O Papel dos Media
Portugueses na Emergência de uma Diáspora Lusófona
José Arantes, Diretor
da RTP África
No dia 27 de
junho de 1214, o rei Afonso II escreveu um texto muito curioso:
“Eu rei Afonso
pela gracia de Deus Rei de Portugal, sendo sano e saluo, (…) fiz mia mãda per
que depois mia morte meus filios e meu reino e meus vassalos e todas aquelas
cousas que Deus mi deu en poder sten en paz e folgãncia”.
O testamento do rei
Afonso, já lá vão oitocentos anos, constitui o primeiro documento escrito nessa
língua singular que tomaria o nome de “Português” e passaria a representar o
início da grande aventura da língua portuguesa. Uma aventura, portanto, de oito
séculos, vivida através de mares tenebrosos, florestas tropicais, praias
exóticas, até ao extremo oriente ou à ponta sul das Américas.
Claro que no séc.
XIII a língua já era falada pelo povo mas teria pouco relevo se o rei Afonso
não a tivesse utilizado num documento oficial de tamanha importância. Confinado
a um pequeno espaço na ponta ocidental da Europa, o português assim permaneceu
por dois séculos até à grandiosa epopeia das navegações portuguesas do séc. XV.
Com os Descobrimentos, levámos a bordo das naus portuguesas a nossa maneira
particular de ver o mundo, a nossa língua. O português navega para sul, ganha
expressões regionais, torna-se língua de comércio e de tráfego, lança as bases
da sua futura internacionalização. Torna-se também a língua de outros povos.
Por quatro séculos a
língua portuguesa fica entregue ao acaso e à necessidade. O séc. XX, já para lá
do seu meio, apenas conhece dois países de língua portuguesa: Portugal e
Brasil. Sem concertação de políticas ou de interesses, muitas vezes sem
democracia nem liberdade de expressão, nenhum dos dois foi capaz de articular
uma política da língua ou uma estratégia para a sua projeção.
Com a democratização
portuguesa em 1974, inicia-se a chamada “3ª Vaga da Democratização” que se
estenderá ao Brasil. Em África surgem cinco novos países de língua portuguesa.
Em conjunto, este grupo de sete países criará, 22 anos depois, a Comunidade de
Países de Língua Oficial Portuguesa – CPLP.
A CPLP é uma
comunidade de estados muito particular. Todos os seus membros são países
marítimos, têm problemas de desenvolvimento assimétrico, não têm fronteiras
partilhadas e, com exceção de Portugal, são ricos em petróleo e
hidrocarbonetos.
Hoje a CPLP é
composta por nove membros efetivos, estando pendentes dois pedidos de adesão,
seis membros associados e treze pedidos para membros observadores. Esta
espantosa evolução é muito bem ilustrada pela importância do português no
mundo: é falado por 250 milhões de pessoas, é a primeira língua no hemisfério
sul e a terceira na internet, é língua oficial em vinte e seis organizações
internacionais. Esta projeção não seria possível, ou pelo menos não teria a
dimensão que tem, sem todos aqueles que, espalhados pelo mundo, falam o
português.
As comunidades
lusófonas, criadas ao longo de séculos com sucessivos movimentos migratórios,
são o protagonista central desta aventura da língua, iniciada há oitocentos
anos.
Devemos à emigração
muita da importância da nossa língua.
Assistimos hoje a um
novo movimento migratório, traduzido na saída do país de jovens qualificados,
em busca de realização pessoal e profissional. Podemos ver neste fenómeno algo
de negativo, um movimento que empobrece o país, privando-o de parte da sua
gente mais jovem e mais qualificada. É sem dúvida verdade, embora não toda a
verdade.
Quem hoje deixa
Portugal, munido de boas qualificações e de altos graus académicos, ocupa
muitas vezes lugares de destaque em importantes empresas, universidades e
várias organizações internacionais. Todos estes portugueses constituem um ativo
importantíssimo para o nosso país. Em conjunto formam uma rede de contactos,
influencias e conhecimento que pode ser posta ao serviço do interesse nacional.
Assistimos hoje à
constituição de novas comunidades portuguesas, mais pequenas, mais dispersas e mais
atomizadas mas muito influentes e prestigiadas. O grande objetivo terá de ser o
de pôr toda essa gente a colaborar em rede e de lhe dar unidade e coerência. É
um trabalho diplomático e consular mas também das associações portuguesas e de
toda a sociedade civil.
Portugal dispõe,
neste início de séc. XXI, de três ativos importantes: a nova plataforma
continental e as possibilidades de exploração marinha que ela oferece, a
relação privilegiada com África e o seu potencial económico e cultural e as
Comunidades Portuguesas e o seu peso nas relações internacionais. Estes ativos,
sobretudo os dois últimos, assentam na língua portuguesa e na capacidade de
orientar politicamente e de forma coerente o “bloco da lusofonia”.
Criar um “sentimento
de pertença”, comum a todos quantos no mundo falam o português, é um grande
desafio posto aos países lusófonos. Esse desafio só poderá ser enfrentado com
êxito se incorporar uma vertente sólida de comunicação social; ela é o
instrumento mais poderoso na criação desse “sentimento de pertença” e na
construção de uma plataforma cultural onde se revejam todos quantos falam o
português. Na sua diversidade, é esse o papel que podem assumir a televisões,
rádios e jornais, nacionais e comunitários.
As Comunidades
sempre evoluíram mais rapidamente do que os órgãos de comunicação social. Por
isso cabe aos jornalistas e toda a indústria de media encontrar formas de
suprimir esse atraso, encontrar novas formas de intervenção, acertando o passo
pela dinâmica das comunidades, num esforço de modernização e de maior
relevância junto dos seus públicos.
Os media portugueses
terão de ser o elemento central na criação de um “lóbi português” à escala
mundial, o que pressupõe também um entendimento estratégico entre os nove
Estados da CPLP. Só assim poderemos dar continuidade a essa aventura, velha de
oito séculos, que é a Língua Portuguesa.
Origens e evolução
do 1º Conselho das Comunidades Portuguesas
Manuela Aguiar
I - O PARADIGMA
FRANCÊS
Na primeira metade
do século XX, dois Conselhos de Emigrantes foram criados na Europa, como
instrumentos de representação dos cidadãos residentes no estrangeiro e
ambos estão ainda em funções no século XXI - o suíço (1916) e o francês (1948).
Um e outro são oriundos de grandes movimentos transnacionais, configurando,
porém dois modelos distintos. A "Organização dos Suíços no
Estrangeiro", suporte do conselho e dos congressos anuais dos suíços do
estrangeiro, mantém a sua natureza privada como porta-voz dos interesses dos
expatriados junto do governo, ainda que beneficie de subsídios para atividades
nos domínios social e cultural (ensino, campos de férias para jovens), e na
área da informação. (AGUIAR e GUIRADO, 1999:16). O Conselho Superior dos
Franceses do Estrangeiro é um órgão instituído pelo Estado, embora tenha
surgido como resposta a um reivindicação da "Union des Français de l'
Étranger" (UFA), que, praticamente desde o seu início, em 1927, apelou à
institucionalização da colaboração com o governo, colocando o enfoque na
igualdade de direitos entre residentes e expatriados, e no direito de voto nas
eleições nacionais.
O início de
novecentos, foi um tempo de grande expansão de movimentos associativos de povos
europeus, que formaram extensas redes internacionais, com as suas cúpulas
federativas (M Böhm, 1993), a coincidir com o aumento de vagas
migratórias da Europa para as Américas, favorecido pelo progresso tecnológico e
embaratecimento dos custos das viagens transoceânicas. Esta é uma realidade que
nós próprios conhecemos bem, com um êxodo para o Brasil em números jamais
vistos, sem, contudo, acompanhar a tendência para a internacionalização de um
associativismo, fortíssimo a nível local, mas avesso a ultrapassar as
fronteiras de uma cidade, ou, quando muito, de um país. (1) (2).
Todavia, à época, só
em França, no discurso da UFA, aflorou a clara consciência da situação de
discriminação dos expatriados no plano político, com a reclamação da igualdade
de exercício de direitos da cidadania face ao país de origem. A pertinência
dessa pretensão era evidente, reconhecidos os laços de pertença culturais,
económicos, afetivos, que guardavam com a pátria, mas a força do dogma
territorialista - soberania exercida estritamente dentro de fronteiras - assim
como a preocupação de não abrir precedentes que obrigassem a dar reciprocidade
a estrangeiros, num país de imigração, mais do que de emigração, levou
sucessivos governos a rejeitarem uma proposta tão ousada.
Como se explica o
pioneirismo do Conselho francês? Em parte, certamente, pela história da
República, com uma tradição de representação das antigas colónias pela via de
Conselhos Superiores, e, também pela visão e cultura política do fundador e
principal dirigente da UFA, Gabriel Wernlé. Ao tempo, a igualdade de direitos
de cidadania dos emigrantes era uma utopia e teve a invencível oposição de
sucessivos Governos e da Diplomacia francesa. Wernlé soube contornar os
obstáculos e encontrar uma solução de compromisso, avançando com a fórmula
inovadora de intervenção dos expatriados no espaço público, através de um órgão
de consulta governamental, após duas décadas de porfiados esforços, viria a ser
criado em 1948 - o "Conseil Supérieur des Français de l' Étranger".
(4)
A sua constituição
fora precedida pela presença de um pequeno núcleo emigrantes franceses no
Conselho Consultivo da Resistência Francesa, que funcionou como forum da França
livre, durante a 2ª Guerra mundial, sob a égide do General De Gaulle. Teve a
sua 1ª reunião em 1943, na Argélia, reunindo 83 homens, 5 representantes dos
expatriados, e apenas uma mulher, Marthe Simard, membro da resistência no
Canadá. (GARRIAUD-MAYLAND, 2008: 19)
Essa primeira
ligação entre expatriados em razão da guerra e emigrantes, em sentido estrito,
foi continuada no Conselho Superior dos Franceses do Estrangeiro, onde os
antigos combatentes, enquanto tal, tiveram, desde a primeira hora, assento
entre os “membros de direito”, juntamente com representantes da UFE, das
Câmaras do Comércio e dos professores, a par dos 45“membros eleitos” pelas
associações e dos 5 “membros nomeados” pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros
(que preside ao órgão consultivo). Entre as mais importantes prerrogativas do
"Conelho" estava (e está, hoje, na Assembleia dos Franceses do
Estrangeiro), a de escolher os senadores dos franceses residentes fora do país,
processo em que só intervêm os membros eleitos. O voto dos expatriados para a
Assembleia Nacional tardaria a ser reconhecido, pelo que o Conselho (como um
dos colégios eleitorais do Senado) foi a sua primeira instância representativa.
E, depois que os direitos de participação política foram sendo atribuídos, não
perdeu importância, como órgão de representação específica. Foi nesta veste que
influenciou todos os organismos públicos, que vieram a ser criados, na década
de 80, nos países europeus de forte emigração – Portugal, Itália e Espanha.
(AGUIAR, 2003: 9).
O Conselho Superior
reúne em plenário anualmente (entre as sessões anuais funciona, com
regularidade, a Comissão Permanente) aprova relatórios, resoluções, dá
pareceres, faz interpelações sobre todas as matérias que interessem aos
residentes no estrangeiro, nomeadamente, direitos políticos, nacionalidade,
ensino, pensões, assuntos económicos. (5)
Em 1982, este
Conselho passou a ser eleito por sufrágio direto e universal (modo de eleição
adotado pelos homólogos italiano e espanhol, que são posteriores a essa data).
Foi “constitucionalizado” em 2003 (art. 39 da Constituição) e, em 2004, alterou
a sua designação para "Assemblée des Français de L' Étranger"
(Assembleia dos Franceses do Estrangeiro).
Os conselhos
existentes na Europa têm, evidentemente, a sua própria história, com soluções e
modos de atuação concreta muito diversos, mas , prosseguindo finalidades em
larga medida análogas, julgo que ganhariam em manter, a nível europeu, um
diálogo, que tarda, sobre os seus êxitos e dificuldades, como meio de
aperfeiçoar os seus poderes e sua "praxis". (6) O conselho
português foi de todos, o que teve vida mais acidentada (AGUIAR, 2008: 259). A
análise comparativa poderá, ajudar a compreender algumas das razões do sua
maior instabilidade e a procurar formas de o solidificar como instituição - por
exemplo, tal como acontece em França, desde 2003, integrando -o na arquitetura
da Constituição, ou, indo ainda mais longe, configura-lo como órgão de Estado,
retirando-o da esfera de competência do governo, soluções aventadas em audições
parlamentares, por iniciativa da Subcomissão das Comunidades Portuguesas
(BARBOSA DE MELO, 2004: 33)
II - O CONSELHO DAS
COMUNIDADES PORTUGUESAS (CCP)
1 - Conselho das
Comunidades ou Conselho de Emigrantes?
Nas eleições
intercalares de 1979, o programa eleitoral do governo da AD previa a criação de
um "Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo", onde estas se
poderão fazer representar". (7) O único paradigma que se oferecia ao legislador
era o Conselho francês, apesar da diversidade das realidades a que procuravam
ajustar-se. No nosso caso, sem qualquer âncora no passado colonial ou na
situação de antigos combatentes, num quadro constitucional que consagrava já a
representação dos emigrantes na Assembleia da República, e perante a ausência
de agregação a nível internacional das suas comunidades dispersas pelo mundo.
