Comunidades Portuguesas
- Contributo para uma
visão global -
I – A Portugalidade e as Comunidades
Portuguesas
Dos 195 países reconhecidos pelas Nações Unidas, um, e um dos
mais antigos do Mundo, chama-se Portugal.
Um estado-nação com um povo secular. Um povo que se diferencia no quadro dos
povos do planeta. E, se há traços da nossa personalidade coletiva que nos diferenciam,
um, é a pluralidade (até que vista num quadro da nossa própria perspetiva). Essa
invulgar capacidade de se adaptar no interior e no exterior do país é outro dos
traços que nos careteriza. A estrutura basilar da família. A força do trabalho,
da poupança e da solidariedade. A religiosidade e, também aí, a pluralidade
religiosa. A cultura e a língua e a dimensão universal de ambas. Todavia, e não
obstante tais qualidades de um humanismo dito superior, somos também um povo
que, dentro de portas, se autoflagela num exercício de catarse permanente. Um
povo dominado por um “Medo” que lhe rouba a serenidade, que o torna desconfiado
para com os seus próprios pares e tantas vezes descrente de tudo e de todos.
Vivemos essa dualidade. A Pátria, ela própria, torna-se pequena no imaginário
coletivo.
Ora, da emigração dita colonizadora para as ilhas atlânticas
nos séculos XV e XVI; para a rota das índias e para o Brasil; para as
possessões africanas; para as ilhas do Caribe e para os países novos, nos
séculos seguintes, particularmente no século XIX; para a longínqua Austrália,
Venezuela, África do Sul já no século XX e, de então até hoje, aos milhares
para toda a Europa, os portugueses não couberam nem cabem na Pátria. Saía gente
ligada às tarefas agrícolas, na altura em que faltavam braços no Alentejo.
Gente ligada ao comércio e às artes. Saíam proprietários, saíam funcionários.
Saem agora académicos e gente de valor e tantos outros (que tanta falta fazem
ao país) tendo como principal objetivo motivacional, para além da natural
ambição humana a carência económica e a falta de condições que Portugal lhes
reserva. Saem e não obstante o país permanece pobre.
Ora, sendo cada emigrante português, em si mesmo, um agente
multiplicador de portugalidade (a exemplo de qualquer indivíduo que consciente
ou inconscientemente transporta o seu património identitário), ao chegar às
novas terras, com essa portugalidade que lhe é própria, criou clubes e
associações, provavelmente, tendo como prioridade a defesa do grupo e a ajuda
daqueles que não triunfaram nessa secular e sempre difícil aventura. Lançaram
as amarras de um povo que permanecem até hoje nas nações onde se instalaram e
ajudaram a construir. Dos Pirenéus à terra de Magalhães no polo sul a Kitimat
nos fins do Canadá. Do Extremo Oriente a Extremo Ocidente. De um extremo ao
outro da terra. Das veneráveis ordens hospitaleiras do Rio de Janeiro, fundadas
séculos atrás, às sociedades de beneficência da Califórnia. Aos clubes de
leitura e aos moderníssimos e sempre impressionantes centros, como o Centro
Português de Caracas, esses espaços de referência são pois espaços do percurso
de Portugal no mundo e qualquer discussão que os apouque arrisca-se a apagar a
verdadeira História da Emigração Portuguesa. O inesgotável património de
Portugal no estrangeiro, tantas vezes criado à custa das cartas que não
chegaram, do brilho dos olhos das crianças que jamais viram o pai, ou das
mulheres mandadas casar com a sorte, muito fica a dever a estes portugueses
que, à sua própria custa, criaram mais de duas mil e quinhentas associações no
mundo. Agora sem medo mas também sem mágoa ergueram e erguem, e têm orgulho,
nesta que é a construção mais humana da nossa portugalidade.
