domingo, 10 de maio de 2015

Isabel Ponce de Leão MIGRAÇÕES no FEMININO


Migrações no feminino

 

 

 

Isabel Ponce de Leão

Professora Catedrática

Universidade Fernando Pessoa

CLEPUL

Porto

 

Aprendí pronto que al emigrar se pierden las muletas que han servido de sostén hasta entonces, hay que comenzar desde cero, porque el pasado se borra de un plumazo y a nadie le importa de dónde uno viene o qué ha hecho antes.

                                                                                   Isabel Allende

 

 

O nome de Maria Helena Vieira da Silva andará sempre associado à diáspora portuguesa, penitente percurso em que Mulher e Pintora assumem a cumplicidade e a comunhão fraterna inviabilizadoras de destrinça. De facto, a pintora não existe sem a mulher ou, parafraseando Heidegger, “o artista é a origem da obra. A obra é a origem do artista. Nenhum é sem o outro”.

 

Suiça, Paris, Rio de Janeiro, o mundo são lugares onde – onde sente saudades pátrias e onde reaprende a viver. Artista e mulher carrega o estigma do isolamento mesmo na sua terra que se lhe tornou madrasta e muito tardiamente reconheceu a sua genialidade.

 

A migração foi, porventura, a sua evasão, como aconteceu com outros artistas e escritores portugueses com quem se relacionou. Refiro-me a Sophia e a Agustina que, sem abandonarem o solo pátrio, fogem, pela escrita para outras paragens sempre carentes do regresso. Um outro jeito, não menos doloroso, de migrar.


Em Longos dias têm cem anos, a propósito de uma visita a casa de Sophia de Mello Breyner, Agustina Bessa-Luís escreve: “Arpad disse que estavam ali as três mulheres de mais talento em Portugal. […] Maria Helena pintava, eu escrevia romances, a Sophia fazia poesia” (Bessa-Luís, 2009: 15-16). E afastando-se, de imediato, da vertente artística para a humana acrescenta: “A Sophia era um caso – uma mulher que tem a cortesia de parecer vulnerável. Eu era um caso – incerteza apaixonada. Vieira era um caso – uma mulher justa” (Bessa-Luís, 2009: 16).

 

Estas foram as três mulheres que, incorporando o mistério da criação, marcaram artística e culturalmente o Portugal do século XX pois perseguiram com uma notável akribeia o conciliábulo ética / estética através de uma produção assinalável, em termos quantitativos e qualitativos, instaurando assim dinâmicas salvívicas. De facto, “se todos os artistas da terra parassem durante umas horas, deixassem de produzir uma ideia, um quadro, uma nota de música, fazia-se um deserto extraordinário” (Bessa-Luís, 2008: 20). É justamente esse deserto que, por elas e com elas, nunca aconteceu dando-nos conta, como deram, de que “O ponto de partida de todos os sistemas estéticos deve ser a experiência pessoal de uma emoção particular” (Bell, 2009: 22). Assim conceberam obras que provocam o que Clive Bell denomina “emoção estética”.

 

Colho Vieira da Silva como protagonista e convoco os olhares de Agustina e de Sophia, que sobre ela recaem, de forma a relevar uma tríade feminina enformadora de uma diáspora física e mental. 

 

Maria Helena, a pintora, a “mulher justa” a que alude Agustina que, sobre ela escreveria ainda: “Falava pouco. Olhava, sobretudo. Olhava com uma intensidade fria, como se estivesse a atravessar um rio e se dividisse entre o perigo e o prazer. O fundo arenoso onde se recortavam peixes prateados dava-lhe aquela expressão suspensa e maravilhada; mas, de repente, o remoinho da água trazia a noção da forte corrente, e, um pouco mais, era a dúvida, um temor concentrado, a razão alertada. O rosto exprimia angústia, os olhos abriam-se mais e ganhavam uma cor cristalina” (Bessa-Luís, 2008: 303-304).

