acarigua é como estar na sua terra natal: Tem bons amigos venezuelanos mas por coincidência todos os seus vizinhos são portugueses. E ainda que as visitas ao seu país de origem não tenham sido frequentes, esta mulher faz o impossível por ser uma portuguesa em terras bolivarianas.
Como dado curioso, Maria conta que o sobrenome Câmara vem da sua avó, nascida
em 1882 e abandonada num cesto de vimes à porta de uma mercearia. Um homem que
passou por lá recolheu-a e decidiu levá-la à Câmara Municipal, onde lhe colocaram o
nome de Maria da Câmara. Para além de ter o mesmo nome que ela, também conserva
uma colcha que lhe pertencia que cuida com especial carinho.!
3.-As flores fazem-me feliz
Nascida a 13 de Janeiro de 1949 no sítio dos Picos, nos Prazeres, Calheta, e criada na Ponta do Pargo, no mesmo concelho, Maria Irene Rodrigues é uma mulher trabalhadora
que acorda todos os dias com o propósito de ser feliz fazendo o que mais gosta: Estar
rodeada das plantas mais belas, as do seu viveiro. É a mais velha de seis irmãos e a
que durante muito tempo velou por eles e pela sua mãe, Maria José Abreu, natural da
Ribeira Brava, já que o pai, Manuel Rodrigues, oriundo dos Prazeres, tinha vindo para a Venezuela em busca de uma melhor vida para a família.
“Muitas vezes não podia ir à escola porque tinha de cuidar da minha mãe quando
ela ficava doente. Era eu que muitas vezes levava as rédeas da casa”, recorda com
nostalgia, clarificando que tanto ela como os seus irmãos, terminaram a primária. A pouco e pouco, a sua família foi vindo para a Venezuela. A mãe, ajudando um dos
irmãos a fugir da tropa, trouxe-o para a Venezuela, e aqui ficaram todos. “A minha mãe decidiu não voltar à ilha porque na Venezuela conseguiu mais oportunidades para ter trabalho, e passado um tempo mandava dinheiro para as minhas irmãs e para mim”,
conta Rodrigues. Ficou na Madeira sozinha com duas irmãs até aos 16 anos de idade. “Graças a João Rosário, da Ponta do Pargo, nós tivemos uma casinha onde viver durante um ano, depois de a minha mãe ter vindo embora e nós termos ficado as três sós. Ele emprestou-nos um quarto com cozinha onde vivemos até que nos mandaram buscar”, recorda Maria Irene, acrescentando que a carta de chamada era para ela e para outra das suas irmãs, já que a mais nova devia ficar sozinha na ilha, ao que Rodrigues respondeu: “Ou vamos as três ou não vai nenhuma”. Foi assim que chegaram as três à Venezuela, no navio Henrique C.
Nova terra, novos sonhos. Ao chegar à Venezuela, em 1968, começou a trabalhar a
terra junto com os seus pais num terreno situado em 'El Hatillo'. “Ajudava-os a colher as verduras”, recorda. Uma emigrante portuguesa chamada Virgínia e oriunda da Calheta ajudou-a a conseguir trabalho, e colocou-a imediatamente num casa de família, e nessa mesma noite, com apenas 19 anos, foi viver para o local onde trabalhou durante um ano. Passado esse tempo, regressou à família e trabalhou em 'El Hatillo' durante mais de seis meses na terra, cuidando das hortaliças. Depois, apareceu na sua vida Alberto Rodrigues, natural dos Canhas, com quem está casada há 42 anos e de quem tem dois filhos: Carlos Alberto e Maria Isavette Rodrigues. Tiveram uma padaria durante sete anos, mas a sua verdadeira paixão eram as flores, pelo que abriram o viveiro 'Los Nietos', na 'Cortada El Guayabo'. O filho também trabalha no viveiro e ajuda os pais no negócio. A filha, que estudou informática, passa ali os fins-de-semana. “Adoro quando os meus netos vêm e desfrutam dia e noite em contacto com a terra, com as plantas”, confessou Rodrigues.
“Adoro ‘inventar’ no viveiro, o melhor que faço é conseguir obter várias cores nas
jarras e nos lírios, isso faz-me imensamente feliz”, e confessa que as suas favoritas são as jarras Rabinho de Porco. Rodrigues diz que ter um viveiro é trabalhoso, “há que regar, alimentar, plantar, atender, mas adoro tudo o que faço”. O que mais sente falta da Madeira são os noivos, e entre risos, confessa que “foi o mais bonito, os melhores momentos.”
Após 37 anos, voltou à Madeira, “a ilha está muito mudada, muito bela, mas sinto que
já não me dou lá.” O seu local favorito continua a ser a Ponta do Pargo, “as pessoas têm mais calor, são mais próximas que no resto da ilha. Fiz ali toda a minha vida, os meus sacramentos, a escola, tudo”. Apesar de ter passado maus momentos, os bons foram
mais, e fizeram de Maria Irene Rodrigues a mulher forte e trabalhadora de 62 anos que é hoje em dia.!
4.-Ana Pereira de Almeida.
Chegou sem nada nos bolsos, mas os seus conhecimentos na costura permitiram-lhe progredir, quem a conhece identifica-a pela sua cabeleira totalmente branca e o seu bom humor, perante qualquer situação. Essa cabeleira é o reflexo de anos de esforço e essa simpatia foi-se forjando perante as adversidades. Ana Pereira de Almeida nasceu em Oliveira de Azeméis (distrito de Aveiro) a 29 de agosto de 1927. Os seus pais, José da Costa Almeida, era ferreiro. A sua mãe, Maria Pereira da Silva, vendia tecidos nos mercados (feiras). Ambos trabalharam intensamente para fazer face às necessidades básicas de Ana e das suas irmãs, Maria da Conceição e Amélia, num Portugal onde a situação económica piorava a cada dia que passava.
Aos 16 anos, conheceu António Soares de Oliveira Maurício, que a pouco e pouco
a foi conquistando com as suas atitudes de cavalheiro e as suas picardias. Depois de
vários encontros na Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis, lugar onde António
trabalhava, decidiram casar-se. Perante a ditadura de Salazar e a difícil situação do país, decidiram começar de zero e emigrar, indo em busca de novos horizontes. Foi então que apanharam o navio Francisco Morocini em Lisboa, com destino à Venezuela.
Depois de um mês de navegação, chegaram ao mar venezuelano a 12 de abril de 1952.
No entanto,por ser Semana Santa, permaneceram em alto mar durante três dias. Uma
vez em terra firme, dirigiram-se a 'Propatria', lugar onde um velho amigo lhes arrendou uma casa. Essa casa converteu-se logo numa oficina de sapatos: Ana e António
dedicaram-se à costura de sapatos. Com o passar dos meses e a aparição de novas
oportunidades, António começaria a trabalhar para a Cervejaria Caracas como vendedor
e Ana para duas prestigiosas marcas de sapatos. Por essa altura, Ana teve de enfrentar a morte do pai à distância. Em 1955, decidem arrendar uma nova casa em 'Puente Hierro'. Ali, a vida lhes daria uma bonita surpresa e receberam a sua primeira filha no dia 7 de outubro: Ana Maria. Oito anos depois, uma segunda flor, a 24 de fevereiro de 1963: Marisol. O tempo continuou a conspirar a favor do casal e deu-lhes a oportunidade de comprar um apartamento no município 'Chacao', em 1965. Ana continuou com o seu ofício de costura de sapatos e António passou
por diferentes ofícios: Venda de licores, de câmaras fotográficas, num local próprio
e até vendedor de seguros. Ana recorda com tristeza que em 1978 teve de viajar até
Portugal pois a saúde da sua mãe era cada vez mais delicada. Nesses meses, esteve
longe da filha, que fazia 15 anos, uma ocasião que celebrou sozinha com o pai. Em breve regressaria à Venezuela, com o pressentimento de que meses mais tarde seria confrontada com a morte da mãe. A sua perda mais valiosa foi em fevereiro de 2006, quando António, o seu eterno companheiro de vida, fechou os olhos de forma inesperada. Ana Pereira enfrentou a situação agarrando-se intensamente aos filhos e
aos seus três netos. Atualmente tem 82 anos, mas assegura sentir-se com 28. Sente-se
bastante orgulhosa de ter suado bastante para dar um futuro às suas filhas. Sem lugar
para dúvidas considera-se uma“venezuelana de coração”. E neste país fazem falta pessoas como ela para preencher de alegria e trabalho honesto.
5.- Aqui tenho tudo e não saio. Maria do Carmo Pimentel é de São Miguel, Açores, e
emigrou para a Venezuela há mais de 50 anos, para estar com o marido e dar aos filhos
uma melhor qualidade de vida. Esta açoriana conta que se casou em Portugal, mas por insistência do marido em querer tentar um futuro melhor fora do seu país de origem, viajou para a Venezuela, onde já tinha família, e iniciou uma nova etapa da sua vida. “Casei-me com 22 anos e passado pouco tempo, o meu marido veio para este país. Fiquei grávida e passado quase um ano, enviou-me uma carta de chamada para que viesse”, recorda. Durante o tempo em que esteve sozinha, Maria do Carmo dedicou-se aos trabalhos da casa e a cuidar da sua filha primogénita, Carmélia. Passados nove meses, esta açoriana embarcou no ‘Santa Maria’, em 1959, e rumou a terras de Bolívar. “Quando cheguei para encontrar-me com o meu marido, fiquei surpreendida pela beleza de 'La Guaira'. E estava ansiosa por estar com ele e mostrar-lhe a nossa primeira filha”, recorda. Uma vez em solo 'crioulo', Maria do Carmo começou a trabalhar na costura, em casa, ao mesmo tempo que cuidava dos filhos. “Sabia costurar e procurei clientes para fazer todo o tipo de arranjos de roupa e confeção de vestidos”.
O casal teve mais três filhas para além de Carmélia. “Tivemos um casamento unido
e trabalhámos para dar tudo o que os nossos descendentes precisavam”, acrescenta.
Esta emigrante açoriana conta ainda que foi à sua terra em duas oportunidades, para
visitar uma das filhas, que vive em Portugal. “Cada vez que chego lá, tenho sentimentos recorrentes, mas é agradável, é uma sensação indescritível”, assinalou, manifestando que Portugal é a sua terra mas que a Venezuela é o país onde se desenvolveu como pessoa. Talvez por isso, Maria do Carmo diz que não troca a Venezuela, porque “aqui tenho tudo, e não saio”. Esta lusa espera poder continuar a visitar a sua ilha e apreciar a evolução do seu país ao longo dos anos. “O meu coração é português e venezuelano porque tenho em ambos os países coisas valiosas e que amo”, concluiu Maria do Carmo.!
III.- IDENTIDADE DA MULHER LUSO-VENEZUELANA
Inserir-se numa sociedade cujos valores políticos, culturais, sociais e económicos
diferem daqueles do país de origem, juntamente com as dificuldades linguísticas, é a
principal problemática de qualquer comunidade emigrante. Os filhos de portugueses
eram dos grupos menos representados no ensino secundário e nas universidades até meados do século XX. Portugal, ainda estava sob um regime ditatorial fascista e apresentava traços duma sociedade agrária, atrasada e subdesenvolvida. Para se
entender a situação da mulher portuguesa devemos assinalar que “era encarada como
célula social básica de reprodução da ordem e das tradições culturais”. O trabalho
assalariado estava reservado aos homens, principalmente as atividades liberais e
as realizadas em órgãos públicos, cabendo às mulheres o de baixa qualificação e
remuneração. A mão de obra feminina era composta basicamente por mulheres
provenientes das classes mais baixas que se dedicavam principalmente às atividades
rurais e, nas zonas urbanas, ao trabalho como empregadas domésticas ou em pequenas
lojas.
A perda da identidade portuguesa pode, e em efeito acontece em muitos casos, na
segunda geração entre os filhos que alcançam o ensino superior. As mulheres que
atingem o ensino superior têm mais probabilidades de se inserirem na sociedade do país de acolhimento.
Estudos realizados assinalam duas vertentes nas razões que levaram a mulher a trabalhar fora de casa:
1.- A precária condição financeira da família de origem assim como a precária condição económica da família constituída depois do casamento. Nestes casos a mulher não continuou os seus estudos secundários.
2.- As mulheres de famílias com boas condições económicas ou de famílias com
bom nível educacional atingiram o ensino superior e exercem funções na docência,
administração pública, meios de imprensa, etc.
Através de testemunhos podemos constatar que a educação familiar teve um peso
significativo na formação e na vida das mulheres de origem portuguesa, tendo muitas
delas relatado que os pais eram severos e austeros, ensinando principalmente os
costumes da sociedade portuguesa. Relatam que tiveram uma educação diferenciada em comparação aos irmãos, pois, não gozando de nenhuma liberdade, deveriam ser
acompanhadas sempre que saíam de casa, seja pela mãe ou por um irmão. Os pais
controlavam bem de perto a sua vida até ao casamento, para entregar a filha "intata" ao futuro marido. No entanto, as mulheres da segunda geração, que atingiram um nível educativo superior, são pessoas na maioria das vezes com uma identidade ambígua. Conhecem bem os padrões da pátria dos seus pais, não partilham a sua rigidez, mas gostam dos seus hábitos alimentares e das reuniões familiares aos domingos e nos dias de festa. No entanto, já não conseguem ter grande fluência na língua dos pais, limitando o seu vocabulário ao indispensável para a comunicação doméstica. Isto traz como consequência que seja mais fácil expressarem-se na língua do país onde vivem e muitas vezes já nem se identificam como portuguesas.
IV.- A ATUAL MULHER LUSO-VENEZUELANA
Em março de 2011, com motivo do Dia Internacional da Mulher, um jornal local, O
Correio de Venezuela, falou de várias mulheres na diáspora luso-venezuelana, o que me
parece muito ilustrativo para demonstrar a reafirmação da mulher luso-venezuelana.
1.- Sociedade de Beneficência de Damas Portuguesas:
Actualmente, a responsável pela liderança das damas lusitanas é Mary Monteiro, que, com o seu temperamento e a sua paixão pelo trabalho social, tem dado importantes contributos em benefício dos mais necessitados. No entanto, não está só: É acompanhada por Teresa de Fernandes, Maria Fátima Pita, Mari Cova, Luz Da Silva
Branco, Maria Eugénia de Freitas, Maria José Vieira.
A Sociedade de Beneficência de Damas Portuguesas ajuda também instituições
venezuelanas como a Avepane, Hospital de Crianças J. M. de Los Ríos, Asocirpla,
Fundana, Fundação Padre Pio, entre outras. Para além disso, faz donativos permanentes
a algumas famílias e ajuda algumas pessoas em processos cirúrgicos e no tratamento de
doenças. Outro importante trabalho levado a cabo pelas Damas Portuguesas é a administração do Lar Padre Joaquim Ferreira. Neste caso, as pessoas encarregues de dirigir a instituição são Maria Inocência da Silva, Vera Natália Bastos, Maria Rosa Martins, Crisanta Campos, Manuela Rodrigues, Maria José Abreu, Maria Augusta da Silva, Natália Rodrigues, Maria Fernanda Moreira, Alda de Sousa e Jeanethe Sousa.
2.- Academias da Espetada
Foi no ano 2003 que Noemi Coelho, acompanhada por um grupo de mulheres habitantes de Maracay, estado Aragua, organizou a primeira Academia da Espetada na região. A ideia era simples: Fazer um jantar mensal durante o qual um grupo de mulheres comessem espetada e angariassem dinheiro para obras de beneficência. Actualmente, a Academia estende-se a Caracas e Barquisimeto. É ainda esperada a criação de uma terceira filial no estado Carabobo.
A Academia da Espetada de Maracay organiza tertúlias de beneficência há oito anos.
A atual presidente, Ana Maria Abreu, conta com o apoio de Fátima Fernandes de
Pestana, Adriangela Gonçalves, Fátima Soares, Ana Maria de Veracruz, Maria Helena
de Veracruz, Salomé de da Silva, Maria Graça de Canha, Micaela Varguem, Conceição
Figueira, Elisabety de Abreu, Maria José Gonçalves, Jovita Da Silva e Manuela
Fernandes.
A Academia da Espetada de Caracas foi criada a 18 de maio de 2009. Conta com a
orientação de Sílvia Henriques, acompanhada por Maria Couto, Mónica da Silva, Elsa
Abreu, Maria Odília Rodrigues, Maria Luísa Nunes, Maria José Farias e Ana de Castro,
e mais de 100 mulheres que se reúnem mensalmente em diferentes restaurantes e salões
de banquetes da capital. Meses mais tarde, a 19 de Outubro de 2009, Trinidad Macedo teve a ideia de organizar a Academia da Espetada em Barquisimeto, estado de Lara, onde, junto com Maria Matias, Fátima Macedo, Maria Mestre, Irene Ferrão, Conceição de Sousa, Teresa da Silva, Janeth Farias e Eleonara Soares, já realizaram 15 encontros.
3.- A presidente da Câmara Municipal de El Hatillo
Myriam do Nascimento. Licenciada em Publicidade e Marketing, e com cursos em
áreas como Gestão e Legislação Municipal, Administração Tributária, Participação
Cidadã e Controlo de Gestão, trabalhou durante 25 anos no sector público.
4.- Assembleia da República
Deputada do partido do poder Desireé Santos Amaral: Licenciada em Jornalismo
e defensora acérrima dos direitos individuais, passou das páginas dos jornais aos
meandros da Assembleia Nacional venezuelana
5.- Conselheiras Das Comunidades Portuguesas
a.- Lic. Maria de Lurdes De Almeida- professora de línguas, magister em
planificação educativa, condecorada em várias oportunidades pelo seu desempenho
laboral dentro e fora da comunidade.
b.- Estela Lúcio- presidente da Associação dos Filhos de São Vicente, empresária.
6.- Executiva na área farmacêutica
Noreles Mendonça Mendes- luso-descendente iniciou o curso de Farmácia na Universidade Central de Venezuela. Em 2002, saiu já licenciada, com especialização em Análise de Medicamentos. Posteriormente, fez uma pós-licenciatura também na UCV, juntando ao seu currículo uma especialização em marketing de empresas. Começou a trabalhar de imediato numa farmácia, para depois integrar a equipa de profissionais de um laboratório nacional. Mas também se manteve durante pouco tempo, pois, passado menos de um ano, assinou um contrato para trabalhar na Sanofi–Synthélabo. Desde 2004 trabalha nesta empresa farmacêutica, que hoje se chama Sanofi-Aventis.
7.- ARTES E ESPECTÁCULOS
a.- Marlene de Andrade: Esta modelo e atriz luso-venezuelana, depois de passar pelo
Miss Venezuela 1997, iniciou uma carreira como modelo em diferentes países. No
regresso à Venezuela, foi escolhida para encarnar ‘Pipina’ na novela ‘Carita pintada’. Daí seria sempre a subir, participando noutras produções como ‘Mis tres hermanas’, ‘La soberana’, ‘Trapos íntimos’, ‘Mujer con pantalones’, ‘Arroz con leche’, ‘La vida entera’ e ‘La Mujer Perfecta’. Isto sem contar com o papel no filme ‘La señora de Cárdenas’ e ainda as fotografias como ‘Chica Polar’.
b.-Marjorie de Sousa: Esta atriz começou a sua carreira artística aos 12 anos em
alguns comerciais para televisão. É em 1999, depois da passagem pelo Miss Venezuela,
que inicia a sua carreira como atriz de televisão, nas telenovelas ‘Amantes de Luna
Llena’, ‘Guerra de Mujeres’, ‘Gata salvaje’, ‘Mariana de la noche’, ‘Rebeca’, ‘Ser
bonita no basta’, ‘Y los declaro marido y mujer’, ‘Amor Comprado’, ‘¿Vieja yo?’, ‘Pecadora’ e ‘Sacrificio de Mujer’. Destaca-se também o seu desempenho como
modelo para marcas conhecidas como a Polar e a Pepsi-Cola.
c.-Myriam Abreu: A jovem atriz luso-descendente saltou para a fama depois de participar no certame de beleza mais importante do país, onde representou o estado
de Miranda. Desde então, a sua carreira se desenvolveu com participações no talk
show ‘Cásate y Verás’ e na série juvenil ‘Túkiti’. Depois interpretou personagens nas
telenovelas ‘La Trepadora’, ‘Necesito una amiga’ e ‘Libres como el Viento’.
d.-Aileen Celeste: Esta luso-descendente começou a sua carreira no ‘El club de los
tigritos’ e como animadora de ‘Toda acción’. Posteriormente, iniciou a sua carreira de atriz com as telenovelas ‘Jugando a ganar’ e ‘Calipso’. Depois de seis meses a trabalhar como modelo no México, regressou à Venezuela para participar nas telenovelas ‘La niña de mis ojos’, ‘Mi gorda bella’, ‘La Cuaima’, ‘Natalia de 8 a 9’, ‘Mujer con pantalones’, ‘Por todo lo alto’ e ‘Nadie me dirá como quererte’. Isto sem contar com a sua participação nos comerciais da Chinotto, Coca-cola, Wella e Biotherm.
e.-Laura Vieira: É comunicadora social, estudou jornalismo audiovisual na
Universidade Católica Andrés Bello (UCAB) e licenciou-se em Gestão. De sublinhar
que depois de ter sido avaliada pela sua tese universitária, obteve o segundo lugar do prémio Eduardo Frías e uma bolsa para estudar no exterior, assim viu publicado grande parte do seu trabalho. O profissionalismo desta luso-descendente foi observado por milhares de espetadores em ‘El Informador’, ‘Sálvese Quien Pueda’ e na apresentação de programas como o Miss Mundo e Miss Universo.
f.-Catherine Correia: Com apenas 9 anos de idade, esta atriz iniciou a formação
artística ao estrear-se nos palcos com ‘El Libro de la Selva’. Aos 19 anos, começou os estudos de Filosofia na Universidade Católica Andrés Bello, que não continuou por diversos compromissos artísticos. Quatro anos depois participou em três obras
consecutivas: ‘Buster Reatón’, ‘Submarino Amarillo’, ‘Cuentos de Sábado’ e ‘Yerma’.
Em 1993, começaria a sua fama ao animar o ‘Club Disney’ na RCTV e com a participação nas telenovelas ‘El Desafío’, ‘Entrega Total’, ‘Llovizna’, ‘Cambio de Piel’, ‘Aunque me cueste la Vida’, ‘Carita Pintada’, ‘Viva la pepa’ e ‘La Cuaima’.
g.-Flor Helena Gonzalez: Iniciou a sua carreira aos 10 anos de idade no espectáculo ‘Domingos con Popy’. Tempos depois, iniciou a formação em representação e participou nas telenovelas ‘María Soledad’, ‘Por estas calles’, ‘La Dueña’, ‘Doña Perfecta’, ‘El Hombre de hierro’, ‘Amores de fin de siglo’, ‘Cambio de piel’, ‘Mis tres hermanas’, ‘La Soberana’, ‘Juana, la Virgen’ e ‘La Cuaima’.
h.-Vanessa Gonçalves: Nasceu a 10 de fevereiro de 1986 e fez vibrar a comunidade
lusitana a 28 de Outubro do ano passado, ao ser coroada como a primeira Miss
Venezuela de origem portuguesa. Estudou na faculdade de Odontologia da Universidade Santa Maria, e no seu primeiro ano de reinado, Vanessa tem participado em diversos programas televisivos nacionais e internacionais, convertendo-se numa das figuras do ano no mundo.
V.- CONCLUSÃO
Se bem é certo que nos princípios da emigração portuguesa, no que se refere à
Venezuela, observamos a típica emigração da mala de cartão, a saudade do país que
deixaram atrás e da família que só voltariam a ver depois de muitos anos, não é menos
certo que esta emigração logrou inserir na comunidade venezuelana e trespassar as
barreiras culturais e linguísticas que num principio lhes parecia quase impossível. Os portugueses estão hoje perfeitamente integrados na cultura, na sociedade e na vida
económica venezuelana. No entanto também observamos que as novas gerações estão a afastar-se das raízes portuguesas. É por isto que Portugal deve reforçar a relação ibero-americana, que deve passar pelo fortalecimento nas áreas política e económica, mas também pelas educativa e cultural. Não podemos perder de vista que o multiculturalismo e a globalização são fenómenos crescentes e irreversíveis.
VI.- BIBLIOGRAFIA
.- Revista Eletrónica de Geografia e Ciências Sociais - Universidade de Barcelona.
Nº 94 (30) 1 de agosto de 2001. Prof. Dr. Jorge Carvalho Arroteia - Universidade de
Aveiro
.- RTP- Ei-los que partem- A História da Emigração Portuguesa-Serie Documental
.- Memórias da Emigração Portuguesa- Porque emigram os Portugueses- Carlos Fontes
.- Jornal Correio de Venezuela
.- Os Portugueses na Venezuela- -Nancy Gomez- 2010
.- Cadernos Ceru- História da Mulher Migrante
.- Imaginário.- Junho 2007- ISSN 1413-666X
HISTÓRIA DO MOVIMENTO ASSOCIATIVO: QUESTÕES DE GÉNERO E DE GERAÇÃO
RITA GOMES
Presidente da Associação Mulher Migrante
Não seria necessário salientar que estamos perante um tema de grande significado no contexto das Migrações, mas fazemo-lo para melhor evidenciar a sua importância. E, neste Painel, deve também ser referido o facto de nele terem sido inseridas as «Questões de Género e de Geração», que bem merecem ser sempre devidamente analisadas e sobretudo na actual conjuntura.
Ao falar de Associativismo, sabemos que a ele estão ligadas, nomeadamente, a solidariedade e a cidadania, que, embora diferentes, convivem, bem como, por exemplo, a generosidade e a cooperação.
As Associações de Migrantes, enquanto organizações de voluntariado, de cooperação e de solidariedade social, como sucede com a «Mulher Migrante – Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade», que aqui representamos, muitos contributos proporcionam à cidadania e à defesa dos direitos dos cidadãos migrantes nas sociedades onde vivem e trabalham, incluindo os respectivos deveres.
Com a cidadania temos a liberdade de iniciativa pessoal e colectiva, mas também associativa e o caminho para a democratização. A solidariedade está ligada a um conjunto alargado de situações históricas, politicas e sociais. A cooperação, constitui instrumento indispensável, muito especialmente nas políticas sobre Migrações a vários níveis: local, regional e internacional (bilateral e multilateral).
Lembramos, a propósito, os Acordos vários, nomeadamente, a nível bilateral que Portugal celebrou a partir de 1974, com Países da Europa sobre os nossos Trabalhadores emigrantes e suas Famílias, para além dos relativos à Segurança Social, que também abrangeram Países fora da Europa...Por experiência profissional vivida, conhecemos a importância que têm para os Migrantes as suas Associações, em Portugal e no Estrangeiro. E o reconhecimento dessa importância é bem sentido pelos nossos
compatriotas emigrados que nelas trabalharam e trabalham com o maior empenhamento e espírito de entre – ajuda, em regime de voluntariado, assim contribuindo para a melhoria de vida de muitos deles e até de nós.
Esse «Movimento Associativo», existe, conforme sabemos, nas mais diversas actividades. Por exemplo, no apoio a idosos, à deficiência, à integração, à igualdade de género, a migrantes e especificamente a mulheres migrantes de diversas etnias, a mulheres ciganas… É através do Associativismo em geral, em que se insere o Associativismo Migrante, que se consegue na maioria dos casos uma contribuição
indispensável para que se atinjam os objectivos em que se envolvem as Associações, Clubes, entre outros. E isso naturalmente, a par da solidariedade e cooperação entre os diversos actores, com o incitamento à vantagem da participação activa das/dos cidadãs/aos migrantes nas sociedades de origem e nas de acolhimento, em que se inclui a ajuda proporcionada ao desenvolvimento dos Países implicados.
Neste campo – do desenvolvimento – tem sido evidenciado o contributo da mulher migrante, com o seu muito trabalho (trabalho extra e em mais de uma actividade) e respectivas poupanças, sendo de considerar as que são enviadas para os seus Países, onde mantêm parte da sua Família e onde pensam vir a reinstalar-se …..
Outro aspecto a salientar: o Associativismo, com a sua faceta de voluntariado, constitui uma forma de reduzir as desigualdades, de permitir, como já referimos, uma melhor cidadania, até se conseguir alcançar a cidadania plena, do maior significado para os migrantes, mas sobretudo para a mulher migrante, por mais vulnerável, muito especialmente na fase de inserção no novo País e sobretudo na fase da feminização das migrações, que continuamos a viver, ultimamente acrescida pelos fluxos da nova
emigração, em que se inclui um considerável número de mulheres jovens, qualificadas e indiferenciadas, cuja dimensão e características, muito interessa conhecer.
Há, ainda que conseguir que seja evidenciado e avaliado devidamente o trabalho desenvolvido, pelo «movimento associativo» e a sua evolução positiva, bem como o mérito, quantas vezes conseguido por esse trabalho de que pouco se fala.
Para avaliar melhor a sua importância referimos, por exemplo, as actividades desenvolvidas pelas Associações, Clubes, Federações, etc., em que por vezes, até se promove – apesar das críticas que sempre surgem - o
Ensino da Língua do País de Origem. Foram e nalguns casos continuam a ser esses «núcleos», digamos, que contribuíram e que ainda contribuem em maior ou menor dimensão para a manutenção da Cultura, dos Hábitos e Tradições – incluindo o Folclore dos países de proveniência dos imigrantes – e até o Desporto. E, isso, para além da sua «função social» e mesmo de entre – ajuda, conforme já referimos, sobretudo em relação aos compatriotas recém- chegados, desconhecedores da língua, dos direitos e deveres e de muita informação indispensável ao seu «Novo Mundo», à sua Nova Vida, e
designadamente à adaptação a outros trabalhos. Casos houve em que a ajuda na fase de «reagrupamento familiar», por exemplo, proporcionada pelo Associativismo local em ligação com as Instituições existentes – do País de Origem e Estrangeiras – foram também da maior utilidade.
E, se pensarmos no «Associativismo Português» numa forma mais ampla, como o faz a Drª Manuela Aguiar, lembramos por exemplo, as Beneficências Portuguesas, os Gabinetes Portugueses de Leitura (Brasil), as Fundações, os Clubes, os Centros Culturais, os Centros de Apoio a Idosos e outros: Grupos de Dança, de Música, de Folclore, de Desporto, etc. encontramos, então, um património de valor inestimável espalhado pela
nossa Diáspora, criado por portugueses e a quem muito se deve.
A Iniciativa e Vontade de «bem fazer» do «Movimento Associativo». conseguiram e conseguirão quantas vezes – com o seu dinamismo - ultrapassar mesmo a função que mais adequadamente caberia às Instituições Estatais e outras dos Países de Origem e de Acolhimento.
Devemos lembrar ainda a contribuição desses «Núcleos» para a participação cívica e política das / dos suas e seus Associadas / os, nomeadamente.
Em suma, esses «Núcleos» são «estruturas» com envolvimento nas áreas: social, educativa, cultural, política e económica e que desempenham funções de grande mérito.
No que respeita ao papel das «Mulheres» nas «estruturas associativas», há que referir que houve uma fase em que as mesmas não conseguiam chegar aos lugares de Dirigentes, mas o seu trabalho voluntário, na sombra, digamos, em diversas áreas nas Associações, Clubes e noutras Instituições, era da maior importância. Essa situação, porém, tem evoluído favoravelmente, hoje, as Mulheres assumem cargos Dirigentes nessas estruturas associativas e em Empresas nas mais diversas funções, mas não ainda como merecem e nem de acordo com as suas qualificações.
O empreendedorismo feminino vai crescendo… também um pouco em relação às mulheres migrantes, nomeadamente através da utilização de recursos financeiros da União Europeia, de crédito bancário, do micro crédito, e de outros, mas continua a carecer-se de maior empoderamento da Mulher. Evidenciámos o muito trabalho desempenhado por Associações de Migrantes e estruturas similares, em que se incluem, não esqueçamos,
a «informação e o aconselhamento qualificado sobre as diversas temáticas», bem como o «encaminhamento de casos», que no conjunto facilitam a integração dos novos imigrantes.
No que respeita a «Questões de Género» consideramos oportuno referirmos, para conhecimento, a existência em Portugal dos dois seguintes Departamentos do Estado que se ocupam dessa temática:
(a)CIG - Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género tutelada pela Secretaria de Estado da Igualdade – Presidência do Conselho de Ministros – e que integra no seu Conselho Consultivo, Organizações não Governamentais, umas 40 Associações de Mulheres (na sua maioria), entre as quais a nossa Associação, que trabalham as mais diversas modalidades: Planeamento Familiar, Mulheres contra a Violência, Mulheres Juristas, Mulheres Agricultoras, Mulheres Empresárias, Associação da Cultura e Desenvolvimento, Mulheres e o Desporto, Mulheres Cientistas, Movimento Democrático de Mulheres (MDM),
Rede Jovens para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens,
União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), etc. Além de representantes das Associações, no referido Conselho Consultivo, há ainda conselheiras de diversos Departamentos do Estado Português, assim se conseguindo a desejável transversabilidade sobre a temática da Mulher, no que respeita à Cidadania e à Igualdade de Género.
A nível da CIG realizam – se Reuniões e Actividades no âmbito das Questões da Cidadania e da Igualdade de Género, com a participação das Instituições e Entidades que integram essas áreas.
b)CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego – que tem
como tutela o Ministério da Solidariedade e da Segurança Social.
Dado o relevante papel desenvolvido em Portugal pela CIG e pela CITE, obtivemos a colaboração destas Entidades neste Encontro Mundial, que organizámos na Maia, através da concessão de várias das suas Publicações sobre a temática de que se ocupam em favor da Mulher. Essas Publicações foram distribuídas a Participantes nesta nossa Iniciativa, algumas e alguns vindas/os das Comunidades Portuguesas, assim se conseguindo a nível interno e externo, uma maior divulgação das Questões relativas à Cidadania e à Igualdade de Género, bem como à Igualdade no Trabalho e no Emprego.
Ainda quanto a «Questões de Geração e de Género» referimos especialmente os trabalhos desenvolvidos, por Universidades, em Portugal, como por exemplo a Universidade Aberta – CEMRI, Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais – aqui presente e que foi um dos nossos Parceiros neste Encontro Mundial e noutros que temos realizado, sendo de citar os «Encontros para a Cidadania».
Estes Encontros tiveram lugar: na América do Sul – Buenos Aires, em 2005; Europa – Estocolmo, em 2006; América do Norte – Newark, em 2006; América do Norte – Toronto, em 2007; em África – África do Sul – Joanesburgo, em 2008 e na América do Norte – Montréal, Toronto, etc., em 2009. Através deles foram tratadas as mais diversas temáticas na área da Igualdade e da Cidadania, junto dessas Comunidades Portuguesas.
Relativamente ao tema deste Painel: «História do Movimento Associativo. Questões de Género e de Geração», parece – nos ser de sugerir que:
- se consiga promover cada vez mais: a igualdade no trabalho, a igualdade de direitos e uma melhor integração da Mulher, incluindo naturalmente a Mulher Migrante, nas diversas actividades – em paridade;
- se faça um reconhecimento do trabalho já desenvolvido pelas Associações dos nossos Emigrantes, a nível local, a fim de que se consiga uma melhor utilização das suas capacidades, seleccionando-se as áreas que mais se adequam à melhoria da actual situação das Comunidades: por exemplo, a nível intergeracional e de apoio à mulher migrante;
- se procure utilizar os ensinamentos dos membros da comunidade ligados ao Associativismo – voluntário e não voluntário – adaptando as estruturas existentes às novas exigências da vida dos nossos dias;
- se tente conseguir, que os Jovens recém - chegados às Comunidades Portuguesas e outros que já residam localmente – incluindo os luso- descendentes - melhorem, a nível do voluntariado, a qualidade das actividades nas organizações existentes e a reestruturar;
- se incentivem, os nossos compatriotas e os cidadãos dos Países de Acolhimento a uma participação mais activa, actualizada, diferente, para que em conjunto, utilizem as suas qualificações e a sua experiência nas mais diversas áreas do conhecimento, melhor dizendo em todos os domínios da vida social, cultural, económica e política;
E, por último, enaltecidos que foram, em síntese, os esforços desenvolvidos por organizações de voluntariado, de solidariedade, e de cooperação em favor dos migrantes em que se destacaram também os apoios à «mulher migrante», bem como questões de género e de geração, terminamos:
- lembrando que a mobilidade social e a sua dinâmica impõem políticas sempre actualizadas, exigindo rápida adequação à conjuntura das migrações, envolvendo os migrantes e os Países de saída e de entrada, exigindo por isso, nomeadamente, estudo, reflexão e trabalho conjunto e numa mais estreita cooperação e concertação por parte desses Países, designadamente, entre as respectivas Instituições Estatais da
especialidade, incluindo também:
a) as Universidades de «cá e de lá», se possível, que se dedicam ao Estudo das Migrações;
b) as Organizações Intergovermentais ligadas a esta temática;
c) as Organizações Não Governamentais do Movimento Associativo Migrante;
d) a Obra Católica Portuguesa das Migrações – OCPM, designadamente
através das suas Missões Católicas nos Países de Acolhimento, onde
vivem portugueses.
Há, pois, muito trabalho a realizar tanto mais que Portugal está a assistir a um novo êxodo de portugueses para Países da Europa e de fora da Europa. Saem milhares: jovens qualificados, é certo, mas também outros sem essas qualificações e com diversas idades.
Impõe-se que haja um conhecimento tão actualizado, quanto possível desta «nova realidade», que para além de estudos, envolve ainda muito empenhamento em várias áreas e por parte de diversas Instituições, mas que exige prioridade, a fim de se procurar conseguir proporcionar o apoio de que efectivamente carecem - em cada caso, em cada situação
- as portuguesas e os portugueses que saíram e saem de Portugal para viverem e trabalharem no Estrangeiro.
CRISTINA RODRIGUES
Associação "Agora Portugal"
Sou a Cristina Rodrigues, tenho 44 anos, e antes de mais gostava de agradecer o convite que me foi endereçado e é uma honra poder estar hoje com todos os presentes, e poder partilhar algumas facetas da minha vida.
Era ainda uma jovem de 20 anos, quando decidi ir viver para a Suíça. Logo muito cedo, a vontade de fazer algo diferente foi crescendo. Após um despedimento abusivo, decidi aderir a uma das maiores unidades sindicais da Suíça, e rapidamente integrei o comité do maior sindicato de hotelaria, na altura, Union Helvetia, em Genebra. Tenho muito orgulho em dizer que foi precisamente nessas datas, que foram modificadas e alteradas muitas leis para a emigração, mais concretamente, a legalização do agregado familiar através do “permis” (autorização de trabalho) do chefe de família, e a possibilidade de integrar o tribunal de trabalho como juiz de paz.
Após ter decidido abrir negócio por conta própria, outra variante surgiu,
pela qual me apaixonei, a rádio! A comunicação social, falar na nossa língua, na nossa cultura, manter viva a chama lusitana… Uma grande aventura, de grande responsabilidade começava. Fiz parte da direcção da rádio Arremesso em Genebra, mas como único elemento feminino na direcção, muitos conflitos foram surgindo, uma vez que o nosso homem português, embora mais evoluído, continua a ser machista e sexista, sendo muitas vezes difícil seguir directivas de uma mulher! Como os restantes membros de direcção da associação rádio Arremesso, não viam com bons olhos as minhas iniciativas, claro, decidi partir, e atrás de mim outros elementos se seguiram. Mas não podia parar, e quase de imediato, criamos outra rádio, a “Alma Lusa”. A rádio Alma Lusa, é uma rádio que emite via internet para todo mundo, tendo uma grelha de programas em directo, diariamente. Desde debates políticos ao tradicional discos pedidos, é neste momento uma estação que chega a ter um intercambio com 150 ouvintes por programa, o que é fantástico. No ranking de rádios na internet esta classificada em 3 lugar. A rádio Alma Lusa, funciona, sobrevive do voluntariado dos locutores, e algumas festas anuais, das quais a eleição da Mini Miss Rádio Alma Lusa, sendo este uma exclusiva criação pessoal, levando as meninas dos 4 aos 10 anos de idade ao rubro.
O que mais me seduz em fazer rádio na Suíça, sem duvida alguma, é o facto de poder divulgar a nossa língua, a nossa cultura, as nossas tradições, e o intercambio com os ouvintes. Mais que tudo, o poder informar o auditório, que por vezes parece adormecido, mas que aos poucos vai-se interessando, e tem aderido. O mais aliciante, é saber que o auditório esta espalhado por todo o mundo, chegando a trocar impressões com residentes no Brasil, Canada, África do Sul e ate Austrália, durante o mesmo
programa, o mais engraçado, é ver que todos se parecem, e diz todos: que bom ouvir falar em português, do nosso país e das nossas comunidades! Uma das maiores dificuldades com que me deparei, foi estimular os ouvintes a ouvir debates informativos, políticos e a participarem nos mesmos!
Infelizmente cada vez há menos pessoas, que se interessam pela vida social, politica, dai a problemática em fazer programas deste tipo. Foi precisamente num destes debates que eu organizava, na altura das eleições para as presidenciais, que conheci a Dra. Vanda Santos, funcionaria da ONU e membro do MEP, o Dr Miguel Limpo, então presidente do partido Os Verdes de Genebra, que se falou na criação de um novo projecto, uma associação de carácter politico, social e cultural. Alguns meses mais tarde nasce a então a associação Agora Portugal! É um projecto aliciante e arrojado, uma vez que sobretudo, na área da politica, é muito difícil mobilizar as pessoas, os jovens a serem mais activos. Acreditamos na nova vaga de emigração, na segunda e terceira geração, para um futuro mais positivo, para que tenhamos uma qualidade de vida superior à de há 20 anos, como emigrantes. A nossa força esta na nossa língua, o português, na nossa cultura, para que não sejam esquecidos pelos nossos filhos, e que tenha a mesma importância ou mais para eles como tem para nós.
Neste momento, Portugal, é a maior comunidade estrangeira residente em Genebra, o que significa uma media de 70.000 inscritos no consulado, e dizer que somos a única, das mais antigas, que não tem assento no conselho genebrino, o equivalente à Assembleia da Republica; este é um dos factos que "Agora Portugal" luta por uma mudança!
Valorizar e promover a identidade da comunidade portuguesa na Suíça francófona;
Valorizar e dar a conhecer os empresários portugueses. Promover o dialogo entre o consulado português e o mundo associativo das comunidades na Suíça francófona. São estes os maiores objectivos da associação Agora Portugal.
Mas realmente, o que mais me enaltece a alma, um dos maiores projectos de vida que me podia ter acontecido, a nível associativo, foi sem duvidas, estar na fundação da associação “Escola Sofia Ilha de Bubaque”… após várias lutas burocráticas, hoje orgulho-me pelas 62 crianças que dependem do nosso projecto, das quais 42 são meninas! Sabendo que a Guiné Bissau, atravessou e atravessa uma grande instabilidade politica, com uma sociedade completamente corrupta; sabendo que na ilha de Bubaque, o nr de habitantes é de 15’000, dos quais em média 5’000 são emigrantes, que o salário mínimo são 120 euros aproximadamente, mas que ninguém os recebe, que a escolaridade de uma criança custa 12 euros/mês, a maioria não tem condições de ter mais que um filho na escola, pelo que privilegiam os elementos masculinos, sendo mesmo em algumas escolas proibido o ensino a meninas! Foi durante uma viajem de recreio à ilha, que uma amiga teve conhecimento do grau de analfabetismo, sobretudo no feminino! Após o seu regresso e face a este dilema, ela, eu e outra amiga, de imediato, resolvemos pôr em pratica um projecto que pudéssemos mudar a situação, ou pelo menos ajudar.
No inicio, começamos por enviar utensílios agrícolas, sementes, e ensinar as mulheres a fazerem o seu próprio cultivo, e a fazerem as suas próprias sementes de uns anos para os outros. Hoje 4 anos após, já não se envia quase nada neste domínio, uma vez que já são autónomas. Neste sentido, estamos no ponto de criar grupos de trabalho, com voluntários, que disponibilizam a sua sabedoria e põe em pratica alguns dias de aprendizagem, isso graças à boa vontade de alguns simpatizantes e membros da associação, que prescindem, de certa forma das suas férias, mas por uma causa muito nobre! Depois constatamos que na ilha de Bubaque, a maioria dos residentes, são emigrantes vindos do Senegal. As crianças falam sobretudo em crioulo, e francês, e que 95% não frequenta a escola! Daí que tomamos a decisão de abrir uma escola com um professor bilingue, francês/português, para que pudesse preparar melhor as crianças e que estas tivessem mais possibilidades profissionais no futuro. Hoje a escola funciona com um activo de 62 alunos, com cursos diurnos para as crianças e nocturnos para as mulheres. Tudo gratuito. O fornecimento de todo o material escolar, fomos recolhendo em algumas escolas, algumas instituições e empresas locais em Genebra, e enviamos o 1 contentor em 2008, com carteiras novas, livros, quadros, computadores, roupas e calçado. Enviamos também um gabinete dentário completo, o qual fizemos donativo ao hospital local, uma vez que na ilha, havendo só um enfermeiro que simplesmente “arrancava” dentes! Já podem imaginar o quanto foi útil este donativo!
Um segundo contentor está a ser preparado para ser enviado em Janeiro 2012.
Sabendo que o custo do envio ronda os 3’500 euros, preço especial, é através de feiras de antiguidades, e vendas de variados artigos usados, os quais nos são doados, que eu e outro elemento da associação, vamos ao longo do ano, quase todas as semanas angariando fundos para cobrir as despesas. Contamos também com vários donativos de empresas e particulares da região. Através igualmente do apadrinhamento das crianças, que custa a módica soma de 30 euros, o que cobre as despesas de um ano de escolaridade de uma criança, segundo o método que pusemos em pratica. Organizamos um jantar anual de solidariedade, onde por vezes fazemos uma lotaria, tudo com a ajuda de outros organismos locais, que nos disponibilizam as salas e nos ajudam na organização.
Muito já foi feito, mas muito mais resta a fazer, por vezes, perguntam-me: Porque andas tu metida nisto? Eu com sorriso respondo que a minha felicidade completa-se em fazer alguém feliz, sei que lá longe, há um grupo de crianças que depende exclusivamente do nosso projecto, e isso faz-me feliz! Queria aproveitar a presença de Sua Excelência Sr Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, que nós no estrangeiro, também somos portugueses!
CÉSAR GOMES DE PINA
Presidente da "Academia do Bacalhau" do Porto
“Papel da Mulher na Integração Social nas Academias do Bacalhau no Mundo”
Antes de mais, permitam-me que agradeça o honroso Convite que me foi endereçado pela Presidente da Assembleia Geral da Associação Mulher Migrante, Dr.ª Maria Manuela Aguiar, minha estimada amiga e comadre, para neste Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas na Diáspora, apresentar uma comunicação subordinada ao tema: “O Papel da Mulher na Integração Social nas Academias do Bacalhau no Mundo “ .
Ao planear a comunicação que de seguida vos apresento, comecei por me interrogar se deveria ou não explicar em primeiro lugar dum modo sucinto e esclarecedor, o que é na verdade este movimento filantrópico, curiosamente designado de “Academia do Bacalhau” e, só depois falar no importante papel da Mulher nesta instituição. Se não seguisse esta metodologia de certeza que gerava uma grande confusão pois até poderiam formular esta pergunta? Mas porque “carga de água” foi convidado o Presidente da Academia do Bacalhau do Porto para falar neste Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas da Diáspora? Optei decididamente pelo cenário que acima citei, consciente de que este é o melhor caminho para a minha intervenção, para a qual e desde já solicito e agradeço a vossa boa e generosa atenção. Muito obrigado. Como e quando se fundou o movimento das Academias do Bacalhau, que hoje se espalhou por todos os continentes?
A primeira Academia do Bacalhau, foi fruto de uma velha e curiosa história de amizade lusófona, nascida há quase 45 anos em Joanesburgo, África do Sul, onde na altura viviam e trabalhavam cerca de 1 milhão de portugueses. Foram quatro amigos, entre os quais o Dr. Durval Marques, hoje Presidente Honorário das Academias, que em boa hora tiveram a feliz ideia de fundarem a “Academia do Bacalhau de Joanesburgo”, iniciando- se assim um movimento que os próprios fundadores, nunca imaginaram as repercussões da sua existência e a multiplicação das mesmas por todo o mundo, podendo-se até comparar este fenómeno a uma gigantesca onda de choque no domínio da amizade, portugalidade e solidariedade social.
E foi assim que, no dia 10 de Junho de 1968, se comemorou pela primeira vez na África do Sul o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas e se inaugurou oficialmente este movimento que se baptizou de “Academia do Bacalhau”, instituição filantrópica que se define como “uma Tertúlia de Fieis Amigos que, independentemente da posição social e grau de cultura de cada um, se congregam sem finalidades politicas, religiosas ou comerciais, para fomentar, encorajar e desenvolver laços de amizade, cooperação e confraternização entre todos, defendendo o bom nome e prestígio de Portugal e dos Portugueses aonde quer que estejam, bem como os nossos valores histórico-culturais e fundamentalmente, concretizar acções de solidariedade e de assistência moral e material a pessoas e a instituições mais carenciadas”.
Qual a razão do nome “Academia do Bacalhau”? A escolha do nome para baptizar a Academia, assentou em razões lógicas, afectivas e histórico-culturais, uma vez que para nós portugueses o bacalhau foi, é e será tradicionalmente designado de “Fiel Amigo”. Razão lógica, porque se a Academia congrega um grupo de “fiéis amigos”, o mais apropriado e carinhoso nome para a baptizar não poderia ser outro senão o de Academia do Bacalhau. Razão afectiva, porque quando deliciosamente saboreado em convívios e tertúlias entre portugueses longe da pátria, nos recorda com saudade e quantas vezes com lágrimas nos olhos este nosso tão querido Portugal. Razão histórico-cultural, porque foi também graças ao bacalhau, desde a sua descoberta nos mares do Norte em 1497, que foram fisicamente possíveis as prolongadas viagens com destinos desconhecidos que os portugueses levaram a cabo com coragem e determinação na epopeia dos descobrimentos, tendo-se deste modo iniciado um processo histórico, que hoje designamos de globalização.
Em conclusão, por estas e outras razões “este movimento filantrópico, genuinamente português, de maneira nenhuma pode ser confundido com as chamadas Confrarias Gastronómicas, como por vezes acontece devido à sua designação, pois a palavra “Bacalhau”, como acima citei, é para nós portugueses o símbolo de “Fiel Amigo”, revelando-se desta forma académica e com tradicional simbolismo, o traço da unidade comum que deve figurar na diáspora portuguesa. E nunca é demais reafirmar, para evitar tais confusões, que a força e vitalidade deste movimento reside apenas nos seus Objectivos e Princípios que há cerca de meio século regem as Academias e que traduzem numa língua que transporta por esse mundo as nossas raízes histórico-culturais, numa permanente evocação do Amor Pátrio da Alma Lusíada, pelo que os três grandes pilares em que assentam as Academias do Bacalhau, se resumem nestes singelos e tão significativos valores: Amizade, Portugalidade, Solidariedade.
Como se justifica que um movimento fundado há quatro décadas em Joanesburgo se tenha difundido com o mesmo espírito por todo o mundo?
Após a fundação da Academia de Joanesburgo em 1968, que hoje se designa de “Academia-Mãe", outras Academias do Bacalhau se oficializaram nas principais cidades sul-africanas, todas obedecendo obrigatoriamente às mesmas Normas e Princípios, tornando-se cada vez mais conhecidas pelas acções de filantropia, solidariedade e assistência moral e material que prestavam aos portugueses emigrantes mais necessitados, mas também pela defesa e prestígio do bom nome de Portugal e dos portugueses, bem como
pela afirmação dos nossos valores histórico-culturais. E a propósito, não resisto à tentação de vos contar uma pequena mas significativa “história” que demonstra bem a verdadeira razão de ser das Academias do Bacalhau. “É mais uma história do 25 de Abril mas desta vez passada na África do Sul a qual como qualquer outra
história poderá assim começar: era uma vez um país maravilhoso no mágico continente africano, que logo após o nosso 25 de Abril se viu confrontado com uma situação dramática e inesperada, quando milhares de famílias portuguesas provenientes de Moçambique e posteriormente de Angola, procuravam em condições trágicas e desesperadas, segurança na África do Sul, sem passaportes e a maioria deles só com a roupa que vestiam, tendo sido recebidos em “campos de refugiados”do tempo da Segunda Guerra Mundial, que generosamente o governo sul-africano disponibilizou a todos, os quais face às circunstâncias necessitavam de ajuda humanitária imediata. E foram as Academias do Bacalhau sul-africanas que prontamente lhes prestaram todas as ajudas prioritárias. Penso ser importante divulgar estes factos históricos para melhor se compreender o verdadeiro espírito e razão de ser das Academias do Bacalhau, que respondendo às causas do bem, representam uma mais-valia para a sociedade contemporânea.
E, é o próprio Governo Português que manifesta grande admiração por todos quantos integram este movimento de boa vontade e de espontaneidade, respeitando o trabalho desenvolvido pelas Academias do Bacalhau no mundo em prol de Portugal e das Comunidades Portuguesas, razões pelas quais, reconhecendo a importância sociocultural das Academias do Bacalhau, o então Secretário de Estado Engº José Lello, lhes outorgou em 1997 um honroso Diploma de Mérito”. Mais recentemente, em Fevereiro de 2011, eu próprio como Presidente da Academia do Bacalhau do Porto, recebi o “Troféu Portugalidade”, com que a mesma foi galardoada, pelo exemplo de dedicação, solidariedade e patriotismo, prémio esse que declarei aceitar sem vaidade mas com muita honra e decidi partilhar com todas as Academias do Bacalhau no mundo.
Há pois que considerar dois factos históricos que impulsionaram a universalização deste movimento: o 25 de Abril de 1974 e as mudanças politicas que tiveram lugar na África do Sul, levaram que muitas centenas de milhares de portugueses deixassem o continente africano por razões de segurança, para reconstruírem as suas vidas em Portugal e noutros países por esse mundo fora, mas trazendo no seu coração, o espírito altruísta das “Academias do Bacalhau” e desta maneira, conjuntamente com portugueses já residentes nesses países, se fundaram outras Academias, devidamente autorizadas pela chamada Academia-Mãe de Joanesburgo, mas obedecendo todas ao mesmo ideário e às mesmas Normas. E foi assim que, volvidas quatro décadas esta instituição se universalizou: África do Sul, Portugal, Canadá, Austrália, Namíbia, Suazilândia, Angola, Moçambique, França, Luxemburgo, América, Brasil, Venezuela e brevemente no Reino Unido, Espanha e Macau.
HOJE, as Academias do Bacalhau espalhadas pelo mundo já congregam mais de 60.000 Compadres e Comadres que exibem com orgulho o académico Emblema e o Diploma que a todos é dado após um período de tirocínio, desde personalidades governamentais, autarcas, administradores, gestores empresariais, médicos, arquitectos, advogados, professores, construtores civis e a tantos outros das mais humildes mas
digníssimas profissões, todos referenciando em uníssono, a “Academia do Bacalhau”, como um expoente máximo de filantropia e portuguesismo.
Como se fundaram as Academias do Bacalhau em Portugal?
A primeira Academia a ser fundada fora do continente africano, foi a Academia do Bacalhau do Funchal na Ilha da Madeira, no dia 10 de Julho de 1987. Depois, outras se seguiram: Lisboa; Porto; Algarve; São Miguel; Costa do Estoril; Estremoz; Viseu; Aveiro; Braga; Terceira; Coimbra; Faial e Setúbal.
PERMITAM-ME AGORA QUE REFIRA DE UMA MANEIRA MUITO ESPECIAL A MINHA MUI BRIOSA E
TRIPEIRA ACADEMIA DO BACALHAU DO PORTO, FUNDADA EM 16 DE SETEMBRO DE 1989.
ACADEMIA DO BACALHAU DO PORTO
Uma Receita de Sucesso.
A Academia do Bacalhau do Porto, há 22 anos a semear amizade, solidariedade e portugalidade, é hoje uma Academia exemplar em Portugal e no mundo e uma referência cultural e filantrópica no distrito e que apesar da crise não pára de crescer pois está perto de atingir 300 associados efectivos (Compadres e Comadres) .
O ano passado bateram-se todos os recordes no que diz respeito a presenças nos Jantares-Tertúlia da Academia do Bacalhau do Porto, com os dados oficiais a apontarem para uma média mensal de 140 compadres e comadres, número este que significa um aumento de cerca 540 por cento face ao período compreendido entre 1996 e 2005.