(8) Em França, como dissemos, a UFA, organização de cúpula do associativismo
foi o grande paladino do Conselho e um parceiro de primeira hora, em Portugal
era o Governo que queria promover a agregação numa "casa comum" do
movimento associativo sem qualquer rede transnacional. Uma "casa
comum" da lusofonia e da lusofilia e não apenas da emigração. A
"União das Comunidades de Cultura Portuguesa", que poderia ter
sido o parceiro privilegiado, já não existia. Fora criada em 1964 e tivera uma
vida breve. (9)
Havia que adaptar
figurino alheio a realidades próprias e trabalhar contra o tempo. O horizonte
do governo, oriundo de eleições intercalares era curto, tudo era urgente e o
Conselho ainda mais...Foi constituído, no começo de janeiro, no gabinete
da Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas (a quem estava cometida a
tarefa), um grupo de trabalho, coordenado pela Dr.ª Fernanda Agria. (10). Cerca
de um mês depois, ouvidos especialistas e funcionários da SEECP,diplomatas e
deputados da emigração, o anteprojeto estava concluído e foi enviado a Conselho
de Ministros. Depois da tramitação para parecer dos diversos departamentos
ministeriais,foi aprovado, com pequena emendas, a 1 de abril.
A falta de ampla
audição das comunidades seria suprida, através da consulta posterior aos
eleitos, a quem caberia, na primeira reunião do CCP, repensar as suas grandes
linhas e apresentar sugestões de alteração. O próprio governo tomou a decisão
de destinar uma das seis secções previstas, à revisão do da lei. Essa foi secção,
onde se verificaram as maiores polémicas e afrontamentos, e onde se forjou, em
compromissos e consensos, a vontade comum de existir, que verdadeiramente fez
do CCP uma realidade viva.
Tal como em França,
no desenho do CCP coexistiam três categorias de participantes CCP - membros
eleitos (os representantes das comunidades do estrangeiro), membros natos
(representantes dos governos, nacional e regionais e do parlamento) e nomeados
(representantes dos parceiros sociais, peritos, funcionários de serviços de apoio).
Mais do que pôr os
conselheiros frente a frente, numa sala de reuniões fechada, a falarem entre si
e com Ministros ou Secretários de Estado do governo, pretendia-se assegurar o
contacto com a sociedade civil, com responsáveis da administração pública ecom
os "media" nacionais. Essa foi a razão, ainda hoje largamente
incompreendida, que determinou a heterogeneidade da composição do órgão
consultivo e o facto de todos poderem participar nas sessões de trabalhos, As
assessorias (dos diversos departamentos ministeriais) viriam a dar, como se
esperava um contributo facilitador das recomendações e pareceres dos eleitos.
As recomendações das primeiras reuniões (1981-1985), publicadas pelo Centro de
Estudos da SECP, assim como as atas das diversas secções da 1ª reunião, revelam
total predominância das intervenções dos Conselheiros eleitos, face aos demais,
que raramente intervieram e, quando o fizeram foi, quase sempre, para prestar
esclarecimentos.
Os conselheiros
manifestaram o propósito de reduzir o CCP ao núcleo dos eleitos, mas logo
abriam, pela via de convites seus, as portas dos CCP a todas as categorias de
participantes previstos na lei - uma forma de reconhecimento das vantagens de
dialogarem com uma pluralidade de participantes em forum alargado.
2 - Da Lei ao
nascimento da Instituição
Se foi célere a
elaboração da legislação, em 1980, durante o VI Governo Constitucional, não o
foi menos, em 1981, no VII Governo Constitucional, o processo de organização
das primeiras eleições, de acordo com as normas transitórias previstas no DL
373/80 de 12 de setembro - por convocatória pelas embaixadas ou consulados
dos delegados das associações legalmente constituídas na sua área, para a
eleição de um determinado número de representantes, que decorria da aplicação dos
critérios legais.
Futuramente, as
"Comissões de País" reuniriam, para o efeito, por direito próprio,
como colégios eleitorais do Conselho. A lei não definia o seu modo de
organização e funcionamento, a nível de país ou área consular: o número de
efetivos, o programa, as atividades,(e tudo o mais), a nível local, era
decidido pelos respetivos membros, eleitos de entre as associações legalmente
constituídas, que se inscrevessem na "Comissão". Estabelecia-se,
assim, uma completa descentralização, julgada imprescindível face a realidades
tão díspares, como são as das comunidades dos cinco continentes. Onde existisse
já uma federação - caso do Brasil - podiam funcionar quase só como colégio
eleitoral. Em comunidades mais divididas, esperava-se que pudessem contribuir
para reforçar a cooperação inter associativa e a sua expansão. Mas, nem o
governo nem os consulados interferiam.
O VII Governo
Constitucional tomou posse em Janeiro de 1981 e a reunião realizou-se,
decorridos 3 meses, em abril, no salão nobre do Palácio Foz.
A abrir os
trabalhos, a Secretária Geral, Fernanda Agria lembrava que "o próprio
diploma criador do Conselho está, de certa maneira, e ser testado na realidade
da prática".Na qualidade de Presidente do Conselho das Comunidades, eu
própria salientei o carater histórico daquele momento: "Estamos a
participar no primeiro ato da vida de uma nova instituição - o CCP - que, estou
certa, virá a desempenhar, como todos esperamos e desejamos, durante muito
tempo e ao longo de muitas gerações, um papel de relevo, meritório e eficaz, no
conjunto das instituições nacionais" [...]"uma instituição mediadora
entre a sociedade civil e o Estado"[…]: "Não temos, infelizmente, em
Portugal, uma tradição muito rica neste género de instituições [...] o CCP, no
seu processo de funcionamento, terá, pois, menos uma tradição a seguir do que
uma tradição a criar; terá uma forma própria a assumir e não um modelo rígido a
limitá-lo". (AGUIAR, 1986:91)
Quando a
Secretária-geral se preparava para dar sequência à ordem do dia do plenário,
ouviu-se a primeira voz contestatária, prenúncio da partidarização, que viria
da Europa e, sobretudo de Paris, e daria da instituição uma imagem pública de
conflitualidade, só em parte verdadeira. A politização revelava-se, não só no
incidente em si, mas no relevo que lhe foi dado na imprensa afeta ou próxima do
PCP, sobretudo em "O Diário".(11)
3 - CCP - Plenário e
Secções
O programa delineado
para a primeira reunião previa a alternância de plenários e de debates em seis
secções - Educação e Ensino, Segurança Social, Regresso e Reinserção,
Comunicação Social, Revisão do DL 373/80 e Secção Especial (temas livres).
À semelhança do que
acontece na Assembleia da República, pelas mesmas razões, o plenário do
Conselho foi o grande palco mediático da confrontação e as secções, como, em
regra, as Comissões Parlamentares, converteram-se no espaço privilegiado de
análise de propostas e de compromissos, nem sempre fáceis, mas quase sempre
conseguidos, como de constata nas 102 recomendações aprovadas pelo coletivo. Os
especialistas, funcionários e funcionários dos diversos departamentos da
administração pública foram constantemente elogiados pelos Conselheiros.
O espírito de grupo
nasceu, verdadeiramente, entre os conselheiros, assessores, políticos, dentro
do círculo que constituiu cada secção, incluindo aquela que mais diretamente
pensava o futuro do CCP. As recomendações dão uma imagem objetiva da
construção do órgão como coletivo, através de um impressionante conjunto de
propostas - desfecho que, depois de um começo fraturante, não estava, de modo
algum, garantido. Uma parte das recomendações são programáticas, algumas delas
mera enunciação de problemas e testemunho de preocupações expectáveis numa
reunião sem precedentes - mas outras houve que apontavam para já soluções
precisas. e inovadoras, que vieram a inspirar políticas com concretização no
imediato ou a prazo, designadamente as seguintes recomendações: criação de
Institutos de Língua Portuguesa; integração do português nos
"curricula" escolares dos países de imigração; recrutamento,
preferencialmente, de professores oriundos das comunidades; organização de
cursos de férias e intercâmbios, cursos de formação para professores de
português no estrangeiro, alargamento do regime de inscrição voluntária de emigrantes
na segurança social portuguesa, (instituído no ano anterior, pelo Decreto
Regulamentar 7/80 de 3 de abril); aumento das isenções alfandegárias e fiscais
(que faziam parte de um conjunto de medidas financeiras adotadas logo depois da
revolução de 1974, para incentivar os regressos e atrair remessas); realização
de programas de apoio a rádios das comunidades; distribuição generalizada dos
noticiários da ANOP (que a SEECP passaria a assegurar, para os terminais de
telex dos próprios media ou dos consulados); aproveitamento dos programas de
televisão, produzidos, para os emigrantes de França e Alemanha (desde 74/75),
para canais ou emissões de televisão das comunidades em outros continentes (o
que seria dificilmente negociado com a RTP...); o porte pago; a realização de
um Encontro Mundial dos Órgãos de Comunicação Social das comunidades, (logo
convocado para o ano seguinte); exigência da dupla cidadania (acolhida na ordem
jurídica poucos meses depois); voto na eleição presidencial (alcançado em
1997); alargamento do número de deputados da emigração (ainda não aceite
atualmente). Reforço dos serviços da SEECP, com aumento de delegações no
estrangeiro e abertura de balcões de apoio aos emigrantes nos aeroportos
(prontamente conseguido).
4 - A Secção para a
revisão do DL 373/80 de 12 de setembro
A Secção, que foi a
verdadeira “alma mater” da instituição nascente, começa por “considerar
aprovadas todas as disposições constantes do DL 73/ 80, que não colidam com a
recomendação infra”. Nessa recomendação (nº 99), as principais inovações
apontam para: a composição do órgão apenas por membros eleitos; escolha do
presidente de entre emigrantes ou ex-emigrantes residentes em Portugal; a
nomeação do Secretário-Geral pelo conselheiro eleito presidente do CCP, embora
continuando a ser apoiado pelos serviços da SEECP; a eleição do CCP no círculo
das associações, (com a possibilidade de ser complementada pelo sufrágio direto
de candidatos fora das associações).
. As traves mestras
e as finalidades principais da legislação apresentada ao exame crítico dos
conselheiros não eram postas em causa, e foram ressaltadas as prioridades do
legislador de 1980 – a “salvaguarda da identidade da cultura lusíada no mundo”
e a “promoção do movimento associativo, com respeito pela sua liberdade
estatutária e identidade própria”. A recomendação da eleição do presidente
do CCP entre os eleitos (que não levantara oposição do Governo), foi alterada
em 1983, com a aceitação da norma em vigor (presidência pelo MNE).
5 – Um CCP em
construção
Avanços e
retrocessos, controvérsias e roturas assinalaram a trajetória do CCP, num ciclo
de sete anos. No VIII Governo Constitucional, em 1982, o novo Secretário de
Estado e Presidente do CCP decidiu não convocar o plenário, invocando a
necessidade de rever previamente a lei, de acordo com as recomendações de 1981.
O funcionamento do Conselho foi retomado no IX Governo Constitucional, em 1983,
com o regresso ao cargo da primeira Presidente e teve o seu período de maior
estabilidade até 1987. Voltou a ser desconvocado a partir de 1988, durante o XI
Governo Constitucional.
Ficou, assim,
evidenciada a dependência do funcionamento do CCP mundial da vontade dos
titulares da pasta da emigração, ou seja, a sua fragilidade institucional.
(consequência da falta de tradição do órgão ou, porventura, da falta de
tradição democrática de um país saído de cinco décadas de ditadura). Embora na
base da pirâmide, a nível das “Comissões de País”, se mantivesse um regular
funcionamento, graças à sua completa autonomia, a convocação das sessões
plenárias foi discricionariamente recusada em 1982 e a partir de 1988.(13)
Dessa fase mais
estável se destaca:
A realização da 2ª
reunião plenária (1983), que decorreu no Porto e em Aveiro, e aprovou, entre
outras, duas importantes recomendações o enquadramento dos órgãos de
comunicação social numa " Secção Permanente", e a criação de
quatro Conselhos Regionais (África, América do Norte, América do Sul e Europa).
Contrariando a orientação do 1ªreunião, os conselheiros aprovaram a
continuidade da presidência do órgão pelo MNE (ou pelo SEECP, por delegação de
competências).
A
"regionalização" do CCP foi consagrada, pelo DL 367 /84 de 25 de
novembro, nos termos do qual o Conselho passava a reunir no País, por secções,
e, alternadamente, nas comunidades, por regiões. O Conselho da América do Norte
teve lugar nos EUA, em Danbury, Connecticut, o da América do Sul e África em
Fortaleza, Brasil, no último trimestre de 1984. O da Europa, previsto para La
Rochette, foi adiado "sine die", por oposição dos conselheiros de
França (13). Em 1984 foi ainda constituída uma "Comissão Permanente de
Peritos", destinada a garantir o apoio técnico constante e maior
operacionalidade aos trabalhos do Conselho. A Comissão, nomeada livremente pela
presidente, era formada por 3 mulheres e 3 homens.