II – Portugal e os
portugueses no estrangeiro
Mas, se estes considerandos, à partida parecem obter a nossa
concordância, impõem-se, agora, colocar uma nova questão, esta de natureza
recíproca: Então se é assim, não será legítimo que nos interroguemos; primeiro,
se Portugal, enquanto entidade coletiva, percebeu que todos os seus nacionais,
sem exceção, os ausentes e os presentes são também Portugal e, segundo, o que
fez o Estado e a Constituição que é a Constituição da Nação para manter essa pátria de interesses indivisível? Não nos restarão dúvidas admitir que o país
entendeu que a emigração é um dos traços estruturais da sua própria História.
Que o êxodo dos seus nacionais começou cinco séculos atrás. Que a vontade de
sair e a de não caber na Pátria fazem parte da nossa idiossincrasia. Que o
primeiro serviço público em Portugal com atribuições específicas na área da
emigração foi criado em 1863 (Polícia dos Portos – Polícia de Emigração) mas
que só o regime democrático conferiu dignidade política e administrativa a esta
tão importante matéria de estado. O exemplo primeiro dessa preocupação resulta
do texto da Constituição democrática que vem utilizar, pela primeira vez, no
seu normativo a expressão “portugueses no estrangeiro”, acabando com a
discriminação entre portugueses. Permitindo que, em sede da Assembleia da
República as comunidades estivessem representadas pelos seus legítimos eleitos,
graças à possibilidade que agora têm de participar nas eleições nacionais.
Criando uma Secretaria de Estado, serviços próprios nas regiões autónomas, um
Conselho das Comunidades Portuguesas, uma RTP Internacional e Centros de Língua
Portuguesa. Instituindo disciplinas relativas ao estudo do fenómeno das
mobilidades nas universidades portuguesas. Estes são, em nosso entender, braços
criados para unir esses pedaços de Portugal espalhados pelo mundo. São pontes
de ligação a nós mesmos. São a resposta a quem dizia que os países e os
continentes são ilhas rodeadas de portugueses por todos os lados.
Parece-nos claro que os governos de Portugal cumpriram
(contra ventos, contra orçamentos e até contra aqueles que cuidam que a Pátria
se esgota cá dentro) a sua parte contratual para com as suas Comunidades e que
as Comunidades cumpriram também a sua parte neste registo de proximidade que se
deseja. Não foram só as remessas e a dinamização económica das respetivas
terras de origem, o problema é mais complexo. É verdade que se levanta sempre a
dúvida da indiferença quando chegam os míseros votos, dos emigrantes quando
chamados a eleger os vários órgãos de soberania. Mas, quem não se lembra de um
país de origem que quartava os deveres cívicos dos seus cidadãos? Que às
pessoas era aconselhado ignorar a política, a isentar-se mesmo dela? Quem
esquecerá que muitos emigrantes partiram para países onde também predominavam
ditaduras? Quem preferirá esconder que o primeiro desígnio da pessoa emigrante
é o trabalho e a melhoria das condições de vida fora da pátria, subalternizando
todo o resto? O país, neste particular, fica longe, não é relevante quem o
dirige desde que os seus bens e o produto do seu esforço se mantenham. Os luso
descendentes, por seu lado, tentam singrar na política do seu país (basta ver
os luso-eleitos), num país que muitas vezes não é coincidente com o país dos
seus pais. Vivem pois outro quadro de referências e de diversidade. Não
obstante estas dificuldades, Portugal vai ter de encontrar mecanismos cada vez
mais ágeis e motivadores com vista a uma maior participação cívica dos emigrantes
nas eleições portuguesas, talvez o voto eletrónico mesmo com os inconvenientes
que lhe reconhecemos.
