Benvinda Maria ou Memória Viva no Rio
Para
nós, os que alguma vez fomos portugueses no Brasil, Portugal é a patriamada. A
distância é sofrimento, a possível viagem de férias é uma alegria, o regresso é
um sonho. E as notícias são o fermento que dá sentido a tudo o mais, na
realidade imensa do Novo Mundo.
Penso na Benvinda Maria, que neste contexto e
além de todas as adversidades, por mérito alcançou estatuto de liderança na
comunidade portuguesa do Rio de Janeiro. Conheci-a nos primeiros meses de 1981,
quando comecei a trabalhar na redação de O Mundo Português, chefiada
pelo meu querido Rocha Mendes, um dos históricos jornalistas portugueses, a
quem devo a tarimba do ofício, o aprendizado de tudo ou quase tudo o que sei da
profissão. O Rochinha, assim chamado, tinha tido estreia no jornal Correio
Português em 1941, numa época em que a imprensa portuguesa, com vários
títulos, ainda era referência de informação no Brasil.
Quarenta
anos mais tarde, e ao longo dos anos 80, O Mundo Português, a Voz de Portugal e o Portugal em
Foco eram os três semanários que entre si disputavam lugar de destaque nas
bancas da cidade. Quando assim me iniciei no jornalismo, O Mundo Português,
do qual Benvinda Maria tinha sido dona e diretora, pertencia ao grupo Espírito
Santo e a António Champalimaud, tinha Luis Oliveira Dias como diretor. Na Voz
de Portugal, o jornalista maior era o veterano José Maria Rodrigues. No Portugal
em Foco, o jornal mais recente, a fundadora, proprietária e diretora era a
Benvinda Maria.
Imponente
no porte, conheci-a cheia de vivacidade na fala, exuberante nos modos, ocupando
espaço. Sempre em primeiro plano nos acontecimentos, nas datas patrióticas, nas
homenagens e celebrações, nos casamentos e batizados, nos festejos dos clubes e
casas regionais, a Benvinda Maria não deixava nunca de se manifestar, sempre exprimindo
as posições mais conservadoras nos temas da atualidade, de acordo com o
pensamento da ala mais tradicional da comunidade portuguesa no Rio de Janeiro.
Lembro-me de como era forte e impressiva a sensação de assistir às
apresentações do Grupo de Folclore que ela criou, muitas vezes trouxe em digressão
a Portugal, e algumas vezes eu acompanhei no Rio. A riqueza dos trajes, a
variedade nos adereços, e além de tudo, a originalidade do folclore cantado e
dançado por gente nova, pronúncia luso-brasileira, tons de pele diversos, a
demonstrar a mistura de sangue, branco, negro e índio que faz a graça e a
fertilidade do Brasil.
Admiro
a capacidade de Benvinda Maria para exercer a sua influência na captação de
apoios, de subsídios, de poderes para concretizar os seus projetos, sempre por
amor à presença de Portugal no Brasil. Num ambiente machista, adverso a
novidades, em que as mulheres não eram aceites sem um longo e duro período de
análise e provação, é notável o percurso de Benvinda Maria. In memoriam a
evoco, e a guardo na minha galeria de personagens, onde se alinham aqueles
homens e mulheres que em algum momento foram importantes na minha vida. Como se
fosse hoje, relembro a voz e o riso com que, algum tempo depois de nos
conhecermos, a Benvinda me puxou de lado e quase em segredo me disse “você é a
jornalista, eu a jornaleira.” Curta e forte frase de estímulo, que foi abrindo
caminho no fio destas minhas andanças de escrever em jornal, até hoje.
Leonor Xavier
25
de Outubro de 2012
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