Em 1985, decorreu em
Viana do Castelo, com o patrocínio da UNESCO, a "1ª reunião de Mulheres no
Associativismo e no Jornalismo" (as duas componentes do CCP, note-se), em
cumprimento de uma recomendação da reunião de Danbury, do ano anterior.
A 3ª
reunião mundial do CCP levou os conselheiros à Madeira - Porto Santo e Funchal
-e teve a participação do Presidente Governo Regional. Em cumprimento de uma
recomendação aprovada nesse plenário, foi constituída uma "Comissão
Permanente" integrando dois conselheiros de cada uma das quatro regiões, e
o representante da Austrália (por eleição realizada durante a sessão plenária
na Madeira).
Em 1986, o
"Conselho por Regiões" repartiu-se entre Toronto, Canadá (América do
Norte), Maringá, Brasil (América do Sul) e Estugarda, Alemanha (Europa). É de
assinalar a presença do Presidente do Governo Regional dos Açores na Reunião
Regional da América do Norte, a testemunhar a boa cooperação conseguida no CCP
entre governo da República e os governos autonómicos, que já então tinham as
suas instâncias próprias de representação de emigrantes (Rocha-Trindade, 2014:
19)
Em 1987, secundando
pareceres do Conselho foi criada uma comissão interministerial, com competência
específica para dar sequência às recomendações do Conselho, (sinal da sua
crescente importância política); e constituídas várias “conferências” junto do
CCP -“Ensino”, “Assuntos dos Jovens”, “Promoção da participação das
mulheres”(13) e “Investimentos e Assuntos Económicos e Financeiro” Eram uma forma
de valorizar a participação horizontal no órgão consultivo.
A queda do X Governo
no verão de 1987 veio colocar um ponto final no que parecia o estádio da sua
definitiva afirmação do CCP como órgão representativo e nas suas ramificações
na sociedade civil. Durante a 4ª reunião plenária realizada no Algarve
(Albufeira) todos pressentiam que seria a última. Todavia, em alguns países,
Brasil, França, Argentina os Conselhos das Comunidades (antigas Comissões)
continuaram ativos como federações associativas, independentes de qualquer
governo.
Em 1996, após quase
uma década em suspensão, o CCP ressurgiu, eleito por sufrágio universal,
desligado da memória da sua primeira vida e das suas origens associativas,
embora prossiga os mesmos fins e continue a emergir, essencialmente do viveiro
de lideranças, que é são as grandes instituições das comunidades
portuguesas.(14)
5 - Presença e
ausência feminina no 1º CCP
Não havia mulheres
entre os membros eleitos, os observadores da Comunicação Social, os deputados,
os representantes das Regiões Autónomas, entre os representantes dos parceiros
sociais (nomeados por indicação das respetivas corporações), mas
o Conselho português foi, historicamente, o primeiro a ser presidido por
uma mulher e, por sua nomeação, algumas funcionárias públicas, participaram na
reunião de 1981, como peritas - além da Secretária -geral, Fernanda Agria,
as moderadoras e relatoras Maria Beatriz Rocha Trindade (Secção da
Educação e Ensino e Secção Especial - 2ª geração e identidade cultural) e Rita
Gomes (Secção Regresso e Reinserção) e as que exerceram a assessoria das
secções, Alexandra Lencastre da Rocha (Secção Especial), Maria Helena Lúcio
(Segurança Social e Secção Especial) e Maria Manuela Machado Silva (Ensino e
Educação). Em 1983, chegaram das comunidades do estrangeiro Maria Alice
Ribeiro, do Canadá, e Custódia Domingues, ambas dos meios de comunicação
social. Maria Alice Ribeiro, diretora do mais antigo jornal português de
Toronto, foi a proponente da convocatória de um congresso mundial de mulheres
migrantes. Em 1985, faziam parte da Comissão Permanente de Peritos", que
era paritária, Fernanda Agria, Maria Rita Gomes e Maria Beatriz Rocha Trindade.
A ausência do
feminino é, também, gritante no que respeita às recomendações - as
especificidades das migrações de mulheres são praticamente ignoradas. Entre
1981 e 1985, apenas uma, se refere diretamente às mulheres, usando a palavra
“mulher” e para manifestar a preocupação pelo facto de, na Austrália, terem, em
certos casos, melhores condições de trabalho do que os homens, facto que
poderia levar a conflitos familiares (recomendação 35). Também se podem
considerar como dirigidas especialmente às mulheres, embora sempre designadas
como “cônjuge”, algumas, poucas, recomendações aprovadas, em matéria de
reagrupamento familiar. Foi, assim, contra corrente, por proposta da
Conselheira Alice Ribeiro, que CCP fica ligado ao início das políticas de
género, em Portugal. A Conferência para a Promoção da Participação das Mulheres
, caso tivesse ido por diante, criaria, à época um precedente, mesmo face à
França, onde existe atualmente uma secção para as Mulheres e onde, já em 2006
as francesas estavam em maioria na Assembleia dos Franceses do estrangeiro. Em
2016, um CCP recém-eleito com apenas 12 mulheres poderá recuperar vir a
inspirar-se no exemplo francês, ou a olhar a seu passado neste domínio.
Notas
(1) Para além da
França, com a UFE, da Suiça com a "Organização dos Suiços no
Estrangeiro" (da qual é oriundo o Conselho suíço) também, por exemplo, a
Áustria Associação Mundial dos Austríacos no Estrangeiro,)a Bélgica
("Flamengos no Mundo" e "Union Francophone des Belges à l'
Etranger"), a Alemanha ("Associação para a Cultura Alemã no
Estrangeiro", fundada em Berlim, em 1881, com o nome de "Associação
Geral das Escolas Alemãs"), a Espanha ("Fundação dos Espanhóis no
mundo"), a Inglaterra ("Associação para os Direitos dos Ingleses no
Estrangeiro"), a Itália ("Sociedade Dante Alighieri, a "União
dos Italianos do Estrangeiro" e organizações regionais, como "A família
Veneziana" e "A Família Milanesa"), a Polónia (com
"Comunidade Polaca", criada em 1990), a Suécia (com duas associações
internacionais "A Suécia no Mundo" e a "Associação Educativa das
Mulheres Suecas") - organizações sobre as quais incidiu o relatório de M
Böhm, aprovado na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. O relatório não
menciona a "União das Comunidades de Cultura Portuguesa", talvez pelo
seu carater efémero, apesar de se enquadrar nesta forma de associativismo.
A "União das Comunidades de Cultura Portuguesa" foi instituída
durante o 1ºCongresso das Comunidades de Cultura Portuguesa, organizado pela
Sociedade de Geografia, então presidida por Adriano Moreira. O 2º Congresso
decorreu em Moçambique, em 1967. O 3ºCongresso, que iria realizar-se no Brasil,
deparou com obstáculos levantados pelo governo de Marcelo Caetano. Foi adiado
"sine die" e a "União", ainda em fase embrionária, e, por
isso, sem verdadeiro enraizamento na Diáspora, foi desativada. Não era um órgão
governamental, do tipo do Conselho Superior francês, não precisava de apoio
oficial para existir. Contudo, num regime anti-democrático, não gozou de
liberdade para continuar, porque tinha a sua sede numa instituição de Lisboa e
não nas comunidades do estrangeiro, que escapavam ao controlo da ditadura.
(2) Uma das
explicações para a não existência de um movimento internacional da Diáspora
portuguesa poderá ser o facto de uma grande proporção dos fluxos migratórios se
dirigir a um só destino, o Brasil. A Federação das Associações Portuguesas e
Luso Brasileiras, nunca ultrapassou as fronteiras quase continentais deste
país.
(3) O Prof Emygdio
da Silva, no início do século, rejeitava a ideia do voto nacional dos
emigrantes, e apontava já para um sucedâneo, que seria a representação dos
emigrantes num órgão próprio. Um verdadeiro percursor dos Conselhos, no plano
puramente teórico.
(4) O papel
desempenhado pela UFE na criação do Conselho explica a preponderância do
associativismo na sua composição. Os candidatos às eleições deviam ser,
obrigatoriamente, membros de uma associação do estrangeiro e ter,
cumulativamente, a nacionalidade francesa.
(5) Jöelle Garriaud
Mayland, Conselheira e Senadora pelos franceses do estrangeiro, ao historiar o
percurso do "Conselho", destaca o seu papel no domínio do ensino, da
proteção social e pensões, na aceitação da dupla nacionalidade e do lado menos
positivo, refere a pouca notoriedade de que goza, apesar da sua importância,
esta instituição, quer dentro de França, quer também entre os expatriados (GARRIAUD-MAYLAND,
2008: 44).
(6) Os Comités de
Italianos no Estrangeiro foram criados, em 1985, sob a égide dos consulados,
com eleições por sufrágio direto, exceto nos países onde proíbam o processo
eleitoral, caso em que são nomeados. Em 1989, foi instituído o Conselho Geral
dos Italianos no Estrangeiro, presidido pelo Ministério dos Negócios
Estrangeiros, com 65 membros eleitos e 29 nomeados pelo governo. Os
"Conselhos de residente espanhóis", que tal como os
"Comitati" italianos funcionam junto dos consulados e o
"Conselho Geral da Emigração" foram instituídos em 1987. O Conselho
Geral era composto por um presidente nomeado pelo Ministro do Trabalho. e por
60 membros eleitos (inicialmente, 36) e nomeados (oriundos de entidades
regionais, profissionais, sindicais ou da administração pública). (AGUIAR e
GUIRADO, 1999: 18)
7) O Programa
Eleitoral da AD, no capítulo da Política Externa distinguia políticas para a
"Emigração" (medidas de proteção aos emigrantes e seus descendentes,
acento no ensino, na cidadania, nos direitos de participação política, na
facilitação do regresso), e para as "Comunidades Portuguesas no
Mundo", como realidade que exigia meios próprios, gestos de aproximação
das comunidades da Diáspora. O programa prevê um Conselho não para a emigração
antiga ou recente, mas para comunidades de cultura ou ascendência
portuguesas : "Para além dos núcleos de emigração antigos e recentes,
existem espalhadas pelo mundo numerosas comunidades portuguesas ou de
descendentes de portugueses cujo significado histórico, cultural e patriótico
se impõe reconhecer e preservar. [...] Assim, o Governo da Aliança Democrática
criará um Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo, onde estas se poderão
fazer representar e conceder-lhes-á apoio constante e permanente."
(8) Contemporânea da
"União", também nascida dos Congressos de 60,
é a "Academia Internacional de Cultura
Portuguesa", mas de “criação governamental" (MOREIRA, 1988: 7). Os
Congressos de 60 assumiam já, a meu ver, pela sua natureza civilista e
fraterna, uma feição pós-colonial, acentuada pela prioridade dada ao
relacionamento das diásporas lusófonas, à língua, à expansão da "fronteira
cultural" e, latamente, à lusofilia. Poderão mesmo ser considerados
precursores da CPLP, como os via o maior impulsionador desta comunidade,
Embaixador José Aparecido de Oliveira, sobretudo se, como ele queria, se
valorizar futuramente, a componente das culturas, da união dos povos e não só
dos Estados.
9) Não era exigido
aos conselheiros o vínculo da nacionalidade, nem sequer o de ascendência
portuguesa, apenas o sentimento de pertença, que se comprovava pela
participação ativa e relevante no universo do associativismo lusófilo. Era uma
originalidade nossa, na linha do projeto da AD, destinado à Diáspora.
O 2º CCP perdeu
esta abrangência, visto que conselheiros e os eleitores são apenas os
portugueses de nacionalidade.
(10) Foi possível
ultimar o diploma num período tão curto graças, ao apoio do MNE e Vice-primeiro
Ministro Freitas do Amaral e ao trabalho "pro bono" de juristas com
uma uma enorme experiência na "arte de legislar": -Fernanda Agria e
Eduardo Costa, meus antigos colegas no Centro de Estudos do Ministério das
Corporações e Segurança Social, Luís Fontoura colega da Faculdade de Direito de
Coimbra. O Deputado José Gama do CD (ex-emigrante nos EUA) e eu própria
estivemos, com frequência, informalmente, sentados com eles, à volta da
mesa de trabalho. Foi através de José Gama, que conheci o Prof. Adriano
Moreira, a primeira das personalidades que quis ouvir. Todavia, não houve
maneira de dar, como queríamos, prioridade à vertente cultural (a emigração
recente impôs-se, desde a primeira hora), nem meios para desdobrar o CCP num
Conselho de Emigrantes e num Conselho da Diáspora. Há, agora, um grupo que se
chama precisamente "Conselho da Diáspora": reúne, de vez em quando,
com o Presidente da República, porém, sem agenda nem estratégia conhecida. O
nome já existe. Pode ser que um novo Presidente lhe queira dar corpo e alma.