 

Ora este retrato de Agustina ao convocar a linguagem do olhar para caracterizar Vieira da Silva vem, muito justamente, ao encontro da ideia de que, e seguindo os ditames de Dilthey (1994), o potencial criativo, longe de se instituir um processo psíquico especial, emana do quotidiano, do contracto intrínseco entre o ser humano e as suas vivências, de opções definidas e assumidas perante as vicissitudes da vida que ora espanta, ora atemoriza

 

A arte de Maria Helena Vieira da Silva teve a peculiaridade de, citando Malraux, “transformar a vida em destino” instituindo-se viagem gerada na legítima emigração de quem procura o espaço favorável à sua expressão sem nunca negligenciar a sensibilidade marcada pelas suas raízes.

 

O seu génio pessoal encontrou em Paris o meio adequado à libertação, à ruptura com uma tradição figurativa sem negligenciar, contudo, a praxis essencial de analogia com a realidade. É aí que, durante a década de 30, integra a geração da Nova Escola de Paris mantendo, contudo, alguma independência de certos –ismos de uma Europa efervescente.

 

Estava lançado o destino de Maria Helena na sua ligação ao abstraccionismo propondo obras onde era clara a fragmentação de motivos figurativos num processo destrutivo das formas significantes em demanda do onírico. Refiro uma arte que, privilegiando formas e cores, nega temas e figuras e bane o compromisso com a realidade. Sou, contudo, cauta ao pensar o abstraccionismo em Vieira da Silva que a própria considera, em entrevista concedida em 1978, ter sido “uma escolha difícil, mas tinha que partir de dentro, devia ser uma escolha racional. Para pintar pensando com a cabeça e fazendo com a mão”. Tinha consciência, Maria Helena, de que “a obra de arte reflecte-se na superfície da consciência […] [e que] a análise dos seus elementos constitui uma ponte em direcção à vida interior da obra” (Kandinsky, 2006: 25-26). O seu percurso culmina na abstracção a partir da figuração. Os pontos, elementos originais da pintura e as linhas oriundas dos seus movimentos, entram nos planos que têm no quadrado a sua forma esquemática e original, jogando-se em vibrações dramáticas de modo a “encontrar a vida, tornar sensível a sua pulsação e verificar a ordem de tudo o que vive”, evidenciando “que é um trabalho de síntese que conduz às revelações exteriores” (Kandinsky, 2006: 143). Pode-se afirmar que na sua pintura “la catégorie spatiale a basculé la catégorie temporelle. Espace et temps ont révélé leur étroite liaison” (Vallier, 1988: 21). “Depois, Maria Helena era também consciente de que a sua arte era o repositório de experiências vividas – onde se destaca a emigração para França – e de uma saturada atenção aos clássicos” (Ponce de Leão, 2011).

 

Uma “mulher justa” (Bessa-Luís, 2009: 16) lhe chama Agustina, uma “mulher […] que sabe, duma maneira rápida e sem drama, o que é aceitar o mundo: é perder o direito à inocência” (Bessa-Luís, 2008: 187). Talvez por isso abandona a Europa no deflagrar da 2.ª Guerra Mundial. Abandono físico porque o país e a cidade acolhedores – Brasil, Rio de Janeiro – recebem com ela a amargura que qualquer guerra provoca. É aí que pinta “Le Désastre” (1942), representação horrenda do conflito europeu, tumultuária, titânica e “vazia crucificação, onde o acento futurista dum Rossolo parece petrificar-se em gente feita de estilhas, sob um céu estilhaçado, ou hangar, estrutura mecânica de um mundo absurdo” (França, 1988: 7). É no Brasil, mas com o pensamento na Europa que Maria Helena, através deste quadro, bem como de “Le feu” (1944) e de “Histoire maritime-tragique” (1944), faz a iniciação da sua obra maior. “Le Désastre” (1942) é “a última pintura possível de uma época, de um clima pictural, e a primeira a anunciar outra época e outro clima, e a propor-lhe, pelo absurdo, uma negação de figuração em si própria sensível, mas terminal” (França, 1988: 8). Trata-se de uma pintura de agouros em que o encontro da artista com o real se faz de inquietações, interrupções, factos e memórias. Retomando a figuração pinta os movimentos terríveis da guerra numa linguagem de occídio só suplantada pelo “Guernica” de Picasso.

