Os Fados de
Todas Nós
A conquista de
Ceuta em 1415 deu início a Diáspora portuguesa seguida pela colonização da Ilha
da Madeira em meados de 1425. Menos de um século depois aberta a rota do Cabo
para o Índico ( em 1497), descoberto o Brasil (em 1500) e povoadas as ilhas
adjacentes de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe eram já patentes as conseqüências
demográficas e outras advindas do fenômeno da expansão ultramarina. Em Gil
Vicente, Sá de Miranda, João de Barros entre outros há a consciência, se não o
alarme, da nova situação criada para a sociedade portuguesa.
Garcia de
Resende ( 1470-1536) escreveu :
“Vijmos muyto
espalhar
portugueses no
viver,
Brasil, Ilhas
povoar
A aas Índias yr morar,
Natureza lhes
squecer:
Veemos no reyno
metter
Tantos captivos
crescer,
E yremse hos
naturaes
Que se assi for,
seram mais
Elles que nos, a
meu ver”
Órfãs,
Meretrizes, Degredadas e Feiticeiras
Nos primeiros
séculos de colonização houve uma verdadeira escassez de mulheres brancas para a
colônia. O caráter migratório
aventureiro dos colonos portugueses, que buscavam enriquecimento rápido,
pensando num breve retorno a Portugal desestimulava um padrão migratório
familiar. Raras eram as mulheres que desembarcavam, por exemplo, no Brasil. Os homens chegavam e se
deparavam com uma população feminina
indígena livre de todos os preconceitos e uniam-se a várias mulheres ao mesmo
tempo gerando filhos mestiços.
Essa situação fora dos padrões europeus horrorizava
os jesuítas. Em carta ao rei de Portugal, Manuel da Nóbrega , fundador da
cidade de São Paulo, pedia ao monarca português que enviasse ao Brasil mulheres
portuguesas, “muitas e quaisquer delas” e acrescentava: "Se El-Rei
determina povoar mais esta terra, é necessário que venham muitas mulheres órfãs
e de toda qualidade até meretrizes, porque há aqui várias qualidades de homens;
e os bons e os ricos casarão com as órfãs; e deste modo se evitarão pecados e
aumentará a população no serviço de Deus “.Não importava a condição social,
moral ou economica dela, pois bastava que fosse "branca" e produzisse
filhos "portugueses" na colonia para ser considerada
"superior" às mulheres índias e negras, no imaginário colonial.
As que chegavam
sózinhas eram normalmente as degredadas, forçosamente exiladas na colonia. O
século XVII foi marcado pela chegada constante de “visionárias”, acusadas de
feitiçaria, que eram sentenciadas ao exílio na colonia. Nem todas permaneceram
no Brasil, parte regressando a Portugal após os cinco anos de pena de degredo.
Nos séculos
seguintes, a imigração portuguesa não perdeu o seu caráter masculino. O Norte
de Portugal na época era conhecido por ter o predomínio de mulheres exercendo
atividades agrícolas tradicionais, pois muitos dos homens emigraram. As
mulheres (e as crianças) portuguesas desembarcaram em maior número no Brasil
quando alguma crise afligia Portugal, como durante a epidemia de filoxera que
destruiu temporariamente a indústria do vinho do Porto em meados do século XIX.
Após a
independência a mulher portuguesa que
desembarcava no Brasil, geralmente pobre, se empregava como criada nos serviços
domésticos. Frequentemente os textos da época faziam referência implícita à
prostituição de portuguesas no Brasil.
O início do
século XX foi um momento que representou uma reviravolta nas características da
imigração portuguesa ao Brasil, uma vez que as mulheres passaram a representar
uma parcela considerável dos imigrantes. A legislação portuguesa dificultava a
migração de pessoas do sexo feminino, uma vez que exigia a emissão de passaporte
e as mulheres dependiam da autorização dos pais ou do marido para imigrar.
A partir da
década de 1890, verifica-se uma mudança no comportamento migratório português.
As mulheres, que antes ficavam para trás, passaram a acompanhar seus homens na
viagem migratória. Assim, a migração familiar e feminina portuguesa cresceu 41%
entre 1891 e 1899 e 36% entre 1910 e 1919. Essas mulheres dividiam com seus
maridos pequenos negócios, como padarias, bares e quitandas, trabalhavam como
operárias, lavadeiras, costureiras, em áreas completamente diferentes das quais
exerciam em suas aldeias de origem, muitas vezes tendo que trabalhar em jornada
dupla para poder sobreviver e vencer os desafios no novo país de acolhimento.
A partir de
meados do século XX os países de acolhimento se multiplicariam e as Marias de
Portugal partiriam não apenas em navios rumo a outros continentes mas a “
salto” para cumprirem os seus fados em outros países europeus.
Apaixonadas,
batalhadoras , honestas e com mãos abençoadas para toda obra
Na maior rede
social da Internet, o Facebook, algumas
mulheres criaram um grupo “ Mulheres Portuguesas na Diáspora” que se tornou um
ponto de referência para relatos muito
ricos de histórias de vida. Esse foi o ponto de partida desta comunicação que
não pretende ser nada mais além do que um breve resumo do que está disponível
no referido grupo. A pedido de algumas, o anonimato foi preservado. Há feridas
cicatrizadas e outras que sangrarão para sempre. Em comum, uma fé inabalável e
o amor por Portugal.