A propósito de
encontros sob a égide presidencial, é de referir que estava previsto, em
1980,integrado nas comemorações Camonianas, o 1º Congresso das Comunidades
Portuguesas. Decorriam já, nos termos do DL 462/79, de 30 de novembro, as suas
reuniões preparatórias, dentro e fora do país, e a lei apontava para a
"institucionalização de formas de representação dos emigrantes junto do
país", sem as especificar. Porém, o novo Governo, decidiu adiar o
Congresso para junho do ano seguinte, e criar, em 1980, o Conselho das
Comunidades Portuguesas. Em resposta ao adiamento "unilateral" do
Congresso pelo Governo, o Presidente Eanes, reteve o diploma do CCP durante
meses (com um "veto de bolso", como correntemente se dizia). A
promulgação a 30 de agosto e a publicação em 12 de setembro determinou o adiamento
da 1ª reunião do Conselho. E, por isso, Conselho e Congresso das Comunidades
aconteceram, respetivamente, em abril e junho de 1981, gerando, na opinião
pública e nas comunidades, enorme confusão entre a sua natureza e objetivos,
num ambiente de dissenso e animosidade política. O Congresso foi do
domínio do efémero, um" happening" irrepetível, que não deixou marcas
no percurso do CCP.
(11) Segundo "O
Diário ", cuja informação factual é precisa: " Mal a Secretária
de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesas, Manuela Aguiar, terminou o
seu discurso de saudação e de votos de bom trabalho, o delegado da Comissão da
Comunidade Portuguesa de França, Carlos Duarte Morais, levantou-se e perguntou:
Qual é a nossa participação nesta sessão inaugural? Fernanda Agria
comunicou-lhe que ele ficava inscrito para falar, o que só se verificou às
11.50. Entretanto os presentes ouviram as exposições de seis funcionários da
SEECP, que os informaram sobre o âmbito de competência dos respetivos
departamento" . Com o sub título "Protesto", o Diário
continua a reportagem: "O representante da CCP de França disse estar
ali para protestar contra o facto de isto tudo estar preparado para nós sermos
figurantes, constatou a ausência de Manuela Aguiar, exatamente quando falava o
primeiro emigrante e comentou o teor das intervenções dos seis altos
funcionários".( Não fica dito, embora se possa deduzir, que a
Secretária de Estado se ausentou numa parte do programa em que estavam
previstas apenas informações técnicas dos funcionários). Na parte final do
artigo, há breves citações de conselheiros da emigração transoceânica,
dissonantes das posições do orador de França. Só um vê escrito o seu nome:
Carlos de Sousa (Venezuela), que "fez um apelo à união de todos os
emigrantes e disse que considerava o decreto -lei que institui o Conselho como
uma "certidão de nascimento" e como tal devia ser encarado".
Não obstante o seu
cariz partidário, a narrativa é elucidativa do ambiente em que decorreram os
debates no "dia um" do CCP: a contestação ensaiada pela Comissão de
França, a divisão entre a Europa e todos os outros continentes, que viam o
Conselho criado pelo governo como positiva. A falta de consonância, em função
das tendência política dos "media" é evidenciada nos títulos dos
diversos jornais, a 7 de Abril: O Diário (comunista),"Tudo preparado para
sermos figurantes"; Portugal Hoje,(socialista), "Trabalhos abrem
com polémica"; Diário deLisboa (socialista/comunista),
"Emigrantes exigem um papel ativo e recusam o lugar de
"figurantes": Nos jornais mais próximos da AD, ou menos hostis,
o tom é neutro a notícia é apenas a reunião: JN: "Houve pouca abertura de
alguns setores" - lamenta Manuela Aguiar (crítica que se referia à
dificuldade de aumentar a representação política dos emigrantes), A Tribuna:
"Conselho das Comunidades teve ontem
início"; Correioda Manhã, "Conselho das Comunidades reuniu
pela primeira vez"; Comércio do Porto, "Conselho
reunido até 6ª feira - Congresso das comunidades já em fase de
preparação"(uma prova mais de que estava estabelecida a enganosa ligação
entre Conselho e Congresso das comunidades).
(12) O atraso no
processo legislativo (a Lei 367/84 seria publicada só em 25 de novembro),
obrigou a que as Reuniões Regionais fossem convocadas, ao abrigo da lei
vigente, interpretada no sentido de permitir que a consulta a nível mundial
"por regiões", em vez de o ser "por secções". Sendo a lei
omissa quanto ao modo de funcionamento do órgão consultivo, argumentava-se que
a consulta era mais abrangente na modalidade regional, visto decorrer sempre em
plenário, do que na modalidade de várias secções, já que eram realizadas
simultaneamente. Todos os conselheiros da emigração transoceânica perfilharam o
entendimento do governo, excepto os de França, que recorreram judicialmente da
decisão. Perderam o recurso no Supremo Tribunal
Administrativo.
(13) A Conferência
para a promoção da participação das Mulheres, ao contrário das demais, não
esteva prevista na recomendação do plenário do CCP em Porto Santo – foi da iniciativa
da SECP, como meio de prosseguir as políticas de igualdade, iniciadas em 1985.
(14). O 2º CCP
(1996/2015), tem também conhecido adiamentos de processos eleitorais ou de
reuniões plenárias, Continua sob o signo da incerteza e, por isso, a meta da
constitucionalização pode ser vista como condição da sua própria existência.
Presidi à Subcomissão das Comunidades Portuguesas que, com essa perspetiva,
realizou duas audições sobre "mecanismos específicos de representação de
migrantes", em 2003 e 2004, a primeira, para uma abordagem comparatista, a
nível europeu, a segunda centrada na questão constitucional com intervenções de
fundo dos Professores Barbosa de Melo, Adriano Moreira e Bacelar de
Gouveia
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Centrale de la Politique Migratoire de l' Après 25 de Avril" em Migrance,
Èditions Mémoire- Génériques, Premier semestre 2014
. MARIA ARCHER O LEGADO DE UMA ESCRITORA VIAJANTE, Lisboa, Fundação Prof Fernando de
Pádua, de novembro
NAS TRILHAS DA
“FILOSOFIA DE UMA MULHER MODERNA”: CONFIGURAÇÕES DA VIDA SOCIAL E AS CRÔNICAS
DE MARIA ARCHER.
Elisabeth Battista
Universidade do
Estado de Mato Grosso – UNEMAT/Brasil. Diretora da Faculdade de Educação e
Linguagem – FACEL. Docente no Programa de Pós-graduação em Estudos Literários –
PPGEL, da Pós-doutora pela Universidade de Lisboa – UL.
Esta leitura
articula-se em torno da instigante produção criativa e intensa atividade
intelectual de Maria Archer para os meios de imprensa, em meados do século XX,
em Portugal, porque nos estudos que estamos realizando sobre a participação de
escritoras na imprensa e a circulação literária entre os países que têm o
português como língua de comunicação, temos colhido gestos e presenciado a
intensa movimentação com vistas à ampliação das relações de trocas e
possibilidades de abertura e aproximação cultural nas relações literárias e
culturais ibero-afro-americanas.
A coletânea Filosofia
duma mulher moderna, de autoria de Maria Archer foi publicada em Lisboa em
1950, pela editora Porto e compõe-se de 27 narrativas. As crônicas literárias,
em sua maioria voltam-se para o tema da condição da mulher na sociedade
portuguesa, fatos vivenciados por Maria Archer, com base na observação da vida
social, na qual faz um engajamento literário nas suas obras. A articulação de
elementos da vida social se torna um dos muitos que interferem na economia do
livro, ao lado dos psicológicos, religiosos, linguísticos e outros.
É relevante afirmar
que a produção e o lançamento de Filosofia de uma mulher moderna (1950)
é contemporânea ao lançamento da obra O Segundo Sexo, de Simone de
Beauvoir, publicada originalmente em 1949. A referida obra francesa, amplamente
difundida, é construída em uma perspectiva fenomenológica existencial de
gênero, a autora volta-se para o estudo da dinâmica das ações femininas e
focaliza o conceito de “experiência vivida”, que contribui para compreensão e o
“desalinhamento” da perspectiva do status quo. Em sua
abordagem, Beauvoir será crítica dos parâmetros discursivos da tradição, que se
consagram em princípios lógicos e ontológicos, Beauvoir propõe novas formas de
abordagem sobre a condição da mulher. Desta forma, na condição de autora, ao
lançar um novo olhar sobre a condição feminina, propiciou a reflexão e o
surgimento de uma nova visão acerca do perfil feminino.
Beauvoir recusava
também enclausurar-se como pensadora e como mulher na esquadria de um sistema
de pensamento e, pois, de comportamento já determinado pela história. A
condição feminina deveria, então, se voltar para novas vias de ação, de
argumentação e de reflexão que não as mesmas trabalhadas pelos homens na
história da cultura. (SANTOS, 2012, p.928).
Vale lembrar que as
lutas de caráter mais radical pelas igualdades e a construção de uma identidade
feminina, bem como o surgimento do atuante movimento feminista, naquela altura,
estavam apenas no início. Isto porque os ensaios de Beauvoir em O Segundo
Sexo produziram sobre o público leitor um efeito prático, modificando a sua
conduta, sua visão de mundo e, sobretudo reforçando o sentimento do valor
social da mulher. Para a lusitana Maria Archer, contudo, em Filosofia de uma
mulher moderna (1950), a vida social e a condição feminina serão o
“fermento orgânico“ de que resultarão em fértil produção criativa e a expressão
literária de uma diversidade coesa.
Isto porque, em
suas páginas, a autora leva em conta o elemento social como referência em suas
crônicas produzidas para os jornais em Lisboa e, posteriormente reunidas na
referida coletânea. Neste sentido, a captação do olhar fixado no território da
escrita para os jornais serão a expressão de uma certa época e de uma sociedade
determinada, que permite situá-la, não somente em seus aspectos
sócio-histórico-culturais, mas como fator preponderante na sua elaboração
artística, ou seja, sua coletânea deriva no registro literário que sinaliza a
interpretação estética da vida social.
O ESBOÇO E O
SURGIMENTO DE UMA NOVA MULHER
Nas narrativas para
os jornais, a autora coloca em cena a mulher na condição de dona de casa,
trabalhadora do lar, viúva, separada, e todos os seus atributos humanos como a
ambição, a inveja, egoísmo, maledicência, a mulher estigmatizada que se torna
“mal vista” perante a preconceituosa sociedade da época. Seus temas derivam
para aquilo que afirma Alfredo Bosi (1996, p. 11),
É nesse sentido que
se pode dizer que a narrativa descobre a vida verdadeira, e que esta abraça e
transcende a vida real. A literatura, com ser ficção, resiste à mentira. É
nesse horizonte que o espaço da literatura, considerado em geral como o lugar
da fantasia, pode ser o lugar da verdade mais exigente.
Um olhar ainda que
superficial pela coletânea de narrativas percebe-se um elemento curiosos e
unificador: o absoluto predomínio de personagens femininas na condição de
protagonistas. Os homens assumirão papéis secundários, enquanto a autora
descreve a personagem feminina em dois ou mais parágrafos, especificando as
qualidades da mulher da época, ela descreverá o homem em pouco mais de um
período.
Outro aspecto que
marca a coletânea composta de 27 narrativas é o registro de que o tratamento
que será dispensado à mulher está diretamente ligado ao seu estado Civil. Neste
sentido, as mulheres casadas obterão reconhecimento social, enquanto as
desquitadas e divorciadas não encontravam acolhida no seio social, ficando
fadadas ao isolamento e impedidas de contraírem uma segunda união conjugal,
fora do plano da clandestinidade. Um exemplo emana da regra explícita de que os
funcionários públicos, sobretudo os de cargo elevado, não poderiam contrair
matrimônio com mulheres desquitadas ou divorciadas.
A crônica Filosofia
duma mulher moderna, atendendo ao meio em que fora originalmente publicada,
estrutura-se no âmbito de uma linguagem coloquial, de fácil entendimento, a
personagem feminina age com a razão e não a emoção, fato que, no plano da
narração, é justificado por preferir perder o pretendente a marido, que fora
promovido e terá que ser transferido para fora do país, do que arriscar perder
o domínio de um vantajoso contrato de locação. Constitui-se uma crônica
jornalística, pois ali o que temos são quadros representativos da vida social
contemporânea portuguesa.
Narrada a partir de
uma visão por trás, narrador onisciente intruso, portanto, é contada em 3º
pessoa, conforme os estudos de Gancho (2003), “um narrador que fala com o
leitor e julga a conduta da personagem, que fica bem explícito no trecho a
seguir, [...] Uma maravilha”! Julgo que ela preferia um ataque de bexigas
negras, a queda do cabelo, mesmo o reumatismo, a que lhe tirassem a casa [...]
(ARCHER, 1950, p. 10). Ao mesmo tempo em que o narrador avalia os desejos da
protagonista Teresa, ele coloca a importância que, mesmo alugada, a casa
situada sítio nobre, representa para o conforto da personagem e seu único filho
e, portanto, abriria de mão de qualquer coisa, entretanto, abrir mão de um
antigo contrato que fixava o valor da renda muito abaixo do valor que a casa
representa, estaria fora de questão.
A personagem, aqui
representante de uma classe, deriva para aquilo que Abdala (2004, p. 40) define
como: “O conceito de pessoa refere-se ao indivíduo pertencente ao espaço
humano, enquanto personagem refere-se à persona (máscara) da narrativa. A
personagem é um ser fictício, que se refere a uma pessoa”. O ser da ficção, que
é representado por uma pessoa, no caso aqui, a Teresa, que tem seu valor para a
economia da obra.