A justificação para este crescimento sustentado deve-se à introdução de um conceito trazido do meu mundo empresarial, ou seja, uma Gestão Por Objectivos, bem como um princípio que sempre me acompanhou e o qual procuro passar aos mais novos, incentivando-os a sair da vulgaridade, como forma para alcançarem sucesso nos seus projectos de vida. “Sair da vulgaridade é fazer e ser diferente no sentido positivo”.
E, a verdade é que na Academia do Bacalhau do Porto, têm-se introduzido coisas novas, nomeadamente a criação inédita de Vice-Presidências importantes tais como: Área da Saúde (Vasco Gama, médico cardiologista e Director da Cardiologia do Centro Hospitalar de Gaia e Luís Ferraz, médico urologista e Director de Urologia do mesmo Hospital); Área Cultural (Delfim Sousa, Director da Casa Museu Teixeira Lopes,
Nassalete Miranda, professora universitária e Júlio Couto, escritor); Área da Juventude (Francisco Rodrigues, engenheiro, Marisa Pinho jornalista e Nuno Nóbrega, gestor); Área Jurídica (Rui Duarte e António Duarte- advogados), sempre disponíveis quando solicitados, a prestarem a sua melhor ajuda a Compadres da nossa ou doutras Academias do país e do estrangeiro,
A «receita» para o invulgar crescimento desta Academia está assim relacionada com a visão estratégica de juntar à vertente de tertúlia, a vertente cultural, tornando os Jantares-Tertúlias mais apelativos por força da presença de reconhecidas personalidades das mais diversas áreas, da saúde à economia, passando pelo mundo académico, cultural, desportivo ou social, as quais apresentam interessantes e úteis palestras subordinadas a temas das suas especialidades. Mas, a mais importante e eficaz “receita” para o sucesso da Academia do Bacalhau do Porto, reside na motivação, empenhamento e esforço colectivo daqueles Compadres e Comadres que me acompanham e sentem o verdadeiro espírito desta Academia. E permitam-me citar Aquilino Ribeiro, ”como quem alcança, não cansa”, vamos continuar nesta rota com
o mesmo, senão com redobrado entusiasmo e trabalho de equipa cada um dando o seu melhor para ajudar, dentro das nossas possibilidades, os mais desfavorecidos tendo como prioridades Centros de acolhimento de crianças, Lares para a terceira idade e Instituições Sociais que mitigam a fome a quem, sem culpa própria, nada tem para comer.
Quanto à integração da Mulher neste movimento, há que reconhecer que numa primeira fase a necessidade de se reforçarem os laços de fraternidade entre os portugueses, conduziu à criação das Academias muito à semelhança dos clubes masculinos de influência anglo-saxónica. Torna-se claro que a Mulher não teve, no início, uma presença constante nas primeiras tertúlias das Academias, situação que só ocorreu anos mais tarde e duma forma progressiva, como aconteceu na Academia do Bacalhau do Porto, com alguma resistência inicial, mas que acabou por singrar e este exemplo foi a pouco e pouco seguido pela maioria das outras Academias. No que me diz respeito valeu a pena tal esforço e luta. Mas para evitar confusões e más interpretações até já foi aprovada em Congresso Mundial uma moção segundo a qual a mulher pode ocupar quaisquer lugares nos Órgãos Sociais das Academias, desde que seja Comadre efectiva o mesmo é dizer, Comadre de pleno direito, ficando assim bem claro que os corpos
dirigentes não estão apenas destinados aos homens, pois as Academias do Bacalhau, não são nem nunca serão “clubes machistas” sendo necessário e prioritário desmistificar, de uma vez por todas, esta absurda ideia.
As senhoras, designadas Comadres sempre tiveram lugar nas Academias desde a saudosa Amália Rodrigues, Vera Lagoa, a outras que até fizeram parte de Governos como a distinta Comadre Manuela Aguiar, aqui presente e muitas mais.
Felizmente que a maioria das Academias soube interpretar correctamente estes princípios e até algumas, como por exemplo a de Toronto, que tem como Presidente uma Comadre ou como a do Porto, que integra nos seus Órgãos Sociais Comadres, Nassalete Miranda e outras, exemplares no bom desempenho das suas funções, bem como na construção da boa imagem que hoje a nossa Academia desfruta em Portugal e no
mundo. Quem assim não pensa nem procede, não está a interpretar correctamente o verdadeiro espírito das Academias, num mundo onde a Mulher desempenha cada vez mais, importantes papéis em todas as áreas.
Concluindo, “a presença da mulher é absolutamente necessária e imprescindível em todas as Tertúlias e não somente, como algumas Academias permitem, nos Jantares de Natal ou Aniversários” pois à mulher se deve, a consolidação de ligação do núcleo familiar a Portugal no que respeita: à preservação da língua portuguesa ensinada e falada em casa; aos costumes portugueses (religiosos, gastronómicos, etnográficos,
etc); à transmissão de valores e princípios educacionais, bem como, à prática de economia familiar de poupança.
BEM-HAJA POIS A TODA AS COMADRES DAS ACADEMIAS DO BACALHAU DO MUNDO
Termino afirmando “em primeira mão” que face à gravíssima situação com que estamos confrontados a SOLIDARIEDADE DA ACADEMIA DO BACALHAU DO PORTO DECLAROU GUERRA SEM TRÉGUAS CONTRA A CRISE.
NATÁLIA RENDA CORREIA
Presidente da Associaçâo Mulher Migrante na Argentina
"Participaçâo no Associatismo"
Como começou o Associatismo na Argentina dentro da Comunidade Portuguesa.
O Encarregado de Negocios de Portugal, na Argentina o Sr. Alvaro Paes de Faria, nessa altura fez uma manifestaçâo aos Portugueses residentes nesta Cidade Bs. As. para manifestar-lhes o desejo e ponderar-lhes a convivencia de que, seguindo o exemplo de outras colónias estrangeiras, formassem uma sociedade de beneficência Portuguesa destinada a socorrer e auxilar os compatriotas desvalidos residentes neste país.
Assim foi como no ano 1828 se funda a A Caixa de Socorros "LUSITANIA, que, depois continuou com o nome de Sociedade de Beneficência e Socorros Mútuos, e por último, Hospital Português.
O valor do Associativismo na Argentina, dentro da Comunidade Portuguesa têm vários pontos importantes para destacar: o convivio entre compatriotas, o nexo com outras Associaçôes estrangeiras, Italianas, Espanholas etc. e o intercâmbio das Culturas,Costumes, Danças, Gastonomia etc.
E a participaçâo da Mulher, dirigindo a Associçâo da Mulher Migrante Portuguesa na Argentina veio a substituir aquela instituição pioneira, a que pensou nos mais desvalidos. Agora as Mulheres estão organizadas, criando condiçôes de acesso à Cultura em geral, com Seminários, onde se tratam diferentes problemáticas, que se apresentan no viver diário, e o seu papel é respeitado pela a Comunidade em Geral e Associações nacionais, que continuam trabalhando na parte Social, Cultural.
A principal finalidade é ajudar ás Pessoas que não possuem os meios económicos para têr uma melhor qualidade de vida. Aí estâo as Mulheres, chegando a cada Lar com Alimentos, Remédios e dando reposta a outras necessidades, como verdadeiras Voluntarias Benévolas.
O Associativismo Português na Argentina têm 10 Associaôes em Buenos Aires e nos arredores do grande Buenos Aires, e noutras Províncias há varias Associações, uma delas a mais de 2.000ks. de distância.
Como nâo temos emigração nova, estamos a sentir a falta de muitos compatriotas que por diferentes motivos já não assistem às nossas reuniões, motivo de muita pena de todos os que trabalhamos de alguma maneira nestas Associacôes Portugesas.
CUSTÓDIA DOMINGUES
Jornalista?
O caso de França: a afirmação de uma autonomia
Resumo
Em primeiro lugar permitam - me dizer o quanto dou valor a esta iniciativa da associação “Mulher Migrante”. Considero que é um trabalho marcante o que tem sido e está a ser feito por esta associação, em prol das mulheres das comunidades portuguesas. O contributo que tem dado para permitir uma maior visibilidade e um conhecimento real da história destas mulheres ficará para o futuro.
Introdução
A evolução das comunidades portuguesas, e em particular as mulheres, conheceu várias idades, desde os anos mais longínquos da emigração – com carácter legal ou não – e da chegada aos países que as receberam até aos dias de hoje. Este trabalho vai centrar-se no caso de França como país de acolhimento, pois não é possível tratar o tema sem o limitar em termos geográficos.
Caracterização
Para memória: na altura da Segunda Guerra Mundial, o número deportugueses em França era cerca de 22 mil. (1)
A partir das décadas seguintes, é possível caracterizar melhor a emigração
portuguesa em França:
- Final dos anos 50 até 1974: A idade da emigração como procura da sobrevivência e de uma vida material mais sólida. Em 1968, contavam-se cerca de 500 mil portugueses em França. (2)
- Após 1974 até aos anos 90: A idade de uma conquista económicabaseada no trabalho, na procura da estabilidade financeira e na transmissão de novos valores aos filhos.
(1) Janus 2001 –Estudo sobre a comunidade portuguesa em França
(2) “Le va-et-vient des Portugais en Europe” - revue Projet – 2001
Nos anos 90, as estatísticas francesas falavam de 900 mil a 1 milhão de portugueses no país, ou até mais.
- Dos anos 90 até hoje: A idade da afirmação de uma autonomia para a comunidade portuguesa que é igualmente o tempo de uma segunda e mesmo de uma terceira geração que nasceu, cresceu e se tornou adulta em território francês.
São os binacionais, ou luso-descendentes, que vivem, em simultâneo, a riqueza e a complexidade de pertencerem a duas culturas. Em termos demográficos, é complexo saber o número exato das pessoas nesta situação, uma vez que o processo de «melting-pot» é pujante e significa que os padrões de classificação são claramente difusos. De qualquer modo, embora o ministério português dos Negócios Estrangeiros fale em
cerca de cinco milhões de portugueses e luso-descendentes espalhados pelo mundo, este número será possivelmente mais elevado, com algumas fontes a apontarem para números entre 10 e 15 milhões. Destes, seguramente, mais de um milhão encontra-se em França.
- Ainda está para chegar, com plena maturidade e sobretudo com maior visibilidade e reconhecimento a idade do exercício da cidadania.
Uma idade de poder político, poder no mundo dos negócios e poder cívico com consciência.
É importante, no entanto, referir que algum caminho já foi percorrido e existem hoje em França cerca de três mil luso-descendentes eleitos para cargos políticos. Podemos citar os casos de algumas mulheres como Alda Pereira-Lemaître, presidente da câmara de Noisy-le-Sec entre 2008 e 2010 ou Cristelle de Oliveira, a primeira portuguesa a apresentar-se como candidata às eleições para o Parlamento Europeu. Existe ainda a CIVICA - Associação de autarcas portugueses e luso-descendentes em França.
Segundo dados fornecidos por esta instituição, nas eleições municipais francesas, em 2001, foram eleitos 350 autarcas de origem portuguesa.
As Mulheres da Diáspora em França: da idade da sobrevivência à idade
da autonomia
As mulheres tiveram um papel notório no movimento da emigração, em particular nos anos 60, quando começaram a juntar-se aos familiares que já se encontravam no país e a dedicar-se a tarefas pouco qualificadas como, por exemplo, trabalhos domésticos e funções de «concierges».
Gradualmente, chegaram a um lugar e um espaço próprio: o do respeito e o da autonomia. As mulheres conquistaram o respeito dos maridos, dos filhos e da própria sociedade de acolhimento. Foram as grandes transmissoras de valores no interior da família e fizeram a ponte entre as duas sociedades. Foram elas que procuraram escolarizar os filhos e permitiram a comunicação entre as duas culturas através de uma aproximação e convivência com a sociedade de acolhimento, em particular por meio das tarefas profissionais que exerciam. Essas mulheres conquistaram autonomia financeira ao trabalharem tanto como os maridos e contribuíram para o crescimento das capacidades financeiras das famílias. Em paralelo, tomaram consciência do seu papel na sociedade e souberam transmitir à geração seguinte o sentido da cidadania, em particular através do acesso à educação, caminho para a autonomia.
A chegada das mulheres emigrantes aos media confunde-se com a história da diáspora.
Porquê, dir-me-ão, a necessidade de descrever, mesmo que em grandes linhas, a evolução histórica e social da emigração e das mulheres, quando o que se pretende é caracterizar o papel das mulheres na comunicaçãosocial da diáspora em França?
Porque o caminho é o mesmo.
Porque uma história confunde-se com a outra.
Porque se existem – e existem ainda que em quantidade limitada –, em 2011, mulheres jornalistas binacionais ou luso-descendentes é porque foi traçado um percurso, o da idade da sobrevivência até à idade da afirmação da autonomia.
Essa autonomia é, hoje, a de mulheres de segunda ou terceira geração capazes de viver e trabalhar na sociedade francesa, inclusivamente nos media, onde continuam a fazer crescer as consciências e o saber.
Os desafios atuais
Mulheres franco-portuguesas nos media franceses
Vamos citar alguns nomes presentes nos media nacionais franceses:
- Helena Morna – TV5
- Dulce Dias – Jornalista freelancer instalada na região de Lyon, que
também trabalha para a redacção portuguesa da Euronews.
A Radio France Internationale é um meio de comunicação francês que conservou uma redacção de língua portuguesa, após vários meses de luta por parte dos jornalistas. Salientamos que uma mulher da segunda geração, Úrsula Soares, dirige a redacção de língua portuguesa para os países africanos francófonos.
E, porque não referir alguns nomes no masculino?
- Paul Moreira – Trabalhou na RFI e atualmente desenvolve a sua atividade
no conhecido magazine “90 minutes” do Canal Plus
- Jorge Silva – Apresenta uma crónica na TV5 e trabalhou alguns anos no
programa “Encore” com a jornalista de origem espanhola Christine Bravo.
Quando assistimos ao telejornal da TF1 ou da France 2, é já relativamente
frequente, quando citam os repórteres, ouvirem-se nomes com ressonância portuguesa: Paul Teixeira, Carine Santos, etc.
Mulheres franco-portuguesas nos media da Comunidade Portuguesa
Podem ser igualmente referidas aqui jovens jornalistas, presentes em meios associativos e que escrevem para media menos conhecidos. São os casos, por exemplo, de Liliane Saraiva, Stéphanie Ribeiro, Estelle Valente na revista CapMag ou Carina Branco e Christine Soares da Lusopress TV.
É igualmente relevante citar alguns dos desafios que se colocam hoje às mulheres da diáspora, apesar do percurso já feito. As mulheres jornalistas da comunidade portuguesa em França conhecem problemas similares aos das colegas jornalistas francesas, sendo que como se pode entender a realidade da imprensa de língua portuguesa em França nada tem a ver com a realidade do mercado profissional da comunicação e imprensa francês:
-O nível de responsabilidades nas redacções é inferior ao dos
colegas homens.
- O nível de remuneração é inferior ao dos homens.
Alguns aspetos particulares da imprensa da comunidade portuguesa em
França:
- A precariedade da atividade: Ela é desenvolvida em carácter de free-lance ou até sem verdadeiro vínculo ou estatuto e em órgãos de comunicação que por vezes se encontram em situações demasiado frágeis do ponto de vista económico e que não possuem uma estrutura suficientemente profissionalizada.
- A escassa credibilidade dos media e da sua robustez financeira.
- A dificuldade em conquistar a geração mais recente de
binacionais/luso-descendentes para trabalharem nos media das comunidades portuguesas.
Um parêntese curto
Este último aspecto está ligado, globalmente, a uma imagem de Portugal que perdeu influência nas segundas e terceiras gerações das comunidades portuguesas, na Europa e fora de Europa (não estou com isto a desprezar « a missão de um mundo lusófono» defendido por Agostinho da Silva, pelo contrário, mas a constatar uma realidade atual).
Se me permitem, no início dos anos 90 vim para Portugal para dirigir e implementar, em equipa, um projecto que fazia todo o sentido: A Confederação Mundial dos Empresários das Comunidades Portuguesas - CMECP, de que fui secretária-geral.
O projeto que surgiu nos anos 90, de forma a implementar uma rede de influência junto das comunidades portuguesas, estava certo e o timing era também o certo.
Um projeto empolgante e com muito sentido para quem vive e conhece a problemática das comunidades portuguesas e a sua necessidade de se congregar em network, numa rede de influência empresarial/económica, em particular após a entrada de Portugal na
Comunidade Europeia, em 1986.
Esse projeto, ao qual estive ligada até meados da década de 90, foi desvirtuado por interesses financeiros e económicos e ficou pelo caminho.
Não serviu os interesses dos empresários da Diáspora, nem, infelizmente, do país. Mas, o mundo empresarial das Comunidades – para quem o conhece – continua a existir e com apreciáveis casos de sucessos.
É de lamentar que, perante a crise em que as economias mundiais e portuguesa se encontram, não ter sido até agora concebido e criado com seriedade uma verdadeira “Câmara de Comércio das Comunidades Portuguesas”. Não ouvi até hoje nenhum decisor pensar nesses termos. Essa sim, bem conduzida e com uma estratégia adequada a realidade atual, pode dar frutos.
Imprensa online
Os suportes online existem na imprensa de língua portuguesa em França e permitem a um público mais jovem, e feminino, expressar-se:
Sites:
Três de importância:
-Portugal vivo
- CapMag
-Luso.fr
A blogosfera bilingue
Alguns exemplos
- Fenêtre sur le Portugal
-Portugalmaniac´s
- Oi-campinas
-Aldeia- de-Gralhas.fr
Etc.
Existem luso-franceses e mulheres a trabalharem em jornais, revistas e rádios das comunidades. Citamos os media mais conhecidos:
- Lusojornal
- Lusopress News
- Encontro
- Portugal Sempre
- Correio Português
- Action Catholique Ouvrière
- Cap Mag
- Vida Lusa
- Rádio Alfa
A este propósito é de referir que existem em França 42 rádios locais com programas em língua portuguesa, bem como um canal de televisão por cabo: a Lusopress TV.
Hoje em dia a rádio Alfa é sem dúvida “ la radio des Portugais de France”, uma rádio com jornalistas profissionais que emite 24 horas por dia na frequência FM 98.6. É conhecida e ouvida pela comunidade portuguesa e lusófona em Paris, toda a região parisiense e em França. Existe desde 1987 e é uma referência para a comunidade.
Seria necessário confirmar, via um estudo científico mais aprofundado, aquilo que nesta fase apurámos através de um levantamento mais limitado, ou seja a direção dos media acima referidos, por exemplo, ainda é na sua maioria masculina, com uma excepção, pelo menos nesta altura: No Lusopress News, é uma mulher a dirigir a publicação: Lídia Sales.
Breve caracterização histórica dos media da diáspora em França
O jornalismo da comunidade portuguesa em França só começou a dar mais espaço às mulheres – e elas próprias só começaram a conquistar mais esse espaço – a partir de finais dos anos 80, princípios dos anos 90 com as chamadas «rádios livres».
Em 1982, o Estado francês emitiu várias licenças de rádio e foi a partir daí que começou a irromper uma geração de jovens mulheres animadoras de programas de rádio em toda a França (são os casos dos conhecidos Radio Club Portugais, Radio Eglantine e Rádio Portugal no Mundo). Este fenómeno também está ligado à vida associativa, muito intensa emFrança: cada organismo criava o seu boletim informativo e o respetivo
espaço de expressão. Hoje, o número de associações que publicam com regularidade um boletim informativo anda à volta de 30, mas na altura representavam mais de uma centena.
O jornal «Presença Portuguesa» (1965-1996) foi a publicação que inicialmente mais marcou a emigração portuguesa em França, pela sua qualidade e a sua duração no tempo.
A seguir podem- se destacar, pelas suas reportagens e artigos:
- «Publi-Portugal» (anos 80 a 90)
- «Traço-de-União» (1985 – 1992)
- A revista «Peregrinação – des Arts et des Lettres de la diaspora
portugaise» (1983–1990) na qual modestamente publiquei alguns escritos, também foi um marco na área literária. Existia um espaço para a escrita feminina e uma expressão mais trabalhada teve oportunidade de se dar a conhecer nos campos da literatura, teatro e poesia.
- «Luso-jornal» que iniciou a sua atividade em 2004 e que continua presente no espaço da comunidade portuguesa de França. Trata da atualidade e também tem um espaço mais dedicado à vida cultural.
Conclusão
O papel das mulheres nos media de expressão portuguesa em França evoluiu dos anos 70 até ao presente. Passaram do invisível para o visível, conquistaram um lugar na sociedade e, por consequência, no espaço de expressão que é a comunicação social.
Tratam temas de atualidade, politica, desporto, economia, literatura e talvez tenham uma vivência que lhes permite tratar com maior sensibilidade os temas de cariz social.
As mulheres de segunda e terceira geração estão, na sua grande maioria, a viver na sociedade de acolhimento que as viu nascer e deram um salto qualitativo em termos de formação e educação. Da «concierge» passou-se para mulheres com um currículo universitário e que vivem plenamente a sua cidadania num mundo global. São cidadãs jornalistas, advogadas, músicas, empregadas de escritório, administrativas,
professoras universitárias, médicas. No entanto, em Portugal continuam a ser chamadas de «emigrantes» mesmo quando todos pertencemos a uma União Europeia – para as que vivem neste espaço – no qual o termo cidadão é o mais corrente.
Mesmo entendendo que é a expressão mais frequente e comum quando Portugal fala das suas comunidades portuguesas no mundo, e que a História e a sociologia têm explicação para essa realidade, não deixa de ser significativo não se ouvir falar no termo “cidadão de origem portuguesa ou um binacional ou até um luso- desendente português a viver em França, ou na Alemanha ou no Luxemburgo” mas sim de um “emigrante que vive em França, na Alemanha ou no Luxemburgo”.
Em 2011, existe ainda um trabalho de informação e comunicação por fazer em Portugal sobre a evolução das comunidades portuguesas. Esse trabalho seria, aliás, um motivo de auto-estima para os próprios portugueses que vivem no território português. Para além de apaziguar e repor alguma justiça numa imagem das comunidades no exterior que
continua desajustada no tempo, daria trunfos a Portugal.
É que as novas gerações não ficaram paradas no tempo. Souberam evoluir e de uma primeira geração mais limitada e sacrificada passou-se para uma terceira geração que está, ainda lentamente mas certamente, a fazer um caminho de conhecimento da sua identidade e de qualificação do seu estatuto profissional e cívico.
As mulheres jornalistas da diáspora são umas guerreiras e mensageiras que continuam a dar voz, visibilidade, expressão e sentido à vivência de milhões de portugueses espalhados pelo mundo.
Relatório apresentado em língua espanhola e portuguesa sobre «O trabalho dos
Serviços Sociais da Embaixada de Portugal em França»
Novembro 2011
TERESA HEIMANS
Conselheira do CCP (Conselho das Comunidades Portuguesas)
Em relação ao Associativismo não vou repetir o passado que todos nós conhecemos,mas vou dar uma visão do presente e do futuro das Associações ,sobretudo na Europa e mais propriamente na Holanda.
O movimento associativo que durante anos foi o baluarte social nas comunidades de portugueses no estrangeiro,divulgando a lingua /a cultura,e fortelecendo os laços de amizade,colaboração entre as pessoas ,desempenhou igualmente um papel social de
relevancia,encontra-se neste momento em estado muito grave desobrevivencia.
Os motivos são dois essencialmente;
-Falta de meios financeiros
-Falta de pessoas para os orgãos directivos.
O papel da mulher começou então com uma ascenção vertiginosa.As mulheres deixaram de ser meros meios de decoração,para passarem a ser optimas para angariar fundos tão
necessários.Começam a praticar todo e qualquer tipo de desporto e até as mais idosas se inscrevem em cursos de manutenção. As mulheres passam a estar presentes em todas as acções desportivas/culturais ou de recreio.
Porque razão na grande maioria das associações as mulheres não estavam presentes nos orgãos gerentes ou nas AG?
Felizmente começaram a aparecer casos de grande sucesso de gestão femenina.Isto deveu-se ao facto de diante da decisão dos directores homens, de fechar as colectividades serem as mulheres que decidem ser elas a manter as mesmas, abertas.
Ë necessário abrir ás mulheres os corpos gerentes de todas as organizaçòes.Os homens ao faze-lo não perdem privilégios,passam sim a ter o privilégio de compreender que a
presença,participação,creatividade das mulheres na gestão das
organizações,faz parte da sua libertação e promoção social,e que os homens,estão consagrando a sua própria libertação ao fazer e facilitar com que nas colectividades reine a complementaridade entre homen/ mulher,auxiliando-se mutuamente,construindo assim um mundo tão desejado por ambos.
Vivendo num mundo de mudança,as mulheres mudaram tambem.Torna-se necessário que o movimento associativo tome consciencia que para essa mudança se fazer no tempo,homens e mulheres terão que estar em pé de igualdade como dirigentes,com
todas as suas qualidades,o seu tacto femenino,a sua irresistivel criatividade.
Este é o futuro.
JULIETA COSTA
Vice Presidente da UES (Universidade Sénior de Espinho)
A Universidade Sénior de Espinho foi convidada a participar neste Congresso e, como Associação, a apresentar um breve comunicado acerca do tema “História do Movimento Associativo: Questões de Género e Geração”.
A primeira Universidade Sénior foi criada, em França, em 1973. Três anos após esta data surge aprimeira Universidade Sénior portuguesa.
No modelo francês as Universidades Seniores são criadas pelas Universidades tradicionais, têm professores remunerados, garantem certificação académica e seguem um modelo muito formal. Já no modelo inglês são organizações sem fins lucrativos, os professores são voluntários, não exigem habilitações literárias, assim como não conferem certificações.
A maioria das Universidades Seniores portuguesas seguem o modelo inglês, porque dá especial ênfase ao envelhecimento activo. Nos países desenvolvidos o problema do envelhecimento populacional coloca-se em termos de dar às pessoas idosas oportunidades para uma melhor qualidade de vida.
No final do século XX surge o conceito de que é necessário considerar os idosos como membros integrados e actuantes na sociedade em que vivem. Daí o chamado “Envelhecimento Activo”, que visa a pessoa idosa no seu todo, nos aspectos bio-psico-social, enquadrando-se no “Ano Europeu do Envelhecimento Activo e Solidariedade entre Gerações” para 2012.
A “Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade Mulher Migrante” concedeu o honroso diploma de Sócia Honorária” à A.C.E.E. – Universidade Sénior de Espinho, por considerar que a mesma desenvolve toda uma actividade que proporciona a integração da população migrante.
Para tal muito contribuem as disciplinas, de linguagem universal (Pintura, Oficinas de Arte, Ginástica, Informática, Línguas (Português, Francês, Inglês e Italiano) etc. leccionadas nesta Instituição, assim como actividades complementares: Visitas de estudo; Convívios, idas ao Teatro ou a Concertos; participação em Exposições, Congressos, Conferências; colaboração com outras Instituições e Serviços; intercâmbio com outras Universidades Seniores, etc.
Deste modo, assumimos o papel de integração da população migrante, quer a nível de
conhecimentos, quer a nível social, melhorando a sua auto-estima, permitindo a realização de sonhos, promovendo o convívio, a amizade, a solidariedade, enfim, melhorando a sua qualidade de vida. Já tivemos vários casos de êxito.
Cremos que o modelo das “Universidades Seniores”, implantado nas comunidades portuguesas, espalhadas pelo mundo, será um especial pólo de integração dos migrantes, como já acontece na África do Sul e na Argentina.
Parabéns e as maiores felicidades à “Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade Mulher
Migrante”.
IV - MEMÓRIA - ENTRE O PASSADO E O FUTURO
AIDA BAPTISTA
Ex Leitora de Português do Instituto Camões
Resumo da comunicação
A Voz das Avós - Vozes de Agora, Vozes de Outrora
Ao longo da História das Migrações, as mulheres têm constituído um grupo esquecido, quase só tendo direito a registo quando este se faz à sombra/ou ao lado de um homem.
Há algumas décadas, contudo, começaram a ser consideradas matéria-prima de interesse para trabalhos de investigação. Entre elas, o grupo das avós e o papel determinante que têm desempenhado na organização da vida familiar, em situações de convivência inter-geracional.
Em contexto de diáspora este papel é ainda mais relevante porque elas contribuem para a construção de uma identidade social, que se afirma através de um forte legado patrimonial passado de geração em geração.
Esta comunicação pretende, através de testemunhos de netos (vozes de agora) analisar e perceber a importância da força das avós (vozes de outrora), no percurso das suas vidas, ao desenvolverem relações e linguagens muito cúmplices de interacção social.
A VOZ DAS AVÓS: VOZES DE AGORA, VOZES DE OUTRORA
Vivo, passo e nasço a cada instante
e não me demoro:
respiro um tempo que já morreu.
Estou de passagem, já disse.
Eduardo Bettencourt Pinto, Viajar com sombras, 2008
Estando este Encontro centrado na temática, MULHERES PORTUGUESAS NA DIÁSPORA, somos desde já convocados a falar de um grupo que, ao longo da História, tem sido duplamente esquecido. Primeiro, enquanto Mulheres, depois, como Mulheres em contexto de Diáspora, pesem embora as iniciativas que nas últimas décadas se têm realizado, de que destaco o dinâmico papel da Associação Mulher Migrante.
Como cidadã, que passou pela experiência de ter vivido espaçados períodos da sua vida afastada do espaço-berço, sinto-me particularmente tocada por este tema. Por isso, em 2003 estive de forma muito empenhada ligada à organização do 1º Congresso Internacional «A Vez e a Voz da Mulher Imigrante Portuguesa» , cuja iniciativa partiu do entusiasmo e profissionalismo da Professora Manuela Marujo, Directora Associada dos Estudos Portugueses da Universidade de Toronto, em cujo Departamento de Espanhol e Português, eu desempenhava a função de Leitora de Português do Instituto Camões.
Se o berço deste congresso foi a Universidade de Toronto, outros se seguiram a regatear-lhe o colo, de tal modo que depois de Berkeley, Macau, Curitiba e Paris, será Ponta Delgada, nos Açores, a acolher a sua sétima edição no próximo ano.
Aquando desta incursão pelo universo feminino das Migrações, um grupo de mulheres se destacou pelo papel que até então tinha desempenhado na organização da vida familiar, em situações de convivência intergeracional - o das avós - pela forma como têm contribuído para a construção de uma identidade social, como defende Natália Ramos : «No espaço familiar constroem-se laços de solidariedade e identidades, tecem-se vínculos e relações privilegiadas, desenvolvem-se competências emocionais e sociais... (...)», pág. 210.
De facto, a prática docente junto de alunos emigrados ou lusodescendentes, revela-nos que estes, quando questionados sobre uma figura que tivesse marcado as suas vidas, quase sempre apontaram os avós e, de entre estes, as avós. E isto é válido para qualquer grupo étnico, credo, condição social, latitude ou longitude, porque o mapa dos afectos é avesso a qualquer nomenclatura que categorize as emoções, e às mulheres incumbe quase sempre este papel afectivo. No entanto, ganha uma importância maior quando falamos de comunidades que vivem entre dois mundos - o que deixaram e aquele em que passaram a viver -, cujas vidas são um cais permanente de partidas e de chegadas. O fio ténue que une as duas fronteiras é, na maioria das vezes, tecido pelas avós. Num universo de ausências e encontros breves, a voz da avó é, amiúde, a única ponte a unir dois tempos: o passado e o presente, num ritual de passagem de uma memória colectiva.
Não esqueço nunca uma aluna ruiva, de olhos profundamente azuis e pele clara salpicada de sardas, que, sem saber construir uma frase em português, me recitava orações e benzeduras para espantar o quebranto e o mau-olhado, no mais característico e cerrado sotaque de Rabo de Peixe, que aprendera da boca da sua avó açoriana.
Foram outros testemunhos como este, a indiciarem o forte contributo dos avós para a preservação e salvaguarda de um rico património linguístico, que levaram Manuela Marujo, a interessar-se, entre outros estudos, pelo papel das avós na manutenção da língua materna como língua de afectos. Daí até realizar um congresso exclusivamente voltado para a temática dos avós, foi apenas o clique de uma ideia.
Assim nasceu o 1º Congresso Internacional «A Voz dos dos Avós - Migração e Património Cultural», realizado em 2008, em Ponta Delgada, em parceria com a Universidade dos Açores. Congressos centrados nesta temática, tendo em conta a natureza e diversidade dos painéis tratados, constituem um valioso contributo para o arquivo do que é já considerado Património Imaterial da Humanidade, à luz da Convenção da Unesco de 2003, que entrou em vigor a 20 de Abril de 2006 . Para efeitos desta Convenção, o patimónio imaterial manifesta-se no domínio das tradições e expressões orais, incluindo a língua como vector do património cultural imaterial; as artes do espectáculo; as práticas sociais, rituais e eventos festivos; conhecimentos e práticas relacionadas com a natureza, bem como as aptidões ligadas ao artesanato tradicional. Daqui se conclui que o património imaterial está em cada um de nós, enquanto produtor de conhecimentos e guardador de memórias. Contudo, se nos restringirmos apenas a guardar essas memórias, sem lhes darmos vida, seremos simples fiéis de armazém - aquele que arquiva coisas paradas no tempo.
Contrariando este conceito de fiel de armazém, quando se preparava a organização do segundo congresso, em 2010, em Lisboa, propusemo-nos (a professora Manuela Marujo e eu) fazer uma recolha de narrativas em que, num esforço selectivo da memória, pedíamos a netos (vozes de agora) que nos falassem do período em que tinham vivido/convivido com os avós (vozes de outrora) e das marcas que estes haviam deixado nas suas vidas. Desta forma, nasceu a Antologia «Passos de Nossos Avós» , constituída por um conjunto de textos, cujos autores provenientes de diferentes geografias, nos dão a perspectiva de mundividências de diversas diásporas: Cabo Verde, S. Tomé, Angola, Brasil, Macau, Estados Unidos, Canadá e Portugal.
No que toca à figura retratada, as avós maioritariamente surgem em primeiro plano, ficando-se os avôs por presenças diluídas no turbilhão das lembranças. Se um ou outro testemunho aparece sobre o avô, quase sempre se ficou a dever a uma insistência nossa, que nunca quisemos transformar a avosidade num reduto exclusivamente feminino.
Tal tendência não é de estranhar, já que tanto a tradição literária como os estudos que nas últimas décadas têm sido feitos, de que destaco a mais recente publicação da professora Stella António , comprovam o estabelecimento de uma linha matrilinear nas relações entre avós e netos. Como nos diz a pesquisadora Ilda Januário , na recensão que fez sobre a obra, «Os frutos do matrimónio eram coisas de mulheres, assim como os do património captavam mais a atenção e a energia dos homens». E a verdade é que ainda hoje, apesar das grandes transformações que os papéis têm sofrido dentro da família, a tradição continua a fazer recair sobre as mulheres a responsabilidade de prestar cuidados aos outros: às gerações mais novas (filhos e netos) e à geração mais velha (dos pais, avós e outros parentes idosos). Segundo a tese de Maria de Fátima Ferrão Pires , «Assim como a idade influencia a relação avós-netos, também o género é determinante neste tipo de relação, justificando a tendência das avós, mais do que dos avôs, para se relacionarem com os netos, e mais particularmente com as netas».
Ao lermos as narrativas de Passos de Nossos Avós, bem como todo o material com que frequentemente somos brindados através da literatura, depressa percebemos a importância que as avós ganham no seio do agrupamento familiar. Estas e outras histórias de vida (sob a forma de crónicas, contos ou romances) atestam a permanência de determinados padrões culturais que contribuem para a construção de uma identidade social. Diz-nos Eduardo Bettencourt Pinto , um dos autores representados na antologia Passos de Nossos Avós, que «o nosso apelido tem uma história e um percurso, e que na linha enviesada da estirpe somos a consequência de uma miríade de passos e vidas que nos antecederam» (pág. 45).
Não sendo pretensão desta minha comunicação entrar pela via dos pesquisadores que, de forma rigorosa, se têm dedicado à tarefa de estudar casos e nos darem estatísticas precisas e fiáveis, fico-me pela palavra literária que, por outras vias, retrata uma mesma realidade. Se estivermos atentos a alguma das mais recentes publicações que versam o tema da emigração/imigração, constatamos que as avós desempenham o papel de figuras tutelares, à volta das quais se constrói toda a narrativa. Na impossibilidade de exemplificar com personagens de várias obras lidas, ficar-me-ei pela referência a autoras que, no actual contexto, satisfazem o guião da minha exposição: Isabel Mateus , Júlia Nery e Adelaide Freitas .
Isabel Mateus, no seu conto «Os Meninos da Avó» e nos primeiros textos de «A Terra do Chiculate», fala-nos de meninos órfãos de mães que partiram a rasgar as estradas francesas da emigração, deixando os filhos ao cuidado das avós. O conto «Os Meninos da Avó» começa: «Ficavam muitos na Granja. (...) Os pais partiam para lhes darem uma vida melhor» (pág. 57). A Granja tem representação física no mapa do nordeste transmontano, mas é uma metáfora para qualquer outro lugar do mundo, de onde saíram mulheres com peitos cheios de leite para os deixaram secar na ânsia de alimentarem a fome de partir.
Mais tarde voltavam, em diálogos de incertezas: «Olha homem aquela é com certeza a nossa filha! Só pode ser ela, os traços que dela tenho na lembrança são os mesmos!» (pág. 58). Mas a filha, essa, vivera uma vida vazia de memórias: «Eu é que de mãe nada sabia. (...) Avó sim, essa sabia o que significava. Era por ela que chamava quando tinha fome, sede, frio ou calor. Nas noites frias do Inverno transmontano dormia enroscada no seu ventre e, para consolar outras feridas da alma, colava-lhe as minhas mãos no rosto como pequenas tenazes que não deixassem escapar a quentura das brasas» (pág. 58).
Os Meninos da Avó, se por um lado são uma homenagem às avós - estas, no caso concreto, mães duas vezes -, não deixam de ser um libelo acusatório contra as mães que, em nome de um futuro risonho para os filhos, lhes deram presentes de abandonos. Não admira, portanto, o forte sarcasmo contido neste pensamento da protagonista do conto: «Chegavam e pensavam que num mês se tornavam pais!» (pág. 59). Por isso, lhes desobedeciam negando-lhes qualquer autoridade sobre as suas vidas. Meu pai disse-me: «- Com este calor pensas que vais regar a horta com a tua avó?» (pág. 59). A resposta, que ganhou a forma de pensamento por não ter tido coragem de se soltar, foi: «Eu não queria saber da rega, queria a minha avó, afinal a minha mãe» (pág. 59).
Numa idade em que os papéis não estão ainda devidamente definidos e hierarquizados, mãe e avó fundem-se e confundem-se, quando à função biológica se sobrepõe a dos afectos. Atente-se no desabafo desta personagem de «A Terra do Chiculate»: «Antes dos doze meses, tinha perdido contra a França a mãe que me possuíra nas suas entranhas. Aos vinte e um anos, desaparecera, para junto de Deus, a que me embalara» (pág. 59).
Na primeira parte de «A Terra do Chiculate» são inúmeros os textos que nos dão, como refere a badana, uma «pungente perspectiva infantil» de quem se viu obrigado a lidar com um processo, nem sempre pacífico, de transferência de afectos. «Sem pontos de referência sólidos que me ligassem a ela [à mãe], nos meus primeiros anos de vida, todas as minhas recordações dessa época passavam por uma vinculação à minha avó...» (pág. 53).
Os pais, demasiado envolvidos na conquista do sucesso, desvalorizavam a existência destes dramas interiores quando, já com uma vida confortável, os arrancavam dos braços das avós para os terem junto de si.
«Que te falta? Não tens tudo?» - pergunta uma das mães.
A resposta ficava suspensa na recordação da avó: «Tinha. (...) Mas, sem a presença da minha avó, faltava-me tudo. Não possuía o seu afecto e o seu carinho, que só ela me dava sem imposições, nem contrapartidas. (...) Eu precisava do pão, mas que não me tirassem o mimo. Para minha mãe, o pão destronava por completo o amor e os afagos do dia-a-dia» (pág. 54).
Neste doloroso processo de rupturas familiares causadas pela emigração, muitas destas crianças cresceram sem a memória da voz dos pais. Já crescidas, sentiam-se confundidas e nomeavam-nas mães ou avós, conforme lhes ditava a sonoridade do carinho com que eram ditas ou a falta de nunca as terem pronunciado. Atente-se no desejo da menina que nunca perdoara à mãe o não a ter levado consigo, de cade vez que, depois de uma visita, regressava a França: «Deitara-me resoluta a saltar da cama no mesmo instante em que pressentisse os passos de minha mãe e os últimos preparativos para a partida. Iria contra a sua vontade. Estava decidido. Também me queria habituar a pronunciar a palavra "mãe" no dia-a-dia» (pág. 37). Noutros casos, porém, a recusa era bem evidente: «Por infelicidade minha, a sonoridade da palavra mãe não fazia ressonância nos meus tímpanos, assim como também tenho a convicção de que o seu significado não era bem recebido ou aceite no meu subconsciente. Habituara-me desde o berço a outra palavra pequenina, aguda, cujo "ó" ecoa ao mesmo ritmo do embalo que se dá a uma criança» (pág. 48). Significativo é o título do texto onde este excerto se insere - A Batalha Campal -, porque nos coloca perante a disputa, em campo aberto, entre dois tipos de afectos: um que reclama a força do ventre, o outro, a do colo. E, «a menina de oito anos, a completar quase os nove, teria de, num abrir e fechar de olhos, chamar-lhe mãe em vez de avó... (pág. 47) e esquecer que, durante todos aqueles anos, também o colo de sua mãe tinha andado a salto num jogo de Cá e Lá que ela nunca entenderia.
Enquanto Isabel Mateus, focada numa emigração voltada toda ela para França, nos dá narrativas muito vivas de avós que ficaram do lado de cá a criar os netos, para que fossem os filhos a poder sair, Júlia Nery, retrata-nos em "pouca terra... poucá terra" uma neta que «não escolhera cortar as raízes e partir; fora levada para longes terras a cavalo dos sonhos da família, a que a avó Maria Menina pusera fermento...» (pág. 13). Nesta obra, é a figura da avó, conhecida na aldeia por Maria Francesa, que ocupa o lugar principal na narrativa. Dotada de um enorme poder, é ela quem toma as decisões mais importantes da família, empurrando a filha Maria da Luz e o marido para a emigração por terras de França. O seu projecto não passava por amealhar francos, mas «entrar pelo mundo fora, mudar; conhecer coisas novas e ter uma neta estudada» (pág. 14), porque, diz-nos a autora, «A instrução era, no entender de Maria Menina, a chave mágica que abre todas as portas, até a dos palácios» (pág. 121).
Maria Menina realiza o sonho - Leonor faz estudos superiores em França, em Ciências Políticas, viveiro dos quadros da nação, comprovando, desta forma, o grau de inserção na sociedade. Contudo, de Portugal, sabe apenas o que a avó lhe ensinou e as aprendizagens que as curtas férias de verão lhe permitiam guardar. Um dia, regressa de comboio e, esta viagem, «descrita por uma mulher emigrante, através da qual se reconstitui a sua condição e histórias de vida da irmã, da mãe e, sobretudo, da figura axial da avó, traz para primeiro plano, segundo José Manuel Esteves , mais do que a mulher emigrante, a mulher, deslocando-se o próprio romance, por vezes em sobressalto, como se as agulhas não estivessem certas, entre dois carris: o da emigração e o da mulher» (Portuguesas na Diáspora, pág. 103).
Porém, os carris em que viajamos pelas vidas desta avó e desta neta estão em sintonia perfeita numa cumplicidade toda ela feita de compreensão e afectos. Maria Menina é bem o exemplo da mulher a quem o passado tolheu o futuro, quando condenada às leis de todo o sempre: «mulher escrava da vontade alheia, casada - submissão, ventre cheio, pudor e honra, agrilhoada ao seu homem, ao trabalho, às dores das entranhas repetidamente habitadas, escondendo as leis da sua cabeça e dos seus cinco sentidos na solidão» (pouca terra... poucá terra, pág. 127).
Maria Menina nunca se conformou e, assim que a viuvez lhe devolveu a liberdade de voltar a ser ela - a mulher que nascera com as estradas nos pés e a fome do mundo no olhar -, empurrou toda a família para o ventre de um vagão que, deslocando-se ao som ritmado da onomatopeia, pouca terra... poucá terra..., se encheu de muito mundo.
Adelaide Freitas, uma açoriana com anos de emigração no currículo, já que o seu crescimento e percurso académico se fez nos Estados Unidos, é autora de «Sorriso por Dentro da Noite», num registo muito próximo da autobiografia, onde igualmente se conta a saga de uma família emigrante. Sorriso por Dentro da Noite - todo ele construído à volta de uma família açoriana separada pela força dos movimentos migratórios do século passado, que empurraram grande parte da sua população para a América do Norte - espelha bem uma realidade vivida por todos aqueles que, usando as palavras da autora, “formaram-se em ilhas e nunca mais se arquipelaram”. Neste arquipélago de ausências e encontros breves, a avó é o traço de união entre todos os tempos:
o seu, aquele em que ela, imigrante também, viveu numa América que lhe deu um marido e quatro filhos, seguido de um divórcio que a fez retornar à ilha e enfrentar uma sociedade pouco preparada para aceitar viúvas de vivos;
o dos filhos, dispersos pelos sonhos das terras prometidas;
o dos netos que se encarregou de criar, quando a filha decidiu partir com o marido para a América» (Avós e Migração: Raízes e Identidade, pág. 26).
Destes seis netos (cinco raparigas e um rapaz), Xana, a protagonista do romance, foi entregue aos cuidados da avó materna, com seis meses de fragilidades. É, portanto, graças ao zelo da avó que a menina sobrevive. Os pais, esses, chegam-lhe por fotografia, espalmados nas cartas que de vez em quando vinham da América. E foi através de rectângulos sem alma, e amarelecidos pelo tempo, que a avó lhe deu a conhecer a mãe, na esperança de que Xana a amasse, como se fosse possível amar seres prisisoneiros de molduras. E é assim que Xana vai crescendo, sem pai nem mãe, mas toda ela cheia de avó.
Quando um dia os pais regressaram, o primeiro momento foi de deslumbramento e orgulho perante a beleza da mãe, ao mesmo tempo que a sua cabeça de criança se enchia de dúvidas: “Onde ficarei eu, quando desde os cinco meses sempre vivi com a vovó?! (...) Eu nunca os senti, nunca os palpei. Não sei qual o cheiro da sua pele, se crespa ou macia; se doces ou acres são as suas mãos; se o coração é quente ou frio” (Sorriso por Dentro da Noite, pág. 203). As dúvidas depressa deram lugar a certezas porque, desde o primeiro beijo, Xana sentiu que a mãe, fora da moldura, era qualquer coisa indefinida, deslocada no lugar e no tempo, como se não pertencesse a nenhum dos mundos.
Os pais de Xana decidem voltar a partir, desta vez para o Brasil. A decisão de Xana adivinha-se muito antes do desenlace final porque, ao longo da narrativa, a autora vai-nos dando pistas, como é o caso deste diálogo com o irmão mais chegado: «Olha Daniel, quando a avó embarcar para as nuvens, não te esqueças de me avisar para não me enganar no caminho, porque eu quero é ir dentro da sua barriga» (Sorriso por Dentro da Noite, pág. 117). A barriga que Xana escolhe não é a da mãe, mas a da avó, parideira de dor e amor de que são feitos todos os partos da emigração.
Para concluir, direi que estamos perante três Mulheres (Isabel Mateus, Júlia Nery e Adelaide de Freitas) de gerações diferentes e com diferentes percursos de vida, mas unidas pelo mesmo fio condutor – a autoria de textos sobre emigração, onde as protagonistas são mulheres: mães, filhas e netas.
Muitas destas avós - representadas aqui pelas que ficam (em Isabel Mateus), pelas que partem (em Júlia Nery) e pelas que regressam (em Adelaide Freitas) - são mulheres sem rosto, sem nome, analfabetas, mas que dominam como ninguém uma sabedoria ancestral, que transmitem ao longo de gerações, sob a forma de jogos, usos, costumes, expressões populares, rezas, crenças, causos a par de estórias de fundos ou de encantar e canções de embalar, num universo dominado pela oralidade. Se, como nos diz Vidigal , «Pela memória colectiva das experiências lúdicas de infância, as nossas crianças enquanto futuros adultos, receberão as bases culturais, enraizadas no grupo social de onde provêm», então, não temos dúvidas de que estas avós encheram o quotidiano dos netos de saberes e sabores entranhados até hoje na memória e imaginário de todos.
Assim, e porque é do senso comum dizer que a educação começa na mama ou, no sentido mais lato, no berço, é importante destacar o papel destas vozes esquecidas de outrora, que, nas diferentes diásporas souberam ser o esteio das famílias. Edgar Morin defende que é «Enraizando-se no seu passado que um grupo humano encontra a energia para afrontar o seu presente e preparar o seu futuro». Ora, como na tradição judaico-cristã a vida é representada por uma árvore – a árvore de Jessé – vou recorrer a um outro poema do autor da epígrafe,
Se ergueres alpendres no desertos
e um jardim de regressos, todas as gerações do vento
dançarão
na única memória
porque da nossa passagem, como elemento de uma família, ficará sempre um galho de memória a mover-se no tronco do presente.
MARIA LÚCIA da SILVA BANDEIRA
Professora
A emigração no singular: a inaudita história de Laura; por Maria Lúcia da Silva Bandeira
RESUMO
3 de Junho de 1973. Laura, como tantos outros portugueses e portuguesas, passou a fronteira, rumo a França. Levou os seus cinco filhos para os quais ela e o marido haviam planeado um futuro diferente daquele que Portugal lhes oferecia. A família integrou-se no seio da nova comunidade. Os filhos foram sempre motivados para o estudo; o pai trabalhava de noite e de dia, e Laura organizava a economia familiar. A convivência com a restante comunidade era reduzida; Laura nunca aprendera a falar francês, mas o percurso dos filhos na escola dava-lhe alento. A informação da revolução dos cravos chegara pela televisão a preto e branco. O casal suspirou de alívio: a guerra colonial acabaria; os filhos de Portugal voltariam para suas mães. O deles tinha escapado e teria sido essa a razão da partida do casal com os filhos: evitar que o filho fosse para a guerra.
Esta família, como tantas outras, constou de números para fins estatísticos sobre emigração. No entanto, cada português da diáspora apresenta vivências que os inquéritos e estudos não revelam; dramas e alegrias que a história ainda não registou porque as vozes não foram ainda ouvidas. Os filhos dos que ousaram partir têm agora consciência da proeza que foi a partida. De facto, eles foram tão longe e puderam dar aos filhos a visão de outro mundo; talvez a visão da fronteira entre a ignorância e o saber; entre a coragem e a inércia. Foi necessário partir para estar mais perto.
Laura é um caso entre casos.
Palavras-chave: partida, adaptação, comunidade, saber, estudo, educação, liberdade, regresso.
Antes de mais, gostaria de saudar a mesa e todos os presentes, e agradecer a oportunidade concedida para participar neste Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas da Diáspora. Felicito e encorajo a organização do evento. Formulo um agradecimento especial à Dra. Manuela Aguiar e à Professora Donzília Moreira.
A minha prestação neste encontro incidirá sobre a vivência de uma mulher e da sua família, salientando factos relacionados com a preocupação da formação dos filhos em contexto de emigração. Poderíamos ter focado outros aspectos das suas vidas, como por exemplo, as condições de trabalho, de habitação, de adaptação. Por que razão, então, salientar memórias da educação? Talvez por ser o aspeto mais presente, mais visível, mais circular.
Aceitar a memória como fonte produtora de testemunhos é aceitar tacitamente que uma linha muito ténue possa separar a sublimação do facto histórico. O tempo poderá ter estilizado algumas facetas dos factos sem, contudo, os destituir da sua veracidade, sem diminuir o alcance da sua profundidade.
Cultivar memórias, transmiti-las, partilhá-las é participar ativamente na construção da História e na (re)construção de histórias de vidas; é um dever cívico e moral.
O Salmo 78 intitula-se “Sem memória não há fidelidade”. Nele podemos ler e reter a importância do testemunho para as gerações vindouras:
«O que nós ouvimos e aprendemos,
O que nos contaram os nossos pais,
Não o esconderemos aos seus filhos,
Nós o contaremos à geração futura (…) »
No dia 3 de Junho de 1973, a grande lição de vida era dada aos filhos quando Laura embarcou no comboio, rumo a França. Saíram da estação de Espinho. Laura dera a cada filho um lenço branco para dizer adeus quando passassem perto da terra natal. Ficaram todos em filinha para acenar com o lenço à família, amigos e vizinhos que ficaram. Deve ter sido uma prova bem difícil para Laura; uma dor que os filhos ainda não podiam calcular, ainda não tinham olhos de alma para ver.
A passagem da fronteira foi aterrorizadora. Laura tinha ensaiado os filhos para o desfile decadente, mas redentor, da fronteira. Todos em fila, como se não se conhecessem, a passar à frente da polícia que se detinha, arma em punho, a vigiar e fiscalizar as milhares de pessoas que ali se aglutinavam, com olhares desconfiados, com fome de liberdade, de paz e de esperança… Não havia razão para que não corresse bem. Tinham os documentos exigidos pela Junta de emigração. As fotografias dos filhos de Laura estavam lindas no passaporte. Para o efeito, Laura tinha comprado roupa nova para ficarem bem apresentados. Aquele carimbo, com data de 3 de Junho de 1973, marcou o fim de uma vida e o início de outra. O único filho que tinha acabara de escapar ao fantasma da guerra do ultramar; não voltaria atrás para não fazer correr o risco de ser chamado. A guerra parecia não ter fim!
Laura leu, banhada em lágrimas, a primeira carta dos pais que falava de saudade. Seu pai passava o tempo sentado na soleira da porta de Laura. Sentia a falta dos netos. Sentia-se só.
A segunda carta vinda de Portugal trazia a triste notícia do falecimento do pai. Diz-se que morrera de saudade, na soleira da porta de Laura, com as chaves da casa na mão. Era véspera de São João. Desde então, nunca mais se festejou São João.
Em relação aos filhos, a primeira preocupação de Laura e do marido foi a de procurar uma professora de Português para que os filhos pudessem continuar a estudar português. A Professora Alice Albuquerque apareceu meses depois de José ter entregue uma abaixo-assinado no Consulado com uma lista de interessados em aprender a Língua.
Assim, a par do estudo na escola francesa, os filhos frequentavam a escola portuguesa e realizaram os exames ad-hoc da 4ª classe, do 9º e 11º anos. Quão importante foi esta formação em Língua Portuguesa!
A filha do meio, com apenas dez anos, tornara-se a escritora de cartas dos portugueses que ali viviam e que não sabiam ler nem escrever. Laura sentia-se orgulhosa da filha que, às quartas-feiras, lia notícias de famílias de São João da Madeira, de Vinhais, da Guarda, da Póvoa do Lanhoso e outras. As saudades iam e vinham, por carta. A menina quase decorara os textos ditados que se repetiam, inexoravelmente. Por vezes, tinha pena que as senhoras não soubessem ler nem escrever.
Da instrução que recebera, Laura era capaz de motivar os filhos para o real valor do conhecimento e do respeito que o estudo impõe.
Os filhos depressa aprenderam a falar francês; a santa inocência das crianças levara-as à rua brincar com outros jovens e com eles, foram aprendendo a falar a nova língua.
Laura nunca andara na rua; não aprendeu a falar francês.
Na aldeia donde partiram, não havia bibliotecas; a escola não emprestava livros. Mas ali, naquela aldeia de montanha, havia biblioteca, a escola tinha livros para emprestar. Os filhos de Laura liam, liam. Durante as férias de Verão, a menina que escrevia as cartas, procurava, na lixeira, livros que alguns deitavam fora. Os arrumos de uns, permitia o crescimento de outros! As noites de fim-de-semana eram passadas a ler revistas e outros livros, e as quatro filhas trocavam impressões sobre as leituras, sem saberem que estruturavam ali a sua formação. Por vezes, Laura tinha que desligar o contador da luz porque “as pequenas” liam toda a noite. Apercebera-se, um dia, que as meninas tinham contornado a questão com pilhas elétricas que escondiam debaixo da roupa da cama.