“ Me enamorei do
filho do dono das terras onde os meus pais trabalhavam , e mal tive o meu filho
deixei-o aos cuidados de familiares e vim tentar a sorte no Brasil onde moravam
uns tios que me mandaram a carta de chamada. Vim trabalhar como babá, aqui as
pessoas ricas gostavam muito de portuguesas para olharem pelos filhos. Sofri
muito porque estava eu a criar filhos
dos outros enquanto o meu , pobrezinho, sabe-se lá se tinha o que comer, o que
vestir e o que calçar. Alguns anos depois conheci um “patrício” que tinha
emigrado e era dono de um pequeno comércio. Nos casamos, fiquei a trabalhar com
ele e tivemos dois filhos. Ele sabia da
minha vida , do meu filho que tinha ficado em Portugal . Estourou a guerra em
África e para que o meu rapaz não fosse para lá ele conseguiu uma pessoa que
arranjou a papelada e ele veio para cá.O reencontro não foi muito bonito, nós
não nos conhecíamos.Ele só ficou por cá três anos, conheceu uma brasileira com
quem se casou e emigrou para a Venezuela. Nunca mais o vi, nunca mais tive
notícias. Nunca retornei a Portugal e o Brasil a quem dei o meu suor e as
minhas lágrimas, ficará também com os meus ossos.”
A.P., 85 anos,
natural da Beira Alta, , emigrante no
Brasil
“ Minha história
começa quando o meu pai teve que emigrar no ano de 1968 quando eu tinha 7 anos.
Para minha mãe não foi fácil ficar em Portugal com 4 filhos e de gerir uma casa
de forno onde se vendia o pão alentejano , ter que peneirar amassar o pão e
cozer e vender .Para meu pai também não foi nada fácil ter que ir para um país
tão distante sem saber falar a língua. Ele sequer sabia ler e escrever
..Embarcou em Santa Apolonia com destino a Alemanha pois iria trabalhar para o
porto de Hamburgo , um trabalho bem duro pois tinham que carregar muitos quilos
às costas nada comparado com os dias de hoje que é tudo à força de máquinas.
Entretanto foi para o porto de Bremen .Ai trabalhou mais uns tempos e como
tinha uma cunhada no sul da Alemanha, em Donaueschingen ,ela arranjou ao meu
pai um trabalho na fábrica onde ela trabalhava .Mais tarde por intermédio de um
amigo conseguiu arranjar um trabalho na Opel em Bochum onde ficou ate a sua
reforma ..Depois de estar estável mandou a minha mãe e uma irmã ir. Isso
aconteceu em 1973 .Eu e os meus outros dois irmãos ficamos com os avós maternos
, pois nos ainda andávamos na escola .Eu andava na altura no 2° ano do Ciclo. Deu-se a revolução de 1974 ainda
fui mais os colegas festejar para as ruas com os cravinhos nas mãos.Em Agosto
de 1974 meus pais vieram e levaram-me com eles para a Alemanha .No outro ano a
seguir foram os outros dois irmãos e assim já estava a família toda completa
.Vivíamos num prédio no quarto andar numa casa com um quarto , sala ,cozinha e
casa de banho .Os pais dormiam no quarto , nós raparigas na sala e o meu irmão
na cozinha .A partir daí a minha vida mudou totalmente de criança para mulher
pois com treze anos ainda tinha o direito de ir frequentar a escola na Alemanha
mas meus pais se opuseram e minha mãe levava-me com ela para o trabalho !!Ela
ia fazer limpeza num hospital onde eu lhe ajudava , comecei eu a fazer tudo o que me vinha de
trabalhos dos mais variados , em limpeza, trabalhei a fazer pizzas a cortar
cebolas para fazer a carne no espeto, numa lavanderia a passar a ferro.Enfim de
tudo o que me aparecia porque eu ainda era uma menor .Em 1978 conheci meu
marido pensei em casar pois tinha na altura 17 anos .O casamento aconteceu em
Dezembro de 1978 .E vim para a terra onde meu marido se encontrava pois ele
sendo também um emigrante português e emigrado em 1971 .Começamos a nossa vida
de casados trabalhando e economizando para fazer uma casinha em Portugal pois é
o sonho de todos os portugueses um dia voltarem a sua terra natal. Assim se
concretizou o sonho da casinha , tivemos dois filhos que estudaram em escolas
alemãs, um com trinta e um ano que já casou e nos deu duas netinhas de mãe
alemã e o outro com 28 anos. Hoje passados quase 38 anos e o marido 41 ainda
continuamos na Alemanha pensando um dia regressar a Portugal quando tivermos a
nossa reforma .Os nossos filhos estão cá ,vivem cá e agora estão as nossas netas
!!!!Mas será que esse dia virá ou não ? Decisão difícil de tomar !!!!E só o
tempo o dirá !!