 

Maria Helena demanda, contudo, a verdadeira cidade dos homens e é pelo paisagismo ou naturalismo abstracto que se liga à cultura dos espaços em que viveu – França, Brasil, Portugal – inequivocamente testemunhados na diáspora de uma vida, de uma obra. As suas telas espelham a cumplicidade que não o corte com as modalidades tradicionais da figuração em sistemas progressivos sem que com isso pactuem com a utópica ablação do real. Contornando hierarquias formais, cria os seus valores exclusivos e emana-os num idiolecto próprio que, fraccionando os espaços, lhes confere uma fluidez e infinitude metafóricas que demandam a ambiguidade. Nesta ambiguidade constrói espaços cheios e vazios que convivem na globalidade do quadro conferindo-lhe movimento. Entre o delírio e o rigor, geometrias várias insinuam os diferentes sentidos, enquanto processos pictóricos sugerem distâncias e movimentos.

 

Enredam-se telas e fios tecidos em memórias longínquas de Portugal, Brasil e França. E há portas e pontes, gares e baptistérios, bibliotecas e, muito particularmente labirínticas cidades. É o mundo pictórico das linhas verticais e horizontais estabelecedoras do dialogismo tempo / espaço na construção do onírico. Aí se encontram as “Bibliothèques”, por ventura o seu motivo mais obsessivo (1947-1974), arquivo de memórias, arquivo do mundo no sentido borgeano do termo. Arquivo do tempo também. Camões, Pessoa, Sophia, René Char, o tal dos presságios, comparecem como pontos matriciais de uma trajectória em construção. É através desses lugares de arquivos de experiências e memórias que ensaia o acesso às cidades, às suas cidades que se vão descobrindo na tela num lento processo de construção de espaços múltiplos. Depois surge o traço que fende os limites, estilhaça a unidade agilizando a bidimensionalidade numa demanda polissémica. Assim “estratigrafiza a paisagem, desmultiplica construções, arruamentos, filamentos, estruturas, movimentos. Como se a cidade vista fosse apenas uma teia de sugestões erguida com a sabedoria de Ariadne” (AA. VV., 2010: 30). “Maisons Grises” (1950), “Blanche” (1958), “Lisbonne” (1962), “Palais des glaces” (1965), “Gaya” (1971) são apenas algumas das telas-teia que encerram catedrais, bibliotecas, prédios, jardins, povoamentos de labirínticas cidades.

 

É delas que se parte num trajecto que vai do deslumbramento perturbador e inquiridor face ao próprio acto de pintar, até ao esplendor encantatório de um universo que a pintora vê como locus obsidente e a que abre toda a sua disponibilidade interior com vista à reedificação.

 

A ideia de diáspora – voluntária e involuntária – é filão matricial da pintura de Vieira da Silva. Há uma permanente demanda de novos horizontes na determinação com que pinta o ausente como se estivesse presente, numa manifesta sede de infinito.

 

A esta obsessão pela viagem, a este desejo de transcendência arduamente tecido cabe a noção de heterotopia a que alude Foulcault. Trata-se de uma procura dos “lugares que estão fora de todos os lugares” com a capacidade e o poder “de justapor em um só lugar real vários espaços, vários posicionamentos que são em si próprios incompatíveis” (Foulcault, 2001: 418). Este desejo, esta procura dos espaços encontra eco na obra de Sophia, a tal mulher “que tem a cortesia de parecer vulnerável.” (Bessa-Luís, 2009: 16),

com quem Maria Helena privou e comungou afinidades de lutas e vivências. A sua pintura projecta-se em poemas labirínticos onde observador e pintor, poeta e leitor se fundem e confundem no espaço insaciável e sempre iniciático apenas com paralelo na teia de Penélope. Assim escreve Sophia (2004a: 68) em “Maria Helena Vieira da Silva ou o Itinerário Inelutável”