As personagens que
compõem a narrativa são Teresa, sr. Seabra, o filho deles, Eduardo, a mãe de
Teresa e suas amigas. No entanto o Sr. Seabra, as últimas personagens, e o
filho de Teresa, são vistos neste espaço como personagens secundárias, atuam na
trama, porém, suas intervenções não alteram significativamente seu sentido,
diferentemente das personagens centrais, que é o caso de Teresa e Eduardo. A
Teresa por sua vez podemos considerá-la ainda, como uma personagem plana,
devido as características em que ela se encaixa. Gancho (2003, p. 16) afirma
que [...] personagens planos, são caracterizados com um número pequeno de
atributos [...] e que pode ser reconhecido por característica típicas,
invariáveis, quer sejam elas morais, sociais, econômicas ou de qualquer outra
ordem[...], reconhecemos essas características quando a escritora nos descreve
Teresa:
Como ia passar dois
anos no estrangeiro mostrava-se imensamente «snob» e impertinente. Exibia-se e
luzia-se nos conhecimentos da vida dos povos que habitam para lá do nosso
modesto horizonte. Não se calcula como nos irritava! E eram as minucias... Não
se ia e vinha, como os caixeiros viajantes... Demorava-se... Viveria num hotel
de luxo... Compraria peles preciosas... Vestidos... Perfumes... Voltaria
com as malas cheias... Daria passeios lindíssimos... Exercitar-se-ia a falar...
Oh! O sotaque, numa língua, dá o tom... (ARCHER, 1950, p. 9).
Dentre os elementos
que estruturam a narração identificamos, no tocante ao tempo, que a autora
narra a sua contemporaneidade e esta se dá em meados do século XX, momento em
que Portugal vivia o regime austero da ditadura Salazarista. Enquanto elemento
estruturante, de acordo com Nunes (2002, p. 20), ocorre um tempo cronológico,
as cenas vão ocorrendo em uma ordem natural, do início para o fim, “[...]
Baseado em movimentos naturais recorrentes, como os cronométricos a que já nos
referimos, o tempo cronológico, por esse aspecto ligado ao físico, firma o
sistema de calendário [...]” (idem), pois, essa cronometria é que coloca a
ordem dos acontecimentos e os qualificas.
O espaço
socialmente verificável em que a trama ocorre é na cidade de Lisboa “[...] A
mãe de Teresa deixara o sossego da sua casa da província para viver em Lisboa
esses dois anos, de guarda a casa da filha [...]” (ARCHER, 1950, p.13). Abdala
(2004, p. 48) diz que o espaço se articula com as demais categorias da
narrativa ao nível da história, e podem aparecer ligadas a um lugar físico,
onde circulam as personagens e se desenvolve a ação.
O ambiente do
enredo é mostrado a partir do termino do divórcio de Teresa com o senhor
Seabra, já havia nascido um filho, com isso após o desenlace ele deixara a
Teresa na confortável casa alugada por uma renda muito accessível. O narrador
fornece detalhes do espaço situando-nos acerca do nível de conforto do
ambiente.” Imagine-se uma moradia com quintal, e jardim, e um vestíbulo com
ferros forjados, e aquecimento central, e três casas de banho, e salas ligadas
por arcadas-com o senhorio a morar no primeiro andar e a Teresa no rés-do-chão.”
(ARCHER, 1950, p.10).
Os elementos do
espaço serão, para a economia da narrativa, decisivos para a solução estética,
como veremos adiante. Percebemos, pela minuciosa descrição do espaço em que se
desenrola o enredo da narrativa que trata-se de uma casa ampla e, em muito bom
estado de conservação onde Teresa habita com o seu filho menor. Vale registrar
que o ambiente eventualmente está presente através de certas indicações que o
artista faz, como descrições, atitudes conscientes das personagens, regular
disposição de acontecimentos, inversão de fatos, descrição de lugares,
resultado inesperado de certas cenas, etc.
Este diz respeito
aos aspectos sócio econômicos, ou seja, a situação-ambiente constitui-se,
muitas vezes um detalhe não atingível, inapreensível objetivamente na obra, e
resulta de uma observação do leitor em torno dos elementos apresentados ou
sugeridos pelo artista na combinação das atitudes das personagens e na
ação. Entretanto o ambiente faz referência à vida da personagem. Essa descrição
também pode considerar como situação-ambiente conforme define Ataíde (1941): A
situação ambiente é como um pano de fundo que serve para o desenrolar da ação e
a vivência das criaturas ficcionais. É um resultado da experiência sobre o
tempo e espaço. (p. 51).
Consideramos neste
contexto a situação-ambiente, pois, é a partir da fruição desta que veremos o
desenrolar da exegese ficcional, além de despertar o interesse pela leitura,
aproximando a personagem da representação literária da vida social. De certo
modo é neste ambiente que ocorrerá o conflito do enredo, criando o ponto
culminante da a história, que podemos chamar de clímax, ou seja, o momento em
que a narrativa atinge seu maior ponto de tensão, em seguida, temos o desfecho,
a solução estética, o qual o autor nos surpreenderá com um final feliz ou não.
Solução esta que segundo Gancho (2003, p. 11) “o desfecho é a solução dos
conflitos, boa ou má, vale dizer configurando-se num final feliz ou não. Há
muitos tipos de desfechos: surpreendente, feliz, trágico, cômico, etc”. O
desfecho da narrativa, é surpreendente, pois, Teresa tinha consciência
que o Eduardo estava com ela por causa do filho desta, (no seu primeiro
casamento) o Quim, todavia, ela não cogitou em levar o menino consigo.
Toda gente, nas
relações do casal, compreendia o assunto e o discutia. Mas toda a gente
supunha, eu incluída, que a Teresa gostava do Eduardo. Por isso estranhei a
resposta dela, há dias, quando lhe perguntei se levava consigo o filho: - Fica
com minha mãe... O advogado insiste em que o deixe ficar... Calei-me – mas os
meus olhos devem ter sido eloquentes porque a Teresa, logo em seguida, diz-me,
como quem se justifica: - Olha, menina... Um outro marido como o Eduardo
arranjo eu... Uma casa como esta é que não... (ARCHER, 1950, p.16).
O final, imprevisto
para os padrões romanescos, sinaliza para o valor que materialismo e a razão
assumem em detrimento da vivência do romance a sensibilidade, na vida da
protagonista. No trecho acima, percebemos que a casa era mais importante
para Teresa do que seu companheiro, no recorte selecionado, a importância dos
bens materiais prevalecerá para a personagem.
AS TRILHAS E A
CONDIÇÃO FEMININA
A crônica é
emblemática e sinaliza para o registro literário do nascimento de um novo
perfil de mulher, agora mais consciente e menos dependentes dos ditames sociais
e de um status quo. A crônica selecionada por exemplo, permite-nos
observar as relevantes mudanças no comportamento da mulher portuguesa que vive
no meio urbano, em contato permanente e crescente com a instauração gradativa
da modernidade, principalmente no que tange ao processo de formação da
sociedade capitalista.
A narrativa
intitulada “Faça mal quem o fizer quem o paga é a mulher”, à partida já
se nota o um trocadilho, a apropriação da linguagem coloquial, que sua
estrutura pode ser separada em versos de forma que temos “Faça o mal quem o
fizer/ Quem o paga é a mulher”, este é formado de redondilha maior, com
rima rica, e de fácil memorização.
O conflito gira em
torno da personagem Anica, que por ter decidido deixar o marido opressor e
acompanhar o amante, torna-se mal vista aos olhos da sociedade. A
personagem lança-se ao impulso de suas escolhas emocionais. Anica – um
nome próprio no grau diminutivo já é sintomático – será guiada pelo sentimento
da paixão, ao invés da razão, não se importando com o futuro. A representação
da personagem foi contemplada na ficção de Maria Archer e deriva para aquilo
que Anatol Rosenfeld (2011) afirma:
A ficção é um lugar
ontológico privilegiado: lugar em que o homem pode viver e contemplar, através
de personagens variadas, a plenitude da sua condição, e em que se torna
transparente a si mesmo: lugar em que, transformando-se imaginariamente no
outro, vivendo outros papéis e destacando-se de si mesmo, verifica, realiza e
vive sua condição fundamental de ser autoconsciente e livre, capaz de
desdobrar-se, distanciar-se de si mesmo e de objetivar a sua própria situação.
É neste sentido,
pois que, em seu percurso, ao longo da breve narrativa, Anica enquanto
protagonista, será construída como personagem esférica. As “personagens
esféricas” não são claramente definidas por Forster, mas concluímos que as suas
características se reduzem essencialmente ao fato de terem três, e não duas
dimensões; serão, portanto, organizadas com maior complexidade e, em
consequência, capazes de nos surpreender, pois, conforme diz Candido (2000,
p.63):
A prova de uma
personagem esférica é a sua capacidade de nos surpreender de maneira
convincente. Se nunca surpreende, é plana. Se não convence, é plana com
pretensão a esférica. Ela traz em si a imprevisibilidade da vida, — traz a vida
dentro das páginas de um livro” (Ob. Cit., p.75). Decorre que “as personagens
planas não constituem, em si, realizações tão altas quanto as esféricas, e que
rendem mais quando cômicas. Uma personagem plana séria ou trágica arrisca
tornar-se aborrecida” (Ob. cit., p. 70).
A narrativa breve
indica sumariamente que Anica, embora dispusesse de uma condição financeira
estável, andava muito insatisfeita com a vida que levava e, na ânsia de dar um
novo rumo à sua existência, ao lado de um novo companheiro, lança-se à nova
experiência conjugal, sem, entretanto, assegurar-se, muito menos estudar melhor
o caráter do novo pretendente. Desta maneira Anica, como veremos no
trecho abaixo, a protagonista inconscientemente assume os riscos, na medida em
que não se importou se um dia Ramiro a deixasse e ela viesse a perder tudo, se
arrisca para viver uma paixão:
A Anica, desvairada
de amor, fruia com intensidade o momento presente e não pensava nas
consequências temerosas dos seus passos de mulher banida da vida das famílias
nem no que poderia ser o seu futuro, um dia, se o Ramiro a amasse menos, a
amasse pouco, ou a abandonasse. (ARCHER, 1950, p. 193).
A narração é feita
por um narrador testemunha, aquele que participou e vivenciou os fatos do
enredo, que pode ser justificado com a fala dele, [...] Lembro-me bem daquele
dia, há anos, em que o escândalo da sua fuga com o Ramiro ribombou por Lisboa e
deixou a sociedade – este meio de gente rica e janota e preconceituosa que a si
mesmo se classifica de sociedade – deixou-a espantada e atordoada [...]( Idem,
p. 191).
Ele narra em 1ª
pessoa, mas é um “eu” já interno à narrativa, que vive os acontecimentos aí
descritos como personagem secundaria que pode observar, desde dentro, os
acontecimentos, e, portanto, dá-los ao leitor de modo mais direto, mais
verossímil. Testemunha, não é à toa esse nome: apela-se para o
testemunho de alguém, quando se está em busca da verdade ou querendo fazer algo
parecer como tal. (LEITE, 2002, p. 37).
Conforme adianta o
narrador testemunha, a qual faz o uso do verbo lembrar, no pretérito, dá a
perceber que o narrador conhecia Anica, e vivenciou o fato ocorrido. Segundo
Ataíde (1941, p.55) o ponto de vista da trama é visto de modo externo, ou seja,
está sendo apresentado por alguém que sabe dos acontecimentos, mas não os
vivenciou. Ao olhar para a construção da obra, e para a sua ordem temporal
veremos que esta obedece ao tempo cronológico, ou seja, o enredo corre de
maneira sucessiva, desde que Anica saiu de casa, passou a viver com Ramiro,
mudaram de cidade, e ao fim acaba sendo gradativamente abandonada pelo parceiro
e ficando sozinha, isto pode ser percebido nos recortes: (ARCHER, 1950, p. 196)
“[...] a Anica via-o partir dia após dia, noite após noite [...] Meses
consecutivos, com muitos dias e muitas noites em cada mês[...], para Ataíde:
O tempo cronológico
é aquele que se mede pelo relógio, pela sucessividade dos dias e das noites,
pelo movimento da terra e da lua, pela alternância das estações. O tempo
cronológico consiste num esforço do homem para opor uma barreira ao tumulto
subjetivo, às presentificações da memória à duração interior que é imprevisível
e incontrolável. (ATAIDE, 1941, p. 47).
A personagem
experimenta dupla condenação: o isolamento social por parte dos seus familiares
e o afetivo, na medida em que vivenciará o gradativo abandono por parte do
amado. Tal constatação deriva do que pode ser percebido na construção narrativa
e nos dá a impressão de que os espaços utilizados articulam-se com as demais
categorias da narrativa ao nível da história. Na obra são divididos em três
sequências, no dizer de Abdala: “Num sentido mais abstrato, é importante que
seja considerado o espaço social, a ambiência social pela qual circulam as
personagens, e o espaço psicológico, as suas atmosferas interiores”. (ABDALA,
2004, p.48).
