domingo, 10 de maio de 2015

Gonçalo Nuno Perestrello Santos COMUNIDADES PORTUGUESAS - CONTRIBUTO PARA UMA VISÃO GLOGAL


 

Comunidades Portuguesas

- Contributo para uma visão global -

I – A Portugalidade e as Comunidades Portuguesas

 

Dos 195 países reconhecidos pelas Nações Unidas, um, e um dos mais antigos do Mundo, chama-se Portugal. Um estado-nação com um povo secular. Um povo que se diferencia no quadro dos povos do planeta. E, se há traços da nossa personalidade coletiva que nos diferenciam, um, é a pluralidade (até que vista num quadro da nossa própria perspetiva). Essa invulgar capacidade de se adaptar no interior e no exterior do país é outro dos traços que nos careteriza. A estrutura basilar da família. A força do trabalho, da poupança e da solidariedade. A religiosidade e, também aí, a pluralidade religiosa. A cultura e a língua e a dimensão universal de ambas. Todavia, e não obstante tais qualidades de um humanismo dito superior, somos também um povo que, dentro de portas, se autoflagela num exercício de catarse permanente. Um povo dominado por um “Medo” que lhe rouba a serenidade, que o torna desconfiado para com os seus próprios pares e tantas vezes descrente de tudo e de todos. Vivemos essa dualidade. A Pátria, ela própria, torna-se pequena no imaginário coletivo.

 

Ora, da emigração dita colonizadora para as ilhas atlânticas nos séculos XV e XVI; para a rota das índias e para o Brasil; para as possessões africanas; para as ilhas do Caribe e para os países novos, nos séculos seguintes, particularmente no século XIX; para a longínqua Austrália, Venezuela, África do Sul já no século XX e, de então até hoje, aos milhares para toda a Europa, os portugueses não couberam nem cabem na Pátria. Saía gente ligada às tarefas agrícolas, na altura em que faltavam braços no Alentejo. Gente ligada ao comércio e às artes. Saíam proprietários, saíam funcionários. Saem agora académicos e gente de valor e tantos outros (que tanta falta fazem ao país) tendo como principal objetivo motivacional, para além da natural ambição humana a carência económica e a falta de condições que Portugal lhes reserva. Saem e não obstante o país permanece pobre.

 

Ora, sendo cada emigrante português, em si mesmo, um agente multiplicador de portugalidade (a exemplo de qualquer indivíduo que consciente ou inconscientemente transporta o seu património identitário), ao chegar às novas terras, com essa portugalidade que lhe é própria, criou clubes e associações, provavelmente, tendo como prioridade a defesa do grupo e a ajuda daqueles que não triunfaram nessa secular e sempre difícil aventura. Lançaram as amarras de um povo que permanecem até hoje nas nações onde se instalaram e ajudaram a construir. Dos Pirenéus à terra de Magalhães no polo sul a Kitimat nos fins do Canadá. Do Extremo Oriente a Extremo Ocidente. De um extremo ao outro da terra. Das veneráveis ordens hospitaleiras do Rio de Janeiro, fundadas séculos atrás, às sociedades de beneficência da Califórnia. Aos clubes de leitura e aos moderníssimos e sempre impressionantes centros, como o Centro Português de Caracas, esses espaços de referência são pois espaços do percurso de Portugal no mundo e qualquer discussão que os apouque arrisca-se a apagar a verdadeira História da Emigração Portuguesa. O inesgotável património de Portugal no estrangeiro, tantas vezes criado à custa das cartas que não chegaram, do brilho dos olhos das crianças que jamais viram o pai, ou das mulheres mandadas casar com a sorte, muito fica a dever a estes portugueses que, à sua própria custa, criaram mais de duas mil e quinhentas associações no mundo. Agora sem medo mas também sem mágoa ergueram e erguem, e têm orgulho, nesta que é a construção mais humana da nossa portugalidade.