III – Portugal
Global/Emigração na Era Global
(A larva e a borboleta)
O tempo foi passando, as associações e os clubes foram, em
muitos casos, perdendo fulgor. Os jovens distanciaram-se e os mais antigos
criaram, já nos finais do século passado – em países como a Venezuela –
geriátricos como quem gostasse de morrer na sua Pátria e não no país onde
trabalharam e os encurralou.. O nascer esplendoroso do movimento associativo da
segunda metade do século passado começa a dar sinais de cansaço, bem como os
seus fundadores. Os países aceleraram o ritmo. As sociedades cada vez mais
individualizadas, hierarquizadas numa perspetiva
global, passaram a exigir de todos uma tenaz competição. Assiste-se à
mundialização dos negócios, do comércio e do conhecimento. É óbvio que não
morrerão os movimentos associativos, nem os clubes, basta ver quantos são os
jovens e as crianças que ainda os integram e a atividade meritória, no campo
cultural, desportivo e empresarial, que ainda desenvolvem. Mas, os países
mudaram. O conceito da distância praticamente desapareceu. Na origem, Portugal
cresce e vira-se para a Europa deixando esse passado de iliteracia e fome que o
caraterizava. No destino, os países recetores modernizaram-se. A própria Europa
teima em assegurar a centralidade que lhe vai escapando. A informática criou
uma geração autónoma de pessoas que, agora, dependem mais de si próprias do que
da sociedade de onde emanam. A internet inunda o mundo com informação online.
Tudo mudou. O tempo. Os países. O Homem e até a saudade da Pátria. Acabou-se o
tempo do ovo e da larva, da proteção
e do grupo, inicia-se um tempo novo.
O do Homem alado, autónomo, global valendo o justo preço do seu saber, já nada
o detém. Tal borboleta que foi ovo, larva e agora voa (voa o voo que o deixam
empreender mas esse percurso é um percurso individual). É, pois no seio desta
nova verdade que temos de construir uma portugalidade. Uma diáspora catalisada
não tanto pela saudade mas pelos interesses e referências comuns. Um reinventar
a Pátria à luz da soberania do Homem português onde quer que se encontre no
mundo. Cada emigrante, letrado, comerciante, influente ou não é (em si mesmo)
Portugal e a nossa função é a de chegar a ele. A grande questão é saber-se
como? Como atrair uma nova geração que rompeu com o mito do retorno, uma
geração que já não tem Portugal no horizonte próximo? A língua portuguesa pode
ser ou não um lugar de encontro mas dificilmente substituirá a língua franca
que é o inglês.
O paradigma da globalização trouxe consigo diferentes
maneiras de ser e de estar no mundo. As novas tecnologias tiveram o dom de
aproximar pessoas, que agora se encontram à distância de um clique. Aquilo que
era inimaginável tornou-se agora possível. Rádios e televisões online e uma
panóplia de instrumentos que nos ligam ao mundo no exato momento do
acontecimento. Urge, pois que os serviços do Estado acompanhem estas
tendências. Passou-se da era do papel à era do digital. Criaram-se novas formas
de associação e de redes. A História é rica em relatos de quem sempre procurou
saber, de quem sempre quis juntar o presente, o passado e o futuro. Hoje, as
novas tecnologias de comunicação abrem um sem número de oportunidades a este
nível e permitem-nos esquecer barreiras e ultrapassar distâncias. A exemplo de
excelentes contributos de outras entidades nesta área, também o Centro das
Comunidades Madeirenses lançou uma plataforma digital (ccm.gov-madeira.pt) que não é mais do que a construção de um espaço
sem fronteiras, de proveito mútuo e onde a nossa memória individual e coletiva
se complementam, contribuindo para a criação de uma Madeira no Mundo, onde
todos têm voz e capacidade em fazer-se ouvir. Esta nova plataforma congrega
diversas valências: um boletim informativo, facebook, bem como a caraterização
dos principais destinos de emigração madeirense, e contactos úteis a essas
comunidades, tais como contatos de médicos, advogados, e outros profissionais.
É uma plataforma que esperamos, com o contributo de todos, aperfeiçoar.
Em conclusão: Esta longa passagem pelo glorioso
Mundo das Comunidades Portuguesas, ou pelo Mundo de Portugal fora da Pátria não
pretendeu ser uma retórica repetitiva. Procurou, outrossim, voltar a mostrar o
património inigualável e inesgotável que Portugal tem ao seu dispor. Tentamos
abordar o indivíduo como centro e não periferia do grupo. E finalmente, chamar
a atenção para a importância de sabermos aproveitar, esta época de
constrangimentos financeiros, para, por
utópico que nos possa parecer, para unirmos, talvez pela primeira vez na
História de Portugal a família portuguesa com os benefícios inerentes à
construção de um país diáspora que de há séculos se impõe.
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