Desta forma
relacionamos os acontecimentos que ocorrera com Anica, através destes espaços,
ao qual, no início, ela circulava tacitamente pelas ruas de Lisboa e fazia
parte da alta sociedade, podendo relacionar este como espaço social, em seguida
ao fugir com Ramiro, se vê obrigada a passar por sua irmã, e aos poucos acaba
ficando isolada em casa, num país estrangeiro, não tendo a liberdade de
circular pelas ruas, ou seja, este se torna um espaço físico restritivo, sua
vida se restringirá aos limites da sua modesta morada. A partir de então, dará
vazão à dimensão do espaço psicológico, pois, a restrição dos deslocamentos
funcionará como elemento propulsor para Anica na tomada de consciência do
espaço que oprime e como estes podem se tornar espaços de fuga.
Assim, ao impacto
das suas constatações, o desfecho da trama se dá quando Anica deixa Ramiro, e
volta para Lisboa sem o parceiro e despojada dos seus bens materiais. Notamos a
distinção existente entre os homens da trama, enquanto o primeiro faz questão
de dizer que é casado com Teresa, Ramiro omite, ou seja, esconde o relacionamento
com Anica, sob o pretexto de não perder o emprego, pois o que predomina para
ele é posição social, por não aceitarem homens casados com mulheres que fossem
divorciadas.
A Anica, nesses
anos de peregrinação pelo estrangeiro, desfalcara grandemente os seus haveres.
Ao separar-se do Ramiro não dispunha de meios que lhe permitissem fixar
residência em Paris. Foi-lhe forçoso regressar a Lisboa, limitar as despesas e
viver de pouco. (ARCHER, 1950, p. 199).
As crônicas
selecionadas são representativas de distintos perfis femininos. A primeiro
trata-se de uma mulher ambiciosa e racional que se arrisca a perder o
pretendente a marido, a perder a confortável casa onde vive, e na segunda
narrativa, temos a representação da mulher que, ao impulso de viver a segunda experiência
conjugal, não se importa com os bens materiais, foi capaz de largar tudo para
viver um amor.
TRILHAS QUE SE
ABREM...
A coletânea Filosofia
de uma mulher moderna, em seu conjunto abordam temas como os vistos acima,
exibindo o desafio vivenciado pelas mulheres na luta pela libertação de sua
condição de subalternidade, entre outros. As mulheres dos meados do
século XX, época da ditadura salazarista, estavam sujeitas a uma hegemonia
masculina, contentando-se apenas com os serviços domésticos e a educação dos
filhos. A mulher encontrava-se sob um intenso domínio familiar, antes do
casamento submissa ao pai e, após o casamento, ao marido.
Historicamente, a
mulher foi sempre mantida como uma figura emudecida e marginalizada em diversos
aspectos. O fato de ter sido tomada por sua suposta fragilidade e incapacidade
de viver fora do domínio patriarcal implicou, não raro, o sacrifício de sua
própria identidade. A tradição sócio histórica relegou à mulher um papel
secundário na sociedade. Na esfera doméstica restavam-lhe as atividades de
administração dos afazeres do lar e de educação dos filhos de forma que
reproduzissem e perpetuassem os papeis sociais preestabelecidos. (ARAUJO, 2012,
p. 14).
Da mesma forma, o
registro literário na coletânea revela que a condição e o papel reservado para
a mulher na vida social daquele momento, onde o lugar privilegiado era
destinado aos homens e as personagens femininas, dispunham de espaço restritivo
e, não raro, para viver eram submetidas ao regime no qual, sendo vistas como
frágeis e incapazes, seu destino seria o casamento. Dessa forma, a literatura
de Maria Archer desprende-se do usual, instaura um estilo próprio com seu
distinto jeito de escrever, fará aquilo que defende Teixeira: “buscando, por
meio de seus personagens, estabelecerem representações que questionam e
contestam as posições ocupadas por homens e mulheres na sociedade” (TEIXEIRA,
2008, p. 33 apud MOURA, 2012, p.3).
A representação
literária de Archer recria o mundo a partir da sua ótica e fala a por aqueles
que não tem voz própria. Como se sabe, eram poucas as mulheres que assumiam a
profissão de escritoras naquela altura. O papel da escrita literária de
várias autoras feminina, vista deste modo, era expor o comportamento dos perfis
femininos, ligados ao período em que viviam, desta maneira, em suas publicações
a representação literária e o engajamento era constante.
Ao recriar na
literatura os diferentes grupos sociais é importante um posicionamento
condizente com as vivências de tais indivíduos. Compreender o meio social a
partir de um único viés não torna possível representar de modo eficaz os grupos
que o compõem, já que, mesmo mostrando-se sensíveis e solidários a seus
problemas, ainda assim estes não terão as mesmas experiências de vida. (ARAUJO,
2012, p. 34).
A literatura pode
ser considerada como uma instituição social, que utiliza como expressão a
linguagem, ela pode representar a vida, esta é uma realidade social. O artista
se apropria da literatura para através dela fazer uma utilidade social, ou seja,
apoia-se em suas vivências para se dirigir ao público. Conforme exprimem
Wellek & Warren, (1955), ao discutirem a relação entre
literatura e a sociedade, é costume começar-se pela frase – derivada de De
Bonald - que afirma que “a literatura é uma expressão da sociedade”.
[...] Afirmar que a
literatura é o espelho ou a expressão da vida será ainda mais ambíguo. Um
escritor não pode deixar de exprimir a sua experiência e a sua concepção total
da vida; mas seria manifestamente falso dizer que ele exprime a vida total – ou
até mesmo a vida total de uma certa época - por forma completa e
exaustiva. [...] (WELLEK & WARREN, 1955, p. 114).
Desta forma, o
artista não é obrigado a escrever sobre aspectos que ocorreram em toda a sua
vida, mas sim de determinada época, descrevendo as implicações e relações
sociais deste período. Dizer que a literatura exprime a sociedade constitui
hoje verdadeiro truísmo; no dizer de Antonio Candido, mas houve tempo em que
“foi novidade e representou algo historicamente considerável”. Na
atualidade não é necessário enunciar que a literatura representa a sociedade,
conforme defende Candido:
No que toca mais
particularmente à literatura, isto se esboçou no século XVIII, quando filósofos
como Vico sentiram a sua correlação com as civilizações, Voltaire, com as
instituições, Herder, com os povos. Talvez tenha sido Madame de Staél, na
França, quem primeiro formulou e esboçou sistematicamente a verdade que a
literatura é também um produto social, exprimindo condições de cada civilização
em que ocorre. (CANDIDO, 2006, p. 29).
Assim, com base na
sua produção e seu legado literário será possível afirmar que Maria Archer
recusava enclausurar-se como intelectual e como mulher nos modelos impostos
pelos ditames sociais. Essa atitude pode ser colhida nas suas produções
criativas, uma vez que a autora alinha-se a um sistema de pensamento e de
comportamento não previsto para a condição feminina determinado pela
história. Muito pelo contrário, sua atuação revela que a condição
feminina deveria se voltar para novas vias de ação, de argumentação e de
reflexão que não as mesmas trabalhadas pelos homens na história da cultura do
seu tempo.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Foi possível
entrever, por meio da representação literária, na qual incumbe-se de exprimir
“A filosofia de uma mulher moderna”, como as mulheres, naquela altura,
comportam-se perante seus dilemas e suas angústias existenciais. Desde a
escolha entre a razão e a emoção, diante do desafio de se entregar a um novo
amor, em que a personagem da primeira narrativa, ao mesmo tempo em que ela
decide recomeçar sua vida amorosa, ela teme em perder a casa, agindo com a
razão, ela decide deixar o filho, assim, estaria segura a sua moradia com o
aluguel muito abaixo do valor de mercado.
Paradoxalmente, a
protagonista da segunda narrativa selecionada, como amostra para a
identificação do delineamento dos perfis femininos, sob a ótica de Maria
Archer, vimos que a personagem não imaginou que seu romance poderia não
vicejar, como seria evidentemente desejável para a protagonista, desconsiderou
a possibilidade de vir a perder o conforto em que vivia. Ou seja, a
protagonista peca por ceder ao primeiro impulso e ao excesso de sensibilidade.
A contribuição
literária de autoria de Maria Archer vem sendo gradativamente estudada no
âmbito de relação literária e cultural ibero/afro/americana, vimos que autora
muito tem contribuído para o avanço da literatura nos países de Língua
Portuguesa e pela representação feminina neste contexto literário, uma vez que
pela sua visão crítica, produz narrativas que estão muito além da literatura
considerada apenas como de “sensibilidade contemplativa” e “linguagem
imaginativa”. Suas narrativas são inquietantes porque identificam a opressão,
evocam a vida, buscam a emancipação da mulher e, talvez por isso seu nome tenha
sido gradativamente apagado e, até certo ponto eclipsado na história da
literatura portuguesa.
A representação
literária na obra de Archer pode ser considerada um genuíno produto de vida
social, pois, através de sua criação é possível entrever questões relacionadas
a fatos históricos, sociais e culturais, e que ao mesmo tempo pode ser vista
ainda, como um modo de comunicação e expressão do seu olhar sobre a sociedade,
a qual, por meio do seu gesto de interpretação estética, o conteúdo da mensagem
pode alimentar um desejo de mudança no meio social.
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WELLEK, René. &
WARREN, Austin. Teoria da Literatura. 5ª ed. Publicações
Europa-América, 1955..
MARIA ARCHER
A escritora Maria Archer e o retrato da mulher de meados do séc. XX
A escritora Maria Archer e o retrato da mulher de meados do séc. XX
Dina Botelho
Maria Archer é uma escritora que vale a pena conhecer.
Passear os olhos pelas páginas dos seus livros é transportarmo-nos para meados
do século XX e, pouco tempo depois, deixarmos de simplesmente passear e
ficarmos presos na sua escrita. O realismo da sua escrita é tão grande e
intenso que se nós não nos identificarmos com as suas personagens, com elas
identificaremos alguém que conhecemos.
Considero ter sido um marco para a época em que viveu e é
nesse sentido que sempre me deram testemunho quando dela falo com pessoas mais
velhas.
A preocupação/tema principal da sua obra era a situação da
mulher e as dificuldades por ela sentidas. A vida da mulher, a sua relação com
a família, com o trabalho e com os homens dominavam os seus romances, novelas e
peças de teatro.
Mas se o tema dominante era o mesmo havia novidades em todas
as suas obras. O estatuto social das mulheres que retratava era diferente, a
mulher tanto era vítima como até brincava com os homens e por isso liam-se com
empolgamento as suas obras. O seu conhecimento profundo do pensamento da mulher
das várias classes sociais permitia-lhe falar com à vontade e realismo das suas
vidas. Já João Gaspar Simões falava, em 1950, do seu «superior espírito de
observação, penetrante análise social, sólida expressão literária, magistral
equilíbrio no doseamento do imprevisto, pelo que não poderia deixar de ser considerada
desde já um grande contista, um grande escritor».
Maria Archer dizia que escrever era fugir ao longo silêncio
a que a mulher da época estava votada. Até o acesso à cultura era negado à
mulher na época, como Maria Archer retrata bem na personagem de Adriana
(de Casa sem Pão) que tinha de se esconder para ler livros.
Maria Archer mostrou as vozes profundas do seu ser, sem
nunca recorrer a pseudónimos, o que fez dela única na sua época e no seu meio.
Ela partia do real e era esse real que interessava aos seus leitores. Ela
própria reconheceu que a literatura feminina da sua época não era criativa
«pois a mulher encontrava-se subjugada pela estrutura social e familiar
repressiva.»
Diz-nos o ensaísta João Gaspar Simões que «se existir um
tema nos seus contos este é o tema social: a rebelião da mulher contra as
normas sociais sacrificadoras da sua sagrada independência». O conto de Maria
Archer é o conto de fundo social, o conto de costumes.» Ela é considerada por
ele «um dos nossos primeiros contistas contemporâneos, um dos nossos mais
fortes temperamentos de escritor».Como diz o Prof. Fernando de Pádua, seu
sobrinho, a propósito destes elogios carregados de masculinidade, «só faltaria
dizer que Maria Archer é um homem».
Termino com duas confissões da própria escritora, datadas de
out. de 1952 (in “Revisão de Conceitos Antiquados”) que mostra bem o que
passou, e o que passava qualquer mulher escritora na altura, para escrever:
«Saibam quantos fazem coro no desprestígio da obra literária
das mulheres que os nossos livros são momentos heróicos. Custam-nos coragem, e
angústias, que os homens, para igual feito, desconhecem de todo.»
Assim, não retrata só na escrita o que era a vida da mulher
no início e meados do séc. XX mas ela própria e a sua vida foram um ótimo
exemplo das vivências da mulher da época.
Sobre o lançamento do Livro de Elisabeth
Battista
“ O Legado de uma ESCRITORA VIAJANTE”
Rita
Gomes, Presidente da Direção AMM
Começo por felicitar a Profª Doutora Elisabeth Battista, pela coragem e
empenhamento que tem dedicado ao Estudo sobre a Escritora Viajante, Maria
Archer, como lhe chama neste seu Livro.