Minúcia é o labirinto muro por muro
Pedra contra pedra livro sobre livro
Rua após rua escada após escada
Se faz e se desfaz o labirinto
Palácio é o labirinto e nele
Se multiplicam as salas e cintilam
Os quartos de Babel roucos e vermelhos
Passado é o labirinto: seus jardins afloram
E do fundo da memória sobem as escadas
Encruzilhada é o labirinto e antro e gruta
Biblioteca rede inventário colmeia –
Itinerário é o labirinto
Como o subir dum astro inelutável –
Mas aquele que o percorre não encontra
Toiro nenhum solar nem sol nem lua
Mas só o vidro sucessivo do vazio
E um brilho de azulejos íman frio
Onde os espelhos devoram as imagens

Exauridos pelo labirinto caminhamos
Na minúcia da busca na atenção da busca
Na luz mutável: de quadrado em quadrado
Encontramos desvios redes e castelos
Torres de vidro corredores de espanto

Mas um dia emergiremos e as cidades
Da equidade mostrarão seu branco
Sua cal sua aurora seu prodígio.

Processo de construção labiríntico, obsessivo, sofrido. Sobre este poema diz Agustina: “é uma das mais belas poesias de Sophia de Mello Breyner, em que ela deixa conhecer a fascinação: uma certa rigidez da forma acentua a distância, e assegura a imutabilidade” (Bessa-Luís, 209: 92).

 

Uma outra diáspora. Os mesmos temas e as mesmas formas ligam as duas artes e encorpam o movimento duplo de abertura e fechamento que remete para tudo de quanto paradoxal tem a arte. A voz poética reconstrói uma paisagem interminável de espaços conhecidos mas não particularizados por entre os quais o vazio espreita. Os poemas de Sophia e os quadros de Maria Helena remetem para a concomitância de itinerários paradoxais, como paradoxais são as figuras que os percorrem – incessante peleja pela libertação do olhar e do pensamento num também incessante fazer e desfazer da teia.

 

Também em “Tríptico ou Maria Helena, Arpad e a pintura” (Andresen, 2004b: 10) se presentifica o carácter pictórico da poesia de Sophia bem como a afeição pela arte de quem, de alguma maneira, provoca a já referida “emoção estética”:

 

I

Eles não pintam o quadro: estão dentro do quadro

 

II

Eles não pintam o quadro: julgam que estão dentro do quadro

 

III

Eles sabem que não estão dentro do quadro: pintam o quadro

 

Sophia aproxima-se aqui de um geometrismo onde os actores, sendo também espectadores, se desdobram entre dois espaços e duas funções. O dentro e o fora convergem na tela numa clara alusão ao período em que o casal viveu no Rio de Janeiro. São dessa altura numerosos auto-retratos bem como o que poderei chamar um processo meta-pictural uma vez que Arpad, aquele que “pinta como quem ama a realidade – submetendo-a a puríssimos fragmentos”, (Bessa-Luís, 2009: 21), pintou Maria Helena na feitura de telas, que fazem parte do seu espólio, numa curiosa troca e acumulação de papéis.

 

Há na arte de Vieira da Silva uma projecção subjectiva da sua experiência geracional, instituída pelo trabalho, o dever, a pesquisa que demanda campos heterotópicos de igual modo observados em certos poemas de Sophia que acabam por questionar o poder do espaço. O passado ensina “que a evolução da humanidade consiste na espiritualização de numerosos valores. Entre estes valores a arte ocupa o primeiro lugar” (Kandinsky, 2008: 48), sobretudo se, como é o caso, existe uma relação entre a obra e a emoção que a gerou no artista ou a emoção que ela é capaz de fomentar no espectador / leitor. Nas telas-teia de Maria Helena e nos poemas-teia de Sophia “adivinham-se catedrais, labirintos, bibliotecas, jardins, vendavais, arrebatamentos de estio” (AA. VV. 2010: 32) produtos de itinerâncias físicas e mentais.

