Ao longo de séculos, o direito a emigrar - ou mesmo, apenas , a atravessar fronteiras, com um projecto próprio, ainda que de curto prazo - foi fortemente condicionado e, em certas épocas, em muitos casos, mesmo proibido. Mais ainda para as mulheres, que, até para acompanharem os maridos, por muito influentes que fossem os cargos por eles ocupados na administração do Império, só raramente conseguiam a necessária autorização régia...
As primeiras políticas de emigração foram, assim, como reconhecem os especialistas nesta área, simples medidas restritivas de um êxodo quase sempre visto como desmesurado. Das Ordenações Filipinas à Constituição de 1976, podemos dizer que não houve, nunca, autêntica liberdade de circulação. Rodeava-se a saída dos cidadãos de uma série de obstáculos (vigilância policial, licenças, custo exorbitante de passaportes...) ou de facilidades, de acordo com as conveniências do Estado. Prevalecia o interesse colectivo, tal como o interpretavam os poderes constituidos. O direito individual à aventura da emigração não existia, e não era sequer alvo de contestação doutrinal, salvo por alguns raros precursores da modernidade dos direitos humanos fundamentais.
Eram, pois, de outra ordem, do foro interno dos Governos, os dois problemas maiores com que se confrontavam: o primeiro, a sua própria incapacidade de proceder a uma avaliação cabal de todas as consequências positivas e negativas da expatriação voluntária e maciça; o segundo, a incapacidade de deter os portugueses na sua determinação de abalar, a bem ou a mal (clandestinamente).
Reportando-se a tempos recentes, aos das migrações em sentido estrito, findo o ciclo (ou ciclos) de colonização, Miriam Halpern Pereira fala em "ambiguidade" das políticas repressivas - uma palavra que é possivelmente a mais ajustada à compreensão de uma aparente inabilidade de dar execução à longa lista de leis e regulamentos limitativos. É de admitir que o laxismo se devesse, realmente, à indecisão entre conter excessos e aproveitar os benefícios em que se traduziam, de imediato - a diminuição dos níveis de desemprego ou sub-emprego e de pobreza, as remessas que equilibravam as contas externas... Na dúvida, sopesando prós e contras, mantinha-se a lei, mas não a força da lei... Não admira que a emigração clandestina, consentida na prática, como que ignorada, sem o ser, representasse cerca de um terço da totalidade. Sinal de que os cidadãos ganhavam quase sempre a partida... Lembremos, por exemplo, a tentativa estatal de desviar as correntes migratórias do Brasil para as colónias de África, sobretudo o Reino Unido separa Angola, logo que desuniu e se proclamou independente. Foi uma primeira tentativa falhada de fazer de Angola “um novo Brasil” - frase que haveria de se popularizar no século seguinte, na primavera marcelista, a propósito de uma segunda tentativa de reorientar o destino das maiores vagas de migratórias da nossa história (em números que só agora estarão em vias de ser ultrapassados).
Foi precisa a revolução de 1974 para reconhecer aos Portugueses, entre as outras liberdades, a liberdade de emigrar. Ao estabelecer o primado da decisão individual de partir ou regressar, constituiu, "de jure" e de facto, a grande ruptura de uma linha de continuidade das políticas que, durante cinco séculos, resistira à mudança dos tempos, das estratégias de colonização, dos destinos geográficos, das Constituições e, até, dos regimes - na transição da Monarquia tradicional para a Monarquia constitucional, desta para a República, e da República para a ditadura do chamado “Estado Novo" (não abordamos aqui a emergência, em meados do século passado, das primeiras medidas de protecção dos emigrantes durante a viagem e, numa segunda fase, de apoio social e cultural, aliás, em estado embrionário...).
O 25 de Abril de 1974 marca, assim, o início de uma era inteiramente nova, que se legitima nos valores humanistas da cidadania. Este é certamente um dos domínios em que a revolução melhor foi cumprida e merece ser comemorada, fazendo a sua história de quatro décadas.
MM Aguiar
MM Aguiar
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