Sinto que após a leitura do Livro que está agora a ser lançado, com
os mais diversos pormenores que a Autora conseguiu recolher e
que inseriu nos vários capítulos, fiquei francamente mais esclarecida
sobre Maria Archer, sobretudo muito mais sensibilizada para a
sua história de vida. E, isso, apesar do muito que fui conhecendo
sobretudo através de meu pai e posteriormente acerca da sua vida no
Brasil.
Não tinha de fato o conhecimento que agora melhor me
permite avaliar passagem de Maria Archer pelas diversas partes
do Mundo, sobretudo em África e pelas honras que mereceu, por virtude
do seu trabalho, nem sempre reconhecido, mas também
pelas adversidades vividas que não merecia.
Era eu muito nova quando a conheci na minha casa,
na Graça, onde vivi. Lembro-me ainda bem da sua beleza. Figura excecional de
Mulher, de intelectual e de defensora de direitos humanos, sociais e
políticos, incluindo as Mulheres.
Só agora soube que se fez representante da União das Mulheres
Portuguesas Democratas, filiada no Movimento das Mulheres Democratas
Portuguesas para que tinha sido eleita Presidente. Gostei muito de ter
conhecido esta sua decisão, através deste Livro.
É chegada a altura de esclarecer que ao contrário do que consta do
Programa e do Livro agora lançado, eu não sou sobrinha de Maria
Archer, com o que teria muita honra, mas apenas prima em segundo grau. Meu pai
era primo direito dela e foram muito amigos. O pai de Maria Archer era
irmão de minha avó paterna- alentejana também.
Foi através de meu pai que começou a minha grande admiração
e até estima por Maria Archer, como Mulher, escritora e política. Na
altura eu tinha uma mãe monárquica e um pai republicano e esse conflito de
ideias, fazia parte do nosso dia a dia, convivíamos com a política, daí estar,
desde então habituada ao debate sobre questões políticas.
A sua capacidade criativa era a todos os títulos excecional e
diversificada. Além dos escritos jornalísticos, Conferências feitas
em diversas Instituições Culturais, Políticas e outras, saliento, a
propósito as conferências que, por exemplo, fez no Liceu Pedro
Nunes para Jovens, que muito a admiraram – relato feito
por meu marido que foi aluno desse Liceu – e que,
desde então, passou a ser um seu grande admirador.
E um dia soube do seu infeliz regresso a Portugal, a seu pedido.
Por eu estar ligada a trabalhos sobre a Emigração fui
sabendo um pouco mais sobre a sua Vida e Obra , o que
melhor me permitiu apreciá-la.
Recentemente, de forma inesperada e através de e-mail enviado
do Brasil para a Drª Manuela Aguiar, conseguimos contatar em S. Paulo,
durante uma Reunião da Associação Mulher Migrante, com as 2 irmâs
Blanche de Bonnville e Maria Jorge de Bonnevillle, que a tiveram como
percetora na sua casa de S. Paulo. Ambas continuam a ter por ela
uma enorme amizade e reconhecimento.
Como testemunho dessa amizade, estão publicados pequenos
textos das duas referidas Senhoras, na Revista desta
Associação, “A vida e Obra de Maria Archer – Uma Portuguesa na Diáspora
”sobre o Encontro realizado em Lisboa, em sua Homenagem, ( dia29
de Março de 2012), no Salão Nobre do Teatro da Trindade, que teve também
como Parceiros a Fundação Inatel, a Fundação Fernando de Pádua, a
Câmara Municipal de Espinho e a Associação de Estudo, Cooperação e
Solidariedade.
Como
todos sabem e eu já o referi, a capacidade criativa de Maria Archer, foi a todos os
títulos excecional e diversificada.
De
fato, agora que mais recentemente tenho relido algumas das suas Obras , melhor
posso confirmar essa sua capacidade.
Recordo, por exemplo, um texto por ela escrito em 1964, num Jornal
do Brasil “Portugal Democrático”, nº 83, de Maio de 1964, sobre a Reforma
Agrária no Séc X1V. em Portugal:
Começa assim: “ Lendo há dias a CRONICA DE D. FERNANDO do venerável
Fernão Lopes …… “
“…. É
também de notar que no Portugal do século XIV já se reconhecia o valor
social da propriedade imobiliária e a prioridade desse merecimento sobre o
direito de posse sempre que estivesse em causa a sobrevivência do Reino. O
princípio político da encampação da empresa agrícola mal administrada ou, ou
subtraída à utilização pública, isto é, desviada do serviço social
da Nação, ressalta nitidamente desta legislação medieval.
Mais ainda: Encontramo-nos aqui na presença dum postulado que não aparece
em nenhum dos projetos de Reforma Agrária contemporâneos e chegados ao meu
conhecimento – o de que a indemnização devida ao proprietário ”constrangido”
seja “razoável “ e arbitrada pela Justiça, após o que não havendo
entendimento entre as partes o direito de posse seria confiscado ao
proprietário, e suas terras entregues ao “bem comum”.
Não
entendo integralmente este termo “bem comum” por estar acentuado de “onde
o houvesse” . Cuido que Fernão Lopes se referiu a bens concelhios ou
municipais, não aos do Estado. possivelmente logradoiros ou baldios. Se o
cronista quisesse indicar bens do Estado teria empregado a palavra “Reino”….
“Não pode haver qualquer dúvida, após esta breve leitura da secular
existência, em Portugal, do princípio político da encampação da propriedade,
se a mesma tiver sido desviada do seu fim de utilidade social
, e com indemnização ao proprietário. Se alguém voltar a afirmar- me que esse
aspeto da questão agrária foi gestado pelas filosofias do materialismo
dialético, protestarei e dando o seu a seu dono recomendarei ao ignorante que
estude a legislação do século XIV.”
E
além disso, poderemos, por
exemplo, encontrar nas
Revistas Municipais de Lisboa, entre 1939, 1940, 1941. 1942,
1943 e 1945, artigos de Maria Archer entre os quais se abordam assuntos,
como eles dizem “pitorescos e
intimidades citadinas”
Assim
num Artigo de 1939 sobre “TIPOS POPULARES” é referido que os
traços que Maria Archer documenta podem parecer-nos hoje comezinhos… mas
terão para gerações vindoiras, justamente por terem aspetos flagrantes do viver
de muitos, um interesse de “documentário
anedótico” .
Entre
os diversos TIPOS POPULARES, escreveu sobre:
PORTEIRAS Rev. nº 2 Ano de 1939
O
ARDINA “ nº3
“ “ 1940
A
PEIXEIRA “ nº4 “
“ 1940
A
CRIADA “ nº 5
“ “ 1940
O
MOÇO DE RECADOS nº 8/9 1941
O
COCHEIRO
Nº 10 1941
O
PADEIRO Nº 11 e
12 1942
OS
GANGAS Nºs 13 e 14
1942
O ENGRAXADOR Nºs 24 e 25 1945
Esta diversidade simboliza bem a capacidade crítica da autora, sobre Figuras Tradicionais
do SÉC XX e que hoje quem com a minha idade se lembra,
acha FANTÁSTICA ESTA CARACTERIZAÇÃO Razão tinham aqueles que em 1939
se lembraram dos TIPOS POPULARES a pensar nas gerações vindoiras
e no trabalho de Maria Archer, sobre esta realidade da vida desses
tempos.
24 de Setembro
de 2015
Texto não
publicado do Dr. Carlos Correia no Seminário “Fluxos Migratórios: Novas
Tendências” iniciativa de S. Exa. o Secretário de Estado das Comunidades
Portuguesas, Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas e
Universidade Lusófona do Porto – Dia 7 de Dezembro de 2011.
Gostaria de começar esta minha breve comunicação por
agradecer a S. Exa. o Senhor Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas
a oportunidade que me foi concedida para participar neste
Seminário organizado pela Secretaria de Estado das Comunidades – Direcção Geral
dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas e pela Universidade Lusófona
do Porto, subordinado a um tema tão actual como importante: “Fluxos
Migratórios: Novas Tendências”.
Queria também nesta ocasião saudar e cumprimentar todos os
participantes.
Antes de abordar as principais questões relacionadas com os fluxos migratórios,
permitam-me que apresente uma sucinta caracterização do Grão-Ducado do
Luxemburgo e da Comunidade Portuguesa ali residente:
- O Grão-Ducado é uma monarquia constitucional sob o regime
de uma democracia parlamentar e as funções de Chefe de Estado são
desempenhadas por S.A.R. o Grão-Duque Henri, sendo Chefe do Governo –
Primeiro Ministro – o Sr. Jean-Claude Juncker, também Presidente
do Eurogrupo.
A língua nacional é o luxemburguês e as línguas oficiais (línguas
administrativas) são o francês, o alemão e o luxemburguês.
O Grão-Ducado dispõe de três distritos
(Luxemburgo, Diekirch eGrevenmacher), 12 cantões e 116 autarquias
(comunas).
A superfície total é de 2586Km2 e as dimensões do
território são Norte-Sul (82Km) e Este-Oeste (57Km). Faz fronteira com a
França, Alemanha e a Bélgica.
A população total residente em 1 de
Janeiro 2011 era de 511 840 habitantes, tendo de 9 774
habitantes no decurso do ano de 2010.Este aumento ficou a dever-se ao saldo
natural (nascimentos menos mortes) de 2 114 pessoas e ao saldo
migratório (chegadas menos partidas) de 7 660 pessoas.
Nessa mesma data, 1 de Janeiro de 2011, 43,2% da população total
residente no Luxemburgo tinha a nacionalidade estrangeira, compreendendo
mais de 170 nacionalidades diferentes. A maior parte da totalidade de
estrangeiros são Europeus e mais de 86% são mesmo originários de
um outro país da União Europeia.
A maior comunidade estrangeira residente é a
portuguesa com 81.300 pessoas em 1 de Janeiro de 2011 (dados oficiais
luxemburgueses). Por nacionalidade, seguem-se os franceses com
31.000, os italianos com 17.700, os belgas com 17.000, os alemães 12.100 e os
britânicos com 5.600.
A população total residente no Grão-Ducado é uma
populaçãojovem:
- Dos 0 aos 14 anos – 17,6%;
- Dos 15 aos 64 anos – 68,5%;
- Mais de 65 anos – 13,9%.
Quanto à população activa total, em 2010, registava o
valor de233.500 trabalhadores e a taxa de desemprego atingiu os
6,2%,sendo que 1/3 do total dos desempregados são de
nacionalidade portuguesa.
- Relativamente à Comunidade Portuguesa residente no
Grão-Ducado do Luxemburgo, segundo as estimativas resultantes dos
dados recolhidos pela Embaixada e Consulado-Geral, deverá rondar as 90.000
pessoas (apesar de os últimos dados oficiais, do Instituto Nacional de
Estatísticas (STATEC), de 1 de Janeiro de 2011, apontarem para
81.300 pessoas. Mas em 1 de Janeiro de 2010, um ano antes, as
estatísticas luxemburguesas referiam 84.532 portugueses residentes. A
diminuição verificada, do ponto de vista estatístico, entre 2010 e 2011 só pode
ser devida à entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2009 da nova Lei da
Nacionalidade luxemburguesa que consagrou a dupla nacionalidade e que permitiu
desde aquela data que um elevado número de portugueses tivessem adquirido a
nacionalidade luxemburguesa sem perderem a portuguesa. Deste modo, esses
portugueses deixaram de ser considerados nas estatísticas luxemburguesas como
nacionais portugueses.
Portanto, a estimativa de 90.000 – 100.000 portugueses e de origem
portuguesa residentes no Grão-Ducado deverá andar muito próxima da
realidade.
Recorde-se ainda o facto de o número de
inscrições consularesactivas no Consulado-Geral de Portugal no Luxemburgo
em 1 de Dezembro de 2011 ter atingido as 106.100 inscrições.
De referir também que a Comunidade Portuguesa no Grão-Ducado
representará cerca de 17 a 19% do total da população do país (o Primeiro
Ministro Jean-Claude Juncker falou em 20% por ocasião da
sua deslocação a Portugal no inicio do passado mês de Novembro). Do mesmo modo,
quanto à totalidade da população estrangeira, os cidadãos portugueses
e luso-descendentes residentes representarão cerca de 39%.
No tocante à população activa, em 31 de Março de 2011, estavam
inscritos na Segurança Social luxemburguesa 41.909 trabalhadores de
nacionalidade portuguesa, dos quais 23.778 do sexo masculino e 18.131 do sexo
feminino.
Os trabalhadores portugueses representavam 21,34% do total dos
trabalhadores residentes inscritos na Segurança Social luxemburguesa, os quais
ascendiam a 196.357.
O universo dos trabalhadores de nacionalidade portuguesa encontra-se
repartido pela quase totalidade dos sectores de actividade económica do
Grão-Ducado, sendo de salientar, em particular, os sectores da construção civil
(29,33%), serviços administrativos e de apoio (13,7%), comércio, reparação de
automóveis e motociclos (11,79%), hotelaria e restauração (7,51%) e
serviços de limpeza (7,02%).