Certo dia, Laura recebeu em casa uma senhora que viera fazer perguntas para um estudo. Laura receava falar com estranhos, desconfiava sempre dos estranhos. Corria a década de 70. Viera-se a descobrir, em 2010, que a senhora das perguntas era a Doutora Maria Beatriz Rocha-Trindade, que recolhia dados para a sua investigação. Laura respondera ao inquérito.
Pacientemente, Laura via crescer o interesse dos filhos pelo estudo. Na escola, a filha tornara-se uma das melhores alunas, mas a mãe não o sabia; nunca ia falar com os professores; os filhos tinham que se orientar sozinhos. No entanto, nunca faltaram os livros e, quando o marido comprou para a escritora de cartas um dicionário – que livro grande! -, foi uma festa!
Contrariamente a outros imigrantes que ali viviam, Laura não obrigara os filhos a irem trabalhar cedo para ganharem dinheiro para a casa.
«Estudem até onde quiserem; mas se reprovarem, acabam-se os estudos!»
A escritora de cartas foi crescendo com o entusiasmo e a ansiedade do saber.
Laura ia várias vezes a Portugal visitar a mãe que estava muito doente. Relatava muitas aventuras presenciadas e vividas no comboio durante essas longas viagens.
Um dia, trouxera para a filha escritora de cartas, uma História da Literatura Portuguesa, de António José Saraiva. Foi o delírio! Da história da Língua portuguesa a Gil Vicente, Camões, Garrett, Eça de Queirós… tudo foi lido.
Laura nunca soubera as horas de prazer que a filha tinha com aqueles livros! Também não soubera que o estudo da Língua Portuguesa permitira à filha dar respostas brilhantes nas aulas de Francês.
A escritora de cartas foi alimentando a saudade; escrevia poemas que lia na rádio Altitude, rádio pirata para onde levavam os discos portugueses escondidos, num estúdio escondido. Carlos Albuquerque foi o impulsionador deste acontecimento. A direção da rádio, já legal, dera umas horas de Antena aos portugueses, ao domingo de manhã. Ali se construíra um templo à saudade; os imigrantes telefonavam a pedir e a dar informações de Portugal, participavam no espaço dos “Discos pedidos” onde o conjunto Maria Albertina, todas as semanas, cantava “Longe da terra distante, longe do seu Portugal”
Enquanto os acontecimentos se sucediam, a filha ia acariciando o sonho de estudar em Portugal. Os livros e jornais portugueses eram de difícil acesso. O marido de Laura dera um dia a informação de que a Michelin, onde trabalhava, tinha uma biblioteca com livros em português e noutras línguas para os imigrantes da fábrica. A escritora de cartas frequentou esse espaço onde, pela primeira vez, se deparou com uma biblioteca multilingue. Aqueles patrões deviam ser amigos dos seus empregados para pôr à sua disposição livros na língua de origem! Laura nunca tinha visto uma biblioteca; sabia porém que a filha passava horas a folhear livros, a percorrer estantes.
Os anos iam passando e, já com algum conhecimento das duas línguas, a filha fora convidada para fazer traduções de Certidões de casamento, de nascimento e de óbito, num gabinete de apoio ao imigrante.
A jovem ia trazendo para casa histórias de portugueses que não sabiam ler nem escrever, mas que precisavam daqueles documentos; e que queriam agradecer as traduções, pagando o que não lhes era pedido. Ali, o analfabetismo e a ignorância andavam de mãos dadas com a resignação e a humilhação.
Laura compreendia que a filha ficasse sensibilizada pela situação; ensinava a nunca ficar contrariada por ajudar os outros.
«Feliz de quem sabe, para si e para os outros.», dizia a mãe à filha.
A filha entendia a lição, mas continuava, como sempre, a achar triste o mundo do analfabetismo e da humilhação. Se estivesse ao seu alcance, ensinaria a ler e a escrever a todas estas pessoas!
Em 1983, a escritora de cartas, agora a frequentar o 12º ano, foi convidada a colaborar na realização de um documentário sobre os portugueses e o sentimento do exílio, para o canal televisivo TF1. O realizador François Ribadeau vinha de Paris, de quando em vez, recolher informações que a jovem ia selecionando. Laura proibira a filha de estar com o senhor; não sonhava porém que a jovem organizara todo o programa às escondidas dos pais, que desconfiavam sempre de estranhos. O programa foi um sucesso.
Na hora de fazer opções para o seu percurso de estudos superiores, a filha decidira estudar em Portugal e ser professora de Português e de Francês, de modo a, em consciência, ajudar a combater a tristeza do não-saber.
Laura continua a ter orgulho no percurso de estudos da filha.
Hoje, neste tempo tão estranho, Laura, após o regresso definitivo à sua terra natal, ouve as notícias e diz à filha que para o ano já não se ensinará línguas nas escolas, que o Francês vai acabar; que o ensino de Português em França está a acabar e que a situação é preocupante. A filha, tristemente, concorda; triste lhe parece esta circularidade dos factos; esta sombra da ignorância imposta, acompanhada de humilhação.
Laura e o marido receiam que a filha ouça o apelo da partida para fora; receiam que a filha, em cumprimento do ensinar e do saber, parta. Já há muito que não ouviam dizer que «Este parte, aquele parte, e todos, todos se vão». A História parece repetir-se na vida de Laura.
A História é feita de vidas; a epopeia de Laura faz parte da História.
Maia, 25 de novembro de 2011
EULÁLIA MORENO
Jornalista SP
Os Fados de Todas Nós
A conquista de Ceuta em 1415 deu início a Diáspora portuguesa seguida pela colonização da Ilha da Madeira em meados de 1425. Menos de um século depois aberta a rota do Cabo para o Índico ( em 1497), descoberto o Brasil (em 1500) e povoadas as ilhas adjacentes de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe eram já patentes as conseqüências demográficas e outras advindas do fenômeno da expansão ultramarina. Em Gil Vicente, Sá de Miranda, João de Barros entre outros há a consciência, se não o alarme, da nova situação criada para a sociedade portuguesa.
Garcia de Resende ( 1470-1536) escreveu :
“Vijmos muyto espalhar
portugueses no viver,
Brasil, Ilhas povoar
A aas Índias yr morar,
Natureza lhes squecer:
Veemos no reyno metter
Tantos captivos crescer,
E yremse hos naturaes
Que se assi for, seram mais
Elles que nos, a meu ver”
Órfãs, Meretrizes, Degredadas e Feiticeiras
Nos primeiros séculos de colonização houve uma verdadeira escassez de mulheres brancas para a colônia. O caráter migratório aventureiro dos colonos portugueses, que buscavam enriquecimento rápido, pensando num breve retorno a Portugal desestimulava um padrão migratório familiar. Raras eram as mulheres que desembarcavam, por exemplo, no Brasil. Os homens chegavam e se deparavam com uma população feminina indígena livre de todos os preconceitos e uniam-se a várias mulheres ao mesmo tempo gerando filhos mestiços.
Essa situação fora dos padrões europeus horrorizava os jesuítas. Em carta ao rei de Portugal, Manuel da Nóbrega , fundador da cidade de São Paulo, pedia ao monarca português que enviasse ao Brasil mulheres portuguesas, “muitas e quaisquer delas” e acrescentava: "Se El-Rei determina povoar mais esta terra, é necessário que venham muitas mulheres órfãs e de toda qualidade até meretrizes, porque há aqui várias qualidades de homens; e os bons e os ricos casarão com as órfãs; e deste modo se evitarão pecados e aumentará a população no serviço de Deus “.Não importava a condição social, moral ou economica dela, pois bastava que fosse "branca" e produzisse filhos "portugueses" na colonia para ser considerada "superior" às mulheres índias e negras, no imaginário colonial.
As que chegavam sózinhas eram normalmente as degredadas, forçosamente exiladas na colonia. O século XVII foi marcado pela chegada constante de “visionárias”, acusadas de feitiçaria, que eram sentenciadas ao exílio na colonia. Nem todas permaneceram no Brasil, parte regressando a Portugal após os cinco anos de pena de degredo.
Nos séculos seguintes, a imigração portuguesa não perdeu o seu caráter masculino. O Norte de Portugal na época era conhecido por ter o predomínio de mulheres exercendo atividades agrícolas tradicionais, pois muitos dos homens emigraram. As mulheres (e as crianças) portuguesas desembarcaram em maior número no Brasil quando alguma crise afligia Portugal, como durante a epidemia de filoxera que destruiu temporariamente a indústria do vinho do Porto em meados do século XIX.
Após a independência a mulher portuguesa que desembarcava no Brasil, geralmente pobre, se empregava como criada nos serviços domésticos. Frequentemente os textos da época faziam referência implícita à prostituição de portuguesas no Brasil.
O início do século XX foi um momento que representou uma reviravolta nas características da imigração portuguesa ao Brasil, uma vez que as mulheres passaram a representar uma parcela considerável dos imigrantes. A legislação portuguesa dificultava a migração de pessoas do sexo feminino, uma vez que exigia a emissão de passaporte e as mulheres dependiam da autorização dos pais ou do marido para imigrar.
A partir da década de 1890, verifica-se uma mudança no comportamento migratório português. As mulheres, que antes ficavam para trás, passaram a acompanhar seus homens na viagem migratória. Assim, a migração familiar e feminina portuguesa cresceu 41% entre 1891 e 1899 e 36% entre 1910 e 1919. Essas mulheres dividiam com seus maridos pequenos negócios, como padarias, bares e quitandas, trabalhavam como operárias, lavadeiras, costureiras, em áreas completamente diferentes das quais exerciam em suas aldeias de origem, muitas vezes tendo que trabalhar em jornada dupla para poder sobreviver e vencer os desafios no novo país de acolhimento.
A partir de meados do século XX os países de acolhimento se multiplicariam e as Marias de Portugal partiriam não apenas em navios rumo a outros continentes mas a “ salto” para cumprirem os seus fados em outros países europeus.
Apaixonadas, batalhadoras , honestas e com mãos abençoadas para toda obra
Na maior rede social da Internet, o Facebook, algumas mulheres criaram um grupo “ Mulheres Portuguesas na Diáspora” que se tornou um ponto de referência para relatos muito ricos de histórias de vida. Esse foi o ponto de partida desta comunicação que não pretende ser nada mais além do que um breve resumo do que está disponível no referido grupo. A pedido de algumas, o anonimato foi preservado. Há feridas cicatrizadas e outras que sangrarão para sempre. Em comum, uma fé inabalável e o amor por Portugal.
“ Me enamorei do filho do dono das terras onde os meus pais trabalhavam , e mal tive o meu filho deixei-o aos cuidados de familiares e vim tentar a sorte no Brasil onde moravam uns tios que me mandaram a carta de chamada. Vim trabalhar como babá, aqui as pessoas ricas gostavam muito de portuguesas para olharem pelos filhos. Sofri muito porque estava eu a criar filhos dos outros enquanto o meu , pobrezinho, sabe-se lá se tinha o que comer, o que vestir e o que calçar. Alguns anos depois conheci um “patrício” que tinha emigrado e era dono de um pequeno comércio. Nos casamos, fiquei a trabalhar com ele e tivemos dois filhos. Ele sabia da minha vida , do meu filho que tinha ficado em Portugal . Estourou a guerra em África e para que o meu rapaz não fosse para lá ele conseguiu uma pessoa que arranjou a papelada e ele veio para cá.O reencontro não foi muito bonito, nós não nos conhecíamos.Ele só ficou por cá três anos, conheceu uma brasileira com quem se casou e emigrou para a Venezuela. Nunca mais o vi, nunca mais tive notícias. Nunca retornei a Portugal e o Brasil a quem dei o meu suor e as minhas lágrimas, ficará também com os meus ossos.”
A.P., 85 anos, natural da Beira Alta, , emigrante no Brasil
“ Minha história começa quando o meu pai teve que emigrar no ano de 1968 quando eu tinha 7 anos. Para minha mãe não foi fácil ficar em Portugal com 4 filhos e de gerir uma casa de forno onde se vendia o pão alentejano , ter que peneirar amassar o pão e cozer e vender .Para meu pai também não foi nada fácil ter que ir para um país tão distante sem saber falar a língua. Ele sequer sabia ler e escrever ..Embarcou em Santa Apolonia com destino a Alemanha pois iria trabalhar para o porto de Hamburgo , um trabalho bem duro pois tinham que carregar muitos quilos às costas nada comparado com os dias de hoje que é tudo à força de máquinas. Entretanto foi para o porto de Bremen .Ai trabalhou mais uns tempos e como tinha uma cunhada no sul da Alemanha, em Donaueschingen ,ela arranjou ao meu pai um trabalho na fábrica onde ela trabalhava .Mais tarde por intermédio de um amigo conseguiu arranjar um trabalho na Opel em Bochum onde ficou ate a sua reforma ..Depois de estar estável mandou a minha mãe e uma irmã ir. Isso aconteceu em 1973 .Eu e os meus outros dois irmãos ficamos com os avós maternos , pois nos ainda andávamos na escola .Eu andava na altura no 2° ano do Ciclo. Deu-se a revolução de 1974 ainda fui mais os colegas festejar para as ruas com os cravinhos nas mãos.Em Agosto de 1974 meus pais vieram e levaram-me com eles para a Alemanha .No outro ano a seguir foram os outros dois irmãos e assim já estava a família toda completa .Vivíamos num prédio no quarto andar numa casa com um quarto , sala ,cozinha e casa de banho .Os pais dormiam no quarto , nós raparigas na sala e o meu irmão na cozinha .A partir daí a minha vida mudou totalmente de criança para mulher pois com treze anos ainda tinha o direito de ir frequentar a escola na Alemanha mas meus pais se opuseram e minha mãe levava-me com ela para o trabalho !!Ela ia fazer limpeza num hospital onde eu lhe ajudava , comecei eu a fazer tudo o que me vinha de trabalhos dos mais variados , em limpeza, trabalhei a fazer pizzas a cortar cebolas para fazer a carne no espeto, numa lavanderia a passar a ferro.Enfim de tudo o que me aparecia porque eu ainda era uma menor .Em 1978 conheci meu marido pensei em casar pois tinha na altura 17 anos .O casamento aconteceu em Dezembro de 1978 .E vim para a terra onde meu marido se encontrava pois ele sendo também um emigrante português e emigrado em 1971 .Começamos a nossa vida de casados trabalhando e economizando para fazer uma casinha em Portugal pois é o sonho de todos os portugueses um dia voltarem a sua terra natal. Assim se concretizou o sonho da casinha , tivemos dois filhos que estudaram em escolas alemãs, um com trinta e um ano que já casou e nos deu duas netinhas de mãe alemã e o outro com 28 anos. Hoje passados quase 38 anos e o marido 41 ainda continuamos na Alemanha pensando um dia regressar a Portugal quando tivermos a nossa reforma .Os nossos filhos estão cá ,vivem cá e agora estão as nossas netas !!!!Mas será que esse dia virá ou não ? Decisão difícil de tomar !!!!E só o tempo o dirá !!
Silvia Messias , 51 anos, natural de Beja , emigrante na Alemanha
“Sou emigrante desde a minha tenra idade de 3 anos...primeiro emigrei com meus pais para França... Aos 7 anos meu pai decidiu que eu deveria fazer a escola primária em Portugal e assim aconteceu...Aos 13 anos regressei de novo a França... Aos 19 anos conheci meu marido que vivia na Alemanha então casei e fui viver para a Alemanha...Ao fim de 20 anos de vivência na Alemanha ,a saudade do nosso Portugal bateu à porta e decidi ir viver para Portugal onde aguentei 5 anos... Agora há cerca de um ano e meio emigrei de novo para França onde continuo a viver e não tenciono sair... Aqui está mais um retrato rápido da emigração...”
Alzira Macedo, 43 anos, natural de Bragança , emigrante na França
“No dia 21 de novembro de 2007 vi me forçada a abandonar o meu país! Mas mais doloroso abandonar os meus preciosos: a minha menina tinha 5 aninhos e o meu menino tinha simplesmente 3 mesitos, mas para poder lutar por uma vida melhor para eles decidi vir para Inglaterra....As pessoas que me trouxeram só arranjaram trabalho para mim e não para o meu marido. Foi tão doloroso para todos nós....todos os dias ouvia crianças a chamar pelos pais e as minhas lágrimas simplesmente corriam cara abaixo de tanta dor e saudade...ao fim de um tempo consegui trazer o meu marido mas mais uma vez tive de deixar os meus bebes para trás (pois as pessoas com quem eu morava não queriam que os trouxesse) e então aí foram 4 meses sem os ver....Cada dia que passava tornava se mais impossível de viver sem eles......Sofri muito mas agora estamos todos juntinhos , graças a Deus! “
Claudia Fernandes, 32 anos, natural de Setubal, emigrante na Inglaterra
“ Todas nós sofremos por ter emigrado, não importa para onde. O meu pai emigrou com toda a família para a Argentina e para isso precisou vender uma herança que era da minha mãe, ela nunca o perdoou por isso. Acho que era o nosso destino mas perdemos a nossa identidade porque em Portugal somos emigrantes e onde moramos somos estrangeiras... então qual é o nosso país?? Só por isso já temos um pesadelo que nunca tiramos de cima dos ombros embora digam que as Mulheres vencem muitas batalhas. Mas sofremos muito, muitas vezes em silêncio, só Deus sabe o que sofremos . Conheci muitos portugueses aqui que, como eu, nunca mais voltaram a Portugal porque muitos não conseguiram ficar ricos, passaram tempos muito difíceis, alguns até fome passaram para conseguir juntar algum dinheiro. Sou professora de música e para não perder a minha nacionalidade portuguesa não pude dar aulas em escolas públicas ou privadas mas fiz parte de uma orquestra de música clássica e com ela me apresentei em vários programas de televisão. Um dia destes tenho que escrever um livro, é o que me falta fazer”.
N.C., 63 anos, natural de Aveiro , emigrante na Argentina
“Eu emigrei para a Austrália, sem nada, só com a minha roupinha vestida ...eu ,meu marido e o meu filho de 15 meses ao colo . Viemos com a minha irmã para enfrentar e recomeçar a vida sem saber o que nos esperava..o não saber a língua foi o problema principal. Deus nos ajudou , hoje já tenho 40 anos como emigrante e ja temos 3 netos . Penso que vamos acabar os nossos dias por aqui em Sidney , neste país que nos acolheu de braços abertos . Enfim, mas só Deus é que pode saber onde e como será o nosso fim, como se costuma dizer porque o dia de amanhã ninguém o viu e ninguém o sabe, portanto está nas mãos de Deus. Que Ele nos ajude a todos e nos abençoe!
Lucy Mendonça, 60 anos, natural da Guarda, emigrante na Austrália
“Emigrei para a França e fui morar com a minha irmã que era porteira num prédio da avenue Kleber em Paris. O meu cunhado trabalhava nas obras de saneamento durante a noite e assim sobrava lugar pra mim na cama com a minha irmã porque só tínhamos um quarto, com um lavatório que servia também de pia de cozinha e a sanita era um balde. O prédio tinha sete andares e nós morávamos no último mas não podíamos utilizar os três elevadores, subíamos a pé. Arranjei trabalho numa banca de frutas perto da Bastilha, acordava todos os dias às 5 da manhã, vida muito dura e depois que consegui a confiança do patrão que era da Argélia, passei a dormir nos fundos do comércio . Um lugarzinho pequeno mas que era o meu cantinho onde eu tinha a minha cama e as minhas coisinhas. Um dia um freguês perdeu a carteira com muito dinheiro junto das verduras. Eu encontrei e fui devolver não esperando nada mais do que um “ merci”. O dono da carteira era um senhor de origem judaica, dono de uma rede de lojas de tecidos nas proximidades de Montmartre e me convidou para trabalhar numa das lojas. Foi a minha sorte! Depois de alguns meses eu já me desembaraçava no francês e fiquei gerente nessa loja para depois de alguns anos ser gerente geral de mais de 20 lojas. No trabalho conheci o meu marido que é francês e que gosta muito de Portugal. Não tivemos filhos mas temos um casal de “ caniches” e muitos sobrinhos com que vamos todos os anos passar férias a Portugal. A França foi boa para mim, os franceses também e eu aprendi que a honestidade sempre compensa”.
Vitória Guimarães, 53 anos, natural de Braga, emigrante na França.
Bibliografia :
Arroteia, Jorge Carvalho, “A Emigração Portuguesa, suas origens e distribuição”, Editora ICALP, Lisboa, 1983 ;
Brettell, Caroline B. , “ Homens que Partem, Mulheres que esperam”, Editotra Dom Quixote, Lisboa, 1991
Ferreira, Cristina , “ Breve Olhar sobre a Imigração Portuguesa: Portugal Emigrante”. Lusitano: Jornal de Portugueses Residentes no Estrangeiro, 17 jun., 1998, página 2 ;
Lobo, Eulália Maria Lahmeyer, “ Portugueses em Brasil em el siglo XX”, Madrid, Editora Mapfre, 1994
Serrão, Joel , “A Emigração Portuguesa; Sondagem Histórica”, Editora Horizonte, Lisboa, 1982 ;
Foto : Foto de Passaporte de uma família portuguesa, 1992, “ Imigração Portuguesa no Brasil”, série Resumoe, número 5, Memorial do Imigrante, São Paulo, 1999
* Jornalista, brasileira , emigrante em Portugal desde 1974 e colaboradora do jornal Mundo Lusíada, publicação quinzenal editada em São Paulo.
MARIA FERREIRA
Membro do Comité de Jumelage Brunoy/Espinho
Vim par França em Outubro de 1962.
Já namorava há três anos o meu futuro marido, queríamos casar, mas os nossos pais não tinham dinheiro. Pedi, então ao meu irmão mais velho, que já estava em França, para me chamar.
Vim com um contrato para trabalhar num colégio particular de meninas que lá ficavam, dia e noite.
Estava cá há três meses quando fui ao consulado de Paris fazer o necessário para casarmos por procuração.
Depois, em Junho, fui pedir a carta de chamada e não ma queriam dar porque era a primeira mulher que queria mandar vir o marido (era sempre o marido que mandava vir a mulher). Eu respondi-lhes que havia um princípio para tudo e que, se me tinham dado autorização de casar civilmente, era normal que mandasse vir o meu marido.
Deram-ma, finalmente,e eu fui a Portugal, com os dois meses que tinha de férias do colégio, para casar pela Igreja. E viemos, então, os dois para França.
Depois, fiz vir o irmão e as irmãs do meu marido, os meus irmãos e também as minhas amigas, em nome dos irmãos delas, que estavam cá, mas não conheciam ninguém. Eu, no colégio onde trabalhava, conhecia muitas famílias que queriam criadas. E foi assim que começou a minha missão de ajudar os Portugueses.
Chegavam também famílias completas e homens sozinhos e eu arranjava-lhes trabalho e casa para mandarem vir as famílias. Aqueles que estavam realmente sós iam para as barracas nas obras onde trabalhavam.
Também tratava dos papéis, porque a maioria deles vinham ilegais. Como as pessoas falavam entre elas, tanto em França como em Portugal, eram cada vez mais numerosas a virem pedir ajuda. Até nas instituições francesas, (Câmara, serviços sociais, etc.) os empregados, que já me conheciam, mandavam os Portugueses ter comigo para eu os ajudar em diversos aspectos.
Foi assim que, ao longo dos anos, acabei por ajudar muitos e muitos Portugueses, que vieram para França.
O meu marido nunca me proibiu, ao contrário, apoiava-me e admirava-me por tudo o que eu fazia, porque também gosta de ajudar o próximo.
EDMUNDO MACEDO
Cônsul Honorário de Portugal em Los Angeles
A MULHER MIGRANTE
Tal como a própria História - nascente abundante e infindável de ensinamentos -, a Mulher Migrante - considerado o seu ânimo indomável, as suas inesgotáveis potencialidades e as vitórias que já alcançou - representa uma doutrina, um preceito, uma lição.
Dado o estímulo que exsuda da sua peregrinação e atentas as encruzilhadas e agressividade dos caminhos que percorreu, uma análise simplista à trajectória da Mulher Migrante Portuguesa - especialmente aquela a que chamarei activa - teria forçosamente de caracterizá-la hoje como infatigável empreendedora, arrojada conquistadora, um claríssimo exemplo de que poderão extrair-se ilações e até proveito, pois nela - como potencial emigrante - nada é acidental nem extemporâneo.
É do conhecimento geral que o fenómeno migratório português nos Estados Unidos se revelou de carácter masculino na fase histórica inicial.
Mais tarde, conseguida a indispensável habitabilidade, a mulher e os filhos vêm juntar-se ao chefe da família, daí resultando um “encasulamento”, uma fortalecida e fortíssima “cápsula”, pois oferece a todos outra tranquilidade, aos filhos a escola e a tutela paternal e em particular à mulher a opção de manter-se como dona do lar e mãe, ou de projectar-se no mercado de trabalho e assim garantir um segundo ordenado e em consequência maior segurança.
Neste quadro familiar sobressai, obviamente, o triunfalismo da mulher - que como 'o outro bicho-da-seda' veio dar o retoque final ao “casulo”, fechando-o hermeticamente e assegurando-lhe assim a necessária protecção.
A mulher migrante activa portuguesa nos EUA chegou sozinha, veio à aventura, entrou com enorme entusiasmo. São em número prodigioso os caminhos por ela calcorreados. Um dos mais notáveis e que talvez melhor figure como exemplo da sua determinação levam-na no princípio a encontrar trabalho humilde, a educar-se e a atingir posições de destaque no ambiente americano, inclusivamente trabalhos compensadores na burocracia, no ensino primário, secundário e até universitário.
Por outro lado, a mulher migrante a que chamarei passiva - de certo modo já anteriormente referida - chegou acompanhada do marido e nas situações mais comuns limitou-se em boa parte a formar um lar e uma família. Mostrou-se mais doméstica e conservadora do que o marido, impondo rígida conduta às filhas. Arreigada aos padrões e costumes tradicionais, raramente revelou interesse em familiarizar-se com a cultura estrangeira circundante. A sua importância no governo e estabilização da casa não poderá pôr-se em dúvida.
Num quadro urdido com atenção ao pormenor haveria de constar que de um modo geral as mulheres portuguesas nos Estados Unidos só esporadicamente se interessam por actividades cívicas ou políticas, enquanto a nível comunitário é visível o seu crescente interesse pela gestão das sociedades fraternais, quer portuguesas, quer luso-americanas. Trata-se de uma apetência que ganha e solidifica raízes e que a nível das sociedades fraternais coloca também a mulher a par do homem em situações de pura gerência e administração.
Por outro lado, em zonas mais prósperas das grandes metrópoles como, por exemplo, a imensa Los Angeles, houveram casais que se fixaram no trabalho doméstico auferindo apreciáveis condições de vida: salário, a importantíssima protecção à saúde, tecto e alimentos.
A este respeito - por parecer-me vir a propósito - cito o caso de um filho de um casal português ao serviço doméstico de senhora abastada - a mulher, a cozinheira-governanta, o marido, o motorista-mordomo - que usufruíu a sua formatura em Direito nos EUA a expensas da generosa patroa dos pais. Aqui, a mulher "cozinheira-governanta" volta a assumir posição da maior importância e do maior relevo.
Numa síntese ao percurso e aos motivos que levaram a mulher a emigrar seria imperioso considerar, entre outros, os tópicos e seguintes considerações:
RAZÕES PARA EMIGRAR
Indubitavelmente, a determinante é o sonho da melhoria económica. A emigrante portuguesa - em grande número chegada aos Estados Unidos de pequenos agregados populacionais dos Açores, Madeira e Norte de Portugal Continental - provém com frequência de ambientes de modesta auto-suficiência e o incentivo para sair é em muitos casos o seu denodo e noutros casos o exemplo do sucesso conseguido por familiares e conterrâneos.
PRIMEIRAS IMPRESSÕES NO PAÍS DE ACOLHIMENTO
Em regra predomina certa estranheza - senão mesmo rejeição - pelo novo estilo de vida, que por outro lado vai abrandando devido à inevitável crescente integração. Mais tarde, se a integração se realizar - que é facto frequente -, surge a preferência pelo estilo de vida do país de acolhimento, não sendo raro o gosto "empolado", ou a absoluta preferência pelo modelo local em prejuízo do antigo "modus vivendi" - que então é dado como antiquado e finalmente posto de parte.
Tratando-se exclusivamente dos Estados Unidos, subsiste à chegada uma admiração excessiva, quase até “assombro” perante o mundo tecnológico maravilhoso que subitamente "desabrochou", que emergiu como que no meio de um sonho, que surgiu repentinamente como uma miragem.
DIFICULDADES NA ADAPTAÇÃO
O mais intenso escolho e o que requer maior entusiasmo, afinco e trabalho é o domínio do novo idioma, que em muitos casos acaba por concretizar-se em prazo e de forma muito aceitáveis.
Fortemente traumática é a transição da lida doméstica ou do sector agrícola para o fabril, ou ainda quando tal transição se efectuou de um meio rural para um ambiente urbano, pois saltou-se do vazio e despovoado para um mundo ultra-competitivo, compacto, dimensionalmente gigantesco, muitas vezes atemorizante.
O NOVO TRABALHO
Nos casos de escolaridade mais avançada trazida de Portugal ou adquirida nos Estados Unidos, tornou-se comum o acesso ao sector comercial, burocrático ou educativo. Mantém-se, porém, mais frequente a entrada no sector industrial, especialmente têxtil, na Costa Leste, ou conserveiro na Califórnia.
FICAR OU REGRESSAR
Não é raro o desejo inicial de um regresso após alguns anos e a acumulação de certa riqueza. Tal desejo, porém, esgota-se após razoável aculturação.
São conhecidos casos de retorno ao país de acolhimento ante a constatação de um país natal fundamentalmente diferente do da época da partida: "Voltei e ao chegar à rua onde vivi, pareceu-me mais estreita, dando-me a ideia de que tudo havia encolhido!”
De um modo geral, a fixação definitiva no país de acolhimento tem sido norma.
A ambição de “descobrir” a América e particularmente a de “conquistar” Hollywood tem fomentado algumas situações de resultados felizes - que conheci de perto -, que têm fertilizado a esperança e ajudado a contrabalançar o pesadelo do revés emigratório.
Não duvido, porém, de que na fibra e no âmago da Mulher Migrante Portuguesa existe uma simbiose de metais tão preciosos como a valia e a audácia.
Que desde logo a recomendam para que concretize com êxito o gigantesco acto de emigrar.
34 - ANA MARIA PINTORA
o meu corpo é a minha pintura – ana maria
Vivemos num tempo, aparentemente, em que tudo foi dito nas artes e em quase todos os domínios. Nunca sabemos se desocultamos algo de novo ou não. Ainda assim, arrisco pensar que o tempo do discurso da autonomia feminina foi sendo substituído por uma desregulação da feminilidade, transformando a imagem/corpo da mulher numa espécie de negócio milionário que tudo vende. Sem conteúdo, usam-nos “ bonequinhas”, quase sempre seminuas. Se noutros tempos a nossa identidade estava consignada ao “consentimento” masculino, agora, esta obsessão pelo corpo é aquilo que nos assegura o estatuto social sobre o outro, sem o complexo do género, novidade do século XXI A diáspora continua, noutras viagens, por outros fins.
Foi neste contexto e refletindo esta confusão permanente entre ser/pessoa e ser
corpo/imagem que tentei salvar o corpo/imagem da artista criadora. A reflexão resultou de uma residência artística que fazia percorrer pelos lugares da cidade de Lagos, duas mulheres de férias ”Ó k`artistas de Férias no Algarve”( andrea inocêncio e ana maria). Apresentaram-se como não imagem, porque não correspondiam aos estereótipos da moda. Como anti consumo, recuperaram do baú as roupas guardadas, cheias de encanto. Construíram o figurino negando as convenções de beleza. A loucura das senhoras é inofensiva, está nas sugestões que oferecem, recriam imagens e rituais. Integram-se pela diferença, pelo excesso e originalidade. Os espectadores ficam com elas. Nesta Performance a comunicação desenvolveu-se não a partir de uma linguagem comum, vulgar (emissor - recetor), mas a partir de expressões simbólicas que estão no imaginário dos transeuntes. O acesso às figuras é simples, é quase um encontro de memórias. Primeiro são os olhos e a seguir o sorriso dos lábios. Gera-se um jogo encantatório. Quem gosta de quem. Será este o momento da evidência artística?
.“Percebo comportamentos imersos no mesmo mundo que eu habito, porque o mundo
que percebo arrasta ainda consigo a minha corporeidade, porque a minha perceção
influência os meus gestos sobre ele….”
Merleau-Ponty
V - NOVOS DOMÍNIOS DE AFIRMAÇÃO DA MULHER NA DIÁSPORA - CIDADANIA E CULTURA...
LAURA BULGER
Investigadora, CEL, Universidade de Trás-os-Montes e alto Douro
Agustina revisitada ... num relance
Hoje em dia, a maioria das histórias que se publicam, avulso ou em colectâneas, não têm propriamente um princípio ou um fim. Umas começam pelo meio, outras chegam ao fim e voltam ao princípio, como em círculo fechado, e a conclusão raramente é conclusiva. No que respeita aos contos de fadas, o clássico era uma vez e o (des)esperado happy ending são agora como as espécies em vias de extinção. Quem diria que, depois de reciclado, o conto de tradição oral e origem popular atingiria o estatuto artístico que agora se lhe reconhece ? E o que é ainda mais espantoso é que, tal como outras ficções mais ou menos curtas, tenha ultrapassado já a popularidade do romance, até há pouco tempo o género literário que colocava o escritor no patamar da grande literatura. Ninguém queria saber se o Tolstoy, a Austen ou o Stendhal escreviam historietas nas horas livres. O Eça, que as escrevia sozinho e a duas mãos, entretinha-se com outras pequeninas ficções, às quais chamava crónicas e cartas, supostamente enviadas de Londres. Quanto ao prolífico Camilo, sempre mostrou queda para a ficçãozinha, quer nos romances folhetinescos quer nas novelas. Mas bastava que fossem romancistas para que a crítica os recebesse com reverência, ainda que a recepção dispensada à tímida Jane fosse, como era de prever, menos efusiva em virtude de sensibilidades e preconceitos que nada tinham que ver com o género literário.
São vários os motivos que justificam a popularidade da ficção dita curta, a designação usada agora para, entre outras formas narrativas, a novela, o conto e a vinheta, de todas, a mais curtinha. Lêem-se relativamente depressa e, ao contrário da ficção dita longa - o romance -, não há que esperar pelo capítulo seguinte para saber o que vai acontecer, ainda que, na maioria das vezes, nada aconteça e, no fim, o leitor tenha de adivinhar o que poderia ter acontecido. Contudo, afirmar, como fez Edgar Allan Poe, que um conto se lê “de uma assentada”, é um exagero, além de dar a impressão de que, depois de lido, é como um assunto encerrado, o que não é verdade até porque Poe, que foi um dos primeiros americanos a trabalhar o conto, ainda hoje nos deixa arrepiados com algumas das suas invenções. Numa delas, o próprio narrador foge a sete pés da casa assombrada, depois de lhe aparecer pela frente o cadáver da Madeline, escondido num armário pelo irmão dela, um tal Roderick Usher ou coisa que o valha, que também morre, acabando assim, tanto a dinastia dos Ushers como o conto que, escrito por Poe, tinha princípio, meio e fim.
Por mais estranho que pareça, estas reflexões sobre a ficção curta vêm a propósito dos contos de Agustina, onde se antecipam ou retomam alguns dos temas e personagens romanescas, uma coincidência frequente na obra de outros romancistas que são, simultaneamente, contistas, como se dizia há uns anos atrás, para separar as águas. Em ambos os géneros praticados pela autora, surgem, por exemplo, o artista incompreendido que procura, geralmente em vão, um meio para comunicar a sua mensagem; ou a solteirona determinada em salvar da ruína a casa de família; ou o rapaz de olho “azulado” que lhe afasta os pretendentes, narrando, com requintes de malvadez, os rituais da matança do porco. Não só deixa os oportunistas sem pinga de sangue, como também os faz desistir da mão da mordoma, que assim fica livre para administrar as terras sem interferência de mão alheia. O campónio, agora de nome Avelino, faz-se passar por tolo e sempre que lhe fazem uma pergunta, responde com uma frase que até parece copiada do príncipe Hamlet: “Não digo que sim, não digo que não”. A duplicidade do estribilho, assim como a estranha relação entre o Avelino e a mordoma dão origem a várias ambiguidades próprias de um conto moderno, por natureza enigmático.
Para os que estejam interessados nas reciprocidades entre os dois géneros trabalhados pela autora, sugerimos que percorram as páginas de Contos Impopulares (1951-53), escritos numa bela prosa lírica e anteriores à publicação da incomparável A Sibila (1954), ou que folheiem A Brusca (1971), a colectânea com a qual a escritora regressa a um género que, na verdade, nunca abandonou.
Mas antes de entrar pelas histórias de Agustina, talvez seja oportuno dizer que o tamanho e a brevidade da ficção curta não chegam para explicar um fenómeno que transcende o das stories publicadas em revistas como o New Yorker, onde vários dos consagrados iniciaram a sua carreira como contadores de histórias ou storytellers. Não estamos a falar de uma americanice literária, embora se diga que o conto americano, sobretudo o minimalista, escrito à maneira de reportagem, seja, de facto, uma ficção made in the USA. Porém, há editores em outras partes do mundo que já começaram a compilar histórias deste ou daquele escritor, alguns também romancistas, vendendo-as depois, como se costuma dizer, por atacado, a um público ávido por ler não uma, mas uma colecção de “boas histórias”. Mas o que é afinal uma “boa história”?
Os jornalistas andam sempre à procura de uma “boa história”, ou seja, de uma notícia dada em primeira mão e com espalhafato jornalístico. Só que o scoop, como lhe chamam em inglês, não se alimenta de fantasias e, se o fizer, a notícia perde credibilidade. Esta questão não se coloca com a ficção, longa ou curta, em que tudo não passa de uma fantasia. Umas são mais fantasiosas do que outras, indo ao extremo de narrar situações inacreditáveis, como faz o Kafka naquela história em que o Gregor Samsa, sem dar por isso, se transforma num insecto repugnante e se vê abandonado por toda a gente, incluindo a própria família. Até o leitor mais céptico fica impressionado com o pesadelo do rapaz e não resiste a perguntar-se: E se uma coisa como esta me acontecesse a mim?
Isto só dá razão aos que acreditam que uma “boa história” poderá dar-nos um murro no estômago ainda mais violento do que o romance e, como vemos aqui, explorar obsessões que, de outro modo, nunca viriam à superfície, satisfazendo, por outro lado, o voyeurismo dos que são atraídos pelo insólito, o grotesco ou o fantástico. À semelhança do thriller, favorece a libertação dos medos que nos atormentam, com a vantagem de não termos de recorrer à psicanálise. É evidente que nem toda a ficção curta mexe com os estados de alma do leitor, mas não se pode negar que o género se ajusta ao psiquismo de uma sociedade como a nossa, exposta continuamente às cenas escabrosas do directo televisivo e às inovações tecnológicas que ameaçam exterminar o prazer táctil do livro de papel, falando-se já do “canibalismo” do livro digital. Num clima contaminado por tanta suspeição, seja devido aos degelos antárcticos, seja às burlas financeiras, parece haver, cada vez menos disponibilidade ou mesmo inclinação para longas e densas tramas romanescas.
Existem, no entanto, paraísos literários, como Portugal, onde o leitor ainda se deleita a ler um bom romance, escrito à maneira de Agustina. Desta vez, não vamos falar dos romances, mas das histórias da autora, cuja releitura também nos leva sempre a descobrir alguma coisa que nos tinha passado despercebida antes. É possível que, numa primeira leitura, tivéssemos prestado pouca atenção ao modo como a romancista se adapta aos constrangimentos da ficção curta, ora mais a jeito de conto, ora de novela, com uma ou outra vinheta em tom ensaístico pelo meio. Não se julgue que escrever ficção em miniatura dá menos trabalho do que escrevê-la em tamanho grande. Não se trata de uma arte menor vis-a-vis outra maior, como nas redondilhas. Para além da economia narrativa, já que a história está como que comprimida em poucas páginas, há também um número reduzido de personagens; a linguagem torna-se ainda mais sibilina, as ambiguidades, mais frequentes, culminando com o chamado fim em aberto, com o leitor a concluir a história como quiser. Não é nenhum rasgo democrático por parte do autor, mas uma tendência do conto moderno, enquanto que, no antigo, nada ficava por resolver, o que nos deixava a nós, leitores, muito mais tranquilos. E o que dizer das figuras anónimas que aparecem sem que se perceba bem como e porquê, e que, sem pronunciar ou fazer coisa nenhuma, desaparecem como por encanto?
Lembramo-nos daquela provinciana que toma um comboio para o Porto e que, durante a viagem, não diz uma única palavra, causando mal-estar entre os quatro estudantes que ocupavam a carruagem. Pela conversa com a “moça”, a quem manda comprar maçãs, já da janela do comboio, sabemos que estará de volta no dia seguinte, pela noitinha, embora nada diga à rapariga sobre o motivo da ida à cidade. Entretanto, os quatro jovens vêem-se obrigados a partilhar o mesmo espaço com a mulher, ainda nova, bonita e sem pinturas na cara. Apesar de a tomarem por pessoa “honesta”, na óptica dos rapazes, a provinciana é uma “intrusa” que, ainda por cima, parece não dar pela presença deles, que já seguiam na carruagem. O alheamento da mulher torna-se ainda mais evidente logo que, depois de arrumar a bagagem, se senta no lugar e come o “rebuçado de avenca” com a boca distorcida, como se a “alma” se lhe tivesse voado do corpo que, no entanto, tem os pés firmes na terra.
O leitor, que tem o privilégio de ver a provinciana por dentro, sabe o que lhe vai na cabeça, tendo a impressão de que a vê pensar em voz alta. A mulher está imersa no seu pequenino mundo, isto é, preocupada com as doenças dos filhos, crianças atreitas a toda a espécie de mazelas, e com as tarefas a decorrer durante a sua ausência na casa de lavoura, das que ainda conservam a “prensa do vinho” e a “chaminé conventual”, onde se cozinha a lenha. Por isso, de nada valem os remoques dos quatro viajantes, nem mesmo quando um deles vem com a ideia da carruagem segregada, onde os homens não tenham de respirar o ar “envenenado” pelas mulheres. A observação, feita para espicaçar a provinciana, não deixa de revelar o preconceito de uma cultura, digamos, tão primitiva como a dos patriarcas bíblicos, a qual, graças a Deus, se vai desenraizando da tradição na qual tem estado enraizada.
A provinciana, que continua a velar pela sua “fazenda”, ignora o dito do rapazote e, lá no íntimo dela, “ouve” os “passos” “do marido, do pai e dum amigo”, certamente figuras tutelares não apenas das suas rêveries, como também do seu quotidiano. A espreitadela à mente da desconhecida é demasiado rápida e circunscrita à sua domesticidade, não dando para ver as demais faces desta Eva oriunda da burguesia rural, as quais permanecem como faces ocultas. Ninguém espera que numa ficção curta como esta se reproduzam torrentes de pensamentos à deriva, como fez o James Joyce num romance tão extenso como o Ulysses, pondo a Molly, no fim, a pensar em tudo o que lhe vinha à cabeça. Nem a provinciana teria, supomos nós, um passado e um presente tão desinibidos como os da irlandesa, cujos pensamentos provocam, ainda hoje, um certo embaraço nos círculos mais circunspectos, sobretudo quando aquela sucessão de “sins”, no final, são repetidos por uma Molly bastante sexy, como já se tem visto, tanto no teatro como no cinema.
Mas voltemos à provinciana. Chegada à Invicta, a mulher prepara-se para sair calada e muda, indiferente a que o comboio venha “à tabela”, pormenor que um dos jovens faz questão de referir em voz alta com o intuito de a provocar novamente. Ela acerta o relógio de pulso, acusando, pela primeira vez, a presença deles, mas, como até ali, faz-se de mouca. A história termina com umas considerações acerca da frustração dos rapazes perante a indiferença da desconhecida que, com o gesto inconsciente, confirma a sua decisão “inabalável” de não perder tempo com superficialidades, muito menos com as graçolas dos quatro metediços. O fim em aberto deixa antever que a provinciana virá a perder-se por entre a multidão urbana e que os futuros licenciados seguirão para Coimbra, onde vão fazer exames de frequência, não sabemos de quê.
Ora aqui está uma “boa história” não tanto pelo que conta, mas pela maneira como conta o percurso das personagens. Apesar de não ser como a versão perversa do Capuchinho Vermelho, da Angela Carter, nem os quatro rapazotes representarem o lobo mau ou a provinciana, a inocente, o relato da viagem causa uma certa tensão no leitor, receoso de que alguma coisa desagradável venha a acontecer se, por acaso, eles ultrapassarem os limites da boa educação e a mulher, desperta do seu transe, sinta que tem de dizer ou fazer alguma coisa para os pôr na ordem. Felizmente, a viagem é curta e, no fim, cada um vai à sua vida sem incidentes, ou assim se conjectura. Mas fica-se como que a ruminar durante algum tempo sobre a “aventura” da provinciana, cujo nome nem sequer conhecemos. Ainda que vista por dentro e por fora, passa tudo num relance e a mulher afigura-se tão enigmática no fim como no princípio da história. O que a teria levado até ao Porto? Uma consulta com o médico? Uma escritura no notário? Um encontro com alguém especial? Teria passado a noite num hotel da Boavista ou em casa da família, na Foz? Estaria assim tão desejosa por regressar ao seu aconchego de castelã rural, para tratar as “dermatoses” dos filhos, fritar os “rissóis” e provar “as sanefas das janelas”? Nunca chegaremos a saber se viagem ao Porto foi um momento decisivo na vida da provinciana.
Os desfechos propostos por Agustina deixarão insatisfeito o leitor que estiver à procura do happy ending ou da moral da história, geralmente implícita numa metáfora. Mas não é apenas isso. Também causa perplexidade a “falta de transparência”, como se diz por aí, as insinuações, as frases indecifráveis, a aura misteriosa das personagens, enfim, todas as ambiguidades criadas em torno de uma história que chega ao fim sem solução à vista. Curiosamente, ficamos suspensos de qualquer coisa, um pouco como nos filmes do Hitchcock, e lemos a história, mais do que uma vez, à procura do que lhe parece faltar para que faça sentido. Mas não será o mesmo que fazemos no nosso dia-a-dia, quando nem um sexto sentido ajuda a perceber o que se passa à nossa volta?
Num outro conto, começa-se por teorizar sobre a “boa história” que narra a “consciência da nossa individualidade”, algo tão extraordinário que, diz-se, só um artista consegue “desvendar.” Depois da introdução um tanto ensaística, passa-se da teoria à prática com o início do relato. Como nos romances, narram-se os antecedentes do Gil e só depois aparece o Gil, um bastardo criado por mulheres infelizes que vão envelhecendo e morrendo nos seus “viveiros”, deixando o rapaz em completa orfandade e com escassos meios de sobrevivência. Anos depois - o tempo passa em dois ou três parágrafos -, o Gil faz-se poeta, quer dizer, um poeta que não “devia escrever versos,” e encontra a Lucinda, uma pianista sem “espaço” senão “para sonhar”. A história termina com a hipotética ligação amorosa entre os dois artistas falhados. Porém, não fica claro se o Gil e a Lucinda vão caminhar juntos ou separados para o resto da vida, se encontram uma terceira via, seguindo “ora mais distantes, ora lado a lado”, como se diz à maneira de final, ou, ainda, se conseguem desvendar a “consciência da individualidade”, o enigma aflorado no princípio. A conclusão será, pois, a que cada um muito bem entender.
Não há dúvida de que o leitor está a ser manipulado por uma contadora de histórias que, desde há muito, pratica a arte ancestral do conto, como se nota através dos vestígios de oralidade espalhados aqui e ali. No momento em que o Bráulio, invejoso da mulher, com quem disputa a companhia de intelectuais e artistas, pensa no convidado escondido debaixo da mesa, entretanto desaparecido, a voz da narração interrompe os pensamentos do Bráulio e, como se estivesse a falar para uma vasta audiência, exclama: “Adeus, senhores, acabou-se o conto”.
Tal como era contado antes, o conto já não conseguia arrebatar o leitor sofisticado, perdido, na altura, nos emaranhados do romance. Daí a necessidade para as inovações, entre elas, a da conclusão inconclusiva, emprestada ao Chekhov, um dos mestres do conto moderno. Há, no entanto, quem prefira o realismo do Maupassant, menos dado a ironias e a ambiguidades. O russo é, contudo, o mais citado pelos modernistas para justificar os modernismos que eles próprios iam trazendo para a ficção, longa e curta, esta muitas vezes prolongada em forma de romance. Veja-se o caso da Virginia Woolf que começou por escrever uma historieta, à qual deu o título de Mrs. Dalloway, e que depois acabou naquilo que se viu, um dos romances mais badalados da escritora inglesa.
Agustina domina os dois tipos de ficção com igual à-vontade e muitos dos seus romances são colectâneas de pequenas ficções ligadas, entre si, por variantes de uma personagem ou de um tema, como já tentámos provar em qualquer lado. Não nos parece estranho que a voz narradora faça questão de mostrar que conhece as regras do jogo, não vá o leitor distrair-se e pensar que, em vez de uma historieta, está a ler um dos romances. Mas nunca vai ao ponto de exibir o know-how teórico com que certos autores pós-modernos procuram deslumbrar o crítico literário. Longe disso. Fica-se pelo número limitado das personagens na história: “Eram apenas dois os personagens que estavam previstos nesta história ... O terceiro personagem pode estragar tudo...”. A alusão é tanto mais irónica se tivermos em conta a multidão de figuras e figurantes dos romances, tantos que o leitor tropeça nos nomes deles e tem dificuldade em distingui-los.
Noutra ocasião, finge não dar ouvidos a boatos ou mesmo à “boa fonte” que, na província, diz incluir “as maiores sevícias morais, as maiores depredações da dignidade humana”. Ironicamente, na história sobre o Camilo Timóteo, afirma que o “desastre físico” do homem vem de “boa fonte”, embora não a identifique, como fazem os jornalistas, até os mais referenciados. Apesar das “sevícias” e “depredações” da “boa fonte”, lá vai dizendo que os filhos da Tília, a prostituta que coabita com o Camilo, não são dele, e que o Camilo os baptiza com os nomes dos seus antepassados, escolhendo um dos rapazes para seu legítimo herdeiro. Camilo morre de velho, na miséria e, por força das circunstâncias, estéril. Era o segundo dono da Brusca, um antigo solar urbano comprado a um senhor d’Além, cheio de pergaminhos, mas falido. Resumindo, destruída pela filharada vadia da Tília, a casa estava em tão mau estado que nem um novo-rico como o Monteiro Branco, que a comprou por tuta-e-meia, conseguiria fazer do “pardieiro” uma pousada para turismo rural, a menos que trasladasse a casa, pedra por pedra, para o litoral ou para o estrangeiro, tão longe como a Suíça, onde o Branco devia ter feito bom dinheiro. E a história termina com um comentário que só um leitor bastante ingénuo poderá levar a sério: “Mas diz-se muita coisa, e há sempre quem exagere”.
Para além dos aspectos formais, as contradições, as ironias, as ambiguidades e tudo o resto, também são evidentes os sinais de mudança numa província - pois estamos a falar dos contos sobre a província - que, devido à emigração e ao êxodo para os centros urbanos, viria a desertificar-se e, mais tarde, a urbanizar-se, um processo de transição que deixaria marcas profundas na ficção, tanto na longa como na curta.
O cinema é outra das causas de mudança, por mostrar ao espectador outros mundos e outras gentes e despertar, às vezes, sonhos irrealizáveis, como se vem a descobrir numa outra história, onde, antes de terminar, a voz da narração declara, usando o sempre envolvente “eu” colectivo: “Mas nada temos já a acrescentar a esta história”. Acontece que, pouco antes, tinha dito que o David, ou alguém parecido com ele, teria sido visto a passear-se pelas ruas da cidade, possivelmente no Porto. Mas tanto diz que “era bem ele”, um David já míope e de cabelos “mais raros”, como, logo a seguir, duvida do que disse: “não podemos jurar”. Ora ninguém faz fé no que se diz e deixa de dizer ou no que se pensa que é e não é, uma das características desta voz narradora, que também passa o tempo a reflectir sobre o escreve, muito à maneira dos pós-modernistas, que vão sempre cogitando sobre a ficção da ficção, com o pretexto de escrever metaficção.
Mas, como íamos dizendo, a revelação feita quase no fim da história, espicaça a curiosidade do leitor em relação ao David, o sobrevivente de uma tentativa de suicídio, numa daquelas tragédias camilianas que ainda hoje fazem as primeiras páginas dos tablóides. Supõe-se que o rapaz se tenha sentido desorientado, ou culpado, por ter escapado da morte, enquanto a mulher amada, atingida “com duas balas no peito” se foi desta vida para sempre.
A defunta era, por seu turno, viúva de um juiz que tinha falecido “em pleno vigor físico,” em vésperas de uma promoção judicial, deixando vários casos por julgar e a mulher, a braços com os nove filhos, dos onze que tinham produzido. Órfãs de um magistrado de província, as crianças seriam criadas como burgueses “pelintras,” vivendo de dádivas e dos fiados, na quase clandestinidade de uma casa de “sobreloja.” O que destaca esta viúva de outras em circunstâncias análogas é a paixão serôdia da mulher - descrita como “gorda”, de “bandós a picarem de cinzento” e “já sem juventude” - pelo David, um rapazinho vindo “das Ilhas,” colega dos filhos mais velhos, com quem ela, segundo constava, encontrou a “felicidade.”
Ou porque não aguentassem a condenação colectiva de um meio provinciano, ou porque os incomodasse a reprovação dos filhos dela, o facto é que os dois amantes resolveram suicidar-se ao mesmo tempo. Não nos devemos preocupar demasiado com as motivações das personagens, como seria normal num romance, onde as causas e os efeitos são importantes para que se entenda o enredo. Aqui, onde nem sequer há enredo, a falta de lógica é perfeitamente aceitável. O que conta é o gesto dos dois amantes, o qual os iria pôr ao nível de outros trágicos amorosos, não tivesse o rapaz sobrevivido, e não fosse a viúva alguém que, para além dos “belos olhos,” não tinha mais nada por onde se lhe pegasse, como se costuma dizer.
O caso dos amantes, com o seu quê de tragicomédia, foi esquecido rapidamente por todos, a não ser pela mestra loura que, tal como a provinciana e a viúva, não tem nome. A mestra não conseguia esquecer a paixão fulminante da defunta, tendo sido ela quem revelou, em primeira mão, que a viúva tinha um amante. Talvez o tenha feito por inveja da mulher que, apesar de “insignificante” e um “tanto estúpida”, se tinha redimido através do amor, acabando por merecer a “aprovação” da mestra que, para além de romântica, era cinéfila.
À medida que a história avança, damo-nos conta de que a figura central não é a viúva, mas a mestra “oxigenada,” para quem a experiência amorosa da outra faz ressaltar o vazio da sua vida, limitada à docência rotineira de uma escola de província. Apesar de ter sido bela e de se ter feito “letrada,” a professora não arranjou marido à sua altura e teve de se contentar com um merceeiro “mesquinho” lá na terra, homem incapaz de pensar noutra coisa senão no dinheiro das vendas.
Também, aqui, nos é dado ver a mestra por dentro, enquanto corrige os trabalhos dos alunos pela noite fora, à luz amarelada da “lampadazinha” que torna ainda mais amarela a sua “cabeça oxigenada”. Vê-se que ela gostaria de ser como as vamps que apareciam nos cartazes da época, “a Brigitte, a Helm, a Marlene”, ou, pelo menos, viver uma paixão tão intensa como a da viúva pelo David, figuras que faz ressuscitar através da memória. Ao mesmo tempo, pensa na filha, a Loló, bonita como ela e, como ela, mal casada, cada vez mais obesa e provinciana, embora fosse prendada e tivesse aprendido a dançar o charleston, para quem não saiba, uma dança amalucada importada da América. A mestra sente inveja não só da viuvez feliz da viúva, mas também da orfandade burguesa dos filhos da viúva, gente “fina” e com oportunidades na vida que a sua Loló nunca teria, apesar de filha única, de pais ainda vivos e, ao que parece, abastados.