 

Depois há o olhar de Maria Helena, já apreciado por Agustina e também referido por Sophia (Andresen, 1994: 31):

 

Atenta antena

Athena

De olhos de coruja  

Na obscura noite lúcida

 

A pintora não existe sem a mulher. Atenção à arte. Tal como Athena pugnou por Ulisses, Maria Helena pugnará por ela na demanda de Ítaca. Uma Ítaca perdida na migração e no exílio mas achada pela razão (“Athena”), pela sabedoria (“coruja”) e por muito muito trabalho que para a pintora foi “um baptismo e uma extrema-unção […] a sua fé e o seu sacramento maior” (Agustina, 2009: 172). De facto, a leitura das suas composições, para além do prazer estético, provoca a percepção de um voluntário hard labour que desconstrói, para de novo edificar, a paisagem citadina. “Quando Maria Helena pinta ‘como se obedecesse a uma força superior’, a paz é um absurdo, como a realidade concreta é um absurdo que é preciso recrear para que se torne afecto do homem, obra sua” (Bessa-Luís, 2008: 22). Deve-se-lhe o fenómeno geracional genesíaco do esplendor do abstraccionismo português, que em muito influenciou nomes como os de Manuel Cargaleiro e Mário Cesariny. 

 

A quebra de identidade, a orfandade cultural, o desenraizamento afectivo que a sua condição de migrante podia carrear foi contrariada pela arte que, pospondo molduras jurídicas e institucionais, se tornou elemento coadjuvante de uma atitude de denúncia ou de chamada de atenção mais branda para uma visão holística da realidade. Por outro lado, é também à sua condição migrante[1] que Maria Helena deve muita da sua habilidade artística gerada em experiências vivenciais, em aprendizagens diversas nos espaços que percorreu como refere Agustina: “Deixou Portugal Vieira da Silva por esperanças que as montanhas parecem cortar de um lado e conceder o mar pelo outro. São assim os portugueses, curiosos do que a terra lhes proíbe e ansiosos do mar que lhes promete. Boas terras pisou Vieira da Silva; escolheu-as decerto para que o contentamento andasse a par com o trabalho”. (Bessa-Luís, 2009: 135-136)

 

De facto, “aquele que emigra é como o que vai ao fundo dos abismos onde nem a morte chega sem medo, para daí trazer uma imagem amada, a imagem da terra em que se criou. Passa-se muito fora de Portugal para que Portugal seja mais nosso” (Bessa-Luís, 2008, 93). Talvez por isso seja sistemática a Presença de Portugal nas telas de Vieira da Silva. Assim, o elemento paisagístico da terra pátria presentifica-se em obras como “Pour Expliquer Sintra à Arpad” (1932), “Alentejo” (1960) “Porto” (1962), “Vieux Lisbonne” (1968), “Lisbonne Bleue” (1969); o pendor folclórico-etnográfico é visível em “Santo António de Lisboa” (1949) ou “Arraial” (1950); num magnífico díptico – “A Poesia está na Rua I / II” (1974)[2] –, evocador da Revolução dos Cravos surge uma outra cidade, espaço da liberdade colectiva que a poesia convoca. Um Portugal policromo, perfeitamente identificado no seu “Testament” (S/A, 1994, s/p) onde se pode ler:

 

Je lègue à mes amis

[…]

un vermillon pour faire circuler le sang allègrement

un vert mousse pour apaiser les nerfs

un jaune d’or : richesse

[…]

 