Outro elemento que se afigura importante salientar é o
número de alunos de nacionalidade portuguesa que frequentam o ensino escolar
luxemburguês, número que, faço notar, não tem em contaos alunos de
origem portuguesa que, entretanto, adquiriram a nacionalidade
luxemburguesa.
Assim, segundo as estatísticas do Ministério da Educação Nacional
do Luxemburgo, aqueles dados são os seguintes:
Ano escolar 2005 – 2006
- Ensino Pré-escolar e Primário – 10 356 – 22% do total de alunos
neste tipo de ensino;
- Ensino Secundário (Secundário Clássico e Secundário Técnico) – 5 967
– 17,6% do total de alunos neste ensino.
- No seu conjunto estes valores representam 20,2% do
total de alunos no ensino escolar luxemburguês.
Ano escolar 2006 - 2007
- Ensino Pré-escolar e Primário – 10 589 – 22,6% do total de alunos
neste ensino.
- Ensino Secundário – 6 395 – 18,3% do total de
alunos.
- Representando no conjunto 20,9% do total de alunos.
Ano escolar 2007 - 2008
- Ensino Pré-escolar e Primário – 10 972 – 23,5% do total de alunos.
- Ensino Secundário – 6 840 – 19,0% do total de
alunos.
- Ou seja 21,6% do total de alunos.
Ano escolar 2009 – 2010
- Ensino Pré-escolar e Primário – 11 701 – 25,2% do total de alunos.
- Ensino Secundário – 7 506 – 19,8% do total de alunos.
- Isto é 22,8% do total de alunos no ensino escolar luxemburguês.
Estes elementos representam também indicadores relevantes sobre a
importância da presença dos nacionais portugueses no Luxemburgo e são
igualmente significativos quanto ao aumento dos fluxos migratórios,
principalmente se tivermos em conta os dados relativos ao Ensino
Secundário. Isto porque uma parteimportante dos novos alunos que chegam ao
Luxemburgo, todos os anos acompanhados pelos pais, têm idades entre
os 10 e 15/16anos.
Quanto aos “Fluxos migratórios: Novas tendências” – tema deste
seminário, os elementos recolhidos junto do Instituto Nacional
de Estatística e Estudos Económicos do Luxemburgo (STATEC), para o período
2000 -2010, revelam o seguinte:
. No ano de 2000 entraram no Luxemburgo 11 765
pessoas de nacionalidade estrangeira, das quais 2
193 portugueses. Saíram 8 121, sendo 1 627 portugueses,
resultando um saldo migratóriototal de 3
644 estrangeiros, dos quais 566 de nacionalidade portuguesa.
De 2001 a 2004, não se encontram publicados os saldos migratórios por
nacionalidade, estando apenas disponíveis os respectivos saldos migratórios
gerais, que a seguir se indicam:
2001 – 3 311 Estrangeiros;
Em 2005, temos os seguintes valores:
Entradas: 14.397 estrangeiros; 3 761 portugueses.
Saídas: 8 287 estrangeiros; 1 477 portugueses.
Saldo migratório: 6 110 estrangeiros; portugueses 2 284.
2006
Entradas: 14 352 estrangeiros; 3 796 cidadãos portugueses.
Saídas: 9 001 estrangeiros; 1 634 portugueses.
Saldo migratório: 5 351 estrangeiros; 2 162 portugueses.
2007
Entradas: 16 675 estrangeiros; 4 385 nacionais portugueses.
Saídas: 10 674 estrangeiros; 2092 portugueses.
Saldo migratório: 6 001; 2 293 portugueses.
2008
Entradas: 17 758 estrangeiros; 4 531 portugueses.
Saídas: 10 058 estrangeiros; 1 947 portugueses.
Saldo migratório: 7 700 estrangeiros; 2 584 portugueses.
2009
Entradas: 15 751 estrangeiros; 3 844 portugueses.
Saídas: 9 168 estrangeiros; 1 730 portugueses.
Saldo migratório: 6 583 estrangeiros; 2 114 portugueses.
Em 2010, o número de estrangeiros que entraram no Luxemburgo voltou a
aumentar, tendo sido registados 16 962 estrangeiros, dos quais 3 845
portugueses.
Saídas: 9 302 estrangeiros; 1 696 portugueses.
Saldo migratório: 7 660 estrangeiros; 2 149 de nacionalidade
portuguesa.
Estes são os números oficiais do Instituto Nacional de Estatística
e Estudos Económicos (STATEC), os quais mostram que o Luxemburgo
continua a ser um país de imigração e que são novamente os cidadãos
de nacionalidade portuguesa que se surgem em 1.º lugar, nessa nova vaga de
imigração para o Luxemburgo, com um saldo migratório representando cerca
de 28% da imigração líquida total para o Grão-Ducado. Em segundo lugar
estão os franceses com 18,2%, seguidos dos belgas (6,2%) e dos alemães (5,3%).
Existem, contudo, sinais que nos levam a
pensar que estes dados oficiais podem eventualmente estar
subavaliados relativamente à situação concreta que se verifica
no dia-a-dia.
Alguns desses sinais são de natureza institucional e passo a
citá-los:
- Recentemente, em 28 de Outubro último, a Associação Portuguesa “CASA
– Centro de Apoio Social e Associativo” organizou um colóquio sobre o tema do
emprego que contou com a presença do Ministro do Trabalho e do Emprego luxemburguêsSr.
Nicolas Schmit, funcionários da Administração do Emprego luxemburguesa
(ADEM) e representantes de empresas portuguesas e luxemburguesas no
Grão-Ducado.
Nessa ocasião, no decurso da sua comunicação, o Ministro
Nicolas Schmit chamou a atenção para o facto de “ser necessário
dizer aos portugueses que o Luxemburgo já não é o Eldorado ”,afirmando em
seguida que “a crise já chegou ao Luxemburgo”, mostrando-se preocupado com a
nova vaga de emigração portuguesa. E, na sua intervenção, realçou
ainda: “Durante muito tempo, o Luxemburgo foi relativamente poupado
ao flagelo do desemprego que afectou a Europa. Mas agora atingimos uma
taxa de desemprego que nunca vimos antes e estamos com um nível de desemprego
excepcionalmente alto, 6%,”. Acrescentando “números que se agravam no caso da
comunidade portuguesa: os portugueses representam mais de 21% da mão-de-obra
activa no Luxemburgo, mas são também 34% dos desempregados e 75% dos
portugueses no desemprego não são qualificados”, frisou aquele governante.
Quanto ao número de desempregados de nacionalidade portuguesa, importa
referir que os dados da ADEM (Administração do Emprego do
Luxemburgo) publicados em 30 de Setembro do corrente ano apontam para
4 647 (2612 homens e 2035 mulheres), correspondendo a 31,8% do número
total de desempregados no Luxemburgo (14.634), o que confirma o alerta do
Ministro do Trabalho e Emprego luxemburguês.
No mesmo colóquio, todos os participantes foram unânimes em
afirmar:
“Há uma nova vaga de emigração portuguesa para o Luxemburgo, disso
ninguém tem dúvidas”.
Por sua vez, a Coordenadora dos Serviços Sociais da Câmara
Municipal do Luxemburgo, Sra. Madeleine Kayser, assegurou e cito
“ que há cada vez mais portugueses a chegar, por causa da crise e da
dificuldade em encontrar trabalho no seu país”, acrescentando “antes eram
mais famílias, mas agora há cada vez mais homens sós a chegar que depois tentam
trazer as famílias para cá”. Isto, disse, “é uma preocupação para a
autarquia devido à escassez de alojamento”.
Durante aquele colóquio foi igualmente salientado que o
Consulado-Geral de Portugal no Luxemburgo registou “nos últimos dois anos, 2009
- 2010 nove mil novas inscrições”.
Ainda a propósito dos novos fluxos migratórios deve-se também
sublinhar que quer a Embaixada quer o Consulado-Geral recebem
diariamente vários e-mails de portugueses a residir em Portugal ou
mesmo daqueles que já se encontram no Luxemburgo (de uma maneira
geral são pessoas jovens licenciadas em diversas áreas, nomeadamente na
medicina, enfermagem, advocacia, engenharia e economia e igualmente
pessoas entre os 40 e 50 anos de idade, sem formação
superior), solicitando informação sobre o que devem fazer para
trabalhar no Grão-Ducado.
Um dos principais obstáculos que estas pessoas encontram ao procurar
trabalho no Luxemburgo tem a ver com o reduzido conhecimento da língua francesa
e fraco ou mesmo nulo conhecimento da língua alemã.
- Também numa reunião de informação sobre o ensino
escolar luxemburguês, realizada em Novembro findo na cidade
de Esch-sur-Alzette (2.ª cidade mais importante do país onde reside
uma parte importante da comunidade portuguesa), para pais recém-chegados
ao Luxemburgo, organizada pelo Ministério da Educação luxemburguês e
Coordenação do Ensino Português no Luxemburgo, registou-se a presença
de cerca de 60 pais que de alguma forma é igualmente revelador
da realidade que são os novos fluxos migratórios.
- Por sua vez, as principais Associações Portuguesas no Luxemburgo
o CASA-Centro de Apoio Social e Associativo e a APL-Associação de Amizade
Portugal/Luxemburgo e outras), com mais de trinta anos de existência e
a CCPL-Confederação da Comunidade Portuguesa no Luxemburgo, com mais
de 20 anos, foram unânimes em afirmar que recebem diariamente novos
nacionais portugueses ou pedidos de informação por escrito sobre como trabalhar
no Luxemburgo.
Neste contexto, o CASA – Centro de Apoio Social e
Associativo referiu que no corrente ano os respectivos serviços de apoio
jurídico e social contaram com a visita de cerca de 750 portugueses, tendo a
CCPL registado um número de 10 consultas diárias , ambas as
instituições confirmando que os cidadãos nacionais que procuram informação
sobre emprego no Luxemburgo são de uma maneira geral gente jovem com
formação superior, muito embora ultimamente tenha aumentado o número de
pessoas entre os 40 – 50 anos de idade.
Noutro plano assinale-se o facto de a CCPL ter sido uma das
primeiras associações no Luxemburgo a trabalhar com voluntários ao abrigo do
Serviço Voluntário Europeu, programa dirigido aos jovens qualificados,
entre os 18 e 30 anos, cuja maioria acabou por permanecer no Luxemburgo e
também a criação, em 2007, da “Confraria dos Financeiros Lusófonos” no
Luxemburgo que reúne cerca de 60 jovens licenciados em várias áreas com
uma meritória actividade desenvolvida nestes últimos anos (jantares-debate
mensais com conceituados conferencistas sobre temas da actualidade a nível
nacional e internacional no domínio social, político e económico), constituindo
estes dois exemplos, na nossa opinião, um sinal positivo das novas tendências
dos fluxos migratórios recentes.
Quanto às condições de acolhimento e integração dos estrangeiros
no Luxemburgo, permitia-me salientar os seguintes aspectos:
- A Lei de 29 de Agosto de 2008, do Governo luxemburguês sobre a livre
circulação de pessoas e imigração, que teve por objecto regulamentar a entrada
e estadia dos estrangeiros no território do Grão-Ducado do Luxemburgo;
- A criação, pela Lei de 16 de Dezembro de 2008 relativa ao Acolhimento
e Integração dos Estrangeiros, do “OfficeLuxemburgeois de l’Aceuil et de l’Intégration –
OLAI”, no âmbito do Ministério da Família e da Integração luxemburguês,
encarregado de proceder à aplicação da política de acolhimento e integração;
- O Plano de Acção nacional plurianual de integração e de luta contra
as discriminações (2010 – 2014);
- A entrada em vigor, no mês de Outubro último, do “Contrato de
Acolhimento e Integração”, instrumento inovador que visa favorecer a integração
e a participação cívica dos estrangeiros no Luxemburgo, cuja aplicação incumbe
ao OLAI. Este contrato é proposto a todo o estrangeiro com mais de 16 anos de
idade legalmente instalado no Grão-Ducado desejando manter-se no país de forma
duradoura. É um contrato facultativo e dirige-se tanto aos nacionais da EU como
aos nacionais de países terceiros, quer sejam novos imigrantes, quer pessoas já
instaladas no Luxemburgo.
Este contrato oferece, nomeadamente:
- Formação linguística;
- Cursos de instrução cívica;
- E jornadas de orientação.
- A criação, em 2006, da “Célula de acolhimento escolar para os alunos
recém-chegados ao Luxemburgo – CASNA”, no âmbito do Ministério da Educação
Nacional e Formação Profissional luxemburguês, com o objectivo de prestar
informações aos pais e alunos estrangeiros sobre o sistema escolar
luxemburguês;
- E a reestruturação, iniciada no corrente ano, da Administração do
Emprego (Ministério do Trabalho e Emprego luxemburguês), que visa tornar mais
eficazes os serviços de emprego a nível nacional e regional relativamente à
colocação de trabalhadores e à gestão do desemprego e da formação profissional.
Agradecendo a atenção dispensada, fico ao dispor para eventuais
questões que queiram colocar.
Obrigado a Todos.
Porto, 7 de Dezembro de 2011
Carlos Pereira Correia
(Conselheiro Social da Embaixada de Portugal no Luxemburgo e
responsável pelo Centro Cultural Português no Luxemburgo
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