Não sabemos o que irá ser a vida da mestra de aqui em diante, mas é possível que, aos domingos, continue a dar uma ajuda no cinema, possivelmente negócio do marido. Põe de lado os trabalhos de casa dos alunos para vender bilhetes e “pastilhas Naval” à garotada que se acotovela para ver os westerns, com sheriffs e um cowboy valentão como o Tim McCoy, antes de o actor enveredar pela televisão. É com os miúdos que ela descarrega o azedume acumulado durante toda a semana, repetindo sempre o mesmo impropério: “Raça!”
O leitor sente compaixão por esta mulher, que já não é nenhuma rapariga loura, e que vê os anos a passarem sem que nada de extraordinário lhe aconteça na vida. Não teve a sorte da viúva que, embora não passasse por viúva alegre, morreu satisfeita, vivendo um grande amor. Nem lhe reconheceram o glamour das Bardots, que pertenciam ao mundo das fitas, fora do seu alcance. Enquanto o David, ou alguém parecido com ele, revisitar a sua memória, é possível que a chamazinha se reacenda, ajudando-a a suportar as tarefas rotineiras da sua docência.
Nesta história, mistura-se a raiva com a inveja, o amor com o desamor, o preconceito de classe com a maledicência, o grotesco com a ironia, tudo visto, num relance, e na perspectiva da mestra, enquanto corrige os trabalhos dos alunos, ao lusco-fusco da lâmpada de mesa. No romance, assim como no cinema, a vida inteira da mulher oxigenada rolaria perante os nossos olhos, mas ninguém pode garantir que se visse tanto como se vê nesta história sobre a mestra loura.
Quem escreve ficções como esta, conhece bem não só o género, mas também o género de audiência que tem pela frente, a quem lança, com ar trocista, um desafio como este : “Se julgam que vou contar-lhes uma história de Natal, com pinheirinhos, presépios e neve fingida, estão muito enganados”. E depois da piscadela de olho, narra a história da mulher estafeta com o “belo casaco cor de pêlo de boi”, que chamava “ele” ao amigo, e que se referia ao marido como “o meu”. Para quem quiser saber mais acerca deste pombo-correio, no feminino, terá de ler a ficçãozinha do princípio ao fim, embora, no fim, se volte ao princípio.
LEONOR XAVIER
Escritora
Novos Domínios de Afirmação da Mulher na Diáspora:
1. Antes de mais, sinto-me feliz por participar neste painel do Congresso em que muito justamente se reconhece e se refere e se distinguem e se evocam as mulheres portuguesas no mundo, e a sua crescente expressão nos planos da cultura e da cidadania. Nas questões de identidade e de intervenção cívica e política. Na preservação da memória e da língua portuguesa.
No Encontro de Estocolmo, em Março de 2006, entre as conclusões sobre a condição das Mulheres Migrantes se diz que é preciso em Portugal distingui-las, reconhecê-las, apoiá-las. Falar do seu nome e da sua obra. Tomo, assim, por exemplo de militância de cultura e cidadania, os casos de três mulheres cidadãs portuguesas e brasileiras, figuras públicas de obra feita e pensamento singular.
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES - economista, nasceu em Aveiro em 1930, emigrou para o Brasil em 1954, pediu a nacionalidade brasileira em 1957. Professora emérita, ou jubilada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é colega do Presidente Fernando Henrique Cardoso e líder de uma geração de economistas consagrados, foram seus alunos os dois candidatos à Presidência na última eleição no Brasil, Dilma Roussef e José Serra. Em Abril de 2011, festejou os seus 80 anos com 200 convidados na Casa do Minho no Rio de Janeiro, é torcedora do clube português de futebol, o Vasco da Gama. Dela, disse Dilma: “A Conceição é uma amiga e uma grande professora. É uma guerreira. Devemos agradecer a Portugal por ter-nos presenteado com essa brasileira.” Conceição Tavares, que empolga multidões de estudantes, em entrevista à televisão do Senado em dez de 2010 definia a economia como “o instrumento para melhorar social e politicamente uma nação” e aconselhava os jovens economistas: “Aprendam História, porque o modelo matemático não serve.”
RUTH ESCOBAR - atriz e produtora teatral, nasceu no Porto em 1936 e foi para o Brasil em 1951. Foi uma das figuras mais atuantes da cultura brasileira, polémica, intensa, lutadora, casada três vezes, mãe de cinco filhos. O seu nome está inscrito nos movimentos teatrais de vanguarda, e na coragem de fundar o Teatro Ruth Escobar em 1963, em São Paulo. Celebrizou-se na reação contra a ditadura militar e desafiou os setores mais conservadores da Igreja. Feminista e defensora dos direitos das mulheres, liderou a Comissão das Mulheres em Brasília, e foi duas vezes deputada estadual em São Paulo. Condecorada por Portugal e pelo Brasil, em 1998 recebeu a Legião de Honra do governo francês.
MARIA ADELAIDE AMARAL- jornalista, escritora e dramaturga, nasceu em 1 Julho de 1942 Distrito do Porto. Chegou a São Paulo em 1954, hoje é uma personalidade distinguida na inteligentzia brasileira, Em 1970, começou a trabalhar na Editora Abril Cultural, nos dezasseis anos em que foi jornalista na Abril, viveu momentos intensos, empenhou-se em causas, conheceu e conviveu com figuras memoráveis da sua geração. Autora de ficção televisiva, já nos anos 2000 adaptou Os Maias, de Eça de Queiroz para a televisão e O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago, para o teatro, demonstrando assim o seu directo envolvimento com a cultura portuguesa, que sempre considerou sua matriz de leitura, escrita e formação, no Brasil. Solidária, acredita que a inclusão dos desfavorecidos decorre da arte, da educação e do desporto. Tem sido reconhecida, contemplada e prestigiada pelos mais importantes prémios de Teatro no Brasil. A sua obra literária tem destaque editorial, e as suas autorias de ficção em televisão, são referência para a memória a contemporaneidade brasileira. A sua ligação à cultura portuguesa, activa e actual, manifesta-se pelas relações pessoais, pelos projectos criativos, pela proximidade de afectos e emoções.
2. Não posso falar de Mulher na Diáspora Portuguesa sem a integração da atualidade num contexto mais amplo. Contexto ou cenário múltiplo, acumulado de exemplos de afirmação, de casos e contos, que exprimem o fio tecido ao longo do tempo, as esperanças, os desencontros e sobressaltos no percurso das mulheres que na diversidade das suas circunstâncias partiram para um mundo diferente, na condição de emigrantes.
Para me situar, procurei os estudos e os números. Não os entendo apenas como dados objetivos, mas vejo-os como retratos de uma família movimentada em acidentes de percurso que é a nossa, a condição dos portugueses, desde sempre itinerantes e divididos entre os que ficam e os que partem para sim ou não regressar. Guardo o pensamento de Agostinho da Silva sobre a missão messiânica de Portugal no mundo, pergunto-me se o seu imaginado reino do Espírito Santo é glorioso destino de sucesso, ou destino de lonjura, desgraça, pobreza.
De acordo com os dados das Nações Unidas, três por cento da população mundial, ou 150 milhões de pessoas, vivem e trabalham fora do país onde nasceram. Neste quadro, Portugal é o segundo país na União Europeia, depois da Irlanda, com maior número de emigrantes, 19 por cento da população residente total. E ainda ocupa o vigésimo segundo lugar no elenco de países com maior emigração no mundo. Portugueses nascidos em Portugal a viver fora são cinco milhões, e contando com luso-descendentes são 15 milhões os cidadãos de matriz portuguesa em todos os continentes, como o demonstra o Atlas das Migrações Internacionais.
Reconstituí, a seguir, a chamada antiga emigração do séx. XIX para o Brasil e os seus vestígios na literatura, retomei a notável coletânea de textos A Emigração na Literatura Portuguesa, organizada por A.M.Pires Cabral para a Secretaria de Estado da Emigração em 1985 (exemplo de serviço público, assim formalmente concretizado).
Continuei pelos anos 50 e 60, revejo os motivos da partida para os países da Europa e das Américas, os Estados Unidos, a Venezuela, o Canadá e , ainda, o Brasil A pobreza, a idade militar para a maioria dos emigrantes que hoje tem filhos nascidos fora de Portugal, e para muitos, a naturalização no novo país. Ou o exílio político para os emigrantes temporários, para os ameaçados ou perseguidos pelo regime, para os desertores que iriam regressar depois do 25 de Abril. Para todos, a oportunidade de trabalho, de negócio, de sobrevivência. A valorização pessoal e profissional. Para as mulheres, o entendimento das diferenças e a inteligência do mundo. O espaço da rua a ampliar o espaço da casa, como o antropólogo Roberto da Matta poderia definir a experiência do público e do privado, nos percursos de vida.
Segui os anos 80 e a rotas alargadas para outros países da Europa unificada, com o entusiasmo dos novos conceitos, das grandes mudanças a acontecer. E os anos 90, com um fluxo de 20 mil partidas anuais, mais do dobro apurado, em média, na década anterior. A Queda do Muro de Berlim e a reformulação do mundo, a propor diversidade de destinos, culturas diferentes. As experiências universitárias, a circulação de quadros qualificados, as itinerâncias dos emigrantes temporários, maiores para os homens do que para as mulheres. Reparei, como exemplo, que nos Estados Unidos havia cerca de 210 mil emigrantes nascidos em Portugal, pouco qualificados, e uma população de origem portuguesa de mais de 1,5 milhão de luso-americanos. No Canadá, mais de 210 mil nascidos em Portugal, e mais de 400 mil luso-canadianos.
Já nos anos 2000, a globalização a encurtar as distâncias e a agilizar as oportunidades. Nos últimos cinco anos, houve uma média de sete mil portugueses naturalizados em França, houve mais de quinze mil por ano a emigrar para Espanha, e na Suiça estabeleceu-se a segunda maior comunidade de estrangeiros, com 200 mil emigrantes portugueses. No mesmo período, foram doze mil a emigrar para o Reino Unido e dez mil para Angola, novos destinos. O Reino Unido, a propor graus universitários superiores, trabalho em comércio e restauração, investimentos em pequenos negócios. Angola, um destino aventuroso, desafiante, prometedor. E até para a Islândia, em 2010, há o registo de 22 portugueses a escolher este país, para mudar de vida. No extremo oposto do mundo, China e Macau, foram a escolha de outros 131.
Vistas as generalidades, de qual mulher se fala, quantas mulheres portuguesas são emigrantes? Calcula-se que nos primeiros anos do séc XX elas fossem cerca de 30 por cento nas comunidades emigrantes em São Paulo. Mulheres destinadas a bordéis ou à procura de casamento, pobres, mães solteiras ou órfãs, ou, em menor número, mulheres bem nascidas, senhoras de casa, praticantes de religião, dedicadas a obras de caridade.
De acordo com a Pordata, Base de Dados de Portugal Contemporâneo, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, entre 1992 e 2003 deixaram o país 6395 mulheres e 20613 homens, como emigrantes permanentes e temporários. No período anterior de 1960 a 1992, não há dados a diferenciar os géneros, o que poderá significar que só há vinte anos se atribui alguma importância à condição das mulheres e ao seu desempenho na expressão da cultura portuguesa no mundo. Na atualidade, vão sendo pingados mais pormenores. Leio, por exemplo, que no Reino Unido 53 por cento dos emigrantes são mulheres pouco qualificadas e que em Espanha são 39 por cento as mulheres, porque há recrutamento maioritário de homens para os escalões mais baixos da construção civil.
Hoje, as mulheres portuguesas deixaram, em absoluto, de corresponder ao modelo da dedicação exclusiva ao casamento, à maternidade, ao serviço e ordenamento da casa. Quando emigram, libertam-se dos parentescos e vizinhanças que tantas vezes ainda nas suas terras de origem as condicionam. Nos países de destino, as menos qualificadas valorizam-se e ganham conhecimentos para melhorar a sua condição no trabalho. Aprendendo auto-estima e concorrência, lutam por funções de chefia, querem alcançar lideranças, anular as desigualdades.
Crescendo na sociedade, descobrem-se a conviver com o diferente, tomam consciência de justos direitos adquiridos, experimentam a partilha de tarefas domésticas. Elas tomam cuidados de saúde, seguem métodos de planeamento familiar, acompanham a adaptação dos filhos aos códigos da sociedade onde passaram a viver.
Em casa, elas falam português. Mantêm os rituais, celebram as datas, transmitem saberes e memória. Frequentam os clubes e as associações portuguesas, alinham em causas cívicas, tomam partido em momentos de campanha eleitoral, a sua opinião é reconhecida.
No seu maior ou menor espaço de ação, estas mulheres são agentes culturais e praticam a cidadania. Seja na realidade do novo país, seja nos espaços reinventados de Portugal, seu país de partida assim recriado. Na emigração portuguesa, há uma prática de cidadania assente na vida das diversas comunidades no mundo. As associações, as casas regionais, os clubes são espaços cultura e cidadania.
A maioria das mulheres que em tempos passados obedeceram aos maridos e mudaram de país para sobreviver, deixaram um destino de pobreza e têm hoje um estatuto de qualificação superior. Vivendo em sociedade, são responsáveis e conscientes quanto à sua condição e identidade, e assim intervêm. Por isso, muitas têm merecido prémios e condecorações, são eleitas para a política local, têm nome reconhecido nas suas comunidades, nas cidades e no país onde vivem e trabalham.
As novas gerações têm formação e curriculum universitário, há mulheres portuguesas de carreira nas ciências humanas, na iniciativa privada, na investigação científica. Às mulheres emigrantes definitivas e aos luso descendentes, acrescentam-se as emigrantes temporárias, peregrinas de vaivém no mundo globalizado. São portuguesas altamente qualificados ou em processos de pós graduação universitária, de estágio ou aperfeiçoamento profissional, atentas às oportunidades do vasto mundo em movimento.
Elas distinguem-se nas ciências, nas artes, no desporto. Conhecem as novas tecnologias de comunicação, frequentam as redes sociais, sabem de tecnologia digital, instrumentos inteligentes de cultura nas sociedades contemporâneas, assim definidos no passado mês de Outubro, no Fórum Cultural reunido em Bruxelas. Estímulos fortes e diferentes levam estas mulheres das novas gerações a intervir em movimentos de cooperação, colaborações na comunicação social, preservação e ensino da língua portuguesa. A mobilidade, o nível de educação, a facilidade e fluência em outras línguas são nelas expressão de cultura e de responsável cidadania.
Ampliada a diáspora em tempos de crise, como revelam os números e as tendências, por ironia assistimos a uma maior afirmação de Portugal no mundo.
SANDRA DUARTE
Associação E Vida
Para começar gostaria de me apresentar, sou Sandra Duarte e sou artesã há já alguns anos. Comecei por frequentar a faculdade de Belas Artes de Lisboa, mas não concluí, pois
o que andava a aprender não me satisfazia, o que eu queria eram oficinas, trabalhar com as mãos, e não o blá, blá de história de arte, etc. Fui frequentando diversos cursos, entre
eles de Joalharia no Cindor em Gondomar, durante um ano, de cerâmica em Aveiro, também durante um ano, enfim, sempre na expectativa de descobrir o que realmente me preenchia. O vidro sempre esteve muito próximo de mim, pois minha avó viveu na Marinha Grande e eu adorava visitar aquelas fábricas, ver os fornos gigantes, o vidro soprado, tudo me fascinava no vidro. Surgiu então um dia a oportunidade de fazer um curso na Fundação do Vidro de Barcelona, durante 2 semanas, foi muito pouco mas o suficiente para saber que era realmente isso que eu queria fazer. E desde então, embora ainda numa forma muito "naíf", vou tentando fazer algumas peças, que vendo para as lojas, ou em feiras de artesanato.
O artesanato ainda é, infelizmente, o "parente pobre" da nossa cultura. Nos tempos que correm já se vai mudando mentalidades, mas ainda há muito para andar.
Temos artesãos no nosso país que são reconhecidos internacionalmente, mas que no nosso Portugal, não passam de meros "artesãos".
É tempo de as pessoas se aperceberem que é através do artesanato que se referenciam regiões, locais, cidades e até paises. Temos o nosso Galo de Barcelos, que neste momento não é só de Barcelos, é Portugues, pois o turista que o compra diz que é de Portugal, muitas vezes não se recorda da cidade donde o galo nasceu.
Para dar um pequeno exemplo aqui vai uma história muito interessante e que muito poucos sabem<.
Alexandre Alves Costa, arquitecto e coleccionador de arte popular, conheceu Rosa Ramalho ( 1888-1977), em Barcelos, numa quinta feira que era o dia da feira semanal, daquela cidade. Ficou deslumbrado com as peças de Rosa e depressa se tornaram amigos. Para quem convive, como eu, de perto com a gente de Barcelos sabe que nos abrem as portas de suas casas com a maior das facilidades e nunca se sai de barriga vazia. Retomando a história, dizem os mais antigos, que Alexandre conhecia o pintor Picasso, que vivia em Paris, cidade que Alexandre visitava regularmente. Um belo dia convidou Picasso a ir consigo a Barcelos para conhecer outra artista, Rosa Ramalho, e assim foi, Picasso ficou maravilhado com as peças de Rosa.
Mais tarde, numa das frequentes visitas de Alexandre a Barcelos, este mostrou a Rosa uma fotografia de uma cabra que Picasso havia feito. Esta quando viu a foto respondeu
"Ai o filho da (...) que me foi copiar a cabra".
Para quem não sabe ou conhece, a cabra, os bois, o burro, etc, fazem parte do bestiário tradicional do figurado de Barcelos. Pois representa a economia quotidiana da região.
ISABEL PONCE DE LEÃO
Professora Catedrática
Universidade Fernando Pessoa
CLEPUL Porto
Migrações no Feminino
Aprendí pronto que al emigrar se pierden las muletas que han servido de
sostén hasta entonces, hay que comenzar desde cero, porque el pasado
se borra de un plumazo y a nadie le importa de dónde uno viene o qué
ha hecho antes.
Isabel Allende
O nome de Maria Helena Vieira da Silva andará sempre associado à diáspora
portuguesa, penitente percurso em que Mulher e Pintora assumem a
cumplicidade e a comunhão fraterna inviabilizadoras de destrinça. De facto, a
pintora não existe sem a mulher ou, parafraseando Heidegger, “o artista é a origem da obra. A obra é a origem do artista. Nenhum é sem o outro”.
Suiça, Paris, Rio de Janeiro, o mundo são lugares onde – onde sente saudades pátrias e onde reaprende a viver. Artista e mulher carrega o estigma do isolamento mesmo na sua terra que se lhe tornou madrasta e muito tardiamente reconheceu a sua genialidade.
A migração foi, porventura, a sua evasão, como aconteceu com outros artistas e escritores portugueses com quem se relacionou. Refiro-me a Sophia e a Agustina que, sem abandonarem o solo pátrio, fogem, pela escrita para outras paragens sempre carentes do regresso. Um outro jeito, não menos doloroso, de migrar.
Em Longos dias têm cem anos, a propósito de uma visita a casa de Sophia de Mello Breyner, Agustina Bessa-Luís escreve: “Arpad disse que estavam ali as três mulheres de mais talento em Portugal. […] Maria Helena pintava, eu escrevia romances, a Sophia fazia poesia” (Bessa-Luís, 2009: 15-16). E afastando-se, de imediato, da vertente artística para a humana acrescenta: “A Sophia era um caso – uma mulher que tem a cortesia de parecer vulnerável. Eu era um caso – incerteza apaixonada. Vieira era um caso – uma mulher justa” (Bessa-Luís, 2009: 16).
Estas foram as três mulheres que, incorporando o mistério da criação, marcaram artística e culturalmente o Portugal do século XX pois perseguiram com uma notável akribeia o conciliábulo ética / estética através de uma produção assinalável, em termos quantitativos e qualitativos, instaurando assim dinâmicas salvívicas. De facto, “se todos os artistas da terra parassem durante umas horas, deixassem de produzir uma ideia, um quadro, uma nota de música, fazia-se um deserto extraordinário” (Bessa-Luís, 2008: 20). É justamente esse deserto que, por elas e com elas, nunca aconteceu dando-nos conta, como deram, de que “O ponto de partida de todos os sistemas estéticos deve ser a experiência pessoal de uma emoção particular” (Bell, 2009: 22).
Assim conceberam obras que provocam o que Clive Bell denomina “emoção estética”.
Colho Vieira da Silva como protagonista e convoco os olhares de Agustina e de Sophia, que sobre ela recaem, de forma a relevar uma tríade feminina
enformadora de uma diáspora física e mental.
Maria Helena, a pintora, a “mulher justa” a que alude Agustina que, sobre ela escreveria ainda: “Falava pouco. Olhava, sobretudo. Olhava com uma intensidade fria, como se estivesse a atravessar um rio e se dividisse entre o perigo e o prazer. O fundo arenoso onde se recortavam peixes prateados dava- lhe aquela expressão suspensa e maravilhada; mas, de repente, o remoinho da água trazia a noção da forte corrente, e, um pouco mais, era a dúvida, um temor concentrado, a razão alertada. O rosto exprimia angústia, os olhos abriam-se mais e ganhavam uma cor cristalina” (Bessa-Luís, 2008: 303-304).
Ora este retrato de Agustina ao convocar a linguagem do olhar para caracterizar Vieira da Silva vem, muito justamente, ao encontro da ideia de que, e seguindo os ditames de Dilthey (1994), o potencial criativo, longe de se instituir um processo psíquico especial, emana do quotidiano, do contracto intrínseco entre o ser humano e as suas vivências, de opções definidas e assumidas perante as vicissitudes da vida que ora espanta, ora atemoriza
A arte de Maria Helena Vieira da Silva teve a peculiaridade de, citando Malraux, “transformar a vida em destino” instituindo-se viagem gerada na legítima emigração de quem procura o espaço favorável à sua expressão sem nunca negligenciar a sensibilidade marcada pelas suas raízes.
O seu génio pessoal encontrou em Paris o meio adequado à libertação, à ruptura com uma tradição figurativa sem negligenciar, contudo, a praxis essencial de analogia com a realidade. É aí que, durante a década de 30, integra a geração da Nova Escola de Paris mantendo, contudo, alguma independência de certos –ismos de uma Europa efervescente.
Estava lançado o destino de Maria Helena na sua ligação ao abstraccionismo
propondo obras onde era clara a fragmentação de motivos figurativos num processo destrutivo das formas significantes em demanda do onírico. Refiro uma arte que, privilegiando formas e cores, nega temas e figuras e bane o compromisso com a realidade. Sou, contudo, cauta ao pensar o abstraccionismo em Vieira da Silva que a própria considera, em entrevista concedida em 1978, ter sido “uma escolha difícil, mas tinha que partir de dentro, devia ser uma escolha racional. Para pintar pensando com a cabeça e fazendo com a mão”. Tinha consciência, Maria Helena, de que “a obra de arte reflecte-se na superfície da consciência […] [e que] a análise dos seus
elementos constitui uma ponte em direcção à vida interior da obra” (Kandinsky,
2006: 25-26). O seu percurso culmina na abstracção a partir da figuração. Os
pontos, elementos originais da pintura e as linhas oriundas dos seus movimentos, entram nos planos que têm no quadrado a sua forma esquemática e original, jogando-se em vibrações dramáticas de modo a “encontrar a vida, tornar sensível a sua pulsação e verificar a ordem de tudo o que vive”, evidenciando “que é um trabalho de síntese que conduz às revelações exteriores” (Kandinsky, 2006: 143). Pode-se afirmar que na sua pintura “la catégorie spatiale a basculé la catégorie temporelle. Espace et
temps ont révélé leur étroite liaison” (Vallier, 1988: 21). “Depois, Maria Helena
era também consciente de que a sua arte era o repositório de experiências
vividas – onde se destaca a emigração para França – e de uma saturada atenção aos clássicos” (Ponce de Leão, 2011).
Uma “mulher justa” (Bessa-Luís, 2009: 16) lhe chama Agustina, uma “mulher […] que sabe, duma maneira rápida e sem drama, o que é aceitar o mundo: é perder o direito à inocência” (Bessa-Luís, 2008: 187). Talvez por isso abandona a Europa no deflagrar da 2.ª Guerra Mundial. Abandono físico porque o país e a cidade acolhedores – Brasil, Rio de Janeiro – recebem com ela a amargura que qualquer guerra provoca. É aí que pinta “Le Désastre” (1942), representação horrenda do conflito europeu, tumultuária, titânica e “vazia crucificação, onde o acento futurista dum Rossolo parece petrificar-se em gente feita de estilhas, sob um céu estilhaçado, ou hangar, estrutura mecânica de um mundo absurdo” (França, 1988: 7). É no Brasil, mas com o pensamento na Europa que Maria Helena, através deste quadro, bem como de “Le feu”
(1944) e de “Histoire maritime-tragique” (1944), faz a iniciação da sua obra
maior. “Le Désastre” (1942) é “a última pintura possível de uma época, de um
clima pictural, e a primeira a anunciar outra época e outro clima, e a propor-
lhe, pelo absurdo, uma negação de figuração em si própria sensível, mas terminal” (França, 1988: 8). Trata-se de uma pintura de agouros em que o encontro da artista com o real se faz de inquietações, interrupções, factos e memórias. Retomando a figuração pinta os movimentos terríveis da guerra numa linguagem de occídio só suplantada pelo “Guernica” de Picasso.
Maria Helena demanda, contudo, a verdadeira cidade dos homens e é pelo paisagismo ou naturalismo abstracto que se liga à cultura dos espaços em que viveu – França, Brasil, Portugal – inequivocamente testemunhados na diáspora de uma vida, de uma obra. As suas telas espelham a cumplicidade que não o corte com as modalidades tradicionais da figuração em sistemas progressivos sem que com isso pactuem com a utópica ablação do real.
Contornando hierarquias formais, cria os seus valores exclusivos e emana-os
num idiolecto próprio que, fraccionando os espaços, lhes confere uma fluidez
e infinitude metafóricas que demandam a ambiguidade. Nesta ambiguidade constrói espaços cheios e vazios que convivem na globalidade do quadro conferindo-lhe movimento. Entre o delírio e o rigor, geometrias várias insinuam os diferentes sentidos, enquanto processos pictóricos sugerem distâncias e movimentos.
Enredam-se telas e fios tecidos em memórias longínquas de Portugal, Brasil e França. E há portas e pontes, gares e baptistérios, bibliotecas e, muito particularmente labirínticas cidades. É o mundo pictórico das linhas verticais e horizontais estabelecedoras do dialogismo tempo / espaço na construção do onírico. Aí se encontram as “Bibliothèques”, por ventura o seu motivo mais obsessivo (1947-1974), arquivo de memórias, arquivo do mundo no sentido borgeano do termo. Arquivo do tempo também. Camões, Pessoa, Sophia, René Char, o tal dos presságios, comparecem como pontos matriciais de uma trajectória em construção. É através desses lugares de
arquivos de experiências e memórias que ensaia o acesso às cidades, às suas
cidades que se vão descobrindo na tela num lento processo de construção de espaços múltiplos. Depois surge o traço que fende os limites, estilhaça a unidade agilizando a bidimensionalidade numa demanda polissémica.
Assim “estratigrafiza a paisagem, desmultiplica construções, arruamentos, filamentos, estruturas, movimentos. Como se a cidade vista fosse apenas uma teia de sugestões erguida com a sabedoria de Ariadne” (AA. VV., 2010: 30). “Maisons Grises” (1950), “Blanche” (1958), “Lisbonne” (1962), “Palais des glaces” (1965), “Gaya” (1971) são apenas algumas das telas-teia que encerram catedrais, bibliotecas, prédios, jardins, povoamentos de labirínticas cidades.
É delas que se parte num trajecto que vai do deslumbramento perturbador e inquiridor face ao próprio acto de pintar, até ao esplendor encantatório de um universo que a pintora vê como locus obsidente e a que abre toda a sua disponibilidade interior com vista à reedificação.
A ideia de diáspora – voluntária e involuntária – é filão matricial da pintura de Vieira da Silva. Há uma permanente demanda de novos horizontes na determinação com que pinta o ausente como se estivesse presente, numa manifesta sede de infinito.
A esta obsessão pela viagem, a este desejo de transcendência arduamente tecido cabe a noção de heterotopia a que alude Foulcault. Trata-se de uma procura dos “lugares que estão fora de todos os lugares” com a capacidade e o poder “de justapor em um só lugar real vários espaços, vários posicionamentos que são em si próprios incompatíveis” (Foulcault, 2001: 418). Este desejo, esta procura dos espaços encontra eco na obra de Sophia, a tal mulher “que tem a cortesia de parecer vulnerável.” (Bessa-Luís, 2009: 16),com quem Maria Helena privou e comungou afinidades de lutas e vivências.
A sua pintura projecta-se em poemas labirínticos onde observador e pintor, poeta e leitor se fundem e confundem no espaço insaciável e sempre iniciático apenas com paralelo na teia de Penélope. Assim escreve Sophia (2004a: 68) em “Maria Helena Vieira da Silva ou o Itinerário Inelutável”
Minúcia é o labirinto muro por muro
Pedra contra pedra livro sobre livro
Rua após rua escada após escada
Se faz e se desfaz o labirinto
Palácio é o labirinto e nele
Se multiplicam as salas e cintilam
Os quartos de Babel roucos e vermelhos
Passado é o labirinto: seus jardins afloram
E do fundo da memória sobem as escadas
Encruzilhada é o labirinto e antro e gruta
Biblioteca rede inventário colmeia –
Itinerário é o labirinto
Como o subir dum astro inelutável –
Mas aquele que o percorre não encontra
Toiro nenhum solar nem sol nem lua
Mas só o vidro sucessivo do vazio
E um brilho de azulejos íman frio
Onde os espelhos devoram as imagens
Exauridos pelo labirinto caminhamos
Na minúcia da busca na atenção da busca
Na luz mutável: de quadrado em quadrado
Encontramos desvios redes e castelos
Torres de vidro corredores de espanto
Mas um dia emergiremos e as cidades
Da equidade mostrarão seu branco
Sua cal sua aurora seu prodígio.
Processo de construção labiríntico, obsessivo, sofrido. Sobre este poema diz Agustina: “é uma das mais belas poesias de Sophia de Mello Breyner, em que ela deixa conhecer a fascinação: uma certa rigidez da forma acentua a distância, e assegura a imutabilidade” (Bessa-Luís, 209: 92).
Uma outra diáspora. Os mesmos temas e as mesmas formas ligam as duas artes e encorpam o movimento duplo de abertura e fechamento que remete para tudo de quanto paradoxal tem a arte. A voz poética reconstrói uma paisagem interminável de espaços conhecidos mas não particularizados por entre os quais o vazio espreita. Os poemas de Sophia e os quadros de Maria Helena remetem para a concomitância de itinerários paradoxais, como paradoxais são as figuras que os percorrem – incessante peleja pela libertação do olhar e do pensamento num também incessante fazer e desfazer da teia.
Também em “Tríptico ou Maria Helena, Arpad e a pintura” (Andresen, 2004b: 10) se presentifica o carácter pictórico da poesia de Sophia bem como a afeição pela arte de quem, de alguma maneira, provoca a já referida “emoção estética”:
I
Eles não pintam o quadro: estão dentro do quadro
II
Eles não pintam o quadro: julgam que estão dentro do quadro
III
Eles sabem que não estão dentro do quadro: pintam o quadro
Sophia aproxima-se aqui de um geometrismo onde os actores, sendo também espectadores, se desdobram entre dois espaços e duas funções. O dentro e o fora convergem na tela numa clara alusão ao período em que o casal viveu no Rio de Janeiro. São dessa altura numerosos auto-retratos bem como o que poderei chamar um processo meta-pictural uma vez que Arpad, aquele que “pinta como quem ama a realidade – submetendo-a a puríssimos fragmentos”, (Bessa-Luís, 2009: 21), pintou Maria Helena na feitura de telas, que fazem parte do seu espólio, numa curiosa troca e acumulação de papéis.
Há na arte de Vieira da Silva uma projecção subjectiva da sua experiência
geracional, instituída pelo trabalho, o dever, a pesquisa que demanda campos
heterotópicos de igual modo observados em certos poemas de Sophia que acabam por questionar o poder do espaço. O passado ensina “que a evolução da humanidade consiste na espiritualização de numerosos valores. Entre estes valores a arte ocupa o primeiro lugar” (Kandinsky, 2008: 48), sobretudo se, como é o caso, existe uma relação entre a obra e a emoção que a gerou no artista ou a emoção que ela é capaz de fomentar no espectador / leitor.
Nas telas-teia de Maria Helena e nos poemas-teia de Sophia “adivinham-se
catedrais, labirintos, bibliotecas, jardins, vendavais, arrebatamentos de estio”
(AA. VV. 2010: 32) produtos de itinerâncias físicas e mentais.
Depois há o olhar de Maria Helena, já apreciado por Agustina e também
referido por Sophia (Andresen, 1994: 31):
Atenta antena
Athena
De olhos de coruja
Na obscura noite lúcida
A pintora não existe sem a mulher. Atenção à arte. Tal como Athena pugnou por Ulisses, Maria Helena pugnará por ela na demanda de Ítaca. Uma Ítaca perdida na migração e no exílio mas achada pela razão (“Athena”), pela sabedoria (“coruja”) e por muito muito trabalho que para a pintora foi “um baptismo e uma extrema-unção […] a sua fé e o seu sacramento maior” (Agustina, 2009: 172). De facto, a leitura das suas composições, para além do prazer estético, provoca a percepção de um voluntário hard labour que desconstrói, para de novo edificar, a paisagem citadina. “Quando Maria Helena pinta ‘como se obedecesse a uma força superior’, a paz é um absurdo, como a realidade concreta é um absurdo que é preciso recrear para que se torne
afecto do homem, obra sua” (Bessa-Luís, 2008: 22). Deve-se-lhe o fenómeno
geracional genesíaco do esplendor do abstraccionismo português, que em muito influenciou nomes como os de Manuel Cargaleiro e Mário Cesariny.
A quebra de identidade, a orfandade cultural, o desenraizamento afectivo que a sua condição de migrante podia carrear foi contrariada pela arte que, pospondo molduras jurídicas e institucionais, se tornou elemento coadjuvante de uma atitude de denúncia ou de chamada de atenção mais branda para uma visão holística da realidade. Por outro lado, é também à sua condição migrante1 que Maria Helena deve muita da sua habilidade artística gerada em experiências vivenciais, em aprendizagens diversas nos espaços que percorreu como refere Agustina: “Deixou Portugal Vieira da Silva por esperanças que as montanhas parecem cortar de um lado e conceder o mar pelo outro. São assim os portugueses, curiosos do que a terra lhes proíbe e ansiosos do mar que lhespromete. Boas terras pisou Vieira da Silva; escolheu-as decerto para que ocontentamento andasse a par com o trabalho”. (Bessa-Luís, 2009: 135-136)
1 Opto por esta denominação em detrimento de e/imigrante, por me parecer que, afinal, o emigrante se torna imigrante no país de acolhimento, concitando em torno de si os dois conceitos, ainda que os seus direitos e deveres tenham, naturalmente, características de índole diversa, direi mesmo, quase antagónicas.
De facto, “aquele que emigra é como o que vai ao fundo dos abismos onde
nem a morte chega sem medo, para daí trazer uma imagem amada, a imagem
da terra em que se criou. Passa-se muito fora de Portugal para que Portugal
seja mais nosso” (Bessa-Luís, 2008, 93). Talvez por isso seja sistemática
a Presença de Portugal nas telas de Vieira da Silva. Assim, o elemento
paisagístico da terra pátria presentifica-se em obras como “Pour Expliquer
Sintra à Arpad” (1932), “Alentejo” (1960) “Porto” (1962), “Vieux Lisbonne”
(1968), “Lisbonne Bleue” (1969); o pendor folclórico-etnográfico é visível
em “Santo António de Lisboa” (1949) ou “Arraial” (1950); num magnífico díptico
– “A Poesia está na Rua I / II” (1974)2 –, evocador da Revolução dos Cravos
surge uma outra cidade, espaço da liberdade colectiva que a poesia convoca.
Um Portugal policromo, perfeitamente identificado no seu “Testament” (S/A,
1994, s/p) onde se pode ler:
Je lègue à mes amis
[…]
un vermillon pour faire circuler le sang allègrement
un vert mousse pour apaiser les nerfs
un jaune d’or : richesse
[…]
“A grandeza dum espírito está na pluralidade e plenitude da sua sensibilidade.
Todo o vasto espírito é sempre um tanto santo e outro demoníaco. Todo o
artista exagera ou dilui, aviva ou simplifica” (Bessa-Luís, 2008: 22). Poesia,
prosa e pintura com nome de mulher e “para a mulher, não existe a noção de
criação, ela está dentro do mistério, faz parte dele” (Bessa-Luís, 2009: 168).
Cá dentro ou lá fora, migrantes reais ou ficcionais, Maria Helena, Sophia e
Agustina afagam todo esse mistério que envolve a diáspora, “tendência fatal
dos portugueses que se manifesta desde o primeiro bocejo” (Bessa-Luís, 2008:
94). Podem olhar, sem parcimónia umas para as outras; são conscientes de
que a arte serve “para abolir o absurdo” (Bessa-Luís, 2009: 22) e que, tal como
refere Picasso – “Pinto igual que outros escriben su biografia. Los cuadros
terminados son las páginas de mi diário” –, configura a escrita do eu.
Bibliografia
AA. VV. Abstracção. Arte Partilhada. Lisboa: Fundação Millenium bcp, 2010.
2
Sobre esta obra, escreve Agustina (2009, 78): “Quando Sophia Breyner, então deputada
socialista, pediu a Vieira para que ela fizesse um cartaz para festejar o 25 de Abril, o resultado
foi enigmático. Maria Helena pintou, conforme a sua primeira inspiração, algo como uma
igreja em ruínas. […] Nesse momento, em que devia reportar-se a um festim, como Sócrates
convidado a comparecer em casa de Ágaton, onde estarão presentes tanto os retóricos, como
os pedantes e os ricos de Atenas, nesse momento Vieira pinta uma igreja; isto é: deixa-se ficar
solitária, não estranha à festa, mas fiel à sua íntima condição de pessoa imperdoável, como foi
o próprio Sócrates na sua actualidade”.
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Dual. Lisboa: Caminho, 2004a.
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner Andresen. Ilhas. Lisboa: Caminho, 2004b..
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Calouste Gulbenkian, 1988, p. 21.
37 - JOAN MARBECK
Escritora
‘ Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas na Diaspora’
At Forum da Maia, Portugal on 24, 25 and 26 November 2011
Towards the Revival, Recognition, Development and Acceptance of the Malaysian-Eurasian people through the Kristang Language, Culture and their Euro-Asian Ethnicity.
Introduction:
Melaka, once the Kingdom of a Prince of Palembang, a Sultanate Seat, a busy Entrepot Port of the Portuguese, later captured by the Dutch and then ruled by the British as one of its Straits Settlements in Peninsula Malaysia, charmingly called a ‘ Sleepy Hollow’ with only a population of a 100,000 persons, is today a feverishly bustling State of Independent Malaysia with UNESCO’s Heritage Twin- City Status. Yes, this is also where it all began for the Eurasian Community of Malaysia.
The beginnings of the Eurasian people in Malaysia came about through marriage of the local population with the Portuguese. The Portuguese were encouraged by the Crown to marry local native women, already existing from among some Arab but mostly Indian traders and their offspring.
By the time the Dutch arrived in the early 17th.Century and the British in the early 19th.Century, the population of Malacca was already very heterogeneous. Its community was formed from several original groups practicing different customs and occupations, each group living in its own quarters of the town and observing its own customs and traditions. There was nevertheless constant contact among them despite being engaged in different occupations like agriculture and other small industries. Fishing was the occupation of a great number of people, the humblest part of the population.
Up to the present day, you will find that the friendliest people in Malaysia come from Melaka and from those whose livelihood was once linked to the sea. Go to any Eurasian home in Melaka unannounced and you might be asked to join them for a meal or a cup of tea, coffee or drink ‘ agu di lanya’ ( young coconut water).
The Eurasians evolved as a people in Melaka and spread to other parts of the Malay Peninsula, the Indonesian Islands and other parts of South East Asia not by choice but by circumstance. In the early 1960s and 70s, when the United Kingdom, Australia, Canada, New Zealand and the US opened its doors to immigrants, there was a huge exodus of Eurasians from Malaysia and Singapore to these countries. This nomadic trend will continue as Eurasians try to identify their ‘ homeland’.
1950s - Present
Today, the approximately 28,000Eurasians living and breathing in Malaysia have a mission to accomplish. We have to establish our rights and privileges as responsible citizens of Malaysia, our country and homeland. To be loyal to our roots, to the King and Government of Democratic Malaysia. After 50 years of Independence and Democracy,Our Community looks forward to be identified as Malaysian- Eurasians or Serani and not anymore to come under the general term of ‘Others’.
Towards the Commemoration of the 500th. Anniversary of the Arrival of the Portuguese in Malacca and the beginnings of colonial power in Malaya, we reflect on the strengths, the culture, the language and the Heritage that the Malaysian-Eurasian Community has contributed to the growth of young Democratic Malaysia.
Language
Most Malaysian-Eurasians are tri-lingual. All speak Bahasa Malaysia and English. Some speak ‘ Kristang’. Others speak fluently other ethnic language like Hokkien, Cantonese, Tamil or a Sabahan/ Sarawakan Tribal dialect. My focus is to concentrate on the Malacca-Portuguese Creole Language, Papiah Kristang or Bahasa Serani and make it the language that will identify the Malaysian – Eurasians.
Most Eurasians who had their beginnings in Melaka have forgotten how to speak Kristang or have simply been too embarrassed to even acknowledge it as their Mother-Tongue because of the prescribed use and prestige of both the Malay and English Languages. Most residents in the Portuguese Settlement in Melaka can and still speak an evolving ‘ Papiah Kristang’This has led to the belief among the Eurasian Community outside of Melaka and the other races, that only the residents of the Portuguese Settlement in Melaka are the descendents of the Portuguese ( Orang keturunan Portugis) and speak the ‘Portugis’ Language. The reality is that no resident speaks Standard Portuguese in the Settlement and that no one can make claim to having an ancestor or that his homeland is Portugal. The myth has to be dispelled.
Investing in the Maintenance of the Papiah Kristang Language and Culture in Malaysia among the Malaysian- Eurasians.
Alan Baxter in his book, ‘ A Grammar of Kristang’ says ‘The Malacca- Creole Language is a fascinating reflex of the rich cultural exchange which took place between speakers of Portuguese during the Portuguese period 1511-1641. Thus the Malayanisation of Portuguese in Malacca led to the creation of a new language, properly termed Malacca-Melayu Portuguese Creole. Referred to by its speakers as Kristang’
As a native-speaker of Papiah Kristang, I took up the challenge of documenting the Kristang Language since 1990. After much research and many discussions with several linguists and Eurasians on the orthography that would be simple enough for the Malaysian- Eurasians to read Kristang texts, I immediately began to register Kristang vocabulary. Then with the support of The Calouste-Gulbenkian Foundation, I wrote and published two books ‘Ungua Adanza’ in 1995 and ‘Linggu Mai’ in 2004. In 2006, I wrote a Kristang Monodrama ‘Seng Marianne’ for the Lusophonia Festival in Macau. Unfortunately Entry was late and the monodrama was not staged. This is one of my literary works that needs to be published.
In March 2007, I was fortunate to be nominated and then selected as one of Digi’s Amazing Malaysians. Digi named me the ‘ Kristang Poet of Melaka’ The award required that I initiate a project involving 60 schoolchildren and a few adult Eurasians. I produced a Musical entitled ‘Kazamintu na Praiya’ and wrote the Kristang lyrics of all the songs in the Musical, which was showcased on the 24th.November 2007 at the Portuguese Settlement in Melaka.
In early 2012, I will launch yet another of my Kristang publications, ‘The Serani Series’ It is a set of 3 works comprising ‘ Bersu Serani’, ‘Speak Serani’ and a ‘Commemorative Bahasa Serani Dictionary’
Why a ‘ Commemorative Bahasa Serani Dictionary’ ?
A Language’s Vocabulary is an organized catalogue of a given culture’s essential concepts and elements.
The Language is traditionally associated with a culture’s environment and local ecosystem, the plants and animals it uses for food, medicine and other purposes and expresses local value systems and worldviews. ( Fishman 1991 )
Languages are therefore not just a means of communication but represent the very fabric of CULTURAL EXPRESSIONS, the CARRIERS OF IDENTITY, VALUES and WORLD VIEWS.
Papiah Kristang/ Bahasa Serani hopes to be the tool that will enable Malaysian –Eurasians after 500 years to be identified as a race through their oneness in Culture and Customs. They have the edge because they speak, read and write the international language, that is English, fluently. However, points that should be considered in resuscitating Papiah Kristang is its present vitality and viability.
• Number of speakers
• Intergenerational language transmission
• Community members’ attitudes towards their own language.
• Shifts in domains of language use
• Type and quality of documentation - Translation as a tool for dialogue/ revival..................this is the method I have used so far.
• Response to new domains and media – Internet ( FACEBOOK) and Mobiles – successful
• Availability of materials for language education and literacy – not enough
Only 1. Kristang Dictionary by Scully and Alcantra ( Singapore)
2. Kristang Dictionary by Baxter and De Silva
3. Ungua Adanza
Linggu Mai
Kristang Phrasebook
Kristang Speech and Song CD
Bersu Serani
Speak Serani
Commemorative Bahasa Serani Dictionary by Joan M. Marbeck
Unpublished
Christmas Carols translated into Papiah Kristang
Kristang Monodrama ‘ Seng Marianne’
Kristang Musical ‘ Kazamintu na Praiya’
4. CD of Traditional Kristang songs – by Horace Sta Maria
- by Noel Felix
- by Joe Bosco Lazaroo
- by Martin Theseira and Don Beins
‘Languages are a critical marker of the vitality of cultural diversity, for they are , above and beyond, tools of communication – the prism through which individuals and communities apprehend and give meaning to their relationships and environment. From this perspective, any form of linguistic decline has to be taken as a sign of cultural impoverishment and the disappearance of any language as an irreplaceable loss for the common Heritage of mankind.’ ( Investing in Cultural Diversity)
UNESCO World Report 2000
Project Proposal
Taking the Preservation of the Kristang Language and Culture to another level will have its oppositions, presuppositions, positive and negative approaches and attitudes of some members of the community and others in the country and region. But, most importantly it will also jolt the Malaysian, Asian and International Communities to realising that ‘Saving an already Endangered Language after 500 years, is NOT an impossiblity’.
This is why I propose a Visible Entity - A Foundation for all Malaysian –Eurasians in the beating heart of Melaka. The Foundation should accomodate
• A Research and Development Centre
• A Library and Language Laboratory
• A Eurasian Art/ Heritage Museum
• Theatre/ Music/ Dance Studios - Asian/ European
• Cafetaria
Now we need the experts, the architects who will fortify the construction to last for another 500 years, the specialists, to co-ordinate the action-plans from ground to roof and the philanthropists.
We also need, more than ever before, the belief, cooperation and a united front of Eurasians in Malaysia to realize the importance and necessity of this proposal. This will be the level and space where every child, young adult and senior Eurasian will have the possibility to meet, enjoy the camaraderie which is typical of a true-blue Serani, speak in their revived, perhaps by then, already their ‘ Secret Language’, verify their identity and be proud of their customs, traditions and a UNIQUE HERITAGE which we definitely owe to the PORTUGUESE.
I also call on the women participating in this Congress to lend us your hands and speak of support and commitment in saving our closely related Language and Heritage.
As women we can impact our beliefs and realize our dreams because we know that we are the ‘ BASTIONS’ of our communities, the practitioners and the treasure –keepers of our Heritage.
Before I conclude , allow me to thank the following persons who have cooperated and assisted me in my quest of reviving and saving the Malacca- Portuguese Language and Culture.
The late Rev. Fr. Manuel Pintado - Melaka
Prof. Dr. Pierre F.G. Guisan- Brazil
Rev. Fr. Lancelot Rodrigues – Macau
Dr. Jorge Rangel – Macau
Fundacao Macau - Macau
Fundacao Oriente- Macau
Dr. Jose Blanco – Portugal
Dr. Joao Pedro Garcia – Portugal
Fundacao Calouste Gulbenkian - Portugal
Dra. Maria Manuela Aguiar - Portugal
Prof. Mario Pinharanda Nunes – Kuala Lumpur
Prof. Carla Belo – Kuala Lumpur
Philomena Mary Marbeck- Kennedy – Ireland
Griffin & Theresa Hendroff – Kuala Lumpur
My children, Prof. Dr. David Cheong – ILO, Geneva
Elaine –Jean Cheong Mertel – Munich
Anne Marie Cheong – Malaysia
Martin Cheong – London, UK
And my dear friends, Sandra Shunmugam, Martin Theseira, Melba Nunis and family, Justin Ee, Cheryl Teh, Vernon Emuang, YB. Teh Kok Kiew
To all , my heartfelt appreciation.
Mutu Grandi Merseh.
40 - MARIA DA GRAÇA SOUSA GUEDES
Professora Catedrática do ISCS-N
gracaguedes@net.sapo.pt
AS MULHERES PORTUGUESAS NO MUNDO
a Dança no diálogo intercultural
INTRODUÇÃO
O comportamento social da mulher e o desenvolvimento dos mecanismos responsáveis pelo seu ajustamento, ocorre em função da cultura, que parece funcionar como elemento determinante do seu bem – estar.
Num diálogo intercultural, as mulheres e as jovens da diáspora portuguesa têm utilizado actividades corporais em forma de DANÇA, que é dinamizada nas Associações portuguesas espalhadas pelo mundo.
Dançando o nosso património cultural, preservam-no, valorizam-no e divulgam-no, numa participação espontânea, alegre, activa, motivadora e paritária, que importa não ser interrompido pelas novas gerações.
Para que os jovens e as jovens de origem portuguesa continuem a desempenhar este papel, é necessário providenciar motivações, com actividades adequadas e atractivas, para que frequentem estes espaços portugueses e continuem o papel desempenhado pelos seus pais, com igual dinamismo e vontade de preservar a língua e a cultura portuguesa.
• CORPORALIDADE VERSUS GÉNERO FEMININO
Na grande maioria das sociedades humanas, existe um desequilíbrio entre géneros: a mulher percepciona-se inferior ao homem no desempenho de papéis socialmente determinantes, ocasionando conflitos que interferem na sua auto-estima. Segundo Fox (1998), é com frequência que as mulheres não têm confiança nas suas habilidades, quando se comparam com os homens, pelo que interfere na sua auto-confiança e na relação com o seu corpo, bem como nas expectativas das suas eficácias no desporto.
Já em 1945, Merleau-Ponty falava na necessidade de se descrever o corpo, como o lugar de aproximação existencial; o espaço onde realizamos no mundo um conjunto de significações, eleitas para conferir sentido à nossa existência.
Ora, se consideramos a corporalidade como forma dos nossos reflexos, temos de questionar acerca do lugar que ocupa na sua vida; investigar acerca da apropriação significativa realizada pela mulher no horizonte das suas experiências.
A auto-estima e o auto-conceito, de mulher ocidental reflecte o efeito de uma forte influência social, seguido como fonte de possíveis desajustamentos ou de conflitos interpessoais, com repercussões na sua imagem corporal e na sua saúde mental.
É cada vez maior o número de mulheres que recorrem à prática de actividades físicas, com a finalidade de encontrarem o seu bem-estar psicológico e assim combaterem os efeitos de conflitos internos e de pressões causadas pelo modelo social, que se traduzem em ansiedade, depressão, folias, alterações negativas de humor, do auto-conceito e de auto-estima.
Para Altermann & Saole (2000), os níveis baixos de auto-estima podem conduzir a patologias diversas, comprometendo a qualidade de vida, para além de interferirem nos níveis de satisfação com a vida.
As diferenças de género, que estão bem impressas nas estruturas sociais e mentais (Bordieu, 1996), parecem potenciar-se no âmbito de actividade física e do desporto.
Verifica-se o desenvolvimento de atitudes preconceituosas e de estereótipos de género, que são limitadores na construção de feminilidade e de masculinidade. Incutem, subtilmente, a ideia de uma imagem hegemónica masculina, expressa num padrão legitimo de masculinidade (Botelho Gomes et al. , 2002)
Ora é a Escola que deve atender à pluralidade de cultura que caracteriza o desporto e, segundo Thoberge (1991), à sua irrisória mentalidade na construção dos géneros. Esta falha mentalidade do Desporto, lidando com os alunos e as alunas da mesma maneira, numa errónea suposição de que assim se atinge a justiça e a igualdade de oportunidades, tem inquinado a educação. Esta falsa mentalidade é contrariada por Patrício (1990), que afirma categoricamente que educamos personalidades irrepetíveis e que nos projectos individuais de existência, devem estar incluídos os diversos saberes e culturas.
A Escola tem efectivamente de respeitar e de implementar os princípios de equidade, que assegurem justeza e justiça no processo educativo. E, assim sendo, a Actividade Física e o Desporto devem propiciar a auto-estima e a competência, de forma a que seja percebida pelos alunos e pelas alunas, de modo que todos e não importa o género, vejam estas práticas corporais como actividades incluídas no seu quotidiano e que devem permanecer ao longo das suas vidas. E, para tal, é fundamental que tenham prazer ao praticá-las.
Hoje são consensuais as noções de que a actividade física regular assume um papel relevante na promoção de um estilo de vida saudável e de que níveis elevados de actividade de uma participação similar quando adultos.
E esta prática regular de actividade física acontece naturalmente na mulher da diáspora portuguesa quando dança as nossas tradições, para afirmação e divulgação da cultura portuguesa no mundo dinamizada nas suas associações.
As danças, assim como cantares, constituem um património cultural extremamente rico e diversificado, com o qual os portugueses da diáspora se identificam e se formam agentes de preservação das suas tradições.
Interpretam-nas com um grande prazer e orgulho, na certeza de estarem a contribuir para que sejam mantidas vivas as suas raízes e, consequentemente, fortalecerem o diálogo entre os dois universos que os condicionam.
E nelas podem participar todos, não importa a idade e o género. Mesmo quando não dançam, fazem parte dos coros ou dos grupos instrumentais que as acompanham.
A MULHER DA DIÁSPORA PORTUGUESA E O DIÁLOGO INTERCULTURAL
O associativismo na diáspora portuguesa constituiu uma forma de conjugar indivíduos com interesses ou gostos análogos, que tem favorecido a implementação de objectivos comuns: convivência social, prossecução de práticas culturais, recreativas e desportivas, para além da defesa de interesses nos centros de saúde, do trabalho, das condições de vida, da política (Guedes, 1995).
As Associações portuguesas espalhadas pelo mundo, podem efectivamente ser consideradas como um processo globalizante de interpretações sociais e um meio privilegiado para o estabelecimento de um diálogo intercultural, que se alicerça no fortalecimento dos seus próprios valores culturais.
O elevado número de associações que abrange todos os continentes, reflecte a espontânea necessidade em manter e cultivar a sua própria identidade, de forma a criar mecanismos próprios para defesa dos seus interesses, bem como para manifestar uma presença activa no país de acolhimento.
Nestes espaços de convívio que os portugueses criaram em todo o mundo e que se destinam à sua sobrevivência cultural, são desenvolvidos diferentes tipos de actividades. Pode haver algumas diferenças, dependentes das suas motivações, mas em quase todas há Desporto e há Folclore.
Tive a oportunidade de conhecer uma grande parte de Associações na Europa (França e Suiça), em África (Zaire e África do Sul), na América do Norte e Central (EUA, Canadá e Panamá), na América do Sul (Brasil, Venezuela, Uruguai e Argentina), na Ásia (Malaca) e de trabalhar com os Grupos de Folclore, reconhecendo um empenho extraordinário de todos e uma vontade de melhorar e aumentar os seus reportórios.
Reflectindo uma Cultura Motora inerente às suas vivências e às suas memórias, procuravam reproduzi-las com rigôr. Com todos eles procurei corrigir alguns defeitos, melhorar as suas prestações, adequar as coreografias e os passos inerentes às Danças portuguesas, ampliar os reportórios bem como as músicas e os instrumentos a que recorriam. Foi uma tarefa extremamente enriquecedora que vivenciei e, se em alguns casos, o tempo de duração foi favorável, tal como no Uruguai e em Malaca (15 dias), nos outros casos foi menos intenso, mas a dedicação de todos e em regime pós-laboral, propiciou excelentes progressos.
Estas acções foram reconhecidas pela minha Faculdade – Educação Física e Desporto da Universidade do Porto – e expressas em diplomas entregues a todos os participantes.
