1- Num momento em que o CCP, renovado por um processo eleitoral, tem de repensar a sua atuação, para ocupar, mais e melhor, o espaço privilegiado, que é o seu, no diálogo e cooperação entre portuguesas e portugueses do mundo inteiro e na sua representação perante o Governo, a diplomacia, as entidades públicas de Portugal (e não só, mas também face, aos meios de comunicação nacionais, a sociedade civil), num momento em que está essencialmente voltado para hoje e amanhã, é interessante lançar um olhar retrospetivo sobre a sua evolução, em especial no que respeita ao equilíbrio de participação de género, de gerações, de formação profissional e experiência de vida, de comunidades antigas e recentes, de áreas geográficas....
Como tornar esta singular instituição mais inclusiva, mais democrática, mais capaz de levar a Lisboa toda uma grande diversidade de situações em mudança a reconhecer e de problemas, novos ou recorrentes, a solucionar na emigração?.
São aspetos de crucial importância para que o CCP cumpra as expetativas e os meios nele investidos. Todavia, nesta breve reflexão iremos considerar, antes de mais, a primeira forma de equilíbrio acima mencionada, por ser uma daquelas em que o CCP fez história, por razões muito diversas, e em que se espera, no futuro próximo maiores progressos - uma paridade, globalmente ainda uma meta utópica, mas já alcançada em alguns países - a Venezuela, a Argentina, Macau..
2- Na sua primeira vida, entre 1981 e 1988, o CCP era eleito dentro do círculo das associações de nacionais, tal como à época, acontecia com o Conselho francês, a única instância consultiva de emigrantes então existente na Europa. E espelhava, naturalmente, a realidade de um universo associativo de rosto masculino: não havendo entre os seus representantes uma única mulher... Um outro segmento era composto por membros dos órgãos de comunicação social, numa rotação entre os da imprensa escrita e dos meios audiovisuais e foi no interior deste segundo grupo que se registaram, com as eleições de 1983, as primeiras presenças femininas, Maria Alice Ribeiro (Canadá) e Custódia Domingues (França).
Era de menos, e, em 1984, a reação veio de dentro do próprio Conselho, durante a reunião regional da América do Norte, pela iniciativa de Maria Alice Ribeiro, do Canadá . Foi ela que propôs a convocação de um encontro mundial de Portuguesas do estrangeiro, A ideia obteve aí um fácil consenso e o governo deu-lhe sequência logo no ano seguinte, na cidade de Viana do Castelo. A seleção das participantes foi feita com base em comunicações apresentadas por mulheres dirigentes na esfera associativa ou envolvidas na atividade jornalística - as duas vertentes em que se centrava, nessa data, como dissemos, o CCP. Mulheres com voz, influência, cargos diretivos eram, nos anos 80, uma minoria - como, apesar de um inegável progresso, ainda são, agora, na generalidade das comunidades. A elite feminina presente em Viana distinguiu-se pela pela sageza, pela abertura de espírito e deu a um encontro histórico a marca da sua qualidade, da sua capacidade ímpar de chegar a consensos (bem difíceis no Conselho de então...) e de pensar o futuro.
Falaram da especificidade de género nas migrações, mas também da emigração como um todo, -o ponto de vista feminino, até essa altura ignorado, sobre sociedades em transformação, às quais queriam poder dar, livre e responsavelmente, a sua parte - e, por isso, ousaremos concluir que essa primeira audição governamental foi uma espécie de CCP no feminino, preenchendo um vazio absoluto, convertendo-se em prenúncio de leis e programas visando a paridade, que tardaram décadas. De facto, logo em 1987, a SECP iniciou o processo de instituição de uma Conferência para a Igualdade de Participação, que, a par de outras conferências (como a da educação ou a do empreendedorismo), iria funcionar na órbita do Conselho. Mas, no verão desse ano, caiu o Governo, e com o novo Executivo caiu o CCP e tudo o que com ele se relacionava, como era o caso das conferências periódicas.
3- Um parêntesis para realçar o facto do Encontro de Viana ser inédito, em termos europeus (e, ao que se afirmou, nas sessões d 1º Encontro, universais, pois ninguém tinha conhecimento de convocatória semelhante por parte de um governo face às suas expatriadas). Portugal era, por sinal, um Estado improvável para se tornar pioneiro neste domínio, pois as suas políticas foram, desde a era da colonização à das migrações contemporâneas, um exemplo negativo e retrógrado, quando comparado com Espanha e outros países culturalmente próximos, como destaca um dos maiores historiadores da Expansão, CR Boxer.
A discriminação manteve-se ao longo do século XX, até à revolução do 25 de abril, visto que a saída das mulheres foi sempre mais dificultada do que a dos homens, apesar desta ser, também, quase continuamente, condicionada ou limitada por leis e repressão policial. E nem mesmo a revolução democrática, que trouxe a completa liberdade de emigrar para mulheres e homens, significou, de imediato, ação concreta para promover a igualdade de participação, que só foi encorajada dentro de fronteiras, sobretudo pelo trabalho da Comissão para a Condição Feminina (uma designação que foi objeto de sucessivas mudanças e hoje se denomina Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género).
Esta visão territorialista da questão da igualdade de género foi, pois, subita e inesperadamente, invertida em 1984/85, rompendo com o descaso tradicional e antecipando medidas que as organizações internacionais e o direito comparado só viriam a adotar muitos anos depois. Lembrá-lo é uma forma de homenagear as pioneiras do Conselho das Comunidades, que eram tão poucas quanto notáveis e estiveram, em 1993, entre as fundadoras da Associação Mulher Migrante.