 

II – Portugal e os portugueses no estrangeiro

 

Mas, se estes considerandos, à partida parecem obter a nossa concordância, impõem-se, agora, colocar uma nova questão, esta de natureza recíproca: Então se é assim, não será legítimo que nos interroguemos; primeiro, se Portugal, enquanto entidade coletiva, percebeu que todos os seus nacionais, sem exceção, os ausentes e os presentes são também Portugal e, segundo, o que fez o Estado e a Constituição que é a Constituição da Nação para manter essa pátria de interesses indivisível? Não nos restarão dúvidas admitir que o país entendeu que a emigração é um dos traços estruturais da sua própria História. Que o êxodo dos seus nacionais começou cinco séculos atrás. Que a vontade de sair e a de não caber na Pátria fazem parte da nossa idiossincrasia. Que o primeiro serviço público em Portugal com atribuições específicas na área da emigração foi criado em 1863 (Polícia dos Portos – Polícia de Emigração) mas que só o regime democrático conferiu dignidade política e administrativa a esta tão importante matéria de estado. O exemplo primeiro dessa preocupação resulta do texto da Constituição democrática que vem utilizar, pela primeira vez, no seu normativo a expressão “portugueses no estrangeiro”, acabando com a discriminação entre portugueses. Permitindo que, em sede da Assembleia da República as comunidades estivessem representadas pelos seus legítimos eleitos, graças à possibilidade que agora têm de participar nas eleições nacionais. Criando uma Secretaria de Estado, serviços próprios nas regiões autónomas, um Conselho das Comunidades Portuguesas, uma RTP Internacional e Centros de Língua Portuguesa. Instituindo disciplinas relativas ao estudo do fenómeno das mobilidades nas universidades portuguesas. Estes são, em nosso entender, braços criados para unir esses pedaços de Portugal espalhados pelo mundo. São pontes de ligação a nós mesmos. São a resposta a quem dizia que os países e os continentes são ilhas rodeadas de portugueses por todos os lados.

 

Parece-nos claro que os governos de Portugal cumpriram (contra ventos, contra orçamentos e até contra aqueles que cuidam que a Pátria se esgota cá dentro) a sua parte contratual para com as suas Comunidades e que as Comunidades cumpriram também a sua parte neste registo de proximidade que se deseja. Não foram só as remessas e a dinamização económica das respetivas terras de origem, o problema é mais complexo. É verdade que se levanta sempre a dúvida da indiferença quando chegam os míseros votos, dos emigrantes quando chamados a eleger os vários órgãos de soberania. Mas, quem não se lembra de um país de origem que quartava os deveres cívicos dos seus cidadãos? Que às pessoas era aconselhado ignorar a política, a isentar-se mesmo dela? Quem esquecerá que muitos emigrantes partiram para países onde também predominavam ditaduras? Quem preferirá esconder que o primeiro desígnio da pessoa emigrante é o trabalho e a melhoria das condições de vida fora da pátria, subalternizando todo o resto? O país, neste particular, fica longe, não é relevante quem o dirige desde que os seus bens e o produto do seu esforço se mantenham. Os luso descendentes, por seu lado, tentam singrar na política do seu país (basta ver os luso-eleitos), num país que muitas vezes não é coincidente com o país dos seus pais. Vivem pois outro quadro de referências e de diversidade. Não obstante estas dificuldades, Portugal vai ter de encontrar mecanismos cada vez mais ágeis e motivadores com vista a uma maior participação cívica dos emigrantes nas eleições portuguesas, talvez o voto eletrónico mesmo com os inconvenientes que lhe reconhecemos.

 

 

 

III – Portugal Global/Emigração na Era Global

       (A larva e a borboleta)

 