No Encontro Mundial de Mulheres Migrantes, realizado em Espinho em 1995, apresentei um estudo que realizei acerca do papel do Folclore na aculturação dos povos, no qual foram quantificados os grupos então existentes nas Associações e distribuídos pelos continentes (Quadro nº. 1).
Quadro nº 1 - Grupos de Folclore nas Associações Portuguesas
CONTINENTES ASSOCIAÇÕES GRUPOS DE FOLCLORE
EUROPA
1057 446
ÁFRICA
100 22
AMÉRICA DO NORTE
448 94
AMÉRICA CENTRAL E DO SUL
289 74
TOTAL
1894 636
Guedes, 1995
Haverá provavelmente alguma alteração nestes valores e que valerá a pena actualizar, uma vez que estão decorridos já bastantes anos. E, complementarmente, conhecer mais acerca das modalidades desportivas existentes, quantidade de participantes envolvidos e distribuídos em função do género e idade.
O Folclore, é efectivamente praticado em quase um terço das Associações. E, porque as danças portuguesas são caracterizadamente realizadas aos pares, há necessariamente uma participação com paridade entre géneros.
Para além destas práticas corporais constituírem um celeiro de novas sementes, que fertilizam a dinâmica corporal expressa em dança, há também relações de género.
Há educação estética, como processo formativo do ser humano, mas também como processo de abertura e de ampliação das capacidades de sinalização para aceite, em relação ao outro (género) e em relação ao mundo (educação) que não pode ser desvalorizado nem interrompido, com uma participação cada vez maior e atractiva para os mais novos.
No Desporto, a participação feminina não será significativa, não porque tenham sido levantados dados relativos a este tipo de envolvência, mas por conhecimento pessoal obtido nas visitas às Associações.
As jovens e as mulheres portuguesas dançam o nosso património cultural, preservando-o e divulgando-o, numa participação espontânea, alegre, activa, motivadora e paritária.
Há certamente muitas jovens que praticam desportos e ao mais elevado nível, como também de outras actividades culturais. Estarão provavelmente distantes da comunidade portuguesa e não utilizam as suas performances para atraírem e motivarem os mais novos para as práticas que dominam. Mas estas jovens podem ser agentes excelentes para as dinamizarem nas Associações portuguesas.
Consequentemente, estes espaços ficariam enriquecidos com a presença constante das novas gerações e de novas actividades, que arrastariam os amigos e potencializariam cada vez mais estes magníficos espaços portugueses espalhados pelo mundo.
Para tal, importa que as suas Direcções consciencializem a importância destes contributos, que irão dar continuidade ao contributo notável que têm dado para a concretização de um processo globalizante de interpretações sociais neste meio privilegiado onde se estabelece um diálogo intercultural, alicerçado no fortalecimento dos seus próprios valores culturais.
CONCLUSÃO
Apesar de ser cada vez maior o número de mulheres que recorrem à prática de actividades físicas, com a finalidade de encontrarem o seu bem-estar psicológico, a sociedade portuguesa é ainda hoje impressa de atitudes preconceituosas e de estereótipos de género, que são limitadores de uma prática desportiva feminina mais dinamizada, diversificada e divulgada.
Nas Associações, esses espaços de convívio que os portugueses criaram em todo o mundo e que se destinam à sua sobrevivência cultural, são desenvolvidos diferentes tipos de actividades, onde o desporto e o folclore são uma constante.
Se, no Desporto, a participação feminina não será significativa, no Folclore há paridade de géneros, na medida em que as danças portuguesas que praticam são realizadas aos pares, tal como é caracterizada a dança tradicional portuguesa.
As jovens e as mulheres portuguesas dançam o nosso património cultural, preservando-o e divulgando-o, numa participação espontânea, alegre, activa, motivadora e paritária.
Há certamente muitas jovens que praticam desportos e ao mais elevado nível, como também de outras actividades culturais. Estarão provavelmente distantes da comunidade portuguesa e não utilizam as suas performances para atraírem e motivarem os mais novos para as práticas que dominam. Mas estas jovens podem ser agentes excelentes para as dinamizarem nas Associações portuguesas e que importa aproveitar.
Consequentemente, estes espaços ficariam enriquecidos com a presença constante das novas gerações e de novas actividades, que arrastariam os amigos e potencializariam cada vez mais estes magníficos espaços portugueses espalhados pelo mundo.
Importa que as suas Direcções consciencializem a importância destes contributos, que irão dar continuidade ao contributo notável que têm dado para a concretização de um processo globalizante de interpretações sociais neste meio privilegiado onde se estabelece um diálogo intercultural, alicerçado no fortalecimento dos seus próprios valores culturais que tão bem sabem preservar.
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SOUSA GUEDES, M.G. (1995). O Papel do Folclore na Aculturação dos Povos; os portugueses no mundo. Actas do Encontro Mundial de Mulheres Migrantes – Gerações em Diálogo. Espinho: Março de 1995.
SOUSA GUEDES, M.G. (2005). As Mulheres Portuguesas em Movimento. Encontros para a Cidadania: a igualdade entre homens e mulheres nas comunidades portuguesas - Argentina. Buenos Aires, Novembro de 2005.
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Graça Guedes
Espinho, Novembro l de 2011
VI - TRABALHO E EMPREENDEDORISMO NO CONTEXTO DA INTEGRAÇÃO E DE REGRESSO...
MARIA ORTELINDA BARROS GONÇALVES
Universidade Portucalense /CEPESE/UP
ortelindabarros@gmail.com
ortelinda@upt.pt
Trabalho e Empreendedorismo no Contexto da Integração e do Regresso
Resumo
O regresso dos nossos emigrantes aos meios pequenos e rurais de onde partiram, e de onde se continuam a registar elevadas taxas de emigração, poderá ser considerado um fator potencialmente vantajoso para as áreas geográficas de origem, atenuando as
assimetrias regionais. No presente trabalho, questiona-se se os emigrantes regressados têm capacidade de inovação e espírito empreendedor, e se aplicam estas potencialidades no investimento e no desenvolvimento do seu local de origem. Baseando-nos na análise dos dados de um inquérito por questionário feito a 51% dos emigrantes regressados a um território do Norte de Portugal (303 indivíduos), verificamos que ressalta dinamismo empresarial, especialmente de mulheres ex-emigrantes. Apresentaremos os resultados de alguns inquéritos por entrevista.
1. INTRODUÇÃO
O possível regresso de emigrantes oriundos de meios pequenos e rurais, e com elevadas taxas de emigração, poderá ser considerado como um fator vantajoso para as áreas geográficas de origem. Questiona-se se os emigrantes regressados a um território rural do Norte de Portugal têm capacidade de inovação e espírito empreendedor e se aplicam essas potencialidades no investimento e no desenvolvimento do seu local de origem, baseando-nos na análise dos dados de um inquérito por questionário feito a 51% dos emigrantes regressados ao território em estudo (303 indivíduos).
Neste contexto, o presente artigo integra-se numa investigação que teve por base a recolha de dados em diversas fontes de informação, numa lógica multimétodo, integrando técnicas de inquirição, de observação e de análise documental. Esta complementaridade metodológica possibilitou à pesquisa uma maior amplitude de informação e uma maior riqueza, sendo construída, reformulada, testada e reconstruída por indução analítica.
O território que serviu de palco a esta investigação, ocupa uma área de 322 km². Nas últimas quatro décadas, sofreu um decréscimo populacional de mais de metade da sua população, diminuindo o grupo de idade-jovem (0-14 anos) sensivelmente o mesmo que ganhou o grupo de idade-idosa (> 65 anos). Trata-se de uma região com forte e longa
tradição migratória.
2. O EMIGRANTE REGRESSADO
Das respostas ao inquérito, 56,8% são homens (172 inquiridos) e 43,2% (131) são mulheres.
Dos regressados ao território de origem, 52,4% (153 inquiridos) têm mais de 60 anos de idade, seguindo-se a faixa etária dos 50 aos 59 anos que atinge os 27,4% (80 inquiridos). A percentagem de jovens até aos 30 anos, que já viveu a experiência de emigrante, é escassa, correspondendo a apenas 2,4%.Cruzando o género dos emigrantes regressados com a sua idade atual, verifica-se uma certa homogeneidade de género. A maior discrepância encontra-se no intervalo etário dos 30 -39 anos, no qual predominam as mulheres. Nas faixas etárias mais jovens (até aos 30 anos), denota-se
uma tendência para a proximidade de género, reflexo da feminização crescente dos fluxos migratórios.
A população inquirida apresenta baixo nível escolar. Do total de 292 inquiridos, 128 (ou seja, 43,8% da amostra) concluíram a escola primária. No entanto, 21,2% (62 pessoas) não sabe ler nem escrever e 23,3% (68 pessoas) sabe ler e escrever, mas não têm grau escolar. É residual, apenas 4 inquiridos, o número de indivíduos emigrantes com estudos superiores.
Quanto ao nível de escolaridade, é notável a discrepância entre mulheres e homens, nos primeiros níveis de ensino, sobretudo quanto aos indivíduos que sabem ler e escrever mas sem grau escolar: 35,3% do género feminino e 64,5% do género masculino. A tendência para a homogeneidade acontece nos níveis de escolaridade mais avançados.
Apenas dois indivíduos ex-emigrantes, de ambos os géneros, frequentaram a universidade.
Este facto não causa admiração, já que a lei portuguesa só a partir de 1956 tornou obrigatória a escolarização até ao 4ª classe para os homens e, em 1960, para as mulheres. Dado que a maior parte dos inquiridos emigraram na década de 60 e 70, ainda não tinham sido abrangidos por aquela lei. Os níveis de escolaridade são mais elevados nas camadas mais jovens de emigrantes regressados, devido à cada vez maior aposta na instrução, através da escolaridade mínima obrigatória, associada também a uma cada vez mais tardia inserção no mercado de trabalho.
2.1 DÉCADAS DE EMIGRAÇÃO DO EMIGRANTE REGRESSADO SEGUNDO O PRIMEIRO PAÍS DE IMIGRAÇÃO
Em todas as décadas, com exceção da década de 40 do séc. XX, a grande percentagem de emigrantes dirigiu-se para a França que foi, aliás, o principal país de acolhimento dos emigrantes provenientes do território em estudo.
Atente-se, ainda, que, na década de 50, embora 44,4% dos emigrantes tenham escolhido a França como país de destino, também é significativo o número de emigrantes que partiram para o Brasil, (33,3%).
Já na década de 90, apesar de o principal destino ser a França, também a Alemanha, os EUA e Andorra foram países escolhidos. De destacar que, na década de 90, se começou a assistir a fluxos de emigração sazonal, fruto da instabilidade económica vivida em Portugal, fenómeno este com contornos diferentes da emigração registada em
décadas anteriores.
Só a partir da década de 60 é que surge um segundo país de imigração. Entre 1960-1969, 66,7% dos emigrantes
(2) partiram para França e 33,3% (1 individuo) para Angola. Já na década de 70, os destinos de 4 indivíduos, repartiram-se pelos EUA, Suíça, Canadá e Luxemburgo. Na década seguinte, a emigração dirigiu-se exclusivamente para o Canadá. Nos anos 90, os dois países de destino para indivíduos foram os EUA e a França.
A principal razão que determinou a opção de emigrar é uma razão económica (87,5%, 252 inquiridos). Os inquiridos, independentemente do género e/ou da idade, emigraram, sobretudo, por questões financeiras. O panorama das razões de emigração apontadas pelos inquiridos, “(…) corresponde, de algum modo, à imagem que se tem da
emigração portuguesa, originada fundamentalmente em motivos de ordem económica” (Silva, 1984, p.99). Nas “leis de Migração de Ravestein" ou na “Teoria da Migração” de Lee (1969), a migração sempre foi encarada como a resultante de um cálculo microeconómico entre as perspetivas oferecidas na sociedade de destino frente às condições prevalecentes na sociedade de origem (Patarra e Cunha, 1987; Salim, 1992; Pacheco e Patarra, 1997). Neste balanço microeconómico, pobreza, ausência de emprego e meios de produção constituem-se como fatores de expulsão. Por outro lado, as oportunidades de emprego e melhores salários contrariam esta tendência. Mas não é exclusivamente o fator económico a razão da emigração dos inquiridos em estudo; razões familiares, nomeadamente o facto de o cônjuge ser já emigrante, são justificações de saída para onze indivíduos da amostra em estudo. Razões políticas e a fuga ao serviço militar obrigatório aparecem de forma escassa e apenas nas décadas de 60 e 70.
2.2 MOTIVOS DE REGRESSO E QUADRO FAMILIAR DO EX-EMIGRANTE
Em diferentes partes do Mundo, vários investigadores têm estudado a emigração de regresso (Brettell 1979;
Gmelch 1980, 1983, 1987, 1992; Guarnizo 1997, etc.); e prestado atenção a tipologias da migração de regresso. Uma distinção básica encontra-se entre os emigrantes, que visam a sua partida como permanente, e aqueles que tencionam que seja temporária. Gmelch (1980) refere que a maior parte dos estudos indicam que os fortes laços familiares, em vez dos fatores económicos, são o maior incentivo para o regresso.
De facto, a família desempenha um papel muito importante no indivíduo emigrante. Esta é o seu grande suporte e as ligações familiares parece solidificarem-se aquando da emigração. Assim, encontramos os motivos familiares, nomeadamente a garantia da unidade familiar, como a principal razão do regresso do emigrante por nós estudado
(23,3%, 63 inquiridos). As saudades e o amor à terra natal surgem em segundo lugar, com 11,9%, (32 inquiridos), o que é revelador da ânsia de regresso às raízes.
Quase sem relevância surgem as razões políticas (1,9%, 5 inquiridos) e a falta de condições de acolhimento no país de imigração (0,4%, 1 inquirido).
Stack (1996, p.15), estudando os africanos na América do Norte, chega às mesmas conclusões quanto aos motivos de regresso dos emigrantes, “(…) o resolver regressar a casa não é primeiramente uma decisão económica mas uma mistura poderosa de motivos. As pessoas sentem uma obrigação de ajudar os seus parentes, ...”
No caso português (Brettell 1979), esta ideologia está ligada ao conceito, culturalmente intrínseco, de saudade – nostalgia pela terra de origem. Feldman-Bianco (1992, p.145) afirma que saudade “é uma construção cultural que define a identidade portuguesa no contexto de múltiplas camadas de espaço e tempo (passado).”
No nosso estudo, 48,5% dos inquiridos emigraram na companhia do cônjuge. Este facto revela a importância da família para os inquiridos à data da emigração. Importante também é a percentagem de cônjuges (32,0%) que emigraram mais tarde. Este facto leva a concluir que o indivíduo procurou, em primeiro lugar, criar boas condições
de vida para, num momento posterior, poder receber o cônjuge. Residual (2,0%) é a percentagem de inquiridos cujo cônjuge “já lá estava”.
2.3 ( RE) INTEGRAÇÃO DO EX-EMIGRANTE NO LOCAL DE ORIGEM
Analisando o perfil socioeconómico do emigrante no momento da partida, verificamos que 76,7% dos inquiridos eram trabalhadores familiares antes de emigrarem , dos quais 71,8% integravam o sector agrícola como principal ocupação, 11,5% os serviços domésticos e 7% a construção civil.
A baixa percentagem de patrões que resolveram emigrar deve-se ao facto de a situação destes permitir melhores condições económicas e mais estabilidade, o que reduz a necessidade de aposta na emigração. No grande conjunto de trabalhadores familiares, os homens concentram-se entre os 20 e os 49 anos, com destaque para o grupo etário dos 30-39 anos; no género feminino, a distribuição é transversal a quase todas as idades.
Os emigrantes chegados ao país de destino, devido à pouca experiência, aos critérios seletivos usados pelos empregadores, à escassa formação profissional adquirida no país recetor, ao desconhecimento dos mecanismos de funcionamento do mercado de trabalho urbano, às próprias referências anteriores de sobrevivência bastante
precárias no local de origem, considerando inclusive as ocupações urbanas dotadas de mais elevado status, acabam inserindo-se nas profissões de baixa qualificação da construção civil e dos serviços, normalmente sujeitos a processos contratuais precários (Alberts, 1997; Martine, 1997 e 1980ª). O deficiente domínio da língua estrangeira e a baixa escolaridade dos inquiridos constitui também um obstáculo ao desempenho das funções exigidas.
Do total de inquiridos, 32,9% (96 inquiridos) foram para o estrangeiro trabalhar na construção civil e 21,6% (63 inquiridos) ocuparam-se em serviços domésticos. Em terceiro lugar surge a agricultura, com 12,0% (35 inquiridos), percebendo-se que esta atividade sofre um acentuado decréscimo. Os sectores do comércio (5,5%, -16 inquiridos), dos transportes e comunicações (2,1%, -6 inquiridos) e da restauração (2,7%, -8 inquiridos) reúnem baixas percentagens.
A ocupação profissional com maior preponderância para o género masculino é a construção civil, concentrando-se os inquiridos entre os 20 e os 49 anos. Nas mulheres, é claramente o sector dos serviços domésticos a englobar o
maior número de emigrantes, também nas faixas etárias dos 20 aos 49 anos.
A diferença nas ocupações profissionais no primeiro e no último emprego, no país de imigração, não são significativas. O sector da construção civil, para os homens, mantém a liderança, aproximadamente com o mesmo peso no conjunto da amostra, assim como os serviços domésticos, para as mulheres.
A ligeira exceção a este cenário centra-se no sector da jardinagem, que sofreu um ligeiro decréscimo do primeiro para o último emprego no país de imigração, assim como no ramo da restauração que registou um leve aumento percentual. Tendo em conta as ocupações profissionais dos inquiridos antes de emigrarem e as integradas no país
de acolhimento, encontramos apenas mobilidade estrutural (…), ou seja, de um sector profissional para outro”(Leandro, 1995, p. 210). Concluímos que, se para alguns emigrantes a mobilidade geográfica se constitui como uma inevitável estratégia de sobrevivência básica para garantir a sua posição na estrutura social, para outros, porém, proporcionou-lhes uma melhor inserção socioeconómica. Quando questionados os emigrantes regressados sobre o seu poder de compra e nível de vida no país de imigração em comparação com a respetiva situação antes de emigrarem, encontramos visíveis melhorias.
Verificamos que 54,2% dos inquiridos alegaram ter “muito mau” poder de compra, no início, melhorando-o com a emigração. No país de imigração, 37,2% dos inquiridos referem ter uma situação “razoável” (23,6%) e “mais que razoável” (13,6%), indicando 17,2% dos indivíduos uma situação “boa” e “excelente”.
Analisando as mudanças ocupacionais, do emigrante regressado, ao longo da sua trajetória migratória (emigração-regresso), verifica-se que, independentemente do género, estes estiveram sujeitos a níveis crescentes de mobilidade, para ocupações mais acima ou mais abaixo na escala sócio ocupacional, mas também em direção à inatividade edesocupação. Recordamos que, antes da emigração, a maior parte dos inquiridos eram trabalhadores familiares, não existindo ninguém a viver de rendimentos. Após o regresso, muitos vivem na situação de reformado, enquanto
que outros vivem dos rendimentos auferidos no país de acolhimento ou se tornam patrões, sendo este estatuto, relativamente à situação na profissão, a mudança mais significativa encontrada, com as consequentes implicações económico-sociais que daí advêm. Apresentando valores residuais, encontramos situações de desemprego após o
regresso. Acerca da situação na profissão dos emigrantes regressados, segundo o género, é de frisar que, em ambos os géneros, predomina a situação de reformado, a que se segue a situação de doméstica, no caso das mulheres, e de trabalhador por conta própria, quanto aos homens.
Este razoável número de domésticas “(…) evidencia uma clara tendência para a reocupação, por parte destas, do seu papel de “donas de casa”, mesmo depois de terem exercido alguma profissão no estrangeiro” (Seruya, L.M. et al. 1985, p.84). O facto de as mulheres, após o regresso, poderem ficar em casa sem terem necessidade de
trabalhar, poderá significar que a emigração foi bem sucedida, possibilitando viver dos rendimentos no regresso.
Não encontramos uma redefinição das responsabilidades de género na esfera doméstica. Estas tarefas mantêm-sena esfera feminina, confirmando-se o estereótipo de género ao centrar o trabalho da mulher no contexto doméstico.
No entanto, no regresso, observamos também alguma mudança na posição da mulher referente ao trabalho: de doméstica antes de emigrar, se afirma agora numa situação que rompe com o controlo patriarcal e se integra no mercado laboral como trabalhadora por conta própria (Hillmann, 1999, citado em Levent e Nijkamp, 2006; Pearce, 2005).Com exceção da situação de doméstica que obviamente abarca mais indivíduos do sexo feminino, as situações de patrão, trabalhador por conta de outrem e reformado, independentemente do género, são as que recolhem mais respostas por parte dos inquiridos. Assim, e relativamente ao país de acolhimento, confirmamos a existência de mobilidade social ascendente, em virtude da mudança de estatuto e de situs no quadro das classificações sociais, com melhorias socioeconómicas significativas.“… estatuto e situs constituem, de algum modo, as linhas de força dum meio socioprofissional no espaço social” (Leandro, 1995, p.2119. É possível observar que a situação de trabalhador por conta própria, independentemente do género, se encontra nas faixas etárias dos 20 aos 49 anos, e a de reformado começa a apresentar valores relevantes a partir dos 40 anos. De realçar ainda o número considerável de inquiridos, no intervalo dos 20-39 anos, a trabalhar por conta de outrem, o que vem reforçar o facto de muitos dos inquiridos terem regressado ainda em plena idade ativa.
A ocupação profissional dos ex-emigrantes, após o regresso, é claramente a agricultura (53,7%). Este elevado valor é justificado pelo facto de muitos emigrantes trabalharem na agricultura antes de emigrarem e, por isso, após o
regresso, sentirem apego à terra, sendo mais fácil a sua re (integração). Importa também não esquecer que muitos dos emigrantes regressados voltam já numa idade avançada, difícil para ingressarem noutros empregos; e a agricultura, no âmbito de uma economia doméstica, torna-se a atividade complementar do pecúlio amealhado no seu percurso migratório. Os serviços domésticos surgem em segundo lugar, com 18,2%. O sector da construção civil atinge os 8,7%, sendo uma atividade habitualmente associada ao trajeto do emigrante no país de acolhimento. O comércio aparece com 7,4%, atividade esta que permite uma certa mobilidade ascendente, autonomia e prestígio social. Os transportes e comunicações, os têxteis, vestuário e calçado, surgem com 8,0%. Verifica-se uma certa mobilidade intersectorial do ex-emigrante, relativamente às ocupações exercidas antes de emigrarem.
O impacto do retorno sobre a dinâmica económica concelhia vê-se diminuído não só em razão da idade do emigrante aquando do regresso, mas também em razão da baixa escolaridade e da forte inclusão no sector primário. À medida que a idade vai avançando, a opção pela agricultura vai também aumentando, enquanto que a construção civil vai diminuindo, percetível pelo facto de esta ser uma atividade com inerentes exigências físicas. O comércio, sector de atividade que proporciona alguma autonomia e prestígio social, vai também decrescendo com o aumento da idade, associado a um menor espírito empreendedor.
Pode concluir-se que, embora agente de poupança, o emigrante não o é tanto de investimento quando regressa
(Gonçalves, 2003, p.180). Há uma clara preocupação em viver do aforro/reforma conseguidos na emigração e uma menor apetência pelo investimento.
A agricultura não só é o principal sector de atividade dos emigrantes regressados, é também o sector privilegiado pelos dois géneros. Desta forma, enquanto os homens têm a agricultura como principal atividade, distanciando-se da construção civil, as mulheres dividem-se entre a agricultura e os serviços domésticos.
Os ex - emigrantes inquiridos foram questionados sobre a sua perceção sobre o como seu poder de compra e o nível de vida após a chegada, atualmente e por um período de 5 anos.
Verificamos que, após o regresso ao local de origem e após um período de emigração em que procuraram alcançar melhores condições de vida, a grande maioria dos inquiridos indica como razoáveis o seu poder de compra e nível de vida, 32,7%, (73 inquiridos). Apenas 27 inquiridos indicam como má ou bastante fraca a sua qualidade de vida após o regresso. Também assumem valores relevantes os 44 inquiridos que afirmam ter um poder de compra e nível de vida entre bom e excelente.
Observamos que, independentemente do tempo de estadia no país de acolhimento, a maioria dos inquiridos indicacomo razoáveis o seu poder de compra e nível de vida após o regresso, não se verificando qualquer relação entre ambas as variáveis. No entanto, os níveis mais altos de poder de compra e do nível de vida, assim como o “bastante fraco” e “fraco”, concentram-se respetivamente nos intervalos até 5 anos e a partir dos 10 anos de emigração.
Constatamos que os ex- emigrantes com menor tempo de estadia no país de imigração demonstraram maior satisfação relativa ao seu poder de compra e nível de vida aquando do regresso ao país de origem.
Atualmente, o poder de compra e o nível de vida mantém-se em patamares semelhantes aos indicados pelos inquiridos após o fim do período de emigração, sem variações percentuais relevantes. Continuamos a constatar que a maioria dos inquiridos indica como razoáveis. o seu poder de compra e nível de vida De salientar a continuidade e
consistência destes valores, igualmente nos patamares mais altos (de bom a excelente), daí poder-se concluir que este item demonstra claramente que o objetivo principal da emigração (melhores condições económicas) foi cumprido,tendo aliás proporcionado ao conjunto de inquiridos a manutenção desse nível de poder de compra e de nível de vida.
Quando questionados acerca do seu poder de compra e nível de vida dentro de 5 anos, observamos que os patamares indicados após o regresso e atualmente sofrem uma retração bastante visível talvez fruto da atual conjuntura económica nacional, com perspetivas de desenvolvimento a nível local algo limitadas. Os inquiridos
concentram as suas respostas entre muito mau e razoável poder de compra e nível de vida
Um dado que não pode nem deve ser ignorado nesta questão, provavelmente consequência da instabilidade e imprevisibilidade económica atual do país, é que 40,6% dos indivíduos (123 inquiridos) não responderam a esta (116 inquiridos).
Quando questionados os emigrantes regressados sobre os problemas que encontraram a nível da reinserção local, é notório, independentemente do género, o predomínio de problemas relacionados sobretudo com: assistência médica, inadaptação à vida atual e falta de emprego.
Independentemente do género, o ex-emigrante continua a revelar, após o regresso, fraca apetência para o investimento económico, alegando como desmotivação para esta atitude, entre outros motivos, a ausência de incentivos e apoios, e a falta de mercado. As poupanças são gastas essencialmente em itens de consumo.
Ao nível do investimento das poupanças antes da emigração, verifica-se que 67% dos inquiridos, independentemente do género, indicaram não ter qualquer tipo de poupanças que lhes permitissem investir. Os pequenos investimentos que efetuaram dispersaram-se pela agricultura, construção ou compra de casa própria e educação dos filhos, áreas estas de investimento sem destrinça de género.
Após o regresso, o ex-emigrante continua a revelar baixa propensão para investir na indústria e no comércio. O principal investimento das poupanças é a construção de casa própria, seguido da agricultura e de algum comércio local. O depósito no banco e a educação dos filhos seguem-se, mas com valores percentuais menos significativos,
no conjunto da amostra. Contudo, numa visão global, todos estes valores levam-nos a crer que o emigrante procura estabilidade à chegada e realizar investimentos sem risco, assegurando o futuro da família. Donnan e Werbner (1991); Gardner (1995); Gmelch (1980), nos seus estudos sobre as remessas dos emigrantes e a migração de regresso, são unânimes em considerar que as poupanças dos migrantes são frequentemente gastas em itens de consumo, em vez de investimento económico, acrescentando, inclusive, que as qualificações adquiridas no estrangeiro não podem ser facilmente aplicadas ao contexto rural de origem.
Analisando o investimento auferido pelos inquiridos da nossa amostra segundo a idade de regresso, observamos que são os homens, no intervalo dos 30 anos a 59 anos, a enfatizar que o investimento passa pela construção ou compra de casa própria. Por seu lado, as mulheres manifestam a mesma vontade mas em idades mais baixas, entre os 20 e os 39 anos. As restantes intenções de investimento das poupanças distribuem-se equitativamente entre homens e mulheres, independentemente dos intervalos etários, não se verificando nenhum valor percentual de relevo no conjunto da análise. A inexistência de políticas integradas de desenvolvimento rural, com destaque para o investimento em infraestruturas locais, de criação de parques industriais em colaboração com o Município, assim como a escassez de centros de formação profissional, tem levado os ex-emigrantes a depositar no banco as suas poupanças, não sendo assim potenciada a sua capacidade de mobilização/investimento, inibindo-os de se constituírem como agentes de desenvolvimento local.
Assim, quando questionados sobre a aplicação de investimentos futuros,
independentemente do género, alega não ter poupança. Os emigrantes geralmente são pouco vocacionados para atividades de risco. Dos inquiridos, 57,4% não pensam investir devido à idade avançada, 19,6% devido à falta de incentivos e apoios, tendo 15,2% referido a falta de mercado. Quando integrados na análise dos intervalos etários, observamos que a grande maioria afirma não ter poupança, sendo transversal a todas as faixas etárias, ainda que com maior incidência entre os 30 e os 49 anos. Os emigrantes regressados, com idade avançada e com melhores condições económicas após a emigração, centram a preocupação no futuro dos filhos.
Quando questionados sobre as inovações introduzidas após o regresso à origem, indicam que a principal se prende com a habitação, que é, aliás, o seu grande investimento à chegada. Seguem-se os hábitos alimentares, as formas de vestir, as relações pessoais e, por fim, os tempos livres. Apesar de haver uma readaptação ao estilo de vida antes da emigração, há, claramente, uma introdução de novos hábitos por parte dos emigrantes regressados, introduzindo uma certa urbanidade local. Quer a nível de género quer a nível de idades, não se verificam diferenças relativamente às inovações introduzidas. Tanto os homens como as mulheres consideram que a maior inovação introduzida, após o regresso ao país de origem, se prende com a habitação.
A principal inovação introduzida pelo emigrante na agricultura foi a aposta em equipamentos novos, com 51 inquiridos, seguindo-se os novos processos de trabalho, com 39 inquiridos e as novas formas de produção, com 31 inquiridos, e, em último lugar, as novas matérias-primas, com 6 inquiridos.
Não se notam diferenças significativas de género, ao nível das inovações introduzidas na agricultura. Analisando estas inovações, segundo a idade de regresso, observamos que a introdução de novos equipamentos é indicada pelos inquiridos com idades compreendidas entre os 30 e os 49 anos; a inovação de processos de trabalho pela faixa etária dos 40-49 anos; e as novas formas de produção e cultivo pelos inquiridos entre os 30 e os 49 anos.
Independentemente dos motivos que tenham induzido os indivíduos à emigração-regresso ao local de origem, a integração nas estruturas sociais preexistentes do local de chegada pressupõe um ajustamento às regras e valores vigentes. Perante a dificuldade individual de integração, os indivíduos congregam esforços e iniciativas com vista
ao alcance de objetivos comuns, agrupando-se em estruturas formais de âmbito mais alargado – as associações de migrantes. O associativismo constitui uma atitude contrária ao individualismo, já que o indivíduo, em vez de se isolar, descobre “o outro”, descobre a ação conjunta e a capacidade de organizar-se e de agir em grupo, tornando-se um ator social unido por um ideal comum. “A condição de imigrado conduz em boa parte a uma certa indiferença a maior parte dos inquiridos, e ou até ao isolamento social e são em boa parte as associações de carácter sociocultural que abrem o caminho para uma reformulação das relações entre os imigrados mas também para uma mais fácil inserção na sociedade de acolhimento” (Ferreira e Rato, 2000, p.211). O associativismo de migrantes constitui uma forma institucionalizada de reforço do grupo perante ameaças exteriores, assim como de intervenção/manifestação perante a sociedade recetora e respetivas instituições públicas. “Não há nada que a vontade humana desista de alcançar pela ação livre do poder coletivo dos indivíduos unidos numa adesão pública de um certo número de indivíduos a estas ou aquelas doutrinas ou interesses e no compromisso que assumem em contribuir de alguma forma para que elas prevaleçam”
(Tocqueville, 2001, p.236).
Na abordagem da problemática do associativismo dos ex-emigrantes no país de acolhimento e após o regresso ao país de origem, a nossa amostra contempla, ainda que de um modo transversal, algumas questões que se prendemcom a natureza e com as motivações dos movimentos migratórios. Constatamos que o nível de participação
associativa dos emigrantes no país de acolhimento tem pouca expressão. No entanto, 40 inquiridos indicaram ter algum tipo de participação associativa. O associativismo suscita maior interesse ao nível cultural, com 21 inquiridos a indicarem esse tipo de participação, talvez em razão da necessidade de aproximação a associações que
promovam o intercâmbio de culturas entre o país de origem e o país de acolhimento, com a criação de espaços para as comunidades portuguesas.
Já ao nível desportivo, - um tipo de associação que geralmente agrega um grande número de intervenientes -, na nossa amostra, apenas 5 inquiridos se associaram nesta modalidade de participação associativa, e apenas 1 inquirido disse fazer parte de uma associação política. Observa-se uma maior participação dos homens, não se vislumbrando, contudo, diferenças significativas quanto ao género, em termos de participação associativa. São sobretudo os inquiridos que concluíram a escola primária, e independentemente do género, que revelam uma maior aptidão para participar em associações preferencialmente do tipo cultural.
Quanto à participação associativa após o regresso, 51 inquiridos revelam ser, atualmente, membros de alguma associação local, predominando as de âmbito cultural, o que reflete claramente a continuidade da experiência vivida na emigração, na qual o contacto com as associações de portugueses sempre teve um papel importante na vida dos emigrantes, servindo de elo de ligação quanto à língua, informações, costumes, informações, enlaces matrimoniais, constituindo-se como meio de reviver a terra natal.
Analisando a participação associativa após o regresso segundo o género, verificamos que não se denota também diferenças significativas em termos de participação, sendo as associações culturais e desportivas a colher os valores percentuais mais significativos, quer no género masculino e quer no feminino. Curiosamente, ainda que sem grande significado, a participação em associações de cariz desportivo é superior no género feminino que no masculino.
Também, em função dos níveis de escolaridade, não se denotam forças de correlação positivas ou negativas quanto à participação associativa. A participação associativa de cariz cultural concentra-se no nível de escolaridade do 1.º ciclo do ensino básico (escola primária), quer no género masculino, quer no feminino.
No que concerne à participação política, 20,9% (58) dos inquiridos estão inscritos num partido político. Dos inquiridos, 13,0% (36) ocupam um cargo político.
Relativamente à inscrição num partido político (por género), segundo o nível de escolaridade, verificamos que a inscrição não se correlaciona com o nível de escolaridade, quer para os homens quer para as mulheres. Em ambos os géneros, a inscrição num partido político concentra-se nos baixos níveis de escolaridade.
Neste contexto, observamos envolvimento dos ex-emigrantes na vida política local. Dos 36 inquiridos que ocupam cargos políticos, 30 pertencem à Junta de Freguesia, 2 ocuparam o cargo da Presidência da Autarquia Local, 4 ocuparam outros cargos junto do poder local, verificando-se um certo empenho dos emigrantes regressados na vida
política local.
Correlacionando a ocupação de um cargo político (por género) com o nível de escolaridade, observamos não existir uma correlação positiva entre as variáveis. O valor mais significativo concentra-se ao nível da ocupação de cargo na Junta de Freguesia, em que 14 inquiridos do género masculino com a escola primária indicam ter ocupado um cargo na Junta de Freguesia.
A ocupação de cargos políticos demonstra claramente que são os homens a terem uma intervenção mais clara do que as mulheres. Apenas 7 mulheres já ocuparam cargos políticos, contra 29 homens. Destes, o cargo mais mencionado foi no âmbito da Junta de Freguesia, sendo que, dos 30 inquiridos que já ocuparem cargos ao nível da Junta de Freguesia, 27 são homens e apenas 3 são mulheres. Giddens 1984; Scott 1985, confirmam noções largamente aceites no sentido de que constrangimentos culturais impossibilitam as mulheres imigrantes de se ocuparem em atividades políticas e de liderança dentro das suas comunidades.
3.~ PERCEÇÃO DAS CARÊNCIAS LOCAIS POR PARTE DO EX-EMIGRANTE
Para 50% dos inquiridos, as perspetivas de desenvolvimento do local de origem são “pequenas”. Apenas um indivíduo indicou grandes expectativas de desenvolvimento do local para onde regressou. Os dados são reveladores de um certo conformismo dos ex-emigrantes e alguma descrença na evolução da sua freguesia de residência.
Avaliando a relação entre a opinião sobre as possibilidades de desenvolvimento local em função do género e idade, não se observa a existência de correlação significativa. A concentração do maior número de respostas verifica-se ao nível das “pequenas” perspetivas de desenvolvimento local, e, dentro destas, os homens assumem maior peso
No atinente à pergunta do inquérito “que tipo de ajudas gostaria de obter? ”, os inquiridos indicaram como prioritária a assistência médica. Seguem-se, por ordem decrescente de importância, os subsídios, facilidades na conclusão dos estudos dos filhos, facilidades administrativas, empréstimos a juros bonificados, apoio técnico e
informação sobre aplicação das poupanças.
Avaliando segundo o género, a distribuição apresenta-se equitativa nas três principais ajudas indicadas. De salientar apenas que os homens denotam maiores preocupações em relação a questões relacionadas com empréstimos e com facilidades administrativas. Estes valores poderão estar relacionados com o facto de serem geralmente os homens a gerir estas questões com mais regularidade. Os inquiridos integrados no escalão etário dos 30 aos 49 anos são os que solicitam mais ajuda.
Dos inquiridos, 80 sugerem, como medidas a implementar para melhorar a agricultura na região, mais subsídios/ajuda financeira, 33,6%, enquanto que 19,3% apelam para que se garanta ao agricultor o escoamento dos produtos.
Mas não é despiciendo que 44 inquiridos (18,5%) não sabem ou não respondem a esta questão. Na opinião de 39 inquiridos, a implementação de qualquer tipo de indústrias, seria importante para o concelho de Boticas. Dos inquiridos, 23 nomeiam as fábricas de produtos agrícolas, 19 a produção de fumeiro e 17 o turismo rural/agricultura
Quando questionados ex-emigrantes sobre as medidas a implementar, por ordem de prioridade, para desenvolvimento do território em estudo, 40,7% indicaram como sua grande preocupação o emprego, para fixar os jovens aos seus locais de origem. Apenas 106 inquiridos indicaram uma segunda medida a implementar no concelho:
a melhoria dos acessos, com 10,4%, que se concentra na faixa etária dos 20/29 anos. As restantes medidas indicadas apresentam valores residuais. Como terceira medida a implementar, dos 55 inquiridos que responderam a esta questão, 14,5% (8 inquiridos) indicaram que facilidades bancárias dariam um novo impulso às condições económicas
dos habitantes da região.
4. INICIATIVAS EMPRESARIAIS DOS EMIGRANTES REGRESSADOS – ESTRATÉGIAS E
PERSPETIVAS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL
O incentivo à iniciativa empresarial tem sido usado por alguns países como uma forma de combater a exclusão e permitir a mobilidade social.
O dinamismo empresarial de alguns emigrantes regressados, no território em estudo, tem feito renascer os mercados locais, gerando inclusive o aparecimento de novas atividades. Tendo como objetivo um aprofundamento daquele, apresentamos seguidamente os resultados de seis inquéritos por entrevista feitos por nós a emigrantes
regressados dos dois géneros. Segundo Ruquoy (em Albarello et al. 1997) “as entrevistas permitem uma compreensão rara e matizada das situações que se relacionam com a forma de ver o mundo, as intenções e crenças dos indivíduos…” (Albarello et al: 1997, p.84). Esta análise integra quatro eixos de caracterização: (1) Identificação do empresário – Características demográficas e socioculturais e história de vida (mobilidade geográfica, percurso académico e profissional, motivações pessoais e constituição familiar); (2) Identificação, caracterização e evolução da empresa; (3) Apoio institucional e perspetivas de desenvolvimento concelhio; (4) Avaliação global da empresa (grau de satisfação, fatores de in(sucesso) e impacto da empresa a nível local.
4.1CARACTERÍSTICAS DEMOGRÁFICAS, SOCIOCULTURAIS E PERCURSOS DE VIDA
Apesar de obstáculos, e alguns deles já referenciados pelos próprios, o dinamismo empresarial de alguns emigrantes regressados ao território em estudo tem feito renascer os mercados locais, gerando, inclusive, o aparecimento de novas atividades. Tendo como objetivo a análise deste dinamismo, apresentamos os resultados de alguns inquéritos por entrevista.
Esta análise integrou quatro eixos de caracterização: (1) Identificação do empresário – Características demográficas e socioculturais e história de vida (mobilidade geográfica, percurso académico e profissional, motivações pessoais e
constituição familiar); (2) Identificação, caracterização e evolução da empresa; (3) Apoio institucional e perspetivas de desenvolvimento local; (4) Avaliação global da empresa (grau de satisfação, fatores de in(sucesso) e impacto da empresa a nível local).
Independentemente do género verificamos, relativamente às características demográficas, socioculturais e percursos de vida, que:
- A idade média dos inquiridos é de 47,6 anos;
- Os empresários são autóctones ou ligados ao local em estudo por laços familiares;
- As habilitações literárias variam desde o 4ª ano até ao 12º ano;
- Apresentam formação diversificada adquirida no país de imigração;
- A maior parte dos empresários em estudo estão ligados a alguns tipos de associações;
- Registam mobilidade profissional ascendente;
- Foram imigrantes predominantemente em França;
- Se identificam como cidadãos europeus, exceto um dos entrevistados;
- Apresentam elevada mobilidade geográfica anterior ao regresso.
No atinente sistematizamos: à identificação, caracterização e evolução das
empresas,
- O ramo de atividade das empresas analisadas é diversificado, e referente
essencialmente à restauração e ao comércio;
- As empresas localizam-se na sede de concelho, à exceção de um dos hotéis;
- As empresas são de pequena dimensão e com baixo volume de vendas, mas
apresentando, na generalidade, evolução positiva;
- Todas as empresas apresentam forma jurídica em nome individual e estrutura familiar
quanto ao capital social e à composição dos recursos humanos;
- O Capital social provém essencialmente da poupança, embora também sejam referidos
o crédito bancário e fundos comunitários, respetivamente por dois e um inquiridos;
- As empresas apresentam boas perspetivas de crescimento e projetos futuros;
- As empresas são direcionadas para o mercado local e regional;
- A reação da comunidade à implementação das empresas em estudo segue uma
perspetiva determinista, face ao contexto territorial;
- A promoção da imagem das empresas é feita essencialmente pela rádio e pela Internet.
Relativamente à avaliação global da empresa, verificamos que:
- Os empresários encontram-se geralmente satisfeitos com as suas empresas;
- O impacto das empresas a nível concelhio é positivo e reflete-se na criação de:
emprego, riqueza, sinergias e investimentos.
Quanto apoio institucional e perspetivas de desenvolvimento local, salientamos o
seguinte:
- As empresas em análise revelam escasso apoio institucional. A generalidade dos
empresários desconhecem as vantagens/impactos dos fundos estruturais; consideram,
inclusive, a desadequação das exigências dos programas às realidades locais;
- O impacto das empresas a nível local é geralmente positivo, refletindo a criação de
emprego, de riqueza e sinergias locais;
- Os entraves ao desenvolvimento resumem-se em: despovoamento, débil marketing
territorial, falta de infraestruturas, escassa mão-de-obra especializada, falta de emprego, forte envelhecimento populacional, salários baixos, burocracia e baixo poder de compra;
- As oportunidades de desenvolvimento para as empresas baseiam-se essencialmente
em: incentivos fiscais, proximidade fronteiriça, ambiente natural e mão-de-obra barata;
- As estratégias de dinamização da economia local passam pela implementação de
pequenas e médias indústrias ligadas à horticultura, à madeira, à produção de carnes
regionais, pelo fomento do turismo e revitalização da floresta e pela captação da energia eólica.
Do referido, observamos que as mulheres emigrantes regressadas que responderam a este inquérito por entrevista, revelaram, face aos homens:
- Habilitações literárias mais avançadas;
- Formação complementar mais diversificada;
- Percurso profissional mais variado;
- Grau de motivação mais elevado;
- Maior iniciativa e pro atividade.
CONCLUSÃO
Face ao exposto, consideramos oportuno potenciar (facilitando/apoiando) as forças/recursos dos espaços territoriais esquecidos do nosso país, valorizando, inclusive, as capacidades, o know-how e as mudanças sociais, económicas e culturais que os emigrantes regressados, e essencialmente as mulheres, induzem, de forma direta ou indireta, nas comunidades locais, pondo em prática as condições de emancipação e de mobilidade social ascendente que o percurso migratório lhes facultou.
Torna-se necessário fixar a população nos territórios desfavorecidos, travando o contínuo fluxo emigratório e promovendo o regresso. A economia portuguesa, neste momento, está a sofrer ajustamentos que se traduzem na diminuição do salário real, no desemprego, na perda dos direitos sociais, processo este que está também a
afetar as economias mais desenvolvidas da Europa Ocidental e Central. Este facto poderá constituir-se como uma oportunidade de os nossos emigrantes aí residentes serem levados a relançar a sua vida em Portugal, nos territórios de origem. Após estes ajustamentos, se esperam boas oportunidades de sucesso económico. Por isso, mais urgente se torna, e em particular nas regiões deprimidas, a consolidação de estratégias de desenvolvimento local, apoiando a criação de centros de inovação orientados para oportunidades de novos negócios/autoemprego, formação e capacitação de potenciais empreendedores, criação de redes de mentores de apoio aos emigrantes empreendedores, a investigação e o desenvolvimento tecnológico.
Tornar os nossos territórios desfavorecidos espaços de atividade, de emprego e de criação de riqueza,favorecendo a promoção dos nossos ex-emigrantes nos seus locais de origem, através de políticas de género pró-ativas, deverá constar dos planos políticos de desenvolvimento.
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LUISA DESMET
Associação Mulher MigrantE
CONTRIBUTOS PARA UMA REFLEXÃO: EMPREENDEDORISMO NA IMIGRAÇÃO
Nas últimas décadas a sociedade portuguesa sofreu profundas alterações.
Algumas marcas relevantes do Portugal antes do 25 de Abril de 1974 desapareceram. Destaque-se, que essas alterações não foram somente nos elementos tradicionais, mas também nos aspectos estruturais da população e da sociedade, assim como nas características dos comportamentos e das mentalidades. A revolução de Abril alterou a vida política tendo implicações sociais, culturais e económicas de grande dimensão (Barreto, 2002).
A par de todas estas alterações internas em Portugal, ao nível do globo as transformações sucedem-se. A era da Globalização conquistava o planeta!
Assim, assiste-se a um impulso com base nas novas tecnologias, na criação de novos produtos, na recriação da divisão internacional do trabalho e na mundialização dos mercados.
Assiste-se também, à redistribuição da indústria, dos centros financeiros e organizações comerciais pelo mundo, formando-se uma cadeia mundial de cidades globais.
É pois para essas cidades que se dirigem as migrações internacionais da actualidade.
Mais precisamente a partir das últimas décadas do século XX, os movimentos migratórios internacionais passam a edificar uma questão emergente, avolumando-se, tornando-se visíveis, sendo uma das expressões impacto do processo de reestruturação produtiva mundial.
Segundo o Relatório das Nações Unidas de 2009 sobre a população mundial, as migrações triplicaram em 30 anos e quase todas as regiões do mundo estão condicionadas quer pela entrada, transito ou partida de indivíduos, tornando-se à alternadamente países de entrada, transito ou saída. Os migrantes são diversificados: mulheres, menores não acompanhados, elites qualificadas, estudantes, refugiados, desalojados por catástrofes naturais. As categorias de migrantes tornaram-se cada vez mais difusas entre os trabalhadores, desde os que solicitam asilo aos membros de reagrupamento familiar.
Como resultado das migrações, as sociedades actuais caracterizam-se por uma crescente diversidade, traduzida pela presença, num mesmo espaço social, de vários grupos étnicos, distintos da sociedade maioritária quer pela aparência física, quer pela língua, quer ainda, pelas normas e regras de conduta por que se regem.
Estamos perante um fenómeno social total (Marcel Mauss, 1872-1950), pois o fenómeno migratório afecta e é afectado por todo o tecido social em que se integra e envolve factores condicionantes de múltipla natureza: demográfica, económica, social, política ou cultural.
Portugal, país de índole emigratória, até à década de setenta do século passado, vê alterar este fenómeno com a Revolução de 25 de Abril de 1974 e a subsequente independência dos países africanos de língua portuguesa. Provenientes das ex-colónias chegam a Portugal indivíduos, quer originários da então metrópole, quer ali nascidos.
Estava iniciado um processo sem retorno!
Refira-se que de 50.750 imigrantes em 1980 o país passa para 445.055 imigrantes em 2010 (SEF/2010) concentrados predominantemente no litoral do país, nos distritos de Lisboa, Faro, Setúbal e Porto.
As primeiras vagas de imigrantes são de origem Cabo Verdeana e datam do pós 25 de Abril, sobretudo na década de oitenta. Não se deve contudo esquecer que muita desta população, oriunda de Cabo Verde já se encontrava em Portugal no inicio dos anos 70, quando o Estado Português sentiu necessidade de compensar a falta de mão de obra na construção civil e promoveu as migrações desta antiga colónia para a metrópole.
Nos anos oitenta Portugal deparava-se com uma imigração até então praticamente inexistente, a dos Brasileiros.
Nas primeiras vagas chegaram brasileiros qualificados, principalmente dentistas, jornalistas, médicos, nas vagas posteriores indivíduos, na sua maioria sem qualificações que se dedicaram a actividades no âmbito da restauração, construção civil e comércio, não obstante os que afluíram através de redes clandestinas e que alimentavam o mercado da prostituição.
Em finais dos anos noventa, provenientes dos países da Europa de Leste, novas comunidades afluem a Portugal, sendo a comunidade Ucraniana a que revela maior relevância.
Esta imigração alicerçou-se no desenvolvimento económico dos países do sul da Europa que revelaram carência de mão-de-obra e no fecho das fronteiras dos países do norte da Europa. Tratava-se de um tipo de imigração com elevado grau de instrução, mas que devido a dificuldades linguísticas se viu relegada para a na construção civil, trabalhos de limpeza, agricultura em trabalhos indiferenciados.
Ainda nos anos 90, chegam também a Portugal imigrantes originários da China. Esta comunidade constitui uma realidade multifacetada envolvendo diferentes dimensões, sendo constituída por três subgrupos distintos em função não só da sua origem geográfica como também da língua, referências culturais e amplitude da rede de contactos.
A área metropolitana de Lisboa tem sido o principal receptor dos vários fluxos de imigrantes. Nos bairros descentralizados da cidade de Lisboa, caracterizados por condições urbanísticas degradadas e carência económica, coabitam uma mistura de grupos étnicos distintos a população autóctone. Aqui, estes imigrantes na busca da sua quimera desenvolvem as mais diversas actividades profissionais.
Segundo Pena Pires et all (2010) podemos distinguir três perfis profissionais nas populações imigrantes. O primeiro perfil é o dos quadros de empresas multinacionais e profissionais intelectuais e científicos, que apresentam elevadas qualificações escolares e níveis de remuneração altos, acima da média nacional. No segundo perfil, enquadram-se os trabalhadores da construção civil, restauração e hotelaria com fracas qualificações escolares, salários abaixo da média e situações contratuais precárias, informais e expostas ao desemprego. No terceiro perfil reúnem-se os empreendedores, ou seja, os imigrantes que criam pequenas e microempresas familiares e desenvolvem actividades independentes, nomeadamente na restauração, comércio e serviços. Os chineses e os indianos são um exemplo, com os restaurantes e lojas indiferenciadas, não esquecendo os brasileiros e africanos que nos brindam também com pequenos espaços comerciais associados à sua cultura.
A iniciativa empreendedora é favorecida pela existência de sólidas redes de apoio entre os imigrantes, formadas a partir de laços familiares ou das suas origens. Uma das competências empreendedoras identificadas pela UNESCO é a capacidade de formar e manter redes de apoio para a realização de projectos pessoais.
Não obstante as redes de apoio e todo o empenho dos imigrantes na melhoria da qualidade das suas vidas, múltiplos são os obstáculos que se apresentam à perspectiva de um futuro mais próspero.
Podem-se salientar alguns obstáculos mais directamente ligados à criação do próprio negócio como, o impedimento no acesso ao crédito, devido à dificuldade em satisfazer todos os requisitos exigidos pelo sistema bancário, o impedimento em oferecer garantias reais e pessoais para o crédito bancário ou mesmo em abrir contas, o desconhecimento das leis e do mundo dos negócios em Portugal (fraca integração sociocultural ou uma distancia efectiva da informação) e por último o desconhecimento das obrigações fiscais e dos requisitos específicos inerentes a determinados sectores. A estes obstáculos acrescem os obstáculos de ordem pessoal, tais como as barreiras legais e institucionais, as dificuldades no acesso à informação (fraca integração social e ausência de canais de informação eficientes), o desconhecimento da língua portuguesa e as dificuldades no reconhecimento das qualificações.
Apesar de todos os obstáculos, atrás mencionados, o empreendedorismo imigrante cresce, contribuindo assim para o desenvolvimento da economia nos países de acolhimento e para a melhoria da integração laboral dos imigrantes.
Neste contexto pode-se destacar, segundo Kloosterman, van der Leun e Rath (1999), cinco processos de transformação das cidades de destino dos imigrantes associados a presença de empreendedores imigrantes:
1 - A revitalização de áreas degradas e comercialmente decadentes que foram abandonadas e desvalorizadas progressivamente pelos os comerciantes autóctones, tendo os imigrantes substituído os espaços comerciais obsoletos e contribuído para a recuperação da dinâmica e da atractividade da área.
2 - O estabelecimento de novos laços comerciais com regiões distantes através das pontes criadas para as trocas comerciais entre a origem e o destino dos imigrantes que contribuem para o reforço das interacções entre essas regiões e os países de acolhimento. Apesar de algumas destas trocas efectuadas pelos empreendedores imigrantes seguirem trajectórias distintas das prosseguidas pelas grandes empresas de importação/exportação, reforçam visivelmente as interacções contemporâneas na globalização.
3- O contributo para a alteração dos sistemas de regulação formal donde se pode salientar a revisão dos horários de abertura ao público ou mesmo a relação urbanismo/comércio.
4 - A oferta de novos produtos e de novas estratégias de mercado que se manifestam numa cena onde a oferta comercial e serviços direccionada inicialmente para o próprio grupo procura atingir posteriormente a totalidade do mercado do pais de acolhimento tendo por base a oferta de produtos provenientes dos espaços e da sua cultura de origem (restauração étnica, pequenos mercados de produtos dito exóticos entre outros). Simultaneamente o sucesso destas iniciativas assenta também em vantagens de carácter económico como por exemplo o emprego de familiares e conterrâneos, o recurso a capitais inerentes ao grupo étnico etc.
5- A emergência de novas formas de coesão social nas comunidades imigrantes, fruto da solidariedade étnica e das relações de confiança.
A estes cinco processos de transformação pode-se ainda acrescentar a introdução por parte dos imigrantes de novos elementos urbanísticos e de novos símbolos que conferem uma diversidade `de cores, design e odores aos bairros das cidades por eles escolhidas para iniciarem a sua “nova vida”.
Em suma, o empreendorismo promove a auto-estima, a autonomia e a realização do imigrante integrando-o na sociedade de acolhimento e impulsionando as relações comerciais baseadas na interculturalidade.
Bibliografia
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Vitorino, António et all (2007) Imigração: Oportunidade ou ameaça? Fórum Gulbenkian Imigração, Principia, Estoril
41 - JOÃO MIGUEL AGUIAR E PAULA DA COSTA PEREIRA
Sociólogos???
Género e desigualdades no trabalho: Situação em Portugal e na União Europeia
Introdução
Quando nos debruçamos sobre a relação entre o género e o trabalho percebe-se desde logo que esta não é uma questão meramente ideológica, incorpora, antes de mais, um dado incontornável: a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho e no emprego. No entanto, ao abordar esta temática, temos igualmente de accionar uma perspectiva diacrónica na análise deste processo relacional de mudança social, que tem ocorrido, embora com dinâmicas e incidências diversas, um pouco por todo o mundo ocidental, já que nas sociedades pré industriais não existia uma clara divisão entre actividades produtivas e actividades domésticas.