4- Na sua segunda vida, em 1996, o CCP torna-se um órgão eleito por sufrágio direto e universal, seguindo os novos moldes dos congéneres espanhóis, italiano e francês (este a partir de grandes alterações introduzidas em 1982). Mas, de facto, prossegue, em muitos domínios, causas, objetivos, recomendações, numa na linha de preocupações constantes- nos domínios do ensino e e da cultura nacional, da segurança social, da recuperação da nacionalidade, da participação cívica e política (maxime, o direito de voto nas eleições presidenciais, reconhecido só a partir de 1997).
Contudo, apesar da fraca proporção de mulheres conselheiras, o CCP não retomou, a nível das reuniões plenárias ou regionais, a ideia de um forte chamamento cívico da metade feminina a uma intervenção mais ativa no quotidiano do Conselho e das comunidades. As exceções foram o Canadá, com Maria Alice Ribeiro e Manuel Leal, que colocou esta problemática nas prioridades da agenda do Conselho local - dinamizando, com sucesso, colóquios e work shops em diversas cidades - os EUA, com Manuela Chapli e João Morais e o Uruguai, com Luis Panasco Caetano, que se envolveu ativamente na promoção do associativismo feminino no sul da América .
O impulso para a participação mais igualitária, dentro da instituição acabou por vir de fora, não em cumprimento de qualquer recomendação dos conselheiros, mas em consequência da aplicação a este órgão dos princípios básicos da Lei da Paridade, que rege a composição do Assembleia da República, das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e das Autarquias
E, por puro acaso, fruto da cronologia eleitoral, a primeira experiência da aplicação da chamada "lei das quotas" foi justamente a elaboração das listas para o Conselho. Um teste positivo, já que a proporção da mulheres aumentou graças ao novo dispositivo legal e elas provaram a sua igual competência para o exercício de funções. Porém, não se pode dizer que o reconhecimento da sua competência se tenha traduzido na importância dos cargos institucionais, a que (não) têm sido chamadas. Refiro-me, por exemplo, à presidência do CCP ou das suas múltiplas comissões.
No passado distante ou próximo, esta verdadeira "assembleia" dos portugueses do estrangeiro foi, sempre, no que respeita a cargos formais, um "mundo de homens", ficando muito longe dos avanços vistos na Assembleia da República, onde presidência, vice-presidência, chefia de delegações internacionais, dos grupos parlamentares, de comissões por deputadas já entrou no domínio da normalidade.
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5- A composição do Conselho saído das eleições de setembro passado, está muito longe da igualdade de género, com apenas 12 mulheres (menos de 20%), mas com a paridade a ser plenamente alcançada em alguns países. A Venezuela figura nos anais da instituição, com a liderança feminina das listas vencedoras no conjunto das duas áreas consulares, com os nomes de Milú de Almeida e de Fátima Pontes, que encabeçaram listas rigorosamente paritárias. O mesmo se diga da Argentina, com Maria Violante Martins, e de Macau, com Rita Santos - ambas presidiram às listas mais votadas.
O feito, note-se, não decorre de imposição da lei, que não exige tanto - é função de uma realidade comunitária, concretamente do associativismo (e no caso da Venezuela e da Argentina do associativismo feminino), em que esta se estrutura e da posição que as mulheres nela conquistaram pelo seu trabalho para a comunidade. A verdade da intervenção cívica e associativa feminina teve, assim, reflexos diretos nas candidaturas e no voto popular, e com isso perfez o ideal democrático. Mulheres e homens unidas na mesma luta por valores éticos, sociais e culturais, pela satisfação de projetos e justas ambições da sua comunidade, dentro do todo nacional
Há anos que esta tendência para a subida a patamares de igualdade se vem acentuando na Venezuela, graças a um associativismo feminino em rápido e generalizado crescimento. Sem esquecer o papel desempenhado há décadas pela Sociedade de Beneficência das Damas Portuguesas de Caracas, penso na recente proliferação de movimentos de solidariedade, de convívio, de cultura - entre os quais, as Academias da Espetada e, mais recentemente, com uma intensa agenda centrada em aspetos culturais e sociais e na intervenção cívica, a Associação Mulher Migrantes da Venezuela, que em 20, para além de uma programação ambiciosa em Caracas se expandiu por todo o país..
6- O movimento feminino em algumas - raras - comunidades lusas, sobretudo das Américas (EUA, Venezuela), tem um longa e trajetória, mas a sua vertente internacional nasceu de uma proposta do 1º CCP, com a realização do Encontro de 1985 e o seu projeto de criação de uma organização mundial de mulheres portuguesas que anos depois, a Associação Mulher Migrante pretendeu retomar. Agora, 30 anos a "Mulher Migrante" tem uma rede que se estende, ainda que de forma díspar, pelos vários continentes, e vê, nas comunidades onde a implantação é mais forte, caso da Argentina e da Venezuela, dirigentes suas a fazerem história no CCP - história da própria instituição, história do feminismo e história da emigração e Diáspora.
Elas são o presente, e serão o futuro do envolvimento das mulheres na vida cívica, mulheres a intervir, lado a lado, com os homens, para resolver as grandes questões que se põem na sua comunidade, ao serviço do País - é para isso que querem direitos iguais. Concretamente no CCP, para lutarem por mudanças, que lhe permitam, mais e melhor, não só trabalhar como divulgar o trabalho feito, impulsionar os estudos sobre as migrações, contribuir para a federalização do associativismo, sobretudo na vertente cultural lusófona, para a inclusão dos grupos mais marginalizados (como têm sido coletivamente as mulheres). Um CCP conhecido e reconhecido, dando no interior do país a imagem das portuguesas e dos portugueses da Diáspora e a cada comunidade a imagem do país, que é o seu.
Maria Manuela Aguiar
Setembro de 2015
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