O tempo foi passando, as associações e os clubes foram, em muitos casos, perdendo fulgor. Os jovens distanciaram-se e os mais antigos criaram, já nos finais do século passado – em países como a Venezuela – geriátricos como quem gostasse de morrer na sua Pátria e não no país onde trabalharam e os encurralou.. O nascer esplendoroso do movimento associativo da segunda metade do século passado começa a dar sinais de cansaço, bem como os seus fundadores. Os países aceleraram o ritmo. As sociedades cada vez mais individualizadas, hierarquizadas numa perspetiva global, passaram a exigir de todos uma tenaz competição. Assiste-se à mundialização dos negócios, do comércio e do conhecimento. É óbvio que não morrerão os movimentos associativos, nem os clubes, basta ver quantos são os jovens e as crianças que ainda os integram e a atividade meritória, no campo cultural, desportivo e empresarial, que ainda desenvolvem. Mas, os países mudaram. O conceito da distância praticamente desapareceu. Na origem, Portugal cresce e vira-se para a Europa deixando esse passado de iliteracia e fome que o caraterizava. No destino, os países recetores modernizaram-se. A própria Europa teima em assegurar a centralidade que lhe vai escapando. A informática criou uma geração autónoma de pessoas que, agora, dependem mais de si próprias do que da sociedade de onde emanam. A internet inunda o mundo com informação online. Tudo mudou. O tempo. Os países. O Homem e até a saudade da Pátria. Acabou-se o tempo do ovo e da larva, da proteção e do grupo, inicia-se um tempo novo. O do Homem alado, autónomo, global valendo o justo preço do seu saber, já nada o detém. Tal borboleta que foi ovo, larva e agora voa (voa o voo que o deixam empreender mas esse percurso é um percurso individual). É, pois no seio desta nova verdade que temos de construir uma portugalidade. Uma diáspora catalisada não tanto pela saudade mas pelos interesses e referências comuns. Um reinventar a Pátria à luz da soberania do Homem português onde quer que se encontre no mundo. Cada emigrante, letrado, comerciante, influente ou não é (em si mesmo) Portugal e a nossa função é a de chegar a ele. A grande questão é saber-se como? Como atrair uma nova geração que rompeu com o mito do retorno, uma geração que já não tem Portugal no horizonte próximo? A língua portuguesa pode ser ou não um lugar de encontro mas dificilmente substituirá a língua franca que é o inglês.

 

O paradigma da globalização trouxe consigo diferentes maneiras de ser e de estar no mundo. As novas tecnologias tiveram o dom de aproximar pessoas, que agora se encontram à distância de um clique. Aquilo que era inimaginável tornou-se agora possível. Rádios e televisões online e uma panóplia de instrumentos que nos ligam ao mundo no exato momento do acontecimento. Urge, pois que os serviços do Estado acompanhem estas tendências. Passou-se da era do papel à era do digital. Criaram-se novas formas de associação e de redes. A História é rica em relatos de quem sempre procurou saber, de quem sempre quis juntar o presente, o passado e o futuro. Hoje, as novas tecnologias de comunicação abrem um sem número de oportunidades a este nível e permitem-nos esquecer barreiras e ultrapassar distâncias. A exemplo de excelentes contributos de outras entidades nesta área, também o Centro das Comunidades Madeirenses lançou uma plataforma digital (ccm.gov-madeira.pt) que não é mais do que a construção de um espaço sem fronteiras, de proveito mútuo e onde a nossa memória individual e coletiva se complementam, contribuindo para a criação de uma Madeira no Mundo, onde todos têm voz e capacidade em fazer-se ouvir. Esta nova plataforma congrega diversas valências: um boletim informativo, facebook, bem como a caraterização dos principais destinos de emigração madeirense, e contactos úteis a essas comunidades, tais como contatos de médicos, advogados, e outros profissionais. É uma plataforma que esperamos, com o contributo de todos, aperfeiçoar.

 

Em conclusão: Esta longa passagem pelo glorioso Mundo das Comunidades Portuguesas, ou pelo Mundo de Portugal fora da Pátria não pretendeu ser uma retórica repetitiva. Procurou, outrossim, voltar a mostrar o património inigualável e inesgotável que Portugal tem ao seu dispor. Tentamos abordar o indivíduo como centro e não periferia do grupo. E finalmente, chamar a atenção para a importância de sabermos aproveitar, esta época de constrangimentos financeiros, para,  por utópico que nos possa parecer, para unirmos, talvez pela primeira vez na História de Portugal a família portuguesa com os benefícios inerentes à construção de um país diáspora que de há séculos se impõe.

Sem comentários:

Enviar um comentário