Sendo assim, com as sociedades industriais desenvolve-se a separação entre trabalho em casa (no contexto doméstico) e o trabalho fora de casa (no contexto do emprego). Inicialmente no sector industrial, durante a 2ª Guerra Mundial, e posteriormente no sector dos serviços, nomeadamente a partir dos anos 60. Isto ocorre fundamentalmente pelas seguintes razões: um progressivo aumento dos níveis de escolaridade das mulheres; profundas alterações no contexto familiar, nomeadamente através de uma redistribuição das tarefas domésticas e um aumento da participação feminina nas tomadas de decisão no seio da família; por uma crescente necessidade de contribuição das mulheres para os orçamentos familiares; e ainda pelo desejo, por parte destas, de realização pessoal e de maior autonomia, não só financeira, mas também no desenho do seu projecto de vida.
Desta forma, com o trabalho aqui desenvolvido, procura-se analisar o panorama actual em Portugal e na União Europeia em geral, relativamente à questão da desigualdade de género no trabalho e no emprego, recorrendo, para tal, à informação estatística existente.
Assim, este trabalho está organizado em dois eixos principais. No capítulo Género e trabalho apresentam-se algumas das principais teorias que consideramos relevantes para a problemática em estudo. No capítulo dedicado ao Género e desigualdades no trabalho, num primeiro momento, analisa-se a informação estatística existente relativamente à situação em Portugal, articulando, sempre que a propósito, com a situação na União Europeia. Num segundo momento procura-se analisar, a partir de alguns documentos oficiais, as políticas de combate à desigualdade e de conciliação do trabalho com a vida familiar.
2. Género e desigualdades no trabalho
2.1. Situação em Portugal e na União Europeia
Se a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho, nomeadamente a partir dos anos 60 do século XX, parece ser consensual, importa perceber de que forma esse processo ocorre e que dimensões atravessa. Essa participação deve-se, fundamentalmente, ao desenvolvimento do sector dos serviços, porque essas actividades, em forte expansão, “ […] são tidas como femininas, […] requerem atributos socialmente reconhecidos às mulheres, designadamente competências emotivas e relacionais” (Falcão Casaca, 2005, pp. 55-56). Esta tendência incorpora, desde logo, uma característica profundamente ambígua, ou seja, tanto pode representar um processo de inclusão feminina no contexto laboral – o que pode reforçar uma maior igualdade entre géneros -, como, ao mesmo tempo, pode revelar um processo de diferenciação e de segregação sexual.
Com o presente trabalho, o que nos parece importante perceber é se de facto as mulheres se encontram inseridas no mercado de trabalho, se, pelo mesmo tipo de trabalho, auferem um salário igual ao dos homens, se apresentam vínculos laborais semelhantes aos dos homens e se têm o mesmo tipo de oportunidades de dedicação às suas carreiras profissionais.
Ao analisarmos os dados estatísticos, tanto nacionais como europeus, pretende-se descrever e interpretar alguns dos aspectos detectáveis deste fenómeno. Percebemos a limitação do alcance dos dados estudados, nomeadamente na detecção das formas «flexíveis» ou «atípicas» de trabalho e emprego – extremamente heterogéneas, de difícil identificação e que facilmente escapam às fontes estatísticas oficiais. No entanto, os dados recolhidos permitem identificar as principais tendências de transformação do mercado de trabalho, as formas contratuais, os tempos de trabalho (laboral e doméstico), ajudando a perceber as implicações dessas transformações a partir de variáveis como «sexo», «idade», «nível de escolaridade», «sector de actividade», entre outras. (Falcão Casaca, 2005, pp. 55-56)
Começando por analisar a taxa de actividade no período entre os anos 2000 e 2009 da população residente em Portugal (Quadro 1), podemos verificar que, apesar da taxa de actividade total (homens e mulheres) ter aumentado neste período, apenas 1,4%, é a taxa de actividade feminina que contribui para tal, passando de 44,8% em 2000 para 48% em 2009. A taxa de actividade dos homens, neste período, regista uma ligeira redução, ou seja, de 57,9% em 2000 passou para 57,3% em 2009.
Quadro nº 1
Sexo Grupo etário
(anos) Taxa de actividade (Série 1998 - %) da população residente por Sexo e Grupo etário; Anual
Período de referência dos dados
2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000
HM Total 52,50 53 53 52,80 52,50 52,20 52,30 52,20 51,70 51,10
15 – 24 39,20 41,60 41,90 42,70 43 43,60 45,10 47,40 47 45,70
25 – 34 89,80 90 89,70 89,70 89,70 88,80 88,80 88,30 87,60 87,50
35 – 44 89,70 89,90 90,10 89,60 88,50 88,60 88 87,10 87,20 86,80
45 – 54 83,80 83,80 83,10 83,30 82,40 80,80 80,10 79,90 80,30 79,30
55 – 64 53,90 54,40 54,40 53,50 53,80 53,20 54 53,40 51,90 52,40
Mais de 65 17 17,60 18,20 18 18 17,90 18,70 18,90 18,70 18
H Total 57,30 58,20 58,20 58,20 57,90 58,10 58,40 58,70 58,40 57,90
15 – 24 40,80 44,40 45,30 46,60 46,90 47,60 48,50 52,30 51,70 50,50
25 – 34 92,30 93 92,40 92,80 92,60 91,90 91,90 92,40 92,20 92,50
35 – 44 93,40 94,80 94,70 94,60 94,30 94,50 94,70 94,80 94,80 93,90
45 – 54 91,40 91,60 91,40 91 90,20 89,80 90 89,90 90,50 90,70
55 – 64 62,70 63 63 62,70 62,40 62,80 65,20 64,30 63,60 64,40
Mais de 65 22,20 23,40 24,20 24,60 24,60 25,60 25,80 25,70 25,90 25
M Total 48 48 48,10 47,70 47,40 46,70 46,60 46,10 45,50 44,80
15 – 24 37,50 38,60 38,40 38,70 38,90 39,50 41,50 42,40 42,10 40,80
25 – 34 87,20 86,90 86,90 86,60 86,70 85,70 85,70 84,10 83,10 82,40
35 – 44 86 85 85,70 84,70 82,90 82,90 81,60 79,60 79,80 80
45 – 54 76,50 76,40 75,20 76 74,90 72,20 70,70 70,40 70,80 68,60
55 – 64 45,90 46,60 46,70 45,10 46,10 44,80 44 43,80 41,50 41,90
Mais de 65 13,30 13,50 13,90 13,20 13,20 12,40 13,60 14,10 13,60 12,90
Fonte: INE, Inquérito ao Emprego
Relativamente à taxa de actividade da população da União Europeia (Quadro A1 em anexo), segundo os dados de 2008 do Eurostat, verifica-se que a diferença média entre as taxas de actividade de homens e mulheres dos estados membros da EU é de 14,1%, ou seja, existem em média menos 14,1% de mulheres empregadas/desempregadas, ou à procura de novo ou de primeiro emprego na EU. Portugal situa-se no conjunto de países onde esta diferença é menor do que a média europeia – 10,6%. Se a situação na Finlândia, uma diferença de 4%, e da Suécia (4,8%) indicia uma forte participação feminina no mercado de trabalho, já em Itália (22,8%), Grécia (24%) e Malta (36,7%) essa participação é muito menor.
Importa, neste contexto, perceber como se distribuem as mulheres pelas diferentes actividades profissionais. De uma população média empregada de cerca 5,020 milhões de indivíduos em 2000 passou-se para 5,054 em 2009 – com ligeiras oscilações ao longo deste período - (Quadro A2 em anexo). Se o número de homens empregados apresenta uma diminuição, entre 2000 e 2009, de 110,8 mil indivíduos, já o número de mulheres têm vindo a apresentar um progressivo aumento, passando de 2,255 milhões em 2000 para 2,366 em 2009 – uma tendência para a convergência dos dois contingentes.
Se neste aspecto parece existir uma tendência para a diminuição das resistências no acesso das mulheres ao mercado de trabalho, no que diz respeito ao tipo, situação e qualidade do emprego o panorama é diferente. Ao observarmos os valores da distribuição da população média empregada pelas diferentes profissões, no ano de 2009, segundo o inquérito ao emprego do INE, verificamos que existe uma concentração de mulheres em sectores profissionais como: pessoal administrativo e similares (307,4 mil); pessoal dos serviços e vendedores (543,9 mil); e trabalhadores não qualificados (403,5 mil), ou seja, estes três grupos profissionais representam cerca de 53% do total de mulheres empregadas em Portugal no ano de 2009. (Quadro A2 em anexo).
No entanto, importa salientar dois aspectos: a duplicação do número de mulheres no contingente das forças armadas, passando de 1,6 mil em 2000 para 3,3 mil em 2009 – um sector tradicionalmente mais resistente à contratação de mulheres; e um significativo aumento do número de mulheres nas profissões intelectuais e científicas - ultrapassando o número de homens. Confirma-se assim a crescente participação feminina no mercado de trabalho, embora se torne mais expressiva esta tendência se compararmos com dados relativos a anos anteriores a 2000 (site do INE: www.ine.pt).
Relativamente à situação na profissão (Quadro A3 em anexo), verifica-se uma tendência para a convergência dos dois grupos (homens e mulheres), nomeadamente nos trabalhadores por conta de outrem, embora com o número de homens a diminuir ligeiramente e o das mulheres a aumentar – de 1,662 milhões de mulheres em 2000 para 1,864 em 2009. Quanto aos trabalhadores por conta própria como empregador, em 2009 a situação é de algum equilíbrio entre homens e mulheres, 476,7 mil homens e 403,7 mil mulheres - uma tendência de estabilização do número de homens nesta situação e um crescente aumento do número de mulheres . Outro aspecto a salientar é a tendência para a diminuição do número de «trabalhadores familiares não remunerados», tanto homens como mulheres, embora no caso feminino a descida seja mais acentuada – de 122,5 mil em 2000 para 26,9 mil em 2009.
Analisando a distribuição por sexos da média anual da população empregada segundo o sector de actividade e o nível de escolaridade completo em 2009 (Quadro 2), podemos verificar que o número de mulheres ultrapassa o número de homens em dois grupos opostos, ou seja, entre os indivíduos com nenhum nível de escolaridade – de um total de 215,6 mil, 120,5 mil são mulheres – e no conjunto de indivíduos com nível de escolaridade superior – de um total de 799,7 mil, 476,1 mil são mulheres. Observa-se que de todos estes grupos – segundo o nível de escolaridade – as mulheres tendem a situar-se no sector dos serviços, mesmo nos casos em que são a minoria, ou seja, existindo menos mulheres com o ensino secundário, básico (1º, 2º e 3º ciclo), são estas que mais contribuem para o sector, exceptuando aquelas que não têm nenhum nível de escolaridade, já que estas exercem maioritariamente as suas actividades na agricultura e pescas.
Quadro 2 - População empregada segundo o sector de actividade principal, por nível de escolaridade completo e sexo – Média anual 2009
Unidade: Milhares de indivíduos
Nível de escolaridade completo Sexo Total Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca Indústria, construção, energia e água Serviços
População empregada HM 5 054,1 564,8 1 425,7 3 063,6
H 2 687,6 293,7 1 040,1 1 353,8
M 2 366,5 271,0 385,6 1 709,9
Nenhum HM 215,6 138,7 35,2 41,6
H 95,1 55,1 30,9 9,1
M 120,5 83,7 4,3 32,5
Básico - 1º ciclo HM 1 260,9 306,8 417,1 537,1
H 705,7 162,6 312,4 230,8
M 555,2 144,3 104,7 306,3
Básico - 2º ciclo HM 876,0 61,4 387,2 427,4
H 529,3 36,1 283,1 210,1
M 346,7 25,3 104,1 217,3
Básico - 3º ciclo HM 1 053,0 39,1 331,3 682,7
H 597,0 25,5 243,1 328,4
M 456,1 13,6 88,2 354,3
Secundário/pós-secundário HM 848,8 11,6 171,0 666,2
H 436,9 8,9 117,8 310,2
M 412,0 2,7 53,3 356,0
Superior HM 799,7 7,1 83,9 708,7
H 323,5 5,5 52,9 265,1
M 476,1 1,6 31,0 443,5
Fonte: INE, Estatísticas do Emprego.
Confirmado o crescimento do contingente feminino no mercado de trabalho, a sua situação na profissão, o aumento dos níveis de escolaridade, verifica-se uma tendência para que exerçam funções no sector dos serviços e trabalhos menos qualificados. Importa, assim, ter em atenção os rendimentos mensais líquidos da população empregada por conta de outrem, nomeadamente comparando a evolução das remunerações líquidas no período entre 2000 e 2009. (Quadro A4 em anexo)
Podemos confirmar a existência de divergências salariais relevantes em todas as actividades profissionais. Em termos gerais, no 4º trimestre de 2009, os homens auferem, em média, 831 € e as mulheres 712€, apesar da tendência, ainda que ligeira, de redução da diferença salarial em função do sexo. Segundo os dados do INE (Quadro A4 em anexo), no mesmo período de 2000, os homens auferiam em média um salário líquido de 604€ e as mulheres 499€, ou seja, se em 2000 as mulheres auferiam 82,6% da remuneração média mensal dos homens, em 2009 esse valor passou para 85,7%.
É importante verificar como se comporta esta diferenciação salarial em determinadas categorias profissionais, nomeadamente naquelas em que o contingente feminino é maior do que o masculino (serviços e agricultura e pescas) e aquele em que as mulheres, pelo forte aumento das suas qualificações académicas, poderiam apresentar um quadro remuneratório mais favorável (especialistas das profissões intelectuais e científicas).
No que diz respeito aos trabalhadores da agricultura e pescas, as baixas remunerações imperam, apenas 504€ de rendimento médio mensal líquido no 4º trimestre de 2009. Se em 2000 as mulheres empregadas nestas categorias profissionais auferiam 76% do salário dos homens, em 2009 passaram a auferir apenas 71%, ou seja, aumentou, nos últimos 10 anos, a diferença salarial entre homens e mulheres. Nos profissionais dos serviços, em 2000, as mulheres auferiam 68% do salário médio mensal dos homens, passando, em 2009, a receber 72%. Na categoria dos especialistas das profissões intelectuais e científicas a tendência mantém-se, embora o valor de referência [4º trimestre de 2000] seja elevado, isto é, em 2000 as mulheres com estas categorias profissionais recebiam 84% da remuneração dos homens, passando a receber no mesmo período de 2009, em média, 90% da remuneração líquida dos homens.
A merecer nota de destaque surge o caso dos quadros superiores da administração pública e quadros superiores de empresas, já que, em 2000, as mulheres destas profissões auferiam cerca de 90% da remuneração média mensal dos homens, passando em 2009 para 82%, uma variação negativa de 8% superior à das trabalhadoras da agricultura e pescas.
A evolução do rendimento médio mensal líquido da população tendo em consideração a diferenciação por sexo, segundo os dados estatísticos do INE no 4º trimestre de 2009 (Quadro A4 em anexo), apresenta em linhas gerais, dois aspectos significativos e que merecem toda a atenção: é nas categorias profissionais onde as mulheres auferem as mais baixas remunerações (agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura e pescas com 383€ em média por mês) e onde auferem as mais altas remunerações, ou seja, os quadros superiores da administração pública e dirigentes e quadros superiores de empresas, com 1397€ no mesmo período, que se verifica uma tendência contrária à das restantes actividades profissionais, ou seja, observa-se um aumento da diferença salarial em relação aos homens.
Neste domínio, segundo os dados do Eurostat (Quadro A5 em anexo), Portugal parece situar-se bem acima da média da EU-27, ou seja, em 2008, apresenta uma diferença no salário bruto entre homens e mulheres de 9,2%, enquanto a média da União Europeia situa-se nos 18%. Note-se que em alguns países as disparidades salariais entre homens e mulheres têm vindo a aumentar. Itália (4,9%), Eslovénia (8,5%) e Bélgica (9%), são os países que apresentam menos diferenças salariais entre homens e mulheres, no ano de 2008. República Checa (26,2%), Áustria (25,5%) e Alemanha (23,2%), são os que apresentam maiores diferenças.
No entanto, importa ressalvar que este quadro foi construído na forma não ajustada. O «Gender pay gap» (GPG) sob forma não corrigida representa a diferença entre a remuneração média ilíquida/hora de homens e mulheres. Embora o valor do GPG certamente dê uma indicação da situação que enfrentam as mulheres no mercado de trabalho europeu, faz sentido considerar outros indicadores, a fim de obter uma imagem mais completa das possíveis razões subjacentes a essas disparidades salariais.
Um desses indicadores é o trabalho em «part-time». E aí convém sublinhar que, nos países do norte da Europa, as tarefas em «part-time» reflectem, de uma maneira geral, as preferências das mulheres e a sua necessidade de combinar o trabalho com a educação dos filhos, enquanto que, no sul da Europa, as tarefas em «part-time» são, muitas vezes, involuntárias (Petrongolo, 2004).
Outra categoria que importa analisar é o tempo dedicado à actividade profissional de homens e mulheres. Analisando a duração semanal efectiva de trabalho da população empregada em Portugal, verifica-se que os homens trabalham 38 horas e as mulheres 34 horas (Quadro 3).
Quadro 3 - Duração semanal efectiva de trabalho da população empregada por Sexo, Sector de actividade económica e Regime de duração de trabalho
Sexo Sector de actividade económica Período de referência dos dados
4.º Trimestre de 2009
Regime de duração de trabalho
Total Tempo completo Tempo parcial
h h h
HM Total 36 38 17
Agric., prod. animal, caça, floresta e pesca 29 42 16
Indústria, construção, energia e água 37 37 16
Serviços 36 38 18
H Total 38 39 17
Agric., prod. animal, caça, floresta e pesca 32 43 16
Indústria, construção, energia e água 37 38 16
Serviços 39 40 18
M Total 34 37 17
Agric., prod. animal, caça, floresta e pesca 25 40 15
Indústria, construção, energia e água 35 36 17
Serviços 34 37 18
Fonte: INE, Inquérito ao Emprego
Esta diferença poderá estar relacionada com o tempo dedicado pelas mulheres às tarefas domésticas, ou seja, as mulheres que exercem uma actividade profissional e têm de assegurar o trabalho doméstico e o cuidado à família deparam-se com a necessidade de conciliação das duas actividades – aquilo que se designou como a «dupla jornada de trabalho». Segundo o inquérito à ocupação do tempo levado a cabo pelo INE em 1999, verifica-se que as mulheres, embora consagrem menos 2,20 horas por dia às suas actividades profissionais e estudo, dedicam mais 3 horas por dia, do que os homens, ao trabalho doméstico e cuidados à família e menos 90 minutos às actividades de lazer. Esta realidade pode explicar a necessidade das mulheres dedicarem menos horas às suas actividades profissionais. (Quadros 3 e A6)
2.2. Políticas de combate à desigualdade e de conciliação do trabalho com a vida familiar
A participação do Estado nestes processos torna-se da maior importância, nomeadamente ao nível das decisões governamentais e instrumentos políticos. A Europa do sul em geral e particularmente Portugal apresentam um conjunto de características resultantes de condições peculiares da sua construção histórica e realidade económico-social que explicam a existência de um modelo atípico de Estado-Providência.
Neste sentido, importa perceber qual o quadro político/legal que a problemática da (des)igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho e no emprego assume em Portugal, já que só em 1976, com a nova constituição da república portuguesa, se passou a consignar a igualdade entre homens e mulheres em vários domínios da sociedade portuguesa. Mais tarde, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 329/79, de 20 de Setembro, passam a estar previstos princípios igualitários entre homens e mulheres referentes às condições de trabalho, nomeadamente: no acesso ao emprego e à formação, à carreira profissional e à remuneração. Consequentemente, verifica-se uma transformação ao nível das políticas públicas, ou seja, de uma perspectiva baseada na manutenção das funções sociais de esposa e mãe (saúde da mulher e maternidade), para uma perspectiva assente em princípios não discriminatórios em função de género. (Cerdeira, 2009, pp. 87-89)
Actualmente, o panorama legislativo português traduz aquilo que são as directivas comunitárias no que concerne à “ […] aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no emprego e na actividade profissional.” (Jornal Oficial da União Europeia, 2006, L 204/26). Com a entrada em vigor do novo código de trabalho, Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, pretendeu-se garantir, não só o cumprimento da directiva comunitária, mas também o seu controlo e sancionamento dos transgressores.
Outro instrumento que visa combater a discriminação das mulheres na actividade profissional é a comissão para a igualdade no trabalho e no emprego (CITE), criada em 1979. Esta Comissão é constituída por representantes do governo e pelos parceiros sociais – Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional (CGTP-IN), Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) e União Geral de Trabalhadores (UGT). As suas principais atribuições são: “ […] a promoção da igualdade e da não discriminação entre mulheres e homens no trabalho, no emprego e na formação profissional; a protecção na parentalidade; a conciliação da vida profissional, familiar e pessoal.” (Site do CITE em: www.cite.gov.pt)
3. Notas finais
De uma forma geral, com este trabalho podemos perceber que, apesar do enquadramento legal e da acção política assentes na igualdade de oportunidades e na igualdade de tratamento entre homens e mulheres no emprego e na actividade profissional, tanto em Portugal como na União Europeia, persistem fortes indicadores de segregação sexual.
Ao nível das ocupações, homens e mulheres tendem a dedicar-se a diferentes tipos de trabalho e sectores de actividade - segregação horizontal -, conduzindo as mulheres para a profissionalização em sectores onde as rotinas e os baixos salários são mais comuns - segregação vertical (Giddens, 2004, pp. 393-394).
Outra forma é a concentração das mulheres em actividades a tempo parcial, ou seja, as mulheres recorrem a este tipo de trabalho, normalmente pouco qualificado e precário, no sentido de poderem conciliar a vida profissional e a vida familiar. Isto acontece mais no Norte da Europa e menos em Portugal, embora se possa considerar, no caso português, a redução de horário de trabalho como um modo de parcialização do tempo de trabalho (Giddens, ibidem).
Por fim, surge a segregação por via da disparidade salarial entre homens e mulheres, ou seja, as mulheres auferem salários inferiores aos dos homens e estão mais representadas em categorias profissionais onde a média salarial é mais baixa (Giddens, ibidem).
As disparidades salariais também têm um impacto importante sobre a poupança e as pensões das mulheres. Ganhar salários mais baixos significa ter uma pensão mais baixa, o que provoca um maior risco de pobreza das mulheres mais velhas. As disparidades salariais entre homens e mulheres são uma consequência da discriminação e desigualdades no mercado de trabalho que, na prática, afectam principalmente as mulheres. O diferencial na remuneração está ligado a uma série de factores legais, sociais e económicos que vão muito além da questão do salário igual para trabalho igual.
Bibliografia consultada:
AGACINSKI, Sylviane (1999) – Política dos Sexos. Oeiras: Celta Editora. ISBN: 972-774-036-7.
AMÂNCIO, Lígia (1994) – Masculino e feminino: a construção social da diferença. Porto: Edições Afrontamento. ISBN: 972-36-0333-0.
CASACA, Sara Falcão (2006) - Flexibilidade, emprego e relações de género: a situação de Portugal no contexto da União Europeia, in Kovács, I. (Org.) et al., Flexibilidade de Emprego: Riscos e Oportunidades, Lisboa: Celta Editora, pp. 55-89.
CASACA, Sara Falcão (2005) - Flexibilidade, Trabalho e Emprego - Ensaio de Conceptualização, Working Paper, SOCIUS nº 10/2005, ISEG-UTL.
CASACA, Sara Falcão (2009) - Revisitando as teorias sobre a divisão sexual do trabalho. Lisboa: Instituto Superior de Economia e Gestão – SOCIUS, nº 4-2009.
CERDEIRA, Maria da Conceição (2009) – A perspectiva de género nas relações laborais portuguesas. Sociologia, Problemas e Práticas. Nº 60 (Abril 2009), p. 81-103. ISSN: 0873-6529.
GIDDENS, Anthony (2004) – Sociologia. 5ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. ISBN 978-972-31-1075-3.
TORRES, Anália Cardoso (2004) – Vida conjugal e trabalho: uma perspectiva sociológica, Oeiras: Celta Editora. ISBN: 972-774-206-8.
DECRETO-LEI nº. 7/2009. Diário da República, 1.ª série — N.º 30 — 12 de Fevereiro de 2009, p. 926-930.
DIRECTIVA 2006/54/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO (5 de Julho de 2006), L 204/23.
Consulta de documentação e sistemas de informação [Em linha]:
CITE, Comissão para a igualdade no trabalho e no emprego [em linha], [consultado em 15-04-2010], disponível em: http://www.cite.gov.pt/pt/acite/mulheresehomens02.html.
EUROSTAT [em linha], [consultado em 14-04-2010], disponível em: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/eurostat/home/.
INE, Instituto Nacional de Estatística [em linha], [consultado em 16-04-2010], disponível em: http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpgid=ine_main&xpid=INE.
MTSS – Ministério do Trabalho e da Segurança Social [em linha], [consultado em 18-04-2010], disponível em: http://www.mtss.gov.pt/.
PETRONGOLO, Barbara (2004) - Gender Segregation in Employment Contracts. Journal of the European Economic Association, Vol. 2, No. 2/3, Documentos e Processos do XVIII Congresso Anual da Associação Económica Europeia (Abril - Maio de 2004), pp. 331-345. [Em Linha], [consultado em 06-04-2010]. Disponível em: The MIT Press on behalf of European Economic Association Stable http://www.jstor.org/stable/40004908.
42 - MARIA DO CÉU CAMPOS
Conselho Consultivo - Consulado Geral de Estugarda
Conselho para as Questões de Integração - Câmara Municipal de Ravensburg
MULHER MIGRNTE - LUGARES DE TRABALHO ONTEM E HOJE
Nos primeiros tempos de emigração,ou seja as primeiras gerações,as mulheres,assim como os homens,vinham para o estrangeiro sem conhecimento algum do que os esperava.De país para país diferia muito o modo de vida,a língua e a sociedade.
No que respeita ao trabalho,nesse tempo,e ainda hoje em alguns casos,vinha-se para ocupar lugares de trabalhadores não especializados para firmas da indústria textil,metalúrgia,construção cívil,estradas,limpezes,restauração,etc. As mulheres eram contartadas para ajudantes de produção,muitas em trabalho de empreitada,de limpezas e outros,trabalho duro pesado e sem grandes condições o que levou a que muitas mulheres sofram de mazelas,fruto de anos a fio a fazer o mesmo.
A meta de muita gente era ficar uns anos,arranjar um dinheiro para fazer a casa na terra e ir embora,só que,na maioria,isso não se concretizou.Os filhos vieram ter com os pais,pois tinham ficado,nos primeiros tempos com os familiares em Portugal,outros nasceram aqui, e o regresso foi-se adiando para mais tarde. Nos primeiros tempos não se deu muita importância à escolaridade dos filhos e à formação profissional,por isso,muitos deles seguiram o mesmo caminho dos pais,pois o que interessava era ganhar dinheiro,logo que possível. Muitos o seu dia a dia era casa-trabalho-trabalho-casa,ao fim de semana ia-se à associação portuguesa,se a houvesse por perto,e muitos nem isso,pois era preciso poupar o dinheiro.
Os emigrantes eram vistos pelas autoridades do país de acolhimento como uns hóspedes,que mais dia menos dia,regressariam aos países de origem e nada se fez pela sua integração,a Alemanha só há relativamente poucos anos se considerou um país de emigração e começou a trabalhar a sério na integração,o que para muitos foi tarde demais. Das autoridades portuguesas também pouco se fez,os consulados só se sabia que existiam para se ir tratar do passaporte e registar os filhos que
nasciam,de resto para pouco mais,de lá não vinham grandes informações e as que vinham só quem frequentasse as associações sabia alguma coisa,os consules mudavam e nós nem sabiamos como era o seu nome, pois,salvo raras excepções,nem nos visitavam,muitos estavam nos consulados por estar...
As associações,pelo menos uma grande parte,tiveram um papel preponderante na integração dos portugueses no país de acolhimento,eu posso falar naquela que frequentei,desde o início,e de que fui dirigente quase vinte anos. Procurámos sempre ser um elo de ligação entre Portugal e a Alemanha,no nosso caso,fizamos da nossa associação um local onde as pessoas que disso necessitavam,procuravam informações,incentivámos os pais a irem às escolas dos seus filhos assistir a reunióes de pais,a procurarem que os seus filhos fizessem uma formação profissional,nunca deixar que eles fossem trabalhadores não qualificados para que o seu futuro fosse melhor do que o dos pais,ganhar dinheiro sim,mas depois de ter uma profissão que lhes garantisse um futuro sem grandes sobressaltos.
A nossa associação foi dada como exemplo pelas autoridades da nossa cidade,Câmara Municpal de Ravensburg, e em 2004,recebemos o prémio de inovação da Embaixada de Portugal em Berlim,que premiou o nosso trabalho em prol da comunidade portuguesa.
Desde que estou na Alemanha,ano de 1975,até hoje muito se modificou,no que respeita ao trabalho das mulheres portuguesas e a sua situação na sociedade de acolhimento,pelo menos no que respeita à nossa comunidade,a formação profissional adquiriu um lugar de relevo no seio das famílias que vêm que sem formação e qualificações não há futuro para os seus filhos. A participação cívica e política da nossa comunidade,com solavancos,lá vai dando os seus passos,há participação em projectos pontuais e,no que diz respeito a mim própria há muito que comecei. Desde 1976 que colaboro com a nossa missão católica portuguesa de Ulm,estando desde 2000 no conselho pastoral,fui representante do mesmo no conselho do decanato,fui candidata ao conselho Diocesano de Rotenburg-Estugarda,fui candidata ás autárquicas e distritais na cidade de Ravensburg,em 1999-2004-2009,membro da direcção do partido Cristão Democrata CDU,durante dez anos,sou membro do Conselho para questões de integração da Câmara Municipal de Ravensburg,desde 1989,fui,durante dez anos,membro do Conselho Municipal para a terceira idade da mesma edilidade e cinco anos no Forum da Cultura,dirigente associativa ,durante vinte anos, presidente da mesa de Assembleia-Geral do PSD Alemanha e candidata suplente,pelo mesmo,nas eleições legislativas de 2004.Participo em muitos projectos pontuais,para os quais sou soliciatada. Muito ainda há a fazer,mas também depende de nós o andar em
frente. Estarmos sempre a criticar e a exigir,sem nada fazer,é de todo negativo e de uma falta de gosto sem limites.Nos países de acolhimento há muito que se pode fazer e muitas ajudas que se podem ter,é preciso procurá-las e preencher os requisitos necessários,por aqui não há subsídios ou ajuda para quem não quer trabalhar ou não precisa.
O papel da mulher na emigração mudou muito,nestes mais de trinta anos,há mais conhecimento,mais qualificação.A aprendigem da língua,a participação em muitos eventos levam a alargar horizontes e a desfrutar duma vida que.até há anos atrás,muitas,não conheceram e nem conheciam. Presto a minha homenagem às mulheres emigrantes de muitos anos atrás,foram umas verdadeiras heroínas,pois sem as condições que há hoje foram capazes de levar a àgua ao seu moínho e conquistarem o seu lugar na sociedade que as acolheu,a custo de muitos sacrifícios e até lágrimas.
O mundo da emigração hoje,se bem que dolorosa,é muito mais fácil e nada tem a vêr com a emigração de há 40 anos atrás,e mais.São dois mundos completamente diferentes.
Enquanto poder darei a minha colaboração no que estiver ao meu alcance,se pedir alguma coisa ,faço-o com a consciência de que já fiz o suficiente para receber. Nos eventos que tomei parte até hoje,conheci mulheres de muito valor,corajosas e fortes,determinadas a lutar pelos seus ideais,o meu bem-haja a todas aquelas que trabalham para o bem comum.Por isso,mulheres do meu país,em frente!
CUSTÓDIO PORTÁSIO
Gestor e Dirigente Associativo
Começo por agradecer o convite que recebi da Associação Mulher Migrante, na pessoa da Sra Presidente da Direcção, Dra Rita Gomes.
É para mim uma honra estar aqui presente e participar pela segunda vez no Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas na Diáspora e neste congresso como orador no painel “Trabalho e Empreendedorismo no Contexto da Integração e do Regresso”.
Não sendo um especialista em matéria de empreendedorismo feminino, manifesto um interesse particular pelas dinâmicas associadas ao empreendedorismo em geral e em particular ao empreendedorismo feminino, jovem, social e migrante.
Como residente no Grão-Ducado do Luxemburgo, é deste país que vos apresentarei algumas das iniciativaspromovidas pelo espírito empreendedor luxemburguês e que se consubstanciam em boas práticas a serem divulgadas. Práticas essas que se destacam ao nível das mais variadas vertentes do empreendedorismo, nomeadamente por aquelas que atrás mencionei e que se manifestam na promoção do empreendedorismo, da mobilidade e da inovação, factores de sucesso que em períodos de crise constituiem um incentivo ao crescimento económico a médio e longo prazo e à excelência do modelo económico do país.
Começarei por uma pequena revista de imprensa de enquadramento, relativa ao tema deste painel e num segundo momento apresentarei brevemente alguns projectos desenvolvidos no âmbito do empreendedorismo feminino.
Primeira parte - Breve revista de imprensa…
” A equipa de Femmes magazine lança hoje o seu portal internet dedicado às mulheres. (…)
Não havia nada e pareceu-nos que tinhamos legitimidade para o criar [frase de Maria Pietrangelli e Patricia
Sciotti]. ”
Paperjam, 24 de Novembro de 2011
” Lançamento dos troféus Inspiring Woman of the Year & Top Company for Gender Equity, ao nível da Grande-Região. (…)
Organizado pelo Grupo Moraru no âmbito da responsabilidade social do grupo, sob a designação de Womens Leaders in Europe, em parceria com a ESSEC Business School e com o patrocínio de Viviane Reding, Vice-Presidente da Comissão Europeia, responsável pela Justiça, Direitos Fundamentais e Cidadania. (…)
Inspiring Woman of the Year propõe-se reconhecer a importância dos modelos que inspiram e influênciam as mulheres, destacando aquelas que não só tiveram sucesso nas suas carreiras, como inspiram quem as rodeia e motivam os mais novos.
Top Company for Gender Equity propõe-se reconhecer e homenagear uma organização que apresenta resultados mensuráveis no recrutamento, manutenção e evolução de uma percentagem equilibrada, entre homens e mulheres a todos os níveis hierárquicos.”
Agefi, Outubro de 2011
“As mulheres são agentes da mudança (…) enquanto mães e irmãs, professoras e médicas, artistas e artesãs, empresárias e empreendedoras. ”
Rainha Elisabeth II, extracto do discurso pronúnciado no Dia da Commonwealth, 14 de Julho de 2011
” Women Leaders in Europe : As mulheres nos conselhos de administração… quotas ou não ?
Em 2002, a Noruega era o primeiro país a impor quotas de mulheres nos conselhos de administração. (…) Hoje, nese país nórdico, há uma percentagem elevada de mulheres nos conselhos de administração : 44%.
A seguir à Noruega, segue-se a Espanha, que em 2007 dotou-se de uma lei impondo a partir de 2015 pelomenos 40% de mulheres nos conselhos de administração, e mais recentemente a França também legislou sobre o lugar das mulheres nos conselhos de administração.
No Luxemburgo, a Ministra para a Igualdade de Oportunidades exprimiu-se contra as quotas, mas é a favorde uma participação equilibrada de mulheres e homens na tomada de decisão. ”
Agefi, 7 de Fevereiro de 2011
” A Gëlle Fra (estátua da mulher dourada, parte integrante do monumento aos mortos das duas guerras mundiais, deslocada para a exposição mundial de Shangai e que antes de voltar ao lugar de origem, integrou uma exposição temporária) reuniu mais de 70 participantes no evento Connected Women organizado
pela PwC Luxemburgo. Mais de 70 mulheres empreendedoras, líderes e artistas de reconhecido valor no Grão-Ducado do Luxemburgo e da Grande-Região encontraram-se (…), uma oportunidade para estas mulheres confraternizarem em torno de um tema cultural e num ambiente descontraído. ”
Paperjam, 24 de Janeiro de 2011
” Segundo um estudo mundial da Accenture, a resiliência é uma competência indispensável às mulheres para progredirem nas suas carreiras.
Os quadros dirigentes de todo o mundo estimam que a resiliência, ou seja, a capacidade de responder a desafios e a transformá-los em oportunidades, é uma qualidade essencial para progredir na carreira.
Estima-se que as mulheres sejam ligeiramente mais resilientes (53%) do que os homens (51%). ”
Accenture, Março de 2010
” De 19 a 22 de Novembro de 2003 teve lugar o lançamento do projecto de investigação europeu Gender training methods partnership, co-financiado pela Comissão Europeia no âmbito do programa Socrates
Grundtvig 2. (…)
O projecto focaliza-se sobre os métodos pedagógicos utilizados no domínio do género, ou seja, na igualdade de oportunidades entre homens e mulheres na formação contínua.”
Agefi, 1 de Dezembro de 2003
Segunda parte - Alguns projectos levados a cabo no Luxemburgo…
PAN Igualdade – Plano nacional de igualdade entre homens e mulheres, lançado em 2006, pela Ministra para a Igualdade de Oportunidades, Françoise Hetto-Gaasch e reconduzido para o período 2009-2014:
www.mega.public.lu/actualites/actu_min/2010/02/pan_egalite/index.html
International Cross-Mentoring Program for Women at Board Levels – Lançado por Rita Knott:
www.cross-mentoring.net & www.femaleboardpool.eu
Inspiring Woman of the Year & Top Company for Gender Equity – Lançado por Clara Moraru: ambos explicados num dos “retalhos” de imprensa já mencionados: www.inspiringwomen.lu
Plano de acção a favor da diversidade na empresa – Lançado por Robert Denneald, presidente da Fedil -
Business Federation Luxembourg:
www.agefi.lu/Mensuel-Article.aspx?date=Nov-2011&mens=172&rubr=1127&art=14887&query=fedil+lance+plan+action
Femmes Leaders – associação presidida por Eliane Fuch, que visa preparar as futuras gerações de mulheres líderes e contribuir para que as mulheres participem activamente no desenvolvimento económico,
na criação de emprego, na gestão estratégica e na performance das empresas.
Femmes Leaders organiza anualmente a Leadership Academy: www.femmesleaders.eu
FFCEL – Fédération des Femmes Cheffes d’ntreprise du Luxembourg – criada em 2004, a federação recebe mulheres que estão ou que se querem lançar no empreendedorismo no Luxemburgo.
O lema da actual presidente da associação, Miriam Mascherin é “sinergia, responsabilidade e visibilidade”.
Esta associação incentiva a mulhere a acedere às funções de direcção, forma-a e informa-a, ajuda-a a resolver problemas relacionados com o exercício das suas actividadese e apoia-a junto da classe política:
www.ffcel.lu
Conseil National des Femmes du Luxembourg – organismo de investigação e de informação sobre o direito das mulheres: www.cnfl.lu
Cid-femmes – Centro de informação e documentação sobre as mulheres.
Foi criado em 1992, por um grupo de mulheres que pertenciam ou eram próximas do Movimento de Libertação das Mulheres no Luxemburgo (MLF).
Este centro promove, através de uma biblioteca pública com cerca de 26000 obras, a informação sobre as mulheres ; sensibiliza o público em geral, nomeadamente mulheres e jovens, através de formações diversas visando a transformação dos papéis tradicionais atribuídos na sociedade aos homens e às mulheres.
Promove a investigação sobre as mulheres e a evolução dos movimentos feministas no Luxemburgo e na Europa : www.cid-femmes.lu
Femmes en détresse – a associação tem por objectivo oferecer às mulheres, às suas crianças, e às jovens meninas uma protecção eficaz contra a violência, através do desenvolvimento e gestão de casas de acolhimento para mulheres et jovens meninas em situação de perigo ; centros de informação e de consulta.
Esta associação contribui para o melhoramento das condições de vida das mulheres, ajudando-as a integrarem-se na vida económica e social, garantindo-lhes uma ajuda psicológica, jurídica e social e oferecendo-lhes formações específicas : www.fed.lu
Antenne d’Écoute – é um serviço multi-língua (português, espanhol, italiano, francês, inglês e indi) criado em 2008 pela Associação Amizade Portugal-Luxemburgo, por iniciativa de Teresa Pignatelli, consultora em Programação Neurolinguística (PNL) e que tem como primeiro objectivo escutar e, sempre que possível,
encontrar uma solução para melhor gerir a situação tida como problema. Inicialmente o projecto era composto por uma equipa de três mulheres : a Teresa, coordenadora do projecto e consultora em PNL ; a Madalena, assitente social ; e a Joana, psicóloga.
Hoje o projecto conta com uma equipa de 8 profissionais : 7 mulheres e um homem :
http://www.amitie.lu/index.php?option=com_content&view=category&id=51&Itemid=67
Notas finais…
Estes são alguns dos exemplos que pretendia trazer a esta conferência.
Assim, de forma modesta pretendi, apesar do tempo limitado, apresentar-vos algumas das iniciativas que em terras grão-ducais se desenvolvem para promover o papel da mulher no mundo empresarial.
Note-se porém que muitas destas iniciativas são, desde a sua criação, fruto da ambição de algumas mulheres que, no Luxemburgo, se distinguem pelo espírito empreendedor,
As boas práticas devem ser partilhadas além-fronteiras e termino citando a frase de há pouco, pronunciada pela rainha Elisabeth II, no seu discurso do Dia da Commonwealth: « as mulheres são agentes da mudança ».
Obrigado pela vossa atenção e boa sorte para a continuação dos trabalhos deste congresso.
Autor: Custódio Portásio, 33 anos, viveu em Portugal até 2001 e em França até 2006, nos últimos 5 anos tem vivido no Luxemburgo. Estudou gestão e organização de empresas, têm um mestrado em auditoria financeira e actualmente prepara um doutoramento em ciência política. É um professional do sector finananceiro lxemburguês, onde exerce actualmente um cargo de direcção. Dirigente associativo, participa há 16 anos em diferentes projectos associativos, sociais, culturais, políticos e de promoção da cultura e língua portuguesas. Político amador nas horas vagas, curioso de espírito, “vagabundo das comunidades” por adopção e cidadão
do mundo por natureza.
TÂNIA REIS
Atriz
PORTO – SÃO PAULO – UMA DECISÃO DE VIDA
Quando o convite me foi formalizado pela Doutora Maria Manuela Aguiar, confesso que fiquei surpresa e um pouco inquieta.
Embora para mim este convite seja uma honra, deparei-me com o facto de que, tendo já participado de vários encontros e congressos, sempre estive do lado de quem faz, de quem produz, de quem idealiza. Então, ter que escrever uma comunicação fez-me estremecer, pois estarreci com a ideia de não saber muito bem aquilo que deveria partilhar e o que vos interessaria saber, ouvir.
E, depois: que desejo eu passar, aos que neste momento me estão a ouvir?! Que mensagem devo passar, para aqueles que pretendem um dia, sair de Portugal e tentar a vida noutro País?
Depois de muito pensar, acredito que contar a minha experiência pessoal, seja o mais rico que tenho em contar.
Vivo no Brasil, nomeadamente em São Paulo, desde Agosto de 2008, e olhando para trás, vejo que tomei uma decisão, que na época não me pareceu tão aventureira, como agora.
Mas antes de vos avançar a vivência de agora preciso voltar ao contexto e ao ano 2007, quando fui pela primeira vez ao Brasil como actriz. Recebi o convite para fazer uma peça de teatro infantil, no sertão de pernambuco, “Cor da Pele, Um rosto diferente”. Naquela época, eu trabalhava como produtora cultural - uma área pela qual sempre me interessei bastante.
Expectante pelo convite, e pelo o que isso iria resultar em consequências directas no meu dia a dia, acabei por aceitar, e iniciei a jornada que ainda hoje estou vivenciando, com muita luta (mas o que não nos desafia não nos dá tanta fibra e faz crescer, sobretudo no crescimento pessoal), mas ciente de que é aquilo que me deixa mais realizada e leve, porque amo a minha profissão: e quando fazemos aquilo que mais gostamos, por mais que isso nos custe, acredito, deixa-nos um pouco melhor com a vida, com os outros porque estamos a ser honestos com a nossa natureza.
Fui, e passei lá 3 meses nesse inóspito e quente sertão pernambucano. Longos. Rápidos. Sofridos. Intensos. O sertão de Pernambuco, ou qualquer outro sertão brasileiro, em nada se assemelha ao que qualquer novela, ou folhetim da televisão, que nos acostumamos a ver ao longo dos anos, nos mostra.
O sertão é rude, é duro, é poético, é arrebatador e assustador. Nos 3 meses que lá vivi, tive vários choques culturais, conheci pessoas cujos olhos brilham, só porque têm o chão para cultivar, o sol para aquecê-los. E convivi com crianças cuja fome cultural é incompreendida e desconhecida de nós, que estamos habituados à urbanidade e nem nos apercebemos como ela nos contagia em vários sentidos.
O olhar de uma criança, vendo a peça, no banco da praça municipal, me fez chorar várias vezes. E não quero aqui ser piegas, mas de facto, aquelas pessoas, aquelas crianças, nunca tiveram na vida oportunidade para ir no cinema, ao teatro, a um show musical. Essa realidade para elas é tão distante, que qualquer manifestação cultural, para eles, é um acontecimento digno de feriado. Há essa espontaneidade.
Após esta experiência, voltei para Portugal, para o Porto, onde durante 5 meses, continuei o meu trabalho nesta peça, mas agora, com as crianças de Valongo, onde a realidade é outra. A fome cultural, é outra.
Já tendo visitado o Brasil, por diversas vezes, e quase sempre em trabalho, a ideia de me mudar, e conquistar outras frentes, não me saía da cabeça.
Após muito pensar, aconselhar-me com amigos e família, nos 5 meses que estive em Portugal, tratei de tudo o que era necessário, fiz as malas, e mudei-me com a cara e a coragem para São Paulo.
Longe de imaginar, a dura realidade de uma cidade tão cosmopolita, enorme e voraz como a nossa Sampa, como é carinhosamente apelidada.
Lembro-me até hoje com os mínimos detalhes da saga da viagem. Começou em Lisboa, com excesso de peso, na mala (pudera...) e com a dificuldade em comprar outra mala, para dividir bagagem, no aeroporto de Lisboa, lotado de turistas, que iam para o Brasil, de férias. Depois de quase perder o voo, lá embarquei, e tinha 12 horas até ao meu destino.
Ocorre-me que durante a viagem, pensava se tinha certeza do que estava a fazer. Do que tinha deixado para trás. Se aqueles que não tinham entendido a minha decisão, não estariam certos no que me diziam....mas depois, também me ocorria esse ADN do Fado que nos é tão peculiar, e que nos impede, muitas vezes, nós portugueses, de dar passos, pelo medo, de pura e simplesmente falhar.
Entre pensamentos, dormitar, eis que já estava sobrevoando São Paulo. Era noite, e quando olhei pela janela, fiquei assustada com o trânsito, com as luzes, com a confusão, que do ar já era possível ver. E me questionei: Onde te vieste meter, Tania Reis!!!! Sim, era claro que estava assustada. Afinal, eu estava prestes a chegar a uma cidade em que o estado tem 3 vezes mais que a população portuguesa.
Cheguei e quando pousei, pensei que a saga teria terminado, mas não. As minhas malas tinham ficado em Belo Horizonte, e durante 4 dias, não tinha mais do que a roupa que tinha no corpo. Além do facto de que por erro de comunicação, também não tinha onde dormir, e tive que ir para um hotel, durante 3 dias, no centro da cidade.
Tudo era diferente, e eu estava por minha conta.
Até hoje, nem sei como tive tanta coragem, como consegui não ter medo. Mas aos poucos, as coisas foram indo para o lugar, e volto nesse momento, e o que me lembro é do cheiro da cidade, do meu olhar de “turista”, a tentar entender como funcionava a cidade, quais os hábitos dela, como ela pulsava...como ela pulsa.
Demorei uns 3 meses a adaptar-me, e senti-me muito sozinha nesse tempo, até conseguir decidir o que fazer, como começar, por onde começar.
Quando decidi vir para o Brasil viver, decidi frequentar um curso de teatro, onde seria a forma mais célere de integrar-me na cidade, no País, na sua cultura, no seu quotidiano, e ao mesmo tempo, aprender e analisar o modus operandi dos brasileiros, nomeadamente no Teatro.
Acredito até hoje que tomei a melhor decisão.
No curso conheci pessoas, que ajudaram a ajustar-me e a conhecer esta Sampa tão rude, e ao mesmo tempo tão encantadora.
Comecei a ir ao teatro, a conhecer pessoas do meio, a ver como a cultura pulsava. Para terem uma ideia, São Paulo tem 200 peças em cartaz por mês, bem longe da nossa realidade, em que se tivermos na cidade do Porto, por exemplo, duas peças em cartaz, já é uma sorte. Além de exposições, filmes, mostras de cinema europeu, latino, japonês, etc, e galerias de arte, shows musicais, diversos restaurantes, manifestações na Avenida Paulista, lançamentos de livros, e por ai adiante.
Aproveitei o curso para entender-me, para entender como acontecia este país, e esta cidade, capital económica do Brasil.
Estudei como funcionam as leis, como as companhias de teatro conseguem fazer as suas montagens, onde conseguem o dinheiro, como sobrevivem os artistas.
E claro, fiz o que se espera de quem vive no Brasil, e tem esta profissão, contactei as televisões, dei-me a conhecer e fiz o meu cadastro, para quiçá, precisem de uma portuguesa, mais jovem, saibam que existe.
Deparei-me com algumas curiosidades. Aqui não existe o conceito de companhia de teatro. Existem poucas. Existem projectos, hoje eu estou a trabalhar com fulano, e amanhã com cicrano. Os atores, pela concorrência, inventam projectos, para conseguirem trabalhar, e enquanto isso, vão tentando sobreviver, indo a testes de publicidade, pois o mercado é imenso, na expectativa de agarrarem um comercial – que é um anúncio publictário-, e ganhar duma vez só, uns 10 mil reais. Enquanto isso não acontece, ganham 30 reais, como caché-teste. Conheci atores e atrizes que vão a 3 e 4 testes por dia, e assim, conseguem ir pagando as suas contas.
É... viver em São Paulo é muito caro, muito mais caro que Portugal. Ir jantar fora, é um luxo para poucos, pois pode sair uns 100 reais por pessoa, o que estamos a falar de mais ou menos 50 euros.
Após 3 meses, e quase sem dinheiro, comecei a procurar alguma coisa, que me desse o sustento. E eis que, virei empregada de mesa, lá chamada de “garçonete”. E durante um ano, servia às mesas num bistrô em Pinheiros, durante o dia, estudava à noite, e tentava entender cada vez mais como pulsava este lugar.
Foi uma experiência engraçada. As pessoas achavam chique ter uma portuguesa lhes servindo. O brasileiro, embora um povo alegre, simpático e acolhedor, ainda tem muito o preconceito de colonizado e, às vezes, se acha inferior ao que vem de fora. Coisa que só vivendo para entender, donde vem este sentimento, tão fora da realidade. Eles, brasileiros, são um povo rico, capaz, imaginativo, e muito empreendedor.
Com as dificuldades financeiras, e numa cidade tão cara, e sendo estrangeira, eu tinha que me virar, como eles dizem.
Hoje, passados três anos, olho para trás, e surpreendo-me com tudo o que já passei, com esta decisão, que na época me pareceu tão singela.
Passei muitas dificuldades, já andei quilometros a pé, por não ter dinheiro para apanhar uma autocarro, já chorei, já sorri, já conquistei, já derrubei barreiras que julgava intransponíveis.
Acredito que a que mais pesou, foi a de sentir-me estrangeira num País, que sinto, como meu. Escolhi o Brasil para viver, e muitas vezes irrito-me com a falta de consciência cívica dos governantes, da falta de educação dos Patricinhos, os chamados betinhos, ou meninos com posses, onde o dinheiro paga e compra tudo, mas emociono-me com o sorriso daqueles que conseguem as suas conquistas diárias, da boa disposição, mesmo nas adversidades.
Os 3 anos foram duros, mas valeram e continuam a valer a pena. Conquistei muita coisa, encontrei muitos amigos.
E por falar em amigos, não posso deixar de falar nesta nova leva portuguesa no Brasil. Tem sido inacreditável a quantidade de portugueses, que conheço, que chegaram ou acabaram de chegar para trabalhar no Brasil.
Uns com o visto resolvido, outros não. É, para quem não sabe, já lá vai o tempo, em que o português, não precisava de visto para viver no brasil. E esta também, foi uma grande luta minha, a conquista de um visto. Já lá vamos!
O brasil hoje, está na mira mundial, e é ele quem dita as regras.
È dificil conseguir-se um visto, nomeadamente de trabalho, e demora tempo, e é caro, além das imensas filas, e burocracias que temos que passar. O que leva, que muitos deles, deixem-se ficar ilegais, e tentando encontrar uma solução, que um dia virá, e enquanto não vem, passam pela dura realidade de não poder visitar a terrinha.
Antes de viver no Brasil, a questão do visto, para mim era uma epopeia dos anos 50, com a emigração dos nossos bisavós, e que afinal se tornou presente e vivenciado.
Embora a emigração seja outra, a de mão de obra especializada, as dificuldades e os encantamentos são os mesmos.
Quando alguém do meu círculo de amigos do Porto, me escreve ou liga, e diz,: “Tu é que tens sorte. Estás no Brasil, vais para a praia, tens sol e samba...”, eu penso, como estão enganados....O país é lindo de facto, mas é dificil viver por aqui. É preciso muita persistência, muita força de vontade, de acreditar muito que somos capazes e vamos conseguir...E também tem as saudades!!!
Ai, claro, acabamos por nos encontrar todos, para de alguma forma colmatar este sentimento que herdamos do fado, no boteco mais conhecido, dito “Ministrão”, do Sr. Fernando, português do centro de portugal, que com 13 anos veio para o Brasil de barco, sozinho, e que passou fome, frio e encontrou muitas vezes a solidão nas calçadas paulistanas. Raro o português que não se emociona com a história que ele nos conta. E também muito recorrente, estas histórias dos que vieram para o Brasil no passado.
E tudo ao sabor de uma Original, ou uma Bohemia de 600 ml, vamos contando as nossas experiências, vamos rindo, vamos fazendo palhaçadas, pedindo ajuda, nos apoiando e também nos apaixonando.
E esta nova leva, vai-se encontrando em botecos e provas de vinho. E ai perguntam, mas não existem organismos em São Paulo, portugueses, onde este novo emigrante se dirija. Existem sim, mas não são próximas.
Esta é uma questão, que pessoalmente me inquieta.
Temos a Casa de Portugal e o Clube Português em São Paulo. Distintos no público que atingem, mas com a mesma filosofia – Rancho Folclórico e aluguer do espaço das suas sedes, para festas de 15 anos, casamentos...
Já fui por diversas vezes almoçar à Casa de Portugal, ao famoso “almoço das quintas”. Inclusive foi lá que conheci a Drªa Maria Manuela Aguiar, e que nos tornamos amigas, pela empatia imediata.
Mas sou, provavelmente, a única pessoa da minha geração que lá vai, por amigos que tenho. E por que isso acontece? Porque, por muito valor que as pessoas que fundaram e estão na Casa tenham tido e continuem a ter, elas estão apegadas, à filosofia de um Portugal dos anos 50, porque essa é a realidade que viveram. E compete à nova geração mostrar e partilhar o país de hoje.
Este não é o Portugal que a minha geração viveu. Não existem nas comunidades portuguesas, os nossos “Xutos e Pontapés”, os “Ornatos Violeta”, “Cristina Branco” e “Bernardo Sassetti”, “António Lobo Antunes2 e “Saramago”, “José Luís Peixoto”, “Graça Morais”, “Noiserv”, “João Canijo”...para enumerar apenas alguns nomes do nosso cenário contemporâneo artístico.
Não me entendam mal, não estou a fazer uma crítica. Apenas a dizer que “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, mas mais do que isso, reinventa-se a fibra cultural de um país que mudou, que muito deve à sua herança e legado, mas precisa de se mostrar como é moderno, empreendedor... E sinto, no grupo de amigos que tenho, que em nada se identificam com a Casa de Portugal, e por isso não a frequentam. Então pergunto-me: A Casa vai morrer com a geração que a criou? Espero que não, e tenho tido algumas tentativas até ao momento, falhadas, de organizar eventos, palestras e outras coisas que aproximem esta nova leva de emigrantes no Brasil, no qual me incluo. Por isso estou ciente que a responsabilidade de pôr mãos à obra também é minha.