“A grandeza dum espírito está na pluralidade e plenitude da sua sensibilidade. Todo o vasto espírito é sempre um tanto santo e outro demoníaco. Todo o artista exagera ou dilui, aviva ou simplifica” (Bessa-Luís, 2008: 22). Poesia, prosa e pintura com nome de mulher e “para a mulher, não existe a noção de criação, ela está dentro do mistério, faz parte dele” (Bessa-Luís, 2009: 168). Cá dentro ou lá fora, migrantes reais ou ficcionais, Maria Helena, Sophia e Agustina afagam todo esse mistério que envolve a diáspora, “tendência fatal dos portugueses que se manifesta desde o primeiro bocejo” (Bessa-Luís, 2008: 94). Podem olhar, sem parcimónia umas para as outras; são conscientes de que a arte serve “para abolir o absurdo” (Bessa-Luís, 2009: 22) e que, tal como refere Picasso – “Pinto igual que outros escriben su biografia. Los cuadros terminados son las páginas de mi diário” –, configura a escrita do eu.

 

         

 

Bibliografia

AA. VV. Abstracção. Arte Partilhada. Lisboa: Fundação Millenium bcp, 2010.

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Dual. Lisboa: Caminho, 2004a.

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner Andresen. Ilhas. Lisboa: Caminho, 2004b..

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner Andresen. Musa. Lisboa: Caminho, 1994.

AZEVEDO, Fernando de. Vieira da Silva o longínquo desastre. Colóquio Artes, n.º 77. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,1988, pp. 14-16..

BESSA-LUÍS, Agustina. Dicionário Imperfeito. Lisboa: Guimarães Editores, 2008..

BESSA-LUÍS, Agustina. Longos Dias têm Cem Anos. Lisboa: Guimarães Editores, 2009.

BELL, Clive. Arte. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2009.

DILTHEY, Wilhelm. (1994). Sistema de Ética. S. Paulo: Ícone, 1994.

FRANÇA, José-Augusto. Vieira da Silva 1958. Colóquio Artes, n.º 77. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, pp. 5-12.

FOUCAULT, Michel. Outros espaços. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011, pp.411-422.

HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 2005.

KANDINSKY, Wassily. Gramática da Criação. Lisboa: Edições 70, 2008.

KANDINSKY, Wassily. Ponto, Linha, Plano. Lisboa: Edições 70, 2006.

S / A. Presença de Portugal na obra de Arpad Szenes e Vieira da Silva. Lisboa: Fundação Arapad Szenes – Vieira da Silva, 1994.

PONCE DE LEÃO, Isabel. Maria Helena Vieira da Silva. Ulyssei@s. [em linha], Março de 2011. Disponível em <http://www.ilcml.com/?searchText=vieira+da+silva&sortBy=nome&page=base_recorddetail&baseid=2&search=+Pesquisar+&recordid=53>. (Consultado em 10.04.2011).

VALLIER, Dora. Pour Vieira da Silva 1988. Colóquio Artes, n.º 77. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 21.



[1] Opto por esta denominação em detrimento de e/imigrante, por me parecer que, afinal, o emigrante se torna imigrante no país de acolhimento, concitando em torno de si os dois conceitos, ainda que os seus direitos e deveres tenham, naturalmente, características de índole diversa, direi mesmo, quase antagónicas.
[2] Sobre esta obra, escreve Agustina (2009, 78): “Quando Sophia Breyner, então deputada socialista, pediu a Vieira para que ela fizesse um cartaz para festejar o 25 de Abril, o resultado foi enigmático. Maria Helena pintou, conforme a sua primeira inspiração, algo como uma igreja em ruínas. […] Nesse momento, em que devia reportar-se a um festim, como Sócrates convidado a comparecer em casa de Ágaton, onde estarão presentes tanto os retóricos, como os pedantes e os ricos de Atenas, nesse momento Vieira pinta uma igreja; isto é: deixa-se ficar solitária, não estranha à festa, mas fiel à sua íntima condição de pessoa imperdoável, como foi o próprio Sócrates na sua actualidade”.

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