Porque não deixar aqui o desafio, formalmente?
Sinto que temos que mudar a ideia que tem do português, por este mundo a fora. Temos um exemplo, que são os personagens portugueses nas novelas, nomeadamente na TV Globo. Todos, eles e elas, tem bigode, dizem “oh pá” e “ora pois, pois”, e ainda fazem contas de lápis na cabeça.
Se calhar por isso, que ainda hoje, as piadas preferidas dos brasileiros, sejam exactamente as dos portugueses.
Mas tem um lado muito bom. O português é visto, pelos brasileiros, como o irmão, o que fala a mesma língua, o povo que é trabalhador e honesto. E isto sim, para mim, é uma das melhores qualidades que os nossos antepassados nos deixaram de herança. Sem falar, claro, no nosso incrivel Fernando Pessoa, tão apreciado por terras de tupi guarani.
Devo dizer, que esta tem sido a melhor experiência da minha vida. Onde cresci, onde me tornei uma pessoa melhor, onde hoje a Tânia Reis que saiu de Portugal, em Agosto de 2008, já não existe. Hoje sou um ser humano melhor, mais consciente, mais predisposto a ter cada vez mais uma papel mais activo na sociedade, tanto portuguesa, como brasileira.
Com o tempo, e aos trancos e barrancos, fui encontrando o meu lugar.
Hoje, já tenho no CV 4 peças que fiz neste período, participação num filme, atriz num video-clip de uma Banda Rock que foi para o “Rock in Rio”, e acabei de ajudar a produzir a “Balada Literária”, que foi o sexto ano, idealizada por Marcelino Ferire.
E estou com um grupo de pessoas, formando uma empresa de Produção e Criação Cultural, onde temos projectos desde peças infantis, encontros literários, peças adultas, e aulas para crianças e adultos.
Para finalizar, e por acreditar que faz todo o sentido, termino com um poemo do nosso querido Fernando Pessoa, que gosto muito:
“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas...
Que já tem a forma do nosso corpo...
E esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares.
È o tempo de travessia...
E, se não ousarmos fazê-la...
Teremos ficado...para sempre...
Á margem de nós mesmos.”
JACQUELINE CORADO DA SILVA
Actriz
Síntese
• Ser mulher luso descendente em França: pontos positivos e negativos (cf
experiência de animadora do programa feminino da radio comunitária em
Paris, Radio Alfa)
• Ser atriz Luso descendente em França (descobri o teatro aos 9 anos graças
ao português, a revelação desta paixão associada à língua portuguesa deu-
me irrevogavelmente a vontade de praticar a língua dos meus pais)
• Ser atriz Luso descendente noutros países (trabalhei nos Estados Unidos,
México,Venezuela, Grécia, Espanha, Líbano...)
• Ser atriz Luso descendente em Portugal (experiência no Porto em 2000)
• O que a dupla cultura traz na compreensão e analise dos textos, na criação
das personagens e no trabalho criativo teatral e cinematográfico de um
modo mais geral (cf Marivaux, Tchekov,..)
VII CONGRESSISMO
JOANA MIRANDA
Universidade Aberta/CEMRI
Congressismo e políticas de igualdade de género
Dar voz às mulheres após séculos de silenciamento
Lê-se no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa: Princípio da
Igualdade: "Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de
qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça,
língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual."
A realidade está, porém, frequentemente distanciada dos princípios da
constituição e deste princípio, em particular. Apesar de muitas terem sido as
conquistas das mulheres ao longo das últimas décadas e de ter sido longo o caminho
percorrido desde o tempo em que as mulheres não tinham, sequer, o direito ao voto,
estamos ainda longe de uma realidade em que homens e mulheres tenham direitos iguais.
Todas as estatísticas confirmam as desigualdades que as mulheres portuguesas
sentem na pele no dia-a-dia. Continuam a ser as mulheres as principais responsáveis
pelas tarefas domésticas, pelo cuidar dos filhos e dos idosos. O espaço doméstico
continua a ser um espaço marcadamente feminino e o acesso ao espaço público e à
visibilidade que dele decorre continua a ser mais difícil para as mulheres do que para os homens.
A violência doméstica tem por objeto sobretudo as mulheres e por atores sobretudo homens. A grande maioria das mulheres vítimas de violência doméstica tem vergonha e não apresenta queixa das situações de que é vítima. Tem havido evolução a este nível mas, apesar de tudo, são poucas as que têm coragem de o fazer. O tráfico humano vitimiza mais mulheres que homens.
Apesar de o número de mulheres licenciadas ser superior ao número de homens licenciados, são os homens que, em muito maior número, continuam a exercer as funções de topo nas empresas e nas universidades.
Por outro lado, as mulheres que atingem lugares de topo e destaque na vida pública são frequentemente alvo de preconceitos (não só de homens mas também de mulheres), sendo por vezes perspetivadas como menos bem sucedidas nos papéis tradicionalmente associados às mulheres ou menos femininas.
Em média, para um mesmo trabalho, as mulheres continuam a receber remunerações inferiores aos homens, face a qualificações idênticas as empresas contratam mais facilmente homens do que mulheres, facto para o qual não é decerto alheio serem as mulheres a engravidarem e a cuidarem dos seus filhos nos primeiros meses de vida.
As vulnerabilidades das mulheres agravam-se quando, por motivos económicos
ou outros, saem dos seus países de origem e se confrontam com outras realidades.
Tais vulnerabilidades são frequentemente estudadas tendo por objeto as mulheres
imigrantes em Portugal mas a realidade é que também afetam as mulheres portuguesas que saíram do país em busca de outras alternativas de vida. É verdade que muitas vezes as fragilidades se convertem em forças e que as migrações podem constituir fonte de empoderamento das mulheres. Mas o esforço individual para que tal se verifique é enorme e só é possível em determinados contextos culturais e familiares.
Em situações de migração, há que possuir a capacidade de gestão do stress que decorre das situações de mudança, redefinir identidades e pertenças, gerir a identidade e a alteridade, renegociar posições e equilíbrios familiares, preservar o equilíbrio psicológico muitas vezes difícil, gerir a frequente separação dos filhos, dos pais ou de outros familiares próximos, o afastamento dos amigos, gerir a décalage entre o que se sonhou e a realidade que se encontra, lidar com outros hábitos, culturas, aprender outras línguas, adquirir competências profissionais novas, responder a novas exigências laborais, manter uma ligação saudável com o passado e com as raízes, saber projetar o futuro, repensar o retorno ou a permanência.
Os percursos migratórios, se bem sucedidos, podem proporcionar novas conquistas: conquista de estatutos mais elevados, a possibilidade de enriquecimento e de troca cultural, o envio de remessas para a família que ficou no país de origem, gestão de redes familiares transnacionais, criação de novas redes e o estabelecimento de novos afetos. Podem estas mulheres, e aqui tivemos exemplos, virem a destacar-se na vida política no país para onde migraram e através do seu exemplo e envolvimento político, fundar associações, criar movimentos, aceder ao poder local, tornar públicas as dificuldades das mulheres migrantes, pensar políticas e medidas, atuar no terreno,
contribuir para a construção de uma outra realidade social, proporcionando a outras
mulheres migrantes as oportunidades por que um dia elas tiveram que lutar.
Os decisores políticos têm que estar conscientes de que a realidade das mulheres, e das mulheres migrantes em particular, é diferente da realidade dos homens e desenvolver um conjunto articulado de políticas e de medidas que promovam a igualdade. As mulheres têm que ter uma voz ativa na política aos mais diversos níveis de intervenção: comunitário, local, regional, nacional e internacional.
As comunicações do painél que moderei abordaram a evolução das políticas de igualdade de género e o papel da intervenção política com algum detalhe. Mas para além da esfera de intervenção política, subsiste a questão mais profunda da mentalidade da sociedade portuguesa, patriarcal, tradicionalista, fechada. Uma mentalidade que continua a perpetuar papéis de género, estereótipos de género e ideologias de papel de género, que cria expetativas de carreira, de sucesso e de comportamento, diferentes para homens e para mulheres, que celebra e imortaliza os feitos dos homens e invisibiliza as conquistas das mulheres.
Apesar de todos os condicionantes sociais e das mentalidades discriminatórias, é inegável que muitas mulheres se destacam no espaço público em setores tão diversos como a vida política, académica e científica, empresarial e das artes ou mesmo em setores tradicionalmente reservados aos homens como é o caso das Forças Armadas.
Congressos como este contribuem para despertar consciências, homenagear as
mulheres que, no passado, ousaram quebrar o silêncio, lutar pela igualdade quando a igualdade mais não era do que uma utopia longínqua, dar voz a mulheres que, no presente, pela sua capacidade e empenho, têm contribuído para a igualdade de género e para uma maior consciencialização da discriminação de que as mulheres continuam a ser alvo. Congressos como este contribuem para perspetivar as mulheres como protagonistas dos processos migratórios e não como acompanhantes de projetos migratórios masculinos, como mulheres que triunfaram apesar de todas as dificuldades, como interlocutoras do poder político e agentes do poder político, como decisoras e inspiradoras de caminhos e de lutas. É também nestes congressos que se dá voz às mulheres. Dar voz às mulheres após séculos de silenciamento.
ISABELLE OLIVEIRA
Professora Sorbonne/ CNRS
0. Nota de introdução
É bom recuar no tempo e relembrar que ao longo dos séculos emergiram inúmeras teorias pseudo-científicas que pretendiam demonstrar a inferioridade física da mulher e, por conseguinte, a sua inferioridade intelectual. Basta enunciar algumas delas como a frenologia de Gall que procurou demonstrar a superioridade intelectual dos homens pela forma exterior do crânio; ou a teoria de Bischoff segundo a qual a fase de
desenvolvimento intelectual das mulheres se limitava à infância; ou ainda a de Moebius, autor da inferioridade mental da mulher cujo título indicava claramente as suas intenções e na qual assentou a sua argumentação a propósito do tamanho do cérebro; Kormiloff quis demonstrar que o sangue das mulheres tinha menos hemoglobina e mais água do que o sangue dos homens; Quételet pensava que a mulher sofria de capacidades inferiores a nível pulmonar, esquelético, vocal, etc... que causavam fraqueza e doenças crónicas; Spencer tentou demonstrar que a actividade intelectual era incompatível com a reprodução. As mulheres sendo fisicamente inferiores seriam apenas guiadas pelo seu útero quando os homens utilizariam o seu cérebro. A fisiologia feminina – menstruação, gravidez - colocaria as mulheres num estado de constante debilidade física que implicaria uma diminuição das suas capacidades mentais e morais. (Ortiz 1993).
Há alguns atrás, suponha-se ainda que a mulheres não seriam suficientemente
inteligentes para votar. Elas tinham de pedir a autorização ao marido para trabalhar
e abrir uma conta no banco. Ainda não controlavam o seu próprio corpo e no fundo,
porque temos de dizer as coisas como são, era-lhes recusado o direito de ter uma
sexualidade. Quantas foram as mulheres que tiveram de abandonar o sonho de estudar,
ou de terem uma profissão, porque na altura isso não era para elas? Quantas tiveram de enfrentar o desprezo da família, amigos e conhecidos porque eram divorciadas, mães
solteiras, solteiras, ou porque não tinham filhos? Tudo isto aconteceu ainda ontem.
As suas conquistas parecem-nos hoje evidentes, mas são, na realidade, ainda bem
frágeis e recentes. Assistimos à ruptura com um modelo de mulher uniforme cuja única
função social era a de esposa e de mãe e da qual os direitos resultavam dos seus deveres.
Quando se fala hoje de igualdade de género parece fundamental começar por constatar
que se assiste a progressos mas em paralelo subsiste grandes áreas de discriminação que importa não silenciar ou subestimar.
Este Congresso propõe-se assim convidar-nos para o debate de grandes temas, através
de uma metodologia de convivência entre o exercício da crítica, a aceitação pedagógica da dúvida e a busca de novos caminhos e de novas perspectivas. Razão pela qual este Congresso será um processo amplo de debate e de construção partilhada, de todos e para todos.
- Generosidade, dedicação, trabalho, responsabilidade, família, paz, vida: são estes os valores das mulheres. São estes os valores que elas colocam no centro da sociedade
sendo elas o motor dessa mesma sociedade.
1. O novo rosto da emigração portuguesa
As motivações que levaram os portugueses a emigrar durante os anos 60 são bem diferentes daquelas que se verificam nos dias de hoje. Uma nova geração de emigrantes, mais qualificada, está a conduzir este fenómeno para um novo
patamar, onde a variedade de funções e o enquadramento social em que se inserem
os portugueses nos países de acolhimento em muito se distinguem do cenário que
aconteceu há quatro décadas. Surge assim uma outra maneira de encarar a análise
de necessidades numa emigração sedenta de mudança a que podemos qualificar de “conjuntural”.
Actualmente, abriu-se uma nova era da emigração portuguesa, sobretudo com jovens de formação técnica e científica que procuram oportunidades de enriquecimento
profissional, o que também num futuro próximo trará reflexos para o desenvolvimento
do país. – Para exemplificar, em França tem-se verificado uma tendência ao aumento
da população emigrante com menos de 28 anos de idade onde a taxa de crescimento da emigração permanente é já superior à da emigração temporária. É nesta emigração
permanente que nos aproximamos mais de uma paridade entre os dois sexos, ao passo
que a emigração temporária continua a ser predominantemente masculina. O aumento
do desemprego em Portugal levou sobretudo jovens quadros a abandonarem o país na
expectativa de conseguirem melhores oportunidades e salários na esperança de uma
vida melhor. Estes emigrantes com outro perfil e outro tipo de competências já não são de reduzido nível de instrução e, mesmo sem conhecer a língua do país que os recebe, possuem o domínio do inglês que é, hoje em dia, uma língua de abertura facilitando assim a sua integração no país de acolhimento.
No meu local de trabalho, verifico que um número significativo de jovens
portugueses se integra nos melhores “quadros” não só por encontrarem um meio
favorável para a sua realização sócio-profissional mas também de auto-estima. Esta
nova emigração mais heteróclita começa assim a criar um núcleo mais elitista no
conjunto dos sectores da vida profissional, económica e cultural das sociedades de
acolhimento. A realidade migratória continua, deste modo, a ser altamente dinâmica.
Isto é extremamente positivo e é bom que os portugueses sejam apreciados e
reconhecidos no exterior pelo seu valor.
Apesar da mobilidade de uma percentagem elevada de quadros, uma parte
significativa destes emigrantes são ainda pessoas de nível cultural baixo, praticamente ligados a profissões menos qualificadas, como a construção civil, empregados da restauração, prestação de serviços de pouca qualificação. Porém, pessoas essas com características muito diferentes às que estávamos habituados. Acresce que Portugal ainda mal despertou para este fenómeno de uma nova emigração, desde que a União Europeia se tornou um espaço de liberdade de circulação. Há, de facto, uma nova vaga de emigrantes que requer um novo quadro de análise porque permanece hoje como um fenómeno pouco visível assente num fluxo silente já que o país não tem conhecimento que as pessoas partem ficando assim muito isoladas e vulneráveis. Assistimos assim a novas realidades como situações de exploração de portugueses em países onde deveriam usufruir dos mesmos direitos que os autóctones.
Verifica-se, por exemplo, em França que não há igualdade de tratamento o que é
uma contradição numa Europa que se proclama respeitadora dos direitos de cidadania.
Os portugueses, como cidadãos europeus, já não sendo considerados emigrantes são
tratados como tal ou pior ainda. Por outro lado, notamos que partes dos problemas
de exploração a que os portugueses acabam muitas das vezes sujeitos têm origem no
grande negócio que é o trabalho temporário, o que designamos em França por “ínterim”.
Por tudo isto, num país estrangeiro, as pessoas ficam entregues a si próprias, sem
conhecerem a realidade local nem saberem a quem recorrer em caso de dificuldades que
possam vir a surgir.
É verdade que os emigrantes de outrora não são os emigrantes de hoje obedecendo a outros contornos o que implica principalmente uma participação maior dos poderes políticos e dos mais diversos sectores da sociedade na discussão desta nova
realidade que foge aos cânones do passado.
49 - ARCELINA SANTIAGO
Professora?
Começo por saudar todos os presentes e, em especial, os membros da mesa. Acrescentaria apenas à apresentação tão simpática que foi feita pela moderadora deste painel, Professora Drª Joana Miranda, a dimensão que mais marcou o meu percurso como cidadã da diáspora e que toca três continentes: o asiático, o africano e o europeu e que, se por um lado, não me deu uma forte ligação a um lugar, por outro, deu-me um forte sentido de compreensão e valorização das diferentes culturas. Agradeço e dou os parabéns por esta iniciativa à Associação Mulher Migrante e às suas Presidentes (Conselho Geral e Direção), verdadeiros exemplos de mulheres na liderança.
Começarei por fazer um breve revisitar do passado, apenas porque ele é importante para perspetivar o futuro.
Da proclamação da República até à actualidade, longe vão os primeiros Congressos das mulheres feministas em Portugal, já que eles aconteceram em 1924 e 1928, respetivamente, o I Congresso Feminista e de Educação e o II Congresso Feminista, já no Estado Novo.
Na verdade, a chegada da República não trouxe mudanças para a situação das mulheres que, já então, se mostravam lutadoras dos direitos das mulheres. Exemplo disso, temos as histórias das mulheres da República, patente na exposição,que faz parte deste Encontro, de entre as quais destaco Maria Lamas e Maria Archer, nossas homenageadas neste Encontro. Destaco um episódio ocorrido, faz este ano cem anos e que tão pouco revelo teve por parte dos media. Celebrou-se, no dia 28 de Maio, o centenário dum significativo episódio que marcou a história do feminismo em Portugal. Tratou-se de um ato corajoso de uma mulher notável - Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher a votar no quadro dos doze países europeus que vieram a constituir a União Europeia (até ao alargamento, em 1996). Pelo fato de ser médica, mãe e cabeça de casal, apresentou-se na secção de voto para exercer esse direito na eleição da Assembleia Constituinte, acompanhada por elementos da Associação da Propaganda Feminista. Tratou-se de um grande passo que acabou por ser apenas simbólico e marcante de um longo caminho, a nível nacional e mundial que estava ainda para ser trilhado, na luta pela cidadania e pela emancipação das mulheres.
Foi longa, muito longa esta caminhada! O sufrágio universal só acontece com o 25 de Abril, onde foram, finalmente, abolidas todas as restrições à capacidade eleitoral dos cidadãos tendo por base o género.
A conquista dos direitos tem sido feita de forma lenta, mas nem por isso as mulheres desistiram. Elas têm um longo percurso de associativismo e participação desde a criação da Associação de Propaganda Feminista, passando pelo Conselho Nacional das Mulheres à Cruzada das Mulheres Portuguesas, esta fundada por Ana de Castro Osório. Foi preciso passarem 3 décadas da 1ª participação das mulheres na Assembleia Nacional (1935) até à nomeação da primeira mulher ministra, Maria de Lourdes Pintassilgo na pasta dos assuntos sociais.
Nesta caminhada, aconteceram retrocessos como a extinção compulsiva do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (1948) na sequência de uma grande exposição de livros escritos por mulheres, com colóquios e sessões de discussão, em Lisboa. É nessa altura publicado o livro As Mulheres do meu País, de Maria Lamas, que, tal como Maria Archer, fizeram a sua luta pela escrita.
Longe vai também a subscrição de Portugal nas Nações Unidas da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1949) e da Constituição (1976) que estabelece a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios., mas o grande impulso da participação das mulheres na política só acontece com a Lei Orgânica nº 3/2006, de 21 de Agosto, Lei da Paridade, que estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos. Decorridos cinco anos sobre a entrada em vigor da presente lei, esperamos que a Assembleia da República avalie o seu impacto na promoção da paridade entre homens e mulheres e proceda à sua revisão de acordo com essa avaliação.
Mais de quatro décadas após a aprovação da Constituição que eliminava todas as formas de discriminação contra a Mulher e quase 16 anos depois da adoção da Plataforma de Acção de Pequim - dois dos mais importantes e recentes avanços em igualdade e direitos das mulheres, ainda há sérias desigualdades com base no género. A participação das mulheres na política e nos postos de decisão continua a ser uma das áreas que se podem considerar críticas na situação portuguesa. Também o fenómeno da pobreza não é neutro, atingindo particularmente as mulheres. Para tal contribui a especificidade da sua participação na vida familiar, económica e social: auferem em média salários mais baixos, são mais afectadas pelo desemprego, tem menos protecção social devido a uma participação mais irregular na actividade económica; por outro lado, com a maior esperança de vida, comparativamente aos homens, as idosas encontram-se muitas vezes em situações precárias, quer do ponto de vista dos recursos económicos, quer pelo isolamento em que vivem. Outro grupo particularmente afectado por situações de pobreza e o das famílias monoparentais de que são responsáveis, maioritariamente, as mulheres.
Estes problemas não são apenas a nível nacional, mas de âmbito internacional e atingem todas as mulheres e, particularmente, as mulheres na diáspora.
Através do Observatório da Emigração, constatámos que há emigrantes portugueses que ocupam lugares de liderança na área política, por exemplo, há 3500 autarcas de origem portuguesa em França, mas não há um registo preciso de quantas mulheres. Só conhecendo a realidade se pode dar o devido valor, apostar nas mudanças, dar apoio de acordo com as necessidades. Sabemos que o perfil dos novos cidadãos da diáspora é agora diferente, mas é importante conhecer, ao certo, o número dos emigrantes, recolher informações precisas sobre eles, conhecer e divulgar as suas histórias de vida, dando-lhe o devido protagonismo, que tanto tem sido descurado, quando eles são verdadeiros embaixadores da lusofonia. Relativamente às mulheres, há que aprofundar o seu universo, numa perspetiva psicológica neste processo migratório. A aposta e reforço no ensino da língua será uma das melhores formas de manter uma ligação estreita entre os luso-descendentes às suas raízes e, neste aspeto, as mulheres têm tido um papel extraordinariamente importante, como defensoras e divulgadoras da língua e da cultura portuguesa além fronteiras. Elas são um grande capital da lusofonia e, por isso, elas poderão ser, nesta situação de crise as grandes mobilizadoras de mudanças,. Será talvez uma oportunidade para reconhecer a contribuição das mulheres para a economia, a cultura e para a intervenção social e política.
Poderemos questionar: que políticas tem havido no sentido do empoderamento e incentivo às mulheres da diáspora para que elas assumam papéis de liderança? Que medidas têm sido tomadas para que elas tenham representação nos órgãos políticos? Estamos certos que muitas medidas ainda não foram aplicadas e que muito há para ser feito nesta caminhada que já vai longa…
Deverá haver: uma maior ligação e relacionamento entre as comunidades portuguesas e entre estas e Portugal, colocando-se na agenda do dia problemas que afetam as suas realidades, trocando-se experiências e incentivando-se as mulheres para papéis de liderança; maior incentivo à participação dos jovens nos movimentos associativos, aproveitando-se as novas tecnologias de informação e comunicação e introduzindo neles o principio da paridade nos órgãos de direção; maior representação de emigrantes (mulheres) nos órgãos de poder e decisão; melhor gestão da diáspora e promoção da democracia paritária no processo de eleição de deputados e eleição dos conselheiros das comunidades; aplicação de ações positivas para conciliação da vida profissional com a vida familiar; aplicação do empoderamento das mulheres migrantes para que possam desenvolver as suas capacidades para colectiva e individualmente controlarem as suas vidas, identificarem as suas necessidades, estabelecerem as suas próprias agendas e solicitarem apoio e respostas do Estado e da comunidade aos seus interesses.
Deixo, por fim, um alento e incentivo às mulheres migrantes na sua caminhada pela defesa da igualdade de direitos, certa que as dificuldades serão sempre muitas mas as protagonistas das mudanças somos nós, as mulheres, juntamente com os homens. São muitas as diferenças que separam homens e mulheres, mas são mais numerosos os desafios que nos unem: transformar a sociedade, atingir um desenvolvimento económico e social mais justo neste mundo globalizado e superar os obstáculos que impedem a igualdade.
50 - MANUELA BAIROS
Diplomata. Chefe de Gabinete do SECP?
MULHERES E LIDERANÇA
Em Portugal celebramos o centenário da República, representada por uma mulher simultaneamente guerreira e protetora. Nesta minha intervenção no Encontro
Mundial das Mulheres Portuguesas na Diáspora gostaria de prestar homenagem
a quantas mulheres têm sido fiéis a esta sua dupla natureza. Nada parecerá mais
natural para a mulher e mãe de qualquer tempo e lugar do que a proteção imediata
dos seus filhos e ao mesmo tempo lutar por um mundo melhor onde os possa deixar
em felicidade e segurança.
A Justiça é também mulher, determinada em tratar a todos por igual sem qualquer
distinção. É nesse desígnio de igualdade que todas nos revemos, mulheres, mães e
profissionais. Se muito caminho já foi percorrido, designadamente no nosso país, ainda
muito há para fazer no acesso das mulheres às posições de liderança e no mundo da
política em particular.
Hoj, as mulheres portuguesas com filhos menores estão entre as que mais trabalham
na UE, segundo os relatórios da Eurostat da última década. Por seu próprio mérito,
as mulheres têm vindo a instalar-se cada vez mais em profissões tradicionalmente
associadas aos homens: magistratura, medicina ou investigação científica, mas a
sua ausência em cargos de liderança continua a impedi-las de participar de forma
significativa nos processos decisórios ao mais alto nível.
Este é um fenómeno que se verifica à escala de todo o mundo ocidental com
algumas exceções bem conhecidas. Apesar do esforço de compreensão das causas
que determinam a subrepresentação das mulheres nas posições de poder, com
um crescente número de comités, grupos de trabalho, pareceres e conferências
organizadas para o efeito e de décadas de legislação impondo a igualdade de
oportunidades, na realidade os progressos tem sido inexplicavelmente escassos.
Muita investigação tem sido realizada, designadamente nos Estados Unidos, sobre
a identificação dos obstáculos que se colocam à liderança das mulheres: papel da
mulher na família, esteriotipos de género, favoritismo de grupo, estruturas inflexíveis e
inadequadas no meio de trabalho e as escolhas e prioridades das próprias mulheres.
O papel da mulher na família
Curiosamente aquele que parecia ser o maior obstáculo a uma evolução neste domínio
- a distribuição de tarefas domésticas no seio da família – tem vindo a esbater-se
com o aumento da responsabilização do marido na gestão da casa e na educação dos
filhos. Embora esta lenta evolução cultural se esteja a verificar, sobretudo nas famílias
onde as mulheres revelam maior ambição profissional, o padrão tradicional ainda
persiste obrigando muitas mulheres a acumular horas de trabalho profissional com
extenuantes responsabilidades domésticas.
Estereotipos de género
Outro fator cultural tem dificultado o acesso da mulher a posições de influência:
a perceção de que os atributos habitualmente associados à liderança são mais
adequados aos homens do que às mulheres, designadamente: autoridade,
determinação e domínio. Em contrapartida - muitos defendem - as mulheres tenderão
a exercer a sua liderança pela via do consenso e da cooperação. Em França no decurso
de 2011, a primeira-secretária do Partido Socialista, Martine Aubry, teria sido a natural
candidata presidencial do partido nas eleições de 2012. Foi persistentemente criticada
por falar no coletivo “nós no Partido Socialista”, julgando muitos que enquanto não
assumisse um discurso assertivo na primeira pessoa do singular nunca poderia liderar
a França. E, na realidade, falhou as primárias contra um adversário não especialmente
mobilizador.
Embora o estilo de liderança tipicamente masculino baseado numa atitude autoridade
seja atualmente questionado num mundo que requer cada vez mais colaboração e
cooperação, a mulher tem inquestionavelmente mais dificuldade em impor a sua
liderança e legitimidade, sobretudo em meios profissionais dominados por homens.
Ultrapassar a resistência às lideranças femininas é um desafio que a generalidade das
mulheres enfrenta. Encontrar o equilíbrio entre uma abordagem firme e assertiva
que inspire confiança e competência e ao mesmo tempo evitar que essa atitude
comprometa a imagem de bonomia e temperança em regra associada às mulheres é
reconhecidamente a chave do sucesso para uma liderança eficaz.
A investigação realizada sobre as diferenças de estilo nas lideranças masculinas e
femininas não aponta para diferenças significativas, mas são as mulheres em posições
de poder que quando questionadas dizem acreditar que existem diferenças de estilo.
Também me revejo nesta corrente de opinião, pois acredito que “nascemos mulheres”
e crescemos mulheres com todas as contingências que isso possa comportar, e é
expectável e desejável que em posições de poder tenhamos uma perspetiva diferente
a oferecer também marcada por essa circunstância.
Estruturas inflexíveis e inadequadas no meio de trabalho
Em profissões exigentes e muito competitivas os horários de trabalho têm vindo a
aumentar dramaticamente, tornando-se habitual horários de 60 horas semanais para
quem detem posições de chefia. Esta tendência tem constituído um dos maiores
obstáculos à consolidação das chefias femininas no mundo ocidental, sobretudo
relativamente às mulheres que optam por ter filhos, com raras excepções em países
como a Dinamarca ou a Suíça onde trabalhar excessivas horas por dia é culturalmente
interpretado como de falta de organização e de eficácia.
A insuficiência de infraestruturas de apoio às mulheres com filhos (creches,
actividades pós-escolares para os filhos menores ou até a mera falta de parques de
estacionamento nos locais de trabalho) torna por vezes a vida insustentável para
profissionais e mães, com um acréscimo de stress que inevitavelmente prejudicará o
seu rendimento no trabalho.
Favoritismo de grupo
Outro fator que se tem verificado prejudicial ao acesso das mulheres a posições de
poder diz respeito à proteção de grupo, em ambientes onde a progressão profissional
depende de escolhas influenciadas por grupos internos informais existentes nas
estruturas das organizações. Investigação realizada neste domínio aponta para a
importância deste fator, bem como para a preferência que os indivíduos demonstram
em escolher pessoas que lhes são semelhantes e com as quais se identificam.
Como seria de esperar, até pela escassez de números das mulheres em posições de
poder, elas ficam frequentemente à margem dos grupos de influência que dominam as
escolhas para lugares de liderança e por conseguinte impedidas de abrir o caminho a
outras mulheres na sua ascensão profissional.
As escolhas e prioridades das mulheres
Entre todas as explicações para a falta de mulheres em posições de chefia, a mais
conveniente é a que refere que, afinal de contas, são as próprias mulheres que
escolhem não assumir essas posições em virtude dos sacrifícios pessoais e familiares
inerentes. Falta de ambição? Há quem pense que sim, presumo que em jeito de
provocação. Mais resistentes e mais habituadas a saber-perder, muitas mulheres
tendem a afirmar-se pelos resultados e pelo trabalho bem feito, enquanto o poder
entendido numa perspetiva de controle e de domínio não lhes interessa.
Mas dedicação e a competência não são um fim em si mesmo e, independentemente
do género, devem ser reconhecidas e recompensadas. Infelizmente, porém, a um
certo nível de progressão profissional, resistências difíceis de identificar dificultam o
acesso das mulheres a posições de poder. Trata-se mais duma constatação do que do
reconhecimento duma lógica preversa fácil de combater.
Na realidade, muitas mulheres experimentam nas suas carreiras profissionais a
frustração de que o esfoço não compensa. Mesmo quando trabalham as 60 horas
por semana requeridas e têm a sorte de conseguir maridos compatíveis com a
suas exigências profissionais acabam por ser relegadas para posições na cauda das
classificações (que normalmente premeiam uma mulher simbólica no conjunto dos
candidatos e por vezes nem isso).
A escassa participação da mulher na vida política – o centro do poder por excelência
- é porventura o domínio onde a escassez de participação de mulheres é mais visível
e escrutinada. No setor empresarial, a ausência de lideranças feminina é também
notada com preocupação, mas torna-se mais surpreendente e inexplicável quando o
fenómeno se instala no próprio sistema da Administração Pública onde se espera que
a igualdade de oportunidades seja protegida e promovida.
Estratégia de mudança
Perante este estado de coisas que prevalece, com raras excepções, em todo o mundo
ocidental, será em muitos casos preciso esperar por uma mudança cultural que se está
lentamente a verificar. Contudo, para acelerar essa evolução de longo prazo, algumas
políticas voluntaristas têm sido adoptadas aqui e além, motivando novas atitudes e
comportamentos.
Enquanto a nível individual tem vindo a ser realizado um esforço de acompanhamento
das mulheres com capacidades de ocupar lugares de liderança (´mentoring´) e de
criar redes de contactos que as promovam, também se espera que a sociedade em
geral seja sensibilizada para a questão da igualdade de oportunidades. Em particular,
deverá privilegiar-se a necessidade de assegurar um melhor equilíbrio entre o trabalho
e a família, evitando-se horários de trabalho excessivos com efeitos inevitavelmente
prejudicais para a família, ou uma melhor divisão do trabalho doméstico dentro da
família.
Mas é sobretudo ao nível das organizações que resultados mais imediatos e visíveis
poderão ser conseguidos. Apesar de um considerável trabalho legislativo já ter
sido realizado na generalidade dos países ocidentais em matéria de igualdade de
oportunidades, a realidade demonstra que um enquadramento legal favorável não
tem sido suficiente para desencadear a mudança necesssária. Se os sistemas de
quotas ou outras formas obrigatórias de tratamento preferencial para as mulheres
são habitualmente objeto de controvérsia, outras estratégias mais subtis de
responsabilização poderão ser adotadas.
Hoje, folheando o caderno principal do semanário Expresso, na página de opinião
entre oito analistas não há uma única mulher e ninguém nota nem estranha.
Creio que este é o principal obstáculo a combater: o alheamento e a indiferença
relativamente a uma questão invisível ou irrelevante designadamente para a
comunicação social, um dos principais instrumentos de construção da opinião pública
em qualquer país. Tenho participado em muitas iniciativas cívicas organizadas pelas
mais prestigiadas instituições dos países onde tenho vivido e raramente vejo as
mulheres suficientemente representadas nessas reflexões e debates que se destinam a
influenciar mudanças na sociedade.
Na Administração Pública em Portugal - com exceção de setores como a Educação ou
Saúde tradicionalmente associados às mulheres – é patente a sua subrepresentação
em posições de decisão de alto nível. Se se torna difícil impor mudanças no mundo
empresarial privado ou associativo que facilitem o acesso das mulheres a posições
de decisão, parece, no entanto, incompreensível a falta de equilíbrio em função do
género nas nomeações para cargos superiores de chefia nas estruturas do próprio
Estado.
Duas sugestões
Como em qualquer estratégia destinada a promover mudanças de fundo em domínios
muito marcados culturalmente, teremos que avançar com pequenos passos para não
se ficar paralizado pela dimensão da tarefa. Em concreto, gostaria de avançar duas
pequenas sugestões que poderiam contribuir para a evolução desejada:
- promover a instituição de júris paritários nos concursos públicos de recrutamento,
promoção e nas nomeações para os cargos superiores de chefia na Administração
Pública. Essa é uma solução já implementada em certos países com resultados
considerados satisfatórios. Sabendo-se que os membros do júri tendem a escolher
as pessoas com as quais mais se identificam, torna-se difícil para as mulheres
conseguirem passar pelo crivo desse coletivo se for composto exclusiva ou
maioritariamente por homens;
- promover a transparência e responsabilização das organizações relativamente ao
equilibrio de género entre os seus quadros superiores. Haverá diversas formas de
o fazer - para além das legalmente disponíveis contra este tipo de discriminação de
resultado sempre incerto e em regra verdadeiros suicídios de carreira para quem a
elas recorre. Apelaria às Escolas de Estudos Sociais, por exemplo, para fazerem esse
trabalho, promovendo no contexto dum programa de mestrado a realização de um
levantamento dos resultados dos concursos de recrutamento, promoção e nomeações
para cargos superiores de chefia nos últimos 10 anos nos vários Ministérios da nossa
Administração Pública Central, de forma a apurar qual a relação entre homens e
mulheres e sua evolução ao longo da última década.
Em seguida, instituir um barómetro que assegure anualmente a medição da relação
entre homens e mulheres nesses processos de recrutamento, promoção e nomeação,
bem como a sua divulgação em meios de comunicação de grande divulgação, de forma
a mostrar quais os Ministérios bem e mal comportados nesta matéria.
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Uma palavra final às mulheres da emigração que em muitos lugares terão de lutar
contra uma dupla limitação: a de serem simultaneamente mulheres e imigrantes.
Com a passagem da primeira à segunda geração, conforme ouvimos neste congresso,
grande número de mulheres luso-descendentes passaram já da fase da sobrevivência
à fase da autonomia. Nas minhas anteriores funções consulares, pude testemunhar
o crescente papel assumido pelas mulheres no mundo associativo, incluindo em
posições de liderança.
Mas nas suas vidas profissionais, nos vários países que as acolheram, se é certo que
conseguiram a independência material que as suas mães porventura não obtiveram,
terão ainda certamente de enfrentar as resistências que aqui ficaram expressas para
se afirmarem como líderes nas suas profissões. Este é um problema que atravessa as
sociedades dos vários países onde temos comunidades de origem portuguesa, uns
mais preocupados do que outros em combater esta insuficiência. No momento em
que tomamos consciência de que uma nova fase se anuncia – a da liderança – seria
interessante numa próxima oportunidade como esta partilhar experiências sobre os
bons exemplos e as boas práticas existentes neste domínio nos vários países da nossa
emigração e tentar contribuir com soluções inovadoras e realistas para que haja de
forma siginicativa mais mulheres na política, nas presidências das associações, nos
conselhos de administração de empresas ou entre os ministros que nos governam.
Manuela Bairos
Bibliografia:
FRIEDMAN, Jean-Pierre (2012) - Du pouvoir et des femmes - Martine, Ségolène, Marine et les
autres, Ed Michalon.
GUÉRAICHE, William e GASPARD, Françoise (1999) - Les Femmes et la République, 1943-1979
Les Éditions de l' Atelier.
KELLERMAN, Barbara e L. RHODE, Deborah (2007) - Women & Leadership, The State of Play
and Strategies for Change, Ed Jossey Bass.
REMY, Jacqueline, (2007) - La République des femmes: Editora l´Archipel.
SINEAU, Mariette (2011) - Femmes et pouvoirs sous la Ve République Ed. Les Presses de
Sciences Po; 2a edição revista e aumentada.
SMITH M., Dayle (2000) - Women at work, leadership for the next century, New Jersey,
Prentice Hall Inc.
A mulher e a sociedade, Actas dos 3os Cursos Internacionais de Verão de Cascais (1997)
Coordenador da Edição, António Carvalho, Ed Câmara Municipal de Cascais.
A Mulher e o Trabalho / Women and Work, Volumes V e VI de A Mulher nos
Açores e nas Comunidades / Women in the Azores and the Immigrant Communities,
(2008) Coordenação e tradução Rosa Neves Simas¸ Ponta Delgada: UMAR-Açores.
Mulheres Políticas – As suas Causas (1995), Coordenação de Ana Maris Bettencourt e Maria
Margarida Silva Pereira, Quetzal Editores.
Portugal Situação das Mulheres (1994)Coordenação Dina Canço e Teresa Joaquim, Comissão
para a Igualdade e os Direitos das Mulheres.
JOSÉ GOVERNO(*)
Assessor Gabinete do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas
Liderança e Participação
A mulher tem vindo a assumir na sociedade e no mundo um papel cada vez mais ativo e interventivo nas mais variadas áreas, não esquecendo as lutas travadas pela igualdade de género e contra a discriminação. E a propósito de lutas, aproveito para informar que o governo português, através do Ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares e da Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, promoveu ontem uma Sessão de Apresentação da Campanha Contra a Violência Doméstica 2011, que pretende ser uma sessão evocativa contra todas as formas de violência contra as mulheres.
Muitos progressos têm existido nesta matéria, onde o país, a sociedade ou a cultura onde a mulher se insere, tem enorme influência na maior ou menor discriminação.
Segundo um estudo recente da Grant Thornton International Business Report, revela que as mulheres na europa normalmente ocupam 20% das posições de
liderança; na Ásia, sem o Japão, chega a 27%; os países do G7 com 16% e a América do Norte, com 13%, havendo, portanto, ainda um caminho a percorrer, mas que se vislumbra cada vez mais curto.
Dava como bom exemplo o Gabinete do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, de que também integro, o Dr. José Cesário deu um claro exemplo de equidade e igualdade de género, tendo nomeado para o seu gabinete 4 homens e 5 mulheres, uma das quais a própria chefe do gabinete.
Este estudo, revela ainda que a mulher brasileira é a mais empreendedora e por conseguinte ótimas parceiras para negócio, mas, em contraponto, as portuguesas são das que mais trabalham na União Europeia. Existe hoje sem dúvida mulheres de grande sucesso profissional, que outrora também foram mulheres de sucesso, mas em casa, na família, com os filhos, não sendo, no entanto, valorizadas e reconhecidas. No entanto, esta igualdade de género, por que tanto lutam as mulheres, importa lembrar que não se pretende que as mulheres e homens se tornem num padrão de igualdades, mas antes que se diferenciem naquilo que são nas suas identidades e formas de ser e estar. É desejável que as mulheres continuem a ser mulheres, com todo o seu feminismo e sensibilidade própria, procurando que a sociedade potencie o melhor de cada.
Não foi e continua a não ser um caminho fácil para as “nossas” mulheres portuguesas na diáspora, mas enquanto não se reconhecer a discriminação não se pode combatê-la e, por conseguinte, estes encontros, são espaços de debate, de discussão e de reconhecimento dessa mesma descriminação. Mas ao mesmo tempo de reconhecimento da luta, da bravura, das capacidades, das provas dadas em todos os campos, desde as artes às ciências, do desporto à política, do mundo empresarial à sociedade em geral, onde foram capazes de participar, de agarrar e criar desafios e de liderar, salientando as suas capacidades ímpares de multitarefa.
Este sucesso alcançado de que falo, tem inclusivamente tido o alcance e o reconhecimento público ao mais alto nível, como será disso exemplo no decurso deste encontro, quando S. Exª o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, condecorar uma mulher portuguesa da diáspora.
Foi com agrado que na passada 4ª feira, tomei conhecimento, da boa notícia, Sandra Correia, uma portuguesa, foi eleita a empresária da Europa de 2011, liderando o maior negócio de cortiça em Portugal e no Mundo, tendo recebido o galardão em Paris. Este é um exemplo de muitos.
Este encontro, é aliás, precisamente uma amostra daquilo que as mulheres perante a adversidade de uma sociedade outrora fortemente discriminatória, a adversidade da língua, da distância, da cultura, dos desafios, entre tantas outras, estão aqui reunidas um conjunto de mulheres a mostrar que foram capazes de ir às entranhas da alma portuguesa e chegar até aqui.
O que vi e assisti neste encontro, ao longo destes 3 dias, foi absolutamente grandioso, experiências de vida marcantes; exemplos de luta e coragem. Foi tocante ver a participante Frazão Frias do Brasil, emocionar-se na sua intervenção, pela sua história de luta difícil, mas triunfante; foi delicioso ver a emotividade da Jacqueline Corado “da Silva” ao declamar um poema de Maria Lamas; a história de luta e de vida da D. Maria do Céu Campos na Alemanha, entre tantos outros exemplos. Deste encontro nasceram novas ideias, novo entusiasmo, partilha de experiências e contatos e, estou certo dará os seus frutos.
Todas estas dificuldades aqui relatadas, tornaram a mulher mais forte, reforçou a sua capacidade lutadora, encarando a adversidade como um desafio e não uma derrota, pois, as dificuldades devem ser usadas para crescer. Citando Bryan Forbes, “A história tem demonstrado que os notáveis vencedores normalmente encontram obstáculos dolorosos antes de triunfarem. Eles venceram porque se recusaram a se tornarem desencorajados por suas derrotas.
Este potencial de valor, que tem sido as mulheres portuguesas na diáspora, deve ser valorizado e reconhecido, pois têm sido verdadeiras embaixadoras de Portugal no mundo. E se poderá ser verdade “que por detrás de um grande homem existe uma grande mulher”, não é menos verdade que por detrás de uma mulher existe uma grande lutadora.
E terminava esta minha comunicação sobre esta temática da participação e liderança, afirmando que não tenho dúvidas, segundo vários indicadores a suportá-lo, as mulheres serão as próximas líderes da sociedade.
Pessoalmente, não defendo uma sociedade machista, nem uma sociedade feminista, mas uma sociedade com valores.
(*) Licenciado em Matemática e Ciências da Natureza; Pós-Graduação em Gestão Estratégica na Administração Escolar; Formador especialista na área da “Indisciplina
na Escola”, atualmente a exercer funções no Gabinete do Secretário de Estado das
Comunidades Portuguesas
Assessora Gabinete SECP?
Foi com muito agrado que recebi este convite para, aqui exprimir a minha opinião enquanto jovem mulher activa no meio político.
Muitos de vós sabem da minha ligação afectiva, desde pequena, para com a Associação e sobretudo para com as Senhoras que a liderem, e também da minha ligação enquanto mulher já activa que passou de Conselheira das Comunidades, a mais nova do Mundo, a técnica de Protocolo de uma autarquia e agora, nesta nova aventura que é no Gabinete de Sua Excelência O Secretário de Estado das Comunidades.
Aceitei logo este convite, pois é para mim uma oportunidade de em público, dar a conhecer a minha preocupação do que diz respeito à participação feminina no Conselho das Comunidades.
Actualmente o CCP é composto por 73 Conselheiros – 12 mulheres.
12 mulheres para representar milhares, espalhadas pelo Mundo, mas por outro lado 60 homens.
O Conselho das Comunidades já existe há 30 anos ou quase, em nenhum, uma mulher chegou a ser Presidente do Plenário e nem tão pouco Presidente do Conselho Permanente.
O que leva a crer que se não fosse a cota exigida por Lei, possivelmente nem 8 Mulheres seriam Conselheiras.
Será interessante levantarmos a questão de, como seria possível reverter esta situação?
Será que passa por uma nova política de sensibilização nas Comunidades? Será que se trata de sensibilizar os Portuguesas Continentais para a existência de Mulheres Migrantes de elevada qualidade cívica, disponíveis para difundir a nossa Cultura pela diáspora, passando por uma participação activa também cá em Portugal através do CCP?
Eu sempre achei e continuo a achar que Portugal devia respeitar mais os seus Emigrantes.
Não foram tempos fáceis, os que os nossos antepassados passaram nos anos 60, mas esta nova emigração também não está a passar um tempo difícil, são jovens altamente qualificados com sonhos por concretizar que vêm na Emigração uma nova oportunidade.
Eu também sou Conselheira, no Conselho Consultivo da Juventude, e digo- vos que fiquei chocada quando na primeira reunião não houve uma única força partidária que falasse sobre os milhares de jovens que todos os dias atravessam a fronteira à procura de uma vida melhor.
Há muito para fazer, ainda muito para lutar, é uma luta difícil, duradoura mas não impossível.
Estou certa que, unidas, iremos continuar a mostrar que as Mulheres na Diáspora são Líderes exemplares na participação política activa.
53 - NUNO ARAÚJO
Jornalista
Liderança e Participação
A minha experiência no domínio das comunidades portuguesas, ao contrário da grande maioria dos intervenientes aqui presentes, não se situa no campo académico, político ou associativo da diáspora. O meu contacto com as questões relacionadas com a Emigração surgiu num contexto “hereditário”, emocional e profissional. Sou neto de um emigrante na Venezuela, que para lá partiu na década de 50. Sou filho de um homem que dedicou grande parte da sua vida às comunidades portuguesas. Eu próprio, como jornalista, colaborei activamente na imprensa regional e das comunidades portuguesas até ao encerramento dos títulos com os quais colaborava… Por estas e outras razões, esta minha pequena intervenção decorre de algumas ideias e pensamentos que decidi partilhar convosco, assumindo desde já que resultam de uma análise meramente empírica.
O “Congressismo”, neste contexto, talvez se tenha revelado como um dos maiores motores de reflexão e acção sobre as comunidades migrantes no geral, e nas políticas de género em particular. Primeiro, junta uma diversidade de opiniões, experiências e diferenças que, cada uma com as suas especificidades, cria uma acção transformadora, não só nos seus intervenientes, como nos públicos que pretende atingir. Em segundo lugar, os fóruns, seminários, congressos e reuniões são espaços privilegiados de
networking possibilitando uma poderosa ferramenta para o desenvolvimento de projectos e estabelecimento de parcerias. Por último, cumpre um propósito fundamental através das temáticas que foca, ao diluir de forma mais ou menos directa, as pretensões assumidas. Essas mudanças transformadoras, que só a partilha na diferença possibilita, produzem narrativas que “regeneram” as audiências e, em simultâneo, alteram os quadros de referência dos autores dessas mesmas narrativas, transportando-nos para o domínio do construcionismo social. É nesta linha que defendo uma aposta estratégica no “Congressismo” perspectivado como acção dinâmica e dinamizadora de
mudanças sociais que, recursivamente, alteram e são alteradas, pelo ser. Estes espaços são ricos nesse pressuposto construcionista que acabei de referir, pois cada um de nós procura através das suas prelecções tocar a audiência e, em simultâneo, revela as suas atitudes, comportamentos e ideias como resultado de um processo sociocultural. Nesta linha, é certo que todos os homens e mulheres que vivem o “Congressismo”, e hoje os que aqui se reúnem, procuram diluir na sociedade as suas vivências, experiências e as suas histórias, mas, sobretudo, contribuem para que os artifícios sociais criados ao longo da história em torno das políticas de género, sejam abalados de forma que homens e mulheres, nas suas competências diferenciadoras,
não sejam alvo do preconceito, discriminação e exclusão social. No contexto da vida da diáspora nas sociedades de acolhimento, revela-se de particular importância e atenção, dado que existem factores de discriminação múltipla decorrentes da condição de emigrante, de género, nível sócio-económico, etnia, religião, etc…
A razoável pretensão desta Associação e do “Congressimo” contribuem decisivamente para o mainstreaming das políticas de género no contexto da emigração. A masculinidade ainda reinante não deverá ser um reflexo de uma primazia atribuída artificialmente, mas sim decorrente de circunstâncias quase aleatórias. O papel atribuído às mulheres em alguns campos da emigração, como o reagrupamento familiar, a perpetuação do ensino da língua de origem (em contexto familiar e/ou associativo), o seu papel invisível na dinamização cultural nas associações e colectividades, a limitação a profissões ditas femininas, o seu papel cuidador no contexto da família, entre outros aspectos, decorrem ainda de uma luta constante da interiorização que a própria mulher faz acerca de si própria e a vontade mais íntima que nem sempre se revela. Não podemos, todavia, negar o aumento de novas responsabilidades económicas, sociais e profissionais da mulher em diversas sociedades de acolhimento, sem, no entanto, ainda mudarem velhos e ultrapassados estereótipos de distribuição de papéis no seio da família, num mapeamento familiar onde a mulher invariavelmente assume o papel de cuidadora principal, aumentando os encargos que exerce. Por outro lado, e em tendência contrária, as mulheres com família que assumem posições de primeira linha em muitas empresas e que aceitam uma nova forma de mobilidade internacional, como é o caso da expatriação, quando filhos e cônjuge a acompanha, não são sobrecarregadas pelas tarefas ditas femininas no seio da família, pois a carreira assume primazia neste contexto, e os próprios estereótipos em torno do género parecem perder força. Por outro lado, talvez neste campo específico, as questões de género sejam mais evidentes para um cônjuge de uma expatriada… Também é verdade que neste contexto de mobilidade internacional, cada vez mais frequente e substituto do velho paradigma do
emigrante de meados do século XX, existam ainda muitos mais homens do que mulheres, não só porque grande maioria dos gestores em Portugal serem homens, mas também por outros dois motivos: percepção enviesada do papel da mulher e constrangimentos sexistas em determinadas sociedades de acolhimento quando a liderança é feminina.
Naturalmente que o contexto de expatriação é bem diferente do que habitualmente chamamos de emigração. Não só pelos motivos subjacentes à partida, como pela delimitação temporal existente no primeiro caso e, naturalmente, pelas condições menos dúbias que a emigração dita tradicional não corresponde. Apenas serviu de exemplo para constatar o posicionamento no que ao género diz respeito, bem como a uma tendência cada vez mais em prática decorrente da internacionalização da nossa economia. Importa também salientar alguns aspectos relacionados com novas formas de emigração, ou melhor, diferentes competências que os novos emigrantes evidenciam neste mundo global e menos delimitado por fronteiras. Arrisco dizer que esta nova tendência de pessoas qualificadas que saem de Portugal, transporta desejos e motivações semelhantes à do passado: em suma, uma vida melhor. Muitos jovens que saem das universidades procuram novos mercados, desafiam novas competências e abrem caminho para uma vida noutro país, não só em busca de um futuro mais promissor, como ainda imbuídos num espírito de aventura mais ou menos securizante, ou não fosse a rede financeira dos pais assegurar alguma eventualidade. Muitas jovens, muitas mulheres também saem neste contexto, não propriamente para ir ter com o marido que foi primeiro, mas, sozinhas, em busca de carreiras, experiências e vivências, sobretudo, na Europa, procurando o seu espaço de liderança e participação.
Para concluir, subscrevo aquilo que nestes espaços já se referiu: urge criar um Observatório dos fenómenos da emigração e as suas verdadeiras implicações para as economias locais, para a economia nacional e, naturalmente, para uma melhor compreensão fenomenológica das migrações. Continuemos a construir e a contrariar o conformismo que sempre reinará em toda e qualquer sociedade, através do “Congressismo” que abale crenças, certezas e outras fórmulas que nos reduzem a espectadores passivos. E, para terminar, que na diferença de género nasça uma sociedade mais solidária, mais fraterna e mais justa…
Jurista Ex- SECP?
INTRODUÇÃO
O CONGRESSISSMO COMO ESPAÇO DE LUTA PELA IGUALDADE DE GÉNERO
No Encontro Mundial da Maia, procuramos ir às raízes do movimento pela intervenção cívica da Mulher, em Portugal, que, a nosso modo e no nosso tempo, continuamos, olhando em especial as mulheres da Diáspora.
O que nos une e reúne, como há um século aconteceu com as feministas da 1ª República, é a convicção de que só a acção colectiva pode levar a mudanças essenciais a uma transformação da sociedade no sentido da maior igualdade de género.
O poderoso associativismo feminino, que se projectou no tempo dessas precursoras, é irrepetível e do que, na mesma época, traduziu formas inéditas de solidariedade entre as portuguesas emigradas (muito em particular na Califórnia, a nível do movimento mutualista) o mesmo se poderá dizer.
É certo que há ainda lugar para organizações exclusivamente compostas por mulheres, que desempenham um papel muito importante, sobretudo no campo tradicional da beneficência e acção social, caso da Sociedades das Damas Portuguesas da Venezuela, da Liga da Mulher da África do Sul e da Associação da Mulher Migrante Portuguesa da Argentina - de todas a mais recente. Todavia, na Califórnia, as pioneiras Sociedade Rainha Santa Isabel e União Protectora Portuguesa do Estado da Califórnia passaram a aceitar a filiação de membros do outro sexo ou a fusão com outras sociedades fraternais e mutualistas.
No século XXI, na nossa perspectiva, sem prejuízo de aceitação da bondade de outras opções, a prioridade terá de ser dada ao acesso das mulheres ao dirigismo nas organizações em que se estruturam as comunidades portuguesas, onde estão, em regra, ainda marginalizadas - o que para além de representar uma inaceitável discriminação sexista, prejudica a expansão e a renovação das próprias instituições.
O "congressismo", outra das heranças feministas do início de novecentos - entendido em sentido lato, para abranger o esforço de informação, debate, reflexão, crítica, testemunho, troca de experiências, reivindicação em múltiplos "fora" e, genericamente, eventos com projecção mediática - é ainda um dos mais eficazes instrumentos actuais ao serviço do objectivo de mobilizar as portuguesas para a intervenção nas comunidades do estrangeiro.
A organização dos vários Encontros Mundiais de Mulheres Migrantes, a partir de 1985, de conferências e debates sobre a temática de género ligada à emigração portuguesa, enquadra-se nesta visão das coisas e tem sido, frequentemente, iniciativa conjunta, ainda que através de fórmulas diversas, do governo e de ONG’s – penso sobretudo, nas que vêm sendo levadas a cabo, desde 1994, pela "Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade". Esta continuada cooperação entre Estado-sociedade civil, entre mulheres e homens é, sem dúvida, um aspecto a realçar, e não se pode dizer que seja algo de alheio às nossas melhores tradições, pois, de facto, vai encontrar raízes no passado.
Nesta breve comunicação, limito-me a assinalar algumas das características singulares do exemplo português na luta pela afirmação da cidadania das mulheres e da recorrência de singularidades ou originalidades nossas, em épocas tão distintas como foram o início e o final do Século XX. Há ensinamentos a tirar, que apontam, ainda que com todos os riscos inerentes à extrapolação, para as virtualidades de uma mudança rápida do "status quo", de que os portugueses se mostraram, por vezes, tão capazes, para surpresa dos outros e, talvez, também deles próprios.
I - O PRIMEIRO PARADIGMA - O MOVIMENTO FEMINISMO NO INÍCIO DE NOVECENTOS
O movimento feminista foi, em Portugal, surpreendentemente moderno e vanguardista na medida soube resistir à tentação do radicalismo, aos excessos de uma "guerra de sexos", por um lado, e, por outro, ao mimetismo dos paradigmas masculinos, em favor de uma assunção plena do "feminismo feminino", na expressão de Carolina Beatriz Ângelo. As nossas “Avós” sufragistas, reclamaram, lucidamente, os mesmos direitos e deveres na "res publica", com a sua própria maneira de ser e de actuar, tal qual eram – em caminhada democrática e solidária, lado a lado, com os homens, numa vivência da ideia da "paridade", que teorizaram e quiseram por em prática muito antes da palavra ter feito o seu curso nas Constituições e nas leis, que hoje nos regem.
Partilhavam, como sabemos, a utopia igualitária que inspirava os movimentos de luta pela libertação das mulheres por toda a Europa e na América do Norte, mas moldaram-na à sua feição, com a força da esperança numa mutação de regime, imediatamente antes e durante o processo de consolidação da República.
De facto, entre nós, as questões de género e de regime entrelaçaram-se, num mesmo desígnio de liberdade e progresso, que parecia capaz de resolver a primeira pelo simples facto de resolver a segunda – embora, o não viesse a fazer, sem que às mulheres possa ser assacada a responsabilidade por esse desvio do que poderia e deveria ter sido o curso da história do feminismo em Portugal.
Aquela dupla pertença foi, a meu ver, a argamassa, a base sólida da especial cumplicidade que as unia aos revolucionários do sexo oposto, e as levava a situarem, claramente, a problemática da mulher no quadro global das transformações do Estado e da sociedade. Era a refundação do País que idealizavam, sem duvidar de que ela comportaria o fim de todos os privilégios, entre eles, os de sexo, assegurando, em simultâneo, a plena emancipação da metade feminina. Não era uma luta em causa própria, em favor de uma minoria - a elite da cultura ou da fortuna, a que muitas delas pertenciam - mas em favor de todas as mulheres, e, mais latamente, da sociedade portuguesa.
Viam o momento de explosão revolucionária, como um tempo de grandes oportunidades, para que estavam, porém, como o futuro demonstraria, bem mais preparadas do que os homens seus correlegionários. Mas sabiam que nada aconteceria sem esforço, sem a comprovação da importância do seu contributo, muito concreto, num combate que só poderia ser ganho pela força da organização colectiva, pelo associativismo, e pela consequente demonstração pública da inteligência, da coragem, e capacidade de decisão e de intervenção cívica de toda uma geração, não apenas de algumas mulheres a título excepcional - como as que, em diferentes épocas, venceram a barreira do absoluto anonimato a que estavam destinadas, em razão do sexo, na História escrita pelos homens: Chefes de Estado, rainhas influentes nos negócios do Reino, heroínas de revoltas populares e de guerras, sobretudo nas praças de África, no Oriente, algumas invulgares escritoras ou artistas imortalizadas pelo talento... Todavia, o que é raridade não conta. e, por isso, não destruíram, com o seu exemplo solitário, os estereótipos de inaptidão da mulher comum para a coisa pública, não influenciaram o estatuto e os direitos da generalidade das mulheres, como a elite de novecentos se preparava para tentar.
A tomada da palavra perante multidões, um pouco por todo o país, com um discurso coerente e convincente, tanto por parte de nomes consagrados (Osório, Cabete, Veleda…), como de tantas jovens desconhecidas, em comícios, em "fora" de reflexão e debate, em acções de propaganda, constituiu um grande momento de viragem.
Foi, assim, no campo de acção ou de luta designado por “congressismo”, que as Portuguesas fizeram a passagem, súbita, inesperada, espectacular, do círculo doméstico, onde os costumes as confinavam, para a esfera pública, onde abriram caminhos, que levariam décadas a percorrer – e que são ainda agora a via aberta para o nosso próprio trajecto.
Outra das peculiaridades nacionais, há que destaca-la, patenteia-se no papel que os homens desempenharam neste processo. Os líderes republicanos apelaram, eles próprios, à participação activa das mulheres, deram-lhe, nessa primeira década de novecentos, um papel a representar no palco das sessões de propaganda, no turbilhão revolucionário em que, por igual, se envolveram. Até então, o incipiente movimento feminista nascia à semelhante dos de outros países europeus - mais tardio, mais discreto, porventura - mas avançando, à margem de solicitações partidárias directas, com republicanas como Ana de Castro Osório e Adelaide Cabete, mas também com monárquicas, como Olga Morais Sarmento Silveira, Branca de Gonta Colaço ou Domitília de Carvalho (que haveria de ser, durante o Estado Novo, deputada na Assembleia Nacional).
As primeiras tomadas de posição, com pouca visibilidade popular, estão ligadas a organizações pacifistas, como a "Liga Portuguesa da Paz", de Alice Pestana, que veio a organizar, em 1906, uma "Secção Feminista" e foi responsável pela que se poderá considerar a primeira sessão pública de um grupo feminista, que Teófilo Braga, um declarado defensor da emancipação da Mulher, prestigiou com a sua presença.
As datas são de salientar, porquanto, pouco antes, no ano de 1902, uma das participantes activas nessas iniciativas, Carolina Michaelis de Vasconcelos, olhando, com a sua mentalidade germânica, e, naturalmente, com muita preocupação, o país do sul que escolhera para viver, escrevia o seguinte:
"O combate das massas feministas, em vista de melhores condições sociais, está inteiramente por organizar"[...] "O aparecimento de uma mulher na política seria considerado uma monstruosidade".
Ora apenas dois anos depois, em 1904, Adelaide Cabete, Maria Veleda e outras fazem-se ouvir no I Congresso do Livre Pensamento. Em 1906, a própria Carolina Michaelis está entre as impulsionadoras da "Liga Portuguesa da Paz", e de manifestações em que pacifismo e feminismo se interligam. A partir do ano seguinte, acentua-se a convergência entre feminismo e republicanismo e a entrada de muitas notáveis em lojas maçónicas.
É de ressaltar a assombrosa aceleração do processo de participação feminina, neste curto período, a revelar as contradições, os anacronismos e a inacreditável capacidade de os superar de que, de vez em quando, dá provas a sociedade portuguesa, com uma plasticidade, uma maleabilidade, que não se adivinha de fora e é preciso saber descobrir, de dentro. Ainda por cima, em geral, o inesperado protagonismo feminino, essa suposta "monstruosidade", despertava nas massas um enorme entusiasmo e aplauso, demonstrando que as afinidades ideológicas superavam facilmente os preconceitos misóginos. (1)
Por parte do povo, a reacção era, sem sombra de dúvida, espontânea. Por parte das lideranças, a utilização das mulheres consumava uma hábil estratégia política. Vejamos: em 1908, António José de Almeida, Bernardino Machado e Magalhães Lemos dirigiram a ilustres correligionárias o convite para criarem "A “Liga Portuguesa da Mulher Republicana", que foi a maior das associações feministas – com cerca de um milhar de militantes - e deve a sua génese a esse convite, uma das excentricidades da história do nosso movimento de emancipação da mulher.(2) No ano seguinte, a LPMR é formalmente integrada nas estruturas do Partido Republicano, tornando-se como que o equivalente aos departamentos femininos de muitos partidos actuais.
Ao período de grande unidade, que assinalou a última fase da monarquia e a da proclamação da República, seguir-se-á o das múltiplas cisões, fatalmente determinadas pelo incumprimento das promessas do novo regime, sobretudo no que respeita ao sufrágio. (3)
Os "pais fundadores" da República, não se haviam limitado a chamar - como tantas vezes e em tantos países viria, posteriormente, a suceder - meras figuras decorativas, dispostas a fazer o jogo do partido e dos seus interesses, mas intervenientes de grande estatura moral e intelectual, escritoras, jornalistas, médicas, professoras, advogadas... Poucas foram as que toleraram a dolosa recusa do direito de voto nas sucessivas leis eleitorais da República. A maioria abandonou a "Liga", logo em 1911. Ficaram as que, como Maria Veleda, eram verdadeiramente mais "republicanas do que feministas", e colocavam, estrategicamente, o esforço de educação cívica das mulheres antes da concessão de direitos políticos. As sufragistas, sem nunca enjeitarem os seus ideais republicanos, multiplicaram associações independentes e ligadas a movimentos internacionais, como foi o caso da Associação de Propaganda Feminista de Ana de Castro Osório (1911) e do Conselho Nacional da Mulher Portuguesa, por muitos anos liderado por Adelaide Cabete, e que viria a ter, como última presidente, nos anos 40, Maria Lamas.
A prioridade do movimento sufragista está bem expressa no grito de revolta de Ana de Castro Osório: "Se uma República nos expulsa das suas leis cívicas, não podemos considerar nossa a Pátria onde não temos direitos, onde não temos voz para protestar".
Nos seus turbulentos 16 anos de vida, a República perdeu-se pela incapacidade de agregar crescentemente os portugueses, de responder aos anseios democráticos das mulheres e de largos sectores das populações, que foram marginalizados num universo eleitoral cada vez mais reduzido e inferior ao que existiu na última fase da monarquia. Por medo de um voto popular, que não soube atrair, a República incumpriu as promessas de sufrágio universal, e não se tendo enraizado suficientemente, não pode resistir ao golpe militar de 1926, a que se seguiria uma longa ditadura.
As republicanas alcançaram, todavia, vitórias em domínios que consideravam, justamente, do maior relevo, como as novas leis da família, a lei do divórcio, a extensão da rede de ensino, a co-educação, o acesso das mulheres à função pública, a carreiras profissionais - reformas que transformaram a sociedade portuguesa, e que, apesar de muitos retrocessos, de alguma forma, resistiram durante a ditadura e o Estado Novo, levando ao acesso, limitado embora, ao voto e à política, ao ensino, à participação no mundo do trabalho, da cultura.
As mulheres não esmoreceram, prosseguiram o seu infindável combate cívico. O I Congresso feminista acontece quase em fim de regime, em 1924. O II Congresso realiza-se em 1928, já em plena ditadura. Quase duas décadas depois, em 1947, um outro grande evento dá a conhecer as mulheres da cultura, no país e no mundo - uma audaciosa iniciativa do CNMP, presidido pela grande intelectual, jornalista e escritora Maria Lamas, que hoje justamente, evocamos neste Encontro. A visibilidade e o êxito do “feminino” no campo do pensamento, da escrita, da livre expressão, foram vistos como realidades verdadeiramente subversivas e, por isso, intoleráveis para o regime. O CNMP foi extinto e Maria Lamas perseguida.
Podemos assim dizer que um ciclo se fecha e uma época incomparável termina no rasto do sucesso de um último congresso...
II - CONGRESSISMO E POLÍTICAS DE GÉNERO PARA A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA (em revisão)
Restaurada a democracia, é também no cenário do “congressismo” que, em 1985, as portuguesas da Diáspora se reúnem, pela primeira vez, com o propósito de criarem as condições para o exercício pleno da sua cidadania no interior das comunidades portuguesas. Não podemos, em rigor, dizer que a história se repetiu, mas o certo é que a organização do "1º Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo” coube, também, aos políticos - não aos da oposição, mas aos do Governo - tendo, neste caso, a solicitação partido das próprias mulheres, através de uma recomendação do Conselho das Comunidades Portuguesas, na reunião Regional da América do Norte, na cidade de Danbury, em 1984.
Não havia conhecimento de organização semelhante em qualquer outro país de emigração, pelo que o governo português se converteu em pioneiro e viu a UNESCO patrocinar, oficialmente, essa sua primeira grande medida de uma política de género no domínio da Diáspora.
Podemos afirmá-lo, olhando as leis e as práticas do passado, porque, até 1974, as medidas especialmente destinadas às mulheres foram sempre, discriminatórias, procurando restringir o seu direito de emigrar, e até de acompanhar os maridos, evitando a saída de famílias inteiras ou a sua reunificação no estrangeiro (por se temer que facilitasse a integração nas terras de acolhimento). Traduzindo o sentir comum dos políticos do seu tempo, Afonso Costa considera o exôdo das mulheres "uma degenerescência do fenómeno migratório".(4) Ou seja, considerava que a emigração era, ou devia ser, “só para homens”! Não que estes não vissem, também, em determinadas épocas ou circunstâncias, cerceado o direito à livre circulação. A liberdade de emigrar é uma das liberdades que floresceu com a revolução de 1974, e que veio a ser expressamente consagrada na Constituição de 1976, assim como a plena igualdade entre os sexos. Todavia, a consagração da igualdade formal entre mulheres e homens, converteu-se, no espaço universal da Diáspora, em pretexto para ignorar as especificidades da situação das mulheres, continuando a emigração portuguesa a ser padronizada no masculino. Enquanto dentro do País foram criados programas de combate às discriminações que, de facto, resistiam à proclamação formal do princípio da igualdade, nada de semelhante aconteceu fora das fronteiras geográficas. As mulheres residentes no estrangeiro não estavam no centro das preocupações de iniciativas e de planos traçados por sucessivos governos e executados por vários departamentos e, em especial, pelas comissões para a igualdade - cuja designação foi variando ao longo dos anos ou não o estavam, pelo menos, de uma forma continuada e sistemática.
Ora, como é, nos nossos dias, amplamente reconhecido (e começou a sê-lo desde a abordagem do tema no Encontro Mundial de 1985) tornou-se, em regra, mais fácil às emigrantes afirmarem o seu estatuto de igualdade nas sociedades de acolhimento do que no âmbito das comunidades portuguesas. No movimento associativo das comunidades o seu papel, muito importante embora, reconduzia -se - e ainda, frequentemente, se reconduz - aos estereótipos tradicionais de divisão de trabalho, em função do sexo. Um trabalho invisível, de bastidores, de preparação dos eventos, dos programas culturais, da decoração e arranjo das salas, na cozinha, na retaguarda actuante... Completamente arredadas do acesso a cargos directivos excepto, evidentemente, no associativismo feminino – uma raridade, salvo na Califórnia...
Em consequência disso, ficaram também de fora do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), quando ele foi criado, como órgão consultivo do Governo, em 1980 -justamente porque era composto por dirigentes associativos e por jornalistas (3). A ausência feminina decorria da sua marginalização no movimento associativo, espelhava, fielmente, uma realidade. Aliás, foi, inicialmente, na "quota" dos jornalistas que surgiram as primeiras mulheres - caso de Custódia Domingues, de França, que era o único nome feminino na primeira reunião do CCP em 1981. E foi, precisamente, uma outra jornalista, a Conselheira das Comunidades Maria Alice Ribeiro (directora de um grande semanário de Toronto), que apresentou, em Danbury, a recomendação para a realização de um congresso mundial de mulheres da Diáspora, logo ali aprovada consensualmente. (4)
A Secretária de Estado da Emigração, que era eu mesma, limitou-se a dar rápido cumprimento a essa recomendação. As mulheres fizeram o resto… (5) Foi, por todas as razões, um Encontro memorável – antes de mais, pela qualidade dos debates, das contribuições. As participantes não falaram, apenas dos seus próprios problemas. Na escolha e tratamento de temas, no modo de historiar o passado e olhar o presente, nas recomendações para a mudança de um "estado de coisas", colocaram a tónica em dois grandes objectivos indissociáveis: o de serem consultadas sobre a realidade global das comunidades e o seu futuro, tal como o viam e queriam legitimamente influenciar; o de repensarem o seu próprio papel na família, na vida colectiva, no trabalho profissional e no associativismo, a fim de passarem à execução de projectos de mudança.
Tal como as feminista, um século antes, punham o acento na ideia de cidadania, de serviço cívico, privilegiavam o companheirismo com os homens, seus aliados. E mostravam, também, um elevado nível intelectual, eram jornalistas, escritoras, profissionais de prestígio, líderes de associações.
A chamada ao0 Encontro de mulheres do mundo associativo e dos media, tal como acontecia no CCP, é mais um indício de que este órgão consultivo foi o paradigma para a audição das mulheres. Contaram, aliás, com os mesmos interlocutores, membros do governo da República e dos governos regionais dos Açores e da Madeira. E, ainda, com personalidades da vida política e cultural do País, num acontecimento que deixou marcas e influenciou o futuro. Porém, nos anos que se seguiram, a estrutura internacional autónoma para que apontavam, não viria a formar-se – por falta da liderança, devida, certamente, à dispersão, à distância, às dificuldades de contacto entre todas… (6). Só em 1994, algumas das participantes do Encontro retomariam esse projecto, com a criação, em Lisboa, da “Mulher Migrante – Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade”, aberta a membros de ambos os sexos, e reclamariam a herança, para a continuar, com a intenção de associar a "sociedade civil" e o Estado na prossecução das tarefas de promover a participação cidadã das mulheres no contexto da expatriação. Só assim se explica que uma pequena associação se tenha convertido desde então, e até hoje, em parceiro privilegiado para o desenvolvimento de políticas de género neste domínio, nomeadamente das que passam pelo "congressismo". A Associação tem colaborado, em especial, com os departamentos responsáveis pelas políticas da igualdade e com a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, em sucessivos governos. (7) Uma prova de que, neste campo, a convergência e a sequência de políticas tem sido alcançada - asserção que não poderá generalizar-se, evidentemente, ao conjunto das políticas para a emigração.
Ainda que sem uma base institucional, o modo de colaboração entre o Estado e a “Mulher Migrante” - agregando associações locais, que têm co- participado no “congressismo para a igualdade de género” - parece, de algum modo, inspirar-se no modelo do CCP originário, não o actual, mas o que tinha raízes associativas, era uma "plataforma de diálogo" entre o governo e instituições ou personalidades das comunidades do estrangeiro, e, como vimos, impulsionou o 1º Encontro de Mulheres da Diáspora. É, sobretudo, o carácter recorrente, e não esporádico, da consulta ou audição das mulheres, que justifica a comparação. De facto, ao Encontro Mundial de Espinho, que reuniu mais de 300 participantes dos cinco continentes, e em que procurou fazer-se o balanço de uma década (1985/1995), seguiram-se inúmeros seminários e colóquios realizados no País e no estrangeiro, e, entre 2005 e 2009, os "Encontros Para a Cidadania - a Igualdade entre Mulheres e Homens".(8)
Em 2005, ao perfazer a 2ª década após o Encontro de Viana, a "Mulher Migrante" apresentou ao Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas António Braga uma proposta de realização de "Encontros" nas maiores comunidades da Diáspora, inseridas numa estratégia de mobilização para a intervenção cívica. O primeiro foi na América do Sul, em Buenos Aires (2005), depois foi a vez da Europa, (Estocolmo, 2006), do Canadá, (Toronto, 2007), da África do Sul (Joanesburgo, 2008) e dos EUA (Berkeley, 2008). Em todos esses "congressos" estiveram presentes membros do Governo - ou o SECP ou o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
Mais uma vez podemos falar de um caminho próprio, sem precedente em qualquer outro país, no que à fórmula respeita, ainda que haja, certamente, muito em comum, em matéria de situações de facto, de aspirações de mudança, de metas e metodologias para as atingir, no aspecto dos factos e do Direito.
Olhando o universo jurídico, poderemos dizer que, em Portugal, a primeira medida de promoção da igualdade de género na emigração foi a aplicação do princípio da paridade na eleição para o CCP - que, por sinal, foi anunciada pelo Secretário de Estado Jorge Lacão na Conferência para a Igualdade, co-organizada pela "Mulher Migrante" em Toronto.(9) As listas para o CCP viriam, de facto, no ano de 2008, a assegurar, em observância da lei, a inclusão de um terço de mulheres. E como os actos eleitorais para a Assembleia da República e para as autarquias ocorreram no ano seguinte, acabou por constituir como que um "ensaio geral" do sistema de quotas -e bem sucedido, pois redundou no aumento previsível, do número e percentagem de conselheiras e, também, na sua ascensão (minimalista ainda) ao Conselho Permanente - Teresa Heimans, participante neste Encontro é a primeira a integrar essa cúpula directiva.
A presença feminina, globalmente, no CCP, nas diversas Comissões e na instância de coordenação, é quantificável, com todo o rigor (sabendo-se que está ainda longe de uma verdadeira igualdade), mas a importância real que terá no maior equilíbrio de participação de ambos os sexos na vida das comunidades do estrangeiro vai depender, directamente, do uso que as eleitas farão da sua capacidade de influenciar os processos de funcionamento e de decisão do "Conselho", e, indirectamente, do papel que venha a ser o desta instituição - que tem tido, como é sabido, um percurso acidentado e irregular, por vezes, devido ao distanciamento interposto pelos próprios governos, sem por isso deixar de ser o único forum de representação universal dos emigrantes portugueses.
Uma nova medida de salientar, neste domínio, é a Resolução nº32/2010 de 19 de Março "Sobre a problemática da mulher emigrante", que contém uma série de recomendações ao Governo. a primeira das quais é a criação de um programa "com o objectivo de definir um conjunto de medidas destinadas ao desenvolvimento da cidadania das mulheres portuguesas residentes no estrangeiro."
Muitas das acções para que aponta esse programa correspondem a conclusões ou recomendações dos "Encontros para a cidadania, tal como foram formuladas pelas suas participantes.
A "Resolução" junta assim um lado muito realista e pragmático ao seu lado mais simbólico - ou seja, o ter constituído, historicamente, na Assembleia da República, uma primeira abordagem das questões da emigração feminina e das soluções a encontrar para promover a igualdade entre os sexos, que é uma obrigação imposta ao Estado pelo art. 109º da Constituição, que não pode ser equacionada apenas no território nacional.
José Cesário foi, em 2010, como deputado, o autor, o primeiro proponente da Resolução, dirigindo ao Governo um conjunto de recomendações que se mostra, naturalmente, agora, pronto a acatar, como Secretário de Estado.
É, pois, com base neste instrumento jurídico que um novo ciclo se inicia, sem rupturas com o passado - e a Associação Mulher Migrante disponibiliza-se, uma vez mais, para prosseguir objectivos em que há interesse mútuo na colaboração entre serviços públicos e organizações privadas.
O Encontro Mundial da Maia, em 2011, é nesta perspectiva, um ponto de partida numa nova etapa de um percurso há muito começado e sem fim à vista.
E a Resolução nº 32/2010, ao contrário do que acontece com tantos dos normativos programáticos, será para ser vivida e para se tornar o instrumento da efectivação de políticas de emigração, com a componente de género. (12)
Notas
(1) A participação de mulheres, que saíam do mais completo anonimato, para serem aclamadas nas tribunas dos comícios, não aconteceu só na capital, mas em muitas terras de província. Fina d'Armada coligiu dados referentes a 33 concelhos, com abundante informação sobre os nomes dessas revolucionárias, muitas delas jovens, e sobre o seu parentesco com activistas republicanos - a revelar que existiam, frequentemente, laços de família entre elas e eles. Família de sangue e família ideológica, in "Republicanas quase Desconhecidas", Temas e Debates, Círculo dos Leitores, Maia 2011.
(2) Sobre uma primeira conversa entre António José de Almeida e Ana da Castro Osório, com vista à criação da "Liga", vd Zília Osório de Castro in "Mulheres na República - Percursos, Conquistas e Derrotas", pag. 105
(3) João Esteves dá-nos a cronologia dessas cisões in "Mulheres e Republicanismo, 1908-1928", pag. 9 e sgs.
(4) in "A Emigração", Imprensa Nacional, 1913, pag 182
(5) O CCP foi instituído pelo Decreto-Lei nº 373/80 de 12 de Setembro, como uma "plataforma de diálogo" ente o governo e as organizações do movimento associativo, assumindo no programa do VI Governo Constitucional, no discurso político, e, a meu ver, também de facto, um lugar de grande relevo, como porta voz das comunidades e co-participante nas políticas de emigração. Essa proeminência tornava especialmente grave e lamentável a exclusão da voz das mulheres.
(6) A proposta formalizada por Maria Alice Ribeiro começou a ser equacionada nos convívios informais da reunião do Conselho Regional, onde estava a mulher de um dos conselheiros, Natália Dutra, ela própria, dirigente de uma Irmandade da Califórnia. A ambas, Natália a Maria Alice, se pode atribuir a autoria da ideia.
(7) Foram 36 as representantes das suas comunidades no "Encontro de Viana":
Alice Vieira (Venezuela); Angela Giglitto (EUA -Califórnia); Aurora Vackier (França); Barbara Angeja (EUA-Califórnia);Benvinda Maria (Brasil); Berta Madeira (EUA-Califórnia); Claudia Rios (EUA-Leste); Custódia Domingues (França); Debora Morais (Canadá); Dolores Nunes-Lowry (EUA-Califórnia);Fernanda Claudio (Canadá); Helena Guerreiro-Klinowsky (Canadá); Helena Amaral (EUA-Leste); Heroína de Pina (Luxemburgo); Julieta Maia (Canadá); Laura Bulger (Canadá); Manuela da Luz Chaplin (EUA-Leste); Manuela Faria (Austrália); Maria Adelaide Vaz (Canadá); Amélia Afonso (Argentina); Mary Giglitto (EUA-Califórnia); Maria Antónia Anjos (Argentina); Maria do Céu Cunha (França); Eulália salgado (RAS); Maria Emília Pedreira (Brasil); Fernanda Gabriel (França); Maria da Graça dos Santos (França); Isabel Vieira (França); Maria José Brântuas (EUA-Califórnia); Juliana Resende (Venezuela): Leonor Xavier (Brasil); Lourdes Lara (Canadá); Edith Phillips (Inglaterra); Manuela Cavaleiro Miranda (França); Natália Dutra (EUA-Califórnia); Rosa Silveira (EUA-Califórnia).
(8) Nas Conclusões Gerais do "Encontro", diz-se no Ponto 8: "Foi decidido formar uma associação entre as participantes do encontro, aberta, no entanto, a outras mulheres portuguesas ou de origem portuguesa residentes no estrangeiro e às que em Portugal se interessam pela matéria". in "1º Encontro Portuguesas Migrantes no Associativismo e no Jornalismo", Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, Centro de Estudos, Porto, 1986, pag 138
(9) vd Rita Gomes in "Mulher Migrante em Congresso" coord Maria Manuela Aguiar e Maria Teresa Aguiar, edição Mulher Migrante, Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, VN Gaia, 2009, pag 99 e sgs..
(10) Comunicações sobre os "Encontros para a Cidadania" foram apresentadas por participantes no Encontro de espinho, em Março de 2009 e estão publicadas in "Cidadãs da Diáspora - Encontro em Espinho", coord Maria Manuela Aguiar, Edição Mulher Migrante - Associação de estudo, Cooperação e Solidariedade, VN Gaia, 2009
(11) O nº 4 do artº11º e na alínea a) do nº1 do art. 37º da Lei nº 66-A/2007 impõe O mesmo princípio da paridade adoptado na formação de listas para as eleições legislativas e autárquicas é imposto no
(12) Em favor das mulheres migrantes foram, na sequência da adesão de Portugal à CEE, e no quadro de apoios comunitários, realizadas múltiplas acções no domínio da formação profissional. Porém, sem a generalidade e a continuidade que se exige a verdadeiras políticas de género no campo das migrações.
Bibliografia
Fina d'Armada, "Republicanas quase desconhecidas", Temas e Debates, Círculo de Leitores, Maia, 2011
"Mulheres na República - Percursos, Conquistas e Derrotas", coord Zília Osório de Castro, João Esteves e Natividade Monteiro. Edições Colibri, Lisboa, 2011
João Esteves, "Mulheres e Republicanismo (1908-1928)", Colecção Fio de Ariana, CIG, Lisboa, 2008
"1ª Encontro Portuguesas Migrantes no associativismo e no Jornalismo" Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, Centro de Estudos, Porto, 1986
"Encontro Mundial de Mulheres Migrantes - Gerações em Diálogo" Edição Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, Lisboa, 1996
"Encontro Mundial de Mulheres Migrantes - "As ideias e os factos assinalados" coord Eduardo Saraiva, Edição Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, Oliveira de Azeméis, 1996
"Encontro em Espinho - Cidadãs da Diáspora" coord Maria Manuela Aguiar, Edição
Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, V N Gaia, 2009
Mulher Migrante - o congresso on line", coord Maria Manuela Aguiar e Maria Teresa Aguiar, Edição Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, V N Gaia, 2009
O TEMPO E OS MODOS DE VIVER A CIDADANIA
MARIA DA GRAÇA SOUSA GUEDES
Professora catedrática?
É para mim uma honra e uma grata satisfação Moderar o último painel deste ENCONTRO MUNDIAL DE MULHERES PORTUGUESAS NA DIÁSPORA e intitulado O TEMPO E OS MODOS DE VIVER A CIDADANIA agradecendo desde já a intervenção de todos os intervenientes: À Senhora Deputada Maria João Ávila, Aos senhores Deputados Carlos Gonçalves e Carlos Páscoa,
O Dr. António Regedor da Universidade Fernando Pessoa À Dra. Manuela Aguiar, Presidente da Assembleia Geral da Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade Mulher Migrante. À Senhora Cônsul Geral Maria Amélia Paiva, relatora deste painel, que tem a difícil tarefa de nos apresentar uma síntese dos contributos de todos nos diferentes painéis que integram este congresso.
É um Encontro, com uma dimensão mundial, que permite reflectir aprofundadamente e com o maior rigor científico, todas as problemáticas que envolvem questões tão amplas e diversificadas, implícitas à mulher portuguesa na nossa diáspora.
É um Encontro, que afinal é um reencontro de amigas, a quem muito especialmente saúdo e já desde o pioneiro, que aconteceu em Viana do Castelo, em Junho de 1985 –
o 1º ENCONTRO MUNDIAL DE PORTUGUESAS MIGRANTES NO ASSOCIATIVISMO E NO JORNALISMO – organizado pela Secretaria de Estado da Emigração e com o patrocínio da UNESCO
E, 10 anos depois, em Março de 1995, em Espinho,
O ENCONTRO MUNDIAL DE MULHERES MIGRANTES – GERAÇÕES EM DIÁLOGO – organizado pela Associação Mulher Migrante. Esta associação, da qual quase todas fazemos parte, em 2005 retoma a realização destes encontros e, por acção directa das suas representantes nos diversos continentes, organizando os ENCONTROS PARA A CIDADANIA em
Buenos Aires, Newark, Montreal, Toronto, Estocolmo e Joanesburgo. Para além destes Encontros, muitos outros eventos científicos tem realizado no país, razão pela qual merece o nosso reconhecimento e o nosso aplauso. Mas é o momento de iniciarmos os trabalhos, dando de imediato a palavra aos intervenientes, agradecendo o cumprimento rigoroso do tempo que dispõem, de forma a podermos estabelecer depois diálogo com todos.
56 - CARLOS GONÇALVES
Deputado da AR
O papel das mulheres nas Comunidades Portuguesas
No Congresso da Mulher Migrante tive a oportunidade, na minha intervenção, de destacar o papel das mulheres migrantes, realçando o papel que tantas portuguesas tiveram, através das mais variadas áreas, na afirmação cívica e política das Comunidades Portuguesas no estrangeiro.
No meu círculo eleitoral, em que as Comunidades Portuguesas emigrantes datam dos anos 60 e 70, foram as mulheres que assumiram, de forma clara, o papel da gestão administrativa da família, foram elas que acompanharam os processos escolares dos filhos e, foram elas também que, no plano local, se envolveram em diversos projectos, sozinhas ou em parceria com as autoridades locais que acabaram por promover o envolvimento das nossas comunidades nas sociedades de acolhimento.
Dessa forma, é absolutamente natural terem sido essas mulheres a integrar as comissões de pais e as associações ligadas às paróquias locais que apoiavam os novos emigrantes na altura em que chegavam a um novo país e passavam por dificuldades de adaptação a um novo país e a uma nova sociedade.
Podemos mesmo dizer que todas estas mulheres, através do aprofundamento das suas redes familiares, contribuíram para a própria integração da comunidade portuguesa, ao mesmo tempo que iam construindo novos laços nas sociedades onde agora estavam integradas.
Este papel de destaque das mulheres emigrantes portuguesas ganhou uma nova dimensão quando alguns países de acolhimento deram o direito de voto aos portugueses aí residentes e quando as alterações legislativas permitiram uma paridade de direitos cívicos e políticos à nossa Diáspora.
Dou como exemplo a França país onde resido e sobre o qual tenho, naturalmente, um maior conhecimento sobre a comunidade portuguesa no seu todo e muito particularmente no papel que algumas mulheres portuguesas têm vindo assumir no plano local e nacional.
Pelo trabalho político e cívico que desenvolveram no país que as acolheu é hoje perfeitamente natural que sejam essas portuguesas de valor a surgir agora em destaque na vida política francesa, nomeadamente, com a inclusão de candidatas lusas às próximas eleições legislativas com verdadeiras possibilidades de chegar ao Parlamento francês.
Como disse numa outra ocasião, a escolha destas candidatas trouxe para o debate político francês uma componente de origem portuguesa que considero fundamental, ao mesmo tempo que são os instrumentos políticos de uma comunidade notável com uma capacidade de integração sem igual e que contribui, todos os dias, com o seu trabalho, para a vitalidade da economia do país em que residem.
É com verdadeiro orgulho que vejo estas portuguesas a participarem num acto eleitoral num país estrangeiro. Acredito que podem vir a alcançar um excelente resultado, permitindo que tenhamos uma deputada, ou deputadas, oriundas da comunidade portuguesa.
Na verdade, na política não impossíveis e penso que há sempre espaço para todos aqueles que acreditam em ideias e projectos e que trabalham neles para melhorar a vida dos cidadãos. A política tem em vista resolver os problemas dos cidadãos e nesse particular as mulheres, nomeadamente as emigrantes, pelas imensas dificuldades que tiveram de enfrentar, são verdadeiros exemplos de tenacidade e capacidade de vencer.
CARLOS PÁSCOA
Deputado AR
O tempo e os modos de viver a Cidadania
Para falarmos em viver a cidadania precisamos começar por definir o que é cidadania.
Ser cidadão é respeitar e participar das decisões da sociedade para melhorar sua vidas e a de outras pessoas.
Ser cidadão é nunca se esquecer das pessoas que mais necessitam.
A cidadania deve ser divulgada através de instituições de ensino e meios de comunicação para o bem estar e desenvolvimento da nação.
A cidadania consiste no simples gesto de não jogar papel rua, não sujar os muros, respeitar os sinais e placas, respeitar os mais velhos (assim como a todas as outras
pessoas), saber dizer obrigado, desculpe, por favor e bom dia quando for o caso … até saber lidar com o abandono e a exclusão de pessoas necessitadas, o direito das crianças carentes e outros grandes problemas que enfrentamos em nosso país.
Como surgiu a cidadania?
A ideia de cidadania surgiu na Idade Antiga, após Roma conquistar a Grécia (séc. V d.c.), se expandindo para o resto da Europa. Apenas homens (de maior) eram
cidadãos. Diminuindo assim a ideia de cidadania, já que mulheres, crianças, estrangeiros e escravos não eram considerados cidadãos.
Na Idade Média (2ª era – séc. V até XV d.c.), surgiram na Europa, os feudos (ou fortalezas particulares). A ideia de cidadania se acaba, pois os proprietários dos feudos passaram a mandar em tudo, e os servos que habitavam os feudos não podiam participar de nada.
Após a Idade Média, terminaram-se as invasões Bárbaras, terminando-se também os feudos, entrando assim, em uma grande crise.
Os feudos se decompõem, formando cidades e depois países (os Estados Nacionais).
Entra a 3ª era (Idade Moderna – séc. XV ao XVIII d.c.). Os países formados após o desaparecimento dos feudos foram-no em consequência da união de dois grupos: Rei e
a Burguesia.
O Rei mandava em tudo e tinha um grande poder, graças aos impostos que recebia. Com todo esse dinheiro nas mãos, o Rei construía exércitos cada vez mais fortes, além
de dar apoio político à Burguesia. Em consequência dessa união, a Burguesia ficava cada vez mais rica e era ela quem dava apoio económico aos Reis (através dos impostos).
Com o tempo o Rei começou a atrapalhar a Burguesia, pois usava o poder para manipulá-la. A Burguesia ficava cada vez mais rica e independente, vendo o Rei como um
perigo e um obstáculo ao seu progresso. Para acabar com o Absolutismo (poder total do Rei), foram realizadas cinco grandes revoluções burguesas:
- Revolução Industrial
- Revolução Filosófica (Iluminismo)
- Revolução Francesa
- Independência dos Estados Unidos
- Revolução Inglesa
Todas essas cinco revoluções tinham o mesmo objetivo: tirar o Rei do poder.
Com o fim do Absolutismo, surge um novo tipo de Estado, o Estado de Direito cuja principal característica é: “todos têm direitos iguais perante a Constituição”, ocorrendo assim, uma grande mudança na Cidadania.
A Burguesia precisava do povo e o convencia de que todos estavam contra o Rei e lutando pela igualdade.
Acontece a grande contradição: Cidadania X Capitalismo.
A Cidadania é a participação de todos em busca de benefícios sociais e igualdade, a sociedade capitalista se alimenta da pobreza.
Começaram a ocorrer pressões contra os capitalistas por parte dos trabalhadores, que visavam uma vida melhor e sem exploração no trabalho.
Da função de político, o homem passa para a função de consumidor, o que é alimentado de forma acentuada pela mídia.
Isso se mantém até aos dias de hoje (ideia de consumo). Para mudar essas ideias, as pessoas devem criar seus próprios conceitos e a escola aparece como um fator
fundamental.
Na evolução dos tempos a Cidadania foi ajustando o ser humano proporcionando-lhe qualidade de vida.
Para terminar gostaria de deixar uma mensagem aos jovens.
Caros jovens, não permitam que a ideia de que somos desinteressados da realidade em que vivemos se prolifere: levante, lute e combata. Enquanto houver uma criança passando fome, um idoso abandonado, um jovem que não se levanta para que
um idoso se sente nos meios de transporte, enquanto não tivermos o hábito de dizer bom dia e obrigado, não teremos Cidadania. Conquiste seu título honroso de cidadão combatendo as atrocidades que se alastram pela nossa sociedade.
É através da Cidadania que alcançaremos uma melhor qualidade de vida.
Maia, 26 de Novembro de 2011
Carlos Páscoa
Deputado à Assembleia da República
58 - Falta
59 - ANTÓNIO REGEDOR
Universidade Fernando Pessoa?
O tempo e os modos de viver a cidadania
Na actual ausência de valores éticos que todos sentimos no nosso quotidiano social, é inevitável recorrer às origem do conceito de cidadania, para nos situarmos, traçar azimute e apontar proa à grande questão contemporânea que é exactamente o modo de viver a cidadania.
A origem do modo de entender a cidadania está imbuído do conceito de “Excelência”, tal como se apresentava na Paideia Grega.
O acervo educacional da Grécia Clássica tem no termo “Areté” vários sentidos. De um deles, uma tradução possível é “excelência”. Este conceito representa o ponto máximo de aperfeiçoamento que um determinado ser pode alcançar.
Na educação da Grécia clássica, ter areté, é o objetivo do homem grego
Platão refere-se à areté no sentido moral no seu livro a República. E significando para este autor as nobres acções.
Platão faz coincidir o “Bem” e o “Belo” resolvendo no “Uno” a sua dualidade ontológica. A boa e bela acção é a que tem o sentido do interesse geral da cidade. O cidadão que participa do bem estar da cidade, é feliz quando a cidade é também feliz. Não se entende que um cidadão possa sentir-se bem num caos social. Aquilo que é bom para a cidade é bom para o cidadão.
O modo de viver a cidadania não é sustentável na perspectiva moderna egoísta, individualista, limitada ao interesse de grupo.
Será de retomar o conceito clássico que faz coincidir na prática cidadã os interesses da cidade com os do indivíduo. Será justo pretender modernamente a retoma do conceito de excelência na prática da cidadania moderna.
Na herança recebida do sec. xx, estão formas de organização que serviram mais ou menos eficazmente a luta pelos direitos políticos, económicos, sociais e os de terceira geração como sejam os da qualidade de vida.
Muitas dessas formas organizativas de participação na vida da cidade são obsoletas face às imensas potencialidade da sociedade tecnológica da informação e do conhecimento. Nomeadamente as redes sociais estão a revolucionar a forma de contacto, de produção, de transmissão e de mobilização para a cidadania.
Mas não passarão de formas diferentes e adaptadas ao desenvolvimento tecnológico social, que continua a colocar como essencial a questão de partida. O modo como se participa, e esse só poderá ser orientado no interesse do bem comum, se estiver imbuído da “areté”.
A segunda metade do séc XX proporcionou em tempo de paz e prosperidade enormes avanços civilizacionais. De entre os mais importantes está a aquisição pela mulher da identidade de cidadã. Desde logo a sua própria identidade. Depois a igualdade na escola, na profissão, em casa. Nos direitos políticos o de eleger e ser eleita, nos económicos o de gerir o seu património, a sua carreira profissional e até a sua opção de profissão e de vida (autorizações de casamento)
A situação da mulher em sentido lato tem melhorado, mas a cidade e o governo da cidade parece não ter acompanhado esse avanço civilizacional
A mulher migrante vive realidades multifacetadas e simultaneamente fragmentada e dividida. Dividida entre o lugar de origem e o de presença, entre a comunidade própria e a comunidade de inserção, entre os costumes de um lado e de outro, entre as divisões de masculino feminino. A superação de toda esta dualidade poderá ter solução na consciência do conceito de “areté”, de “excelência”. O bem estar das comunidades migrantes terá de ser sentido pelo todo social. A acção política no país de origem terá de ser “excelente” para que a coesão e a identidade cultural e nacional seja efectiva. Não nos podemos sentir bem se soubermos que nossos concidadãos não estão bem. A acção que desenvolvo só é “excelente “ se for pensada no interesse colectivo e não no de grupo ou individual. É a acção que tem de ser tomada no interesse do cidadão independentemente do local onde está emigrado, independentemente de ser homem ou mulher, independentemente da condição social, independentemente da geração de diáspora. É isto faz a acção bela e boa como a entendiam os clássicos, condição da felicidade. É esta a condição do modo de viver a cidadania.
60 CONCLUSÕES
Relatora MARIA AMÉLIA PAIVA
Cônsul-Geral em Newark
Algumas palavras em jeito de Síntese
Alguns números dos trabalhos destes dois dias:
Quase 70 intervenções/7 painéis/ 2 mulheres exemplo/modelo e muitas horas de testemunhos/estudos/ cultura /muitas e diversas diásporas.
Nesta moderna e acolhedora cidade da Maia e sob a égide de duas grandes portuguesas do século XX – Maria Lamas e Maria Archer – tivemos o privilégio de poder escutar e aprender com as histórias, testemunhos, reflexões, estudos e análise de tantas e tantos mulheres e homens empenhados(as) em que as contribuições das mulheres migrantes possam ter o espaço e a atenção que merecem.
Foram dois dias de leituras complementares do “terreno” e da “academia”. Dois dias intensos não só pelo grande número de informações, dados e tantos outros saberes mas também pela diversidade das origens, das geografias, das experiências e das várias gerações participantes. Quase que poderíamos afirmar que a matéria que foi apresentada – temas, intervenientes e tantas outras contribuições – poderiam facilmente ter sido objecto de 3 ou mais encontros.
A qualidade e a quantidade das experiências, ideias e também algumas propostas foram, de facto, notáveis. Espero assim que o livro de actas – electrónico ou em papel possa ajudar a sistematizar e a promover todo este enorme manancial de saberes.
Da história das migrações aos tempos e modos de viver a cidadania no feminino no século XXI e, sobretudo com mais mulheres, as intervenções e contributos efectuados ajudaram-nos a perceber o caminho já percorrido com vista à igualdade e paridade mas também o muito que ainda há para percorrer com vista a dar mais visibilidade e voz às mulheres da Diáspora, e das Diásporas.
Não há domínios a excluir – do associativismo à cultura – passando pelas empresárias (habitualmente tão pouco reconhecidas) mas sem esquecer a educação e a política – o papel das mulheres precisa de ser reconhecido, estimulado, divulgado e apoiado, nas nossas comunidades, como no mundo em geral.
Não podemos hoje, como no futuro, desperdiçar a criatividade, o trabalho, enfim os contributos de metade do mundo que fala e sente em português.
As várias intervenções fizeram eco disso mesmo – começando pela Aurora Cunha que, citou a Dra. Manuela Aguiar e bem, ao afirmar que foram as mulheres que geraram as comunidades.
Voluntariado, anonimato, invisibilidade, mobilização, solidariedade, responsabilidade e transmissão do património cultural e linguístico são apenas algumas das expressões que muitas(os) de vós usaram para nos falar das mulheres da Diáspora.
Sumariamente foram também referidas várias outras ideias e propostas:
• Necessidade de mais estudos e dados estatísticos sobre as mulheres migrantes;
• Progressos registados na última década em termos de qualificações e de aumento da visibilidade (também na política);
• Invisibilidade das migrações /défice de conhecimento sobre os(as) portugueses(as) no exterior/crescimento recente do grupo dos que emigram muito jovens, tendo nesse grupo vindo a ganhar expressão a emigração feminina;
• Aumento da emigração no feminino. Mudança do paradigma da emigração feminina nos dias de hoje – mais qualificadas e já não apenas no quadro do reagrupamento familiar – ainda assim as mulheres continuam a ser vítimas de segregação profissional;
• “Gap” geracional e pouca expressão pública das mulheres em comunidades dominadas pelos homens;
• As Mulheres são preservadoras da cultura mas também promotoras da integração e das decisões de não regresso a Portugal; Importância da celebração de acordos culturais;
• Trabalho voluntário das mulheres – vector essencial nas iniciativas sócio-culturais e político-cívicas nas comunidades – agentes de mudança para o aumento da cidadania;
• Defesa de uma maior e mais efectiva ligação às Diásporas;
• Urge aprofundar o debate acerca das duplas pertenças e duplas identidades, potencializar a fazer crescer as redes de pertença – plataformas de ligação e facilitadoras das integrações – lá e cá!;
• Plena maturidade e uma maior visibilidade e reconhecimento no exercício da cidadania ainda está para chegar – as desigualdades, mesmo salariais, têm que ser resolvidas. Podem recuperar-se as 2ªs e 3ªs gerações mas para tal é necessário mudar o paradigma;
• Urge que, nas associações e organizações se mudem as tradicionais formas de divisão de trabalho e também, como alguém defendia, “as comunidades deixem de ser só para os homens”;
• É tempo de fazer sair as mulheres dos espaços das margens – a cultura surge, por vezes, como espaço de marginalização. No entanto, importa realçar que a educação e a cultura, tantas vezes centradas nas mulheres, são espaços de preservação do património;
• A língua e a transmissão do património cultural mas também da promoção de Portugal devem merecer uma aprofundada reflexão estratégica adaptadas às muito diversas realidades locais;
• Urge, como defendi, no contexto de anteriores responsabilidades, feminizar a memória, neste caso, dos contributos das mulheres na construção da história e histórias da Diáspora;
• Da enorme diversidade, riqueza, experiências que, quer do ponto de vista de partidas, quer de chegada são em si tão diferentes pode afirmar-se que o diálogo inter-geracional é essencial e que, nesse diálogo, a promover nas comunidades e com as comunidades portuguesas estejam elas na Diáspora ou em Portugal, as mulheres devem ser chamadas e reconhecidas;
• Urge ainda que Programas de e para as Comunidades integrem sistematicamente a perspectiva de género - e que as iniciativas dêem adequado e devido destaque na sua delineação e concretização às mulheres, combatendo a discriminação e a invisibilidade, nomeadamente através da colocação das mulheres em lugares elegíveis;
• A aplicação dos Planos Nacionais (Igualdade e Violência Doméstica) deve, na sua execução, colocar maior ênfase nas políticas concretas de promoção das mulheres nas comunidades;
• Promover a aprendizagem e as trocas de saberes com as muitas mulheres líderes nas várias idades da sobrevivência, autonomia e crescente liderança;
• Partilha de boas práticas e das mudanças em paridade com os homens. As dificuldades devem ser usadas para crescer;
• Urge aprimorar o Observatório da Emigração e agilizar as redes de contacto nas e entre as comunidades – sites, blogs e congressos;
• Criação de uma Câmara de Comércio dos(as) Empresários(as) Portugueses(as) da Diáspora.
ENCERRAMENTO
PAULO RAMALHO
Vereador das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia Exmo. Senhor Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, Dr. José Cesário;
Exma. Senhora Presidente da Direcção da Associação Mulher Migrante, Dra. Rita Gomes;
Dra. Manuela Aguiar, em si, particular amiga, cumprimento toda a comissão organizadora que preparou este “Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas na Diáspora”;
Um cumprimento especial para todas as pessoas que participaram neste encontro, designadamente para os palestrantes e moderadores que permitiram durante estes três dias, a construção de importantes reflexões, bem como a partilha de conhecimentos e experiências absolutamente fundamentais para a afirmação da língua portuguesa, da
nossa cultura, ao fim e ao cabo, da nossa identidade, da nossa maneira de ser e de estar no mundo, com particular enfoque, no contributo da mulher portuguesa;
Por último, permitam-me ainda, um cumprimento muito especial, para todas aquelas portuguesas e portugueses que nos visitaram do estrangeiro, onde habitualmente residem e trabalham, e que nos vieram aqui recordar que a grande Comunidade Portuguesa está muito para além dos dez milhões que habitam o território nacional.
Foi um prazer enorme ter-vos recebido a todos aqui na Maia, e espero, sinceramente, que se tenham sentido como na vossa própria casa. Estas portas estarão sempre abertas ao vosso dispor.
A Maia que é um território de muitos emigrantes. De muitos que ainda lá
estão, e outros que já regressaram. Aliás, a nossa Câmara Municipal presta particular relevo à sua política de Relações Internacionais, não só enquanto instrumento de promoção do nosso território, do seu potencial social e económico, mas também
enquanto instrumento de cooperação e promoção de desenvolvimento junto daqueles povos, que não sendo portugueses de nacionalidade, são e serão sempre nossos irmãos, nossos iguais, nessa grande Nação que é a Comunidade Lusófona, a Nação da Língua Portuguesa.
E sobre esta questão, permitam-me duas breves notas sobre a experiência da Maia neste domínio:
-a primeira, relativa aos acordos de geminação; Os Protocolos de Geminação entre municípios nacionais e estrangeiros, podem ser muito mais que simples instrumentos de afirmação da amizade entre dois povos; Podem e devem ser, hoje, instrumentos de promoção do nosso território e da nossa cultura, e mesmo da internacionalização da nossa economia, se formos capazes de integrar de forma activa nas acções desses protocolos, as nossas comunidades locais de emigrantes; Os nossos emigrantes, minhas amigas e meus amigos, são cada vez mais, potenciais embaixadores do nosso país, muitos deles, já plenamente integrados, de forma activa, na própria vida política do país de acolhimento; Mas sempre portugueses, de alma e coração, disponíveis para servir os interesses do seu país de origem; Encontrei recentemente esta realidade em França, em Mantes-la-jolie, em Toronto e Sault-Sant-Marie no Canadá e Nelspruit, na
África do Sul;
-sobre a afirmação da Língua Portuguesa, é importante que, mesmo nestas alturas de crise, essa afirmação continue a ser considerada uma prioridade; E Senhor Secretário de Estado, pode ter a certeza que os Municípios, e a Maia é disso exemplo, estarão sempre disponíveis para dar o seu contributo, por mais modesto que seja; E esse contributo, na minha humilde opinião, será sempre mais eficaz, quando traduzido
em acções concretas e dirigidas para as pessoas; Nesta matéria, a Maia também tem feito algo; nesta altura temos cerca de trinta jovens de São Tomé e Príncipe a estudar em estabelecimentos de ensino da Maia, com bolsas de estudo pagas pelo orçamento do Município; O Estado, hoje, não pode fazer tudo; Os Municípios têm também que assumir a sua responsabilidade nesta matéria.
Para terminar, uma palavra para a Jaqueline Silva, cuja intervenção ouvi ontem com muita atenção. Jaqueline, você não é uma apátrida como se definiu ontem. Nem acho que seja uma luso-francesa. Se quer a minha opinião, você é simplesmente uma portuguesa do mundo, desta nova realidade que nos trouxe a Globalização. NASSALETE MIRANDA
Comissária da Colectiva de Pintura e de Escultura Feminino Plural
Directora do jornal cultural "As Artes entre as Letras"
A Arte é o maior espaço de diálogo entre povos e suas culturas.
A Arte é embaixatriz de sentires e de olhares, em movimento cruzado de gestos intemporais, de palavras desenhadas em pautas, em palco e no teclado e de metáforas filmadas e esculpidas em barro e em bronze.
A Arte dança em verso e nas telas, e senta-se à mesa com todos os que levam no bolso um poema e os que abrem a janela ao pôr-do sol.
A Arte de 30 mulheres pintoras e escultoras junta-se neste final de Outono 2011 no Forum da Maia, no âmbito do 3º Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas na Diáspora, a todas as outras artes da palavra e da intervenção social e profissional de centenas de mulheres lusas em partilha policromática de múltiplas formas e texturas.
Esta exposição, que dá pelo nome sugestivo Feminino Plural acontece na certeza de que é pela Cultura que tudo se combate, da exclusão social à intervenção política. E acontece pela primeira vez neste âmbito, o que significa um passo em frente nos propósitos das mulheres da diáspora.
Mulheres portuguesas que mostram a sua arte fora do País, umas já radicadas há décadas no estrangeiro, como a surrealista Isabel Meyrelles outras que adoptaram a geografia portuguesa, como a brasileira “naíf”Constância Néry, a espanhola Ana del Rio, a colombiana Angela Mathias ou a moçambicana Elsa Lé, mas todas a teimarem nesta
linguagem universal que é a Arte.
Sentir a Cultura impõe-se hoje mais do que ontem e, inevitavelmente,
menos do que amanhã.
Precisa-se sentir a Cultura em crescendo, de mãos dadas e em colectivo de responsabilidade para com o futuro – esse futuro que começa sempre no momento.
Sentir a Cultura sem preconceitos, sem barreiras e sem fronteiras é olhar mais além, é criar raízes de desenvolvimento e de modernidade.
Sentir a Cultura como elemento humano, como um órgão vital da civilização e da independência dos povos é trabalho de todos e de cada um.
É neste sentir e empenho em afirmar Portugal pela Cultura que dizemos PRESENTE: as artistas plásticas, as, e os, participantes no Encontro, a Associação da Mulher Migrante, a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e a Câmara Municipal da Maia.
Como é “pelo sonho que vamos” é aí, no sonho, que os nossos encontros e reencontros estão marcados, porque sabemos que onde está uma portuguesa está um mundo multifacetado de saberes, que áss vezes só necessita de uma pequena oportunidade para os mostrar.
A História dos povos faz-se assim, de iniciativas que revelam criatividade, inovação, algum arrojo e uma vontade férrea de fazer caminho em que os obstáculos são torneados com a solidariedade, generosidade e sentido de responsabilidade colectiva para o futuro.
Agradeço reconhecida, não só enquanto comissária desta exposição mas sobretudo como portuguesa, a generosidade de todas as artistas plásticas que integram esta mostra que pode ser vista e sentida entre “sorriso” maiatos até 31 de Dezembro.
64- ANA MARIA
Quando decidi falar da mulher migrante e de arte, lembrei-me do nome que descobri na adolescência...Vieira da Silva, confesso que só depois me apercebi que aquela pintura magnífica era de uma muher...Maria Helena. Afinal a pintura podia ser metafísica, abstrata e bela.
Partiu, mas nunca se afastou de todos aqueles que a procuraram e que fizeram da diáspora a sua causa, ainda que muitas vezes interior. Com ingenuidade, descobri nas reproduções de Vieira da Silva dias de rigor e encanto, de estranhas perspectivas, cores entrelaçadas e as magníficas bibliotecas, para as quais não tenho palavras. Por tudo isto, Vieira da Silva - artista e mulher tem um lugar muito especial, mesmo ao lado da metáfora mais bela - o conhecimento da intuição.
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