Silvia Messias ,
51 anos, natural de Beja , emigrante na Alemanha
“Sou emigrante
desde a minha tenra idade de 3 anos...primeiro emigrei com meus pais para
França... Aos 7 anos meu pai decidiu que eu deveria fazer a escola primária em
Portugal e assim aconteceu...Aos 13 anos regressei de novo a França... Aos 19
anos conheci meu marido que vivia na Alemanha então casei e fui viver para a
Alemanha...Ao fim de 20 anos de vivência na Alemanha ,a saudade do nosso
Portugal bateu à porta e decidi ir viver para Portugal onde aguentei 5 anos...
Agora há cerca de um ano e meio emigrei de novo para França onde continuo a
viver e não tenciono sair... Aqui está mais um retrato rápido da emigração...”
Alzira Macedo, 43
anos, natural de Bragança , emigrante na França
“No dia 21 de
novembro de 2007 vi me forçada a abandonar o meu país! Mas mais doloroso abandonar
os meus preciosos: a minha menina tinha 5 aninhos e o meu menino tinha
simplesmente 3 mesitos, mas para poder lutar por uma vida melhor para eles
decidi vir para Inglaterra....As pessoas que me trouxeram só arranjaram
trabalho para mim e não para o meu marido. Foi tão doloroso para todos nós....todos
os dias ouvia crianças a chamar pelos pais e as minhas lágrimas simplesmente
corriam cara abaixo de tanta dor e saudade...ao fim de um tempo consegui trazer
o meu marido mas mais uma vez tive de deixar os meus bebes para trás (pois as
pessoas com quem eu morava não queriam que os trouxesse) e então aí foram 4
meses sem os ver....Cada dia que passava tornava se mais impossível de viver
sem eles......Sofri muito mas agora estamos todos juntinhos , graças a Deus! “
Claudia
Fernandes, 32 anos, natural de Setubal, emigrante na Inglaterra
“ Todas nós
sofremos por ter emigrado, não importa para onde. O meu pai emigrou com toda a
família para a Argentina e para isso precisou vender uma herança que era da minha
mãe, ela nunca o perdoou por isso. Acho que era o nosso destino mas perdemos a
nossa identidade porque em Portugal somos emigrantes e onde moramos somos
estrangeiras... então qual é o nosso país?? Só por isso já temos um pesadelo
que nunca tiramos de cima dos ombros embora digam que as Mulheres vencem muitas
batalhas. Mas sofremos muito, muitas vezes em silêncio, só Deus sabe o que
sofremos . Conheci muitos portugueses aqui que, como eu, nunca mais voltaram a
Portugal porque muitos não conseguiram ficar ricos, passaram tempos muito
difíceis, alguns até fome passaram para conseguir juntar algum dinheiro. Sou
professora de música e para não perder a minha nacionalidade portuguesa não
pude dar aulas em escolas públicas ou privadas mas fiz parte de uma orquestra
de música clássica e com ela me apresentei em vários programas de televisão. Um
dia destes tenho que escrever um livro, é o que me falta fazer”.
N.C., 63 anos,
natural de Aveiro , emigrante na
Argentina
“Eu emigrei para
a Austrália, sem nada, só com a minha roupinha vestida ...eu ,meu marido e o
meu filho de 15 meses ao colo . Viemos com a minha irmã para enfrentar e
recomeçar a vida sem saber o que nos esperava..o não saber a língua foi o
problema principal. Deus nos ajudou , hoje já tenho 40 anos como emigrante e ja
temos 3 netos . Penso que vamos acabar os nossos dias por aqui em Sidney ,
neste país que nos acolheu de braços
abertos . Enfim, mas só Deus é que pode saber onde e como será o nosso fim,
como se costuma dizer porque o dia de amanhã ninguém o viu e ninguém o sabe,
portanto está nas mãos de Deus. Que Ele nos ajude a todos e nos abençoe!
Lucy Mendonça,
60 anos, natural da Guarda, emigrante na Austrália
“Emigrei para a
França e fui morar com a minha irmã que era porteira num prédio da avenue
Kleber em Paris. O meu cunhado trabalhava nas obras de saneamento durante a
noite e assim sobrava lugar pra mim na cama com a minha irmã porque só tínhamos
um quarto, com um lavatório que servia também de pia de cozinha e a sanita era
um balde. O prédio tinha sete andares e nós morávamos no último mas não
podíamos utilizar os três elevadores, subíamos a pé. Arranjei trabalho numa
banca de frutas perto da Bastilha, acordava todos os dias às 5 da manhã, vida
muito dura e depois que consegui a confiança do patrão que era da Argélia,
passei a dormir nos fundos do comércio . Um lugarzinho pequeno mas que era o
meu cantinho onde eu tinha a minha cama e as minhas coisinhas. Um dia um
freguês perdeu a carteira com muito dinheiro junto das verduras. Eu encontrei e
fui devolver não esperando nada mais do que um “ merci”. O dono da carteira era
um senhor de origem judaica, dono de uma rede de lojas de tecidos nas
proximidades de Montmartre e me convidou para trabalhar numa das lojas. Foi a
minha sorte! Depois de alguns meses eu já me desembaraçava no francês e fiquei
gerente nessa loja para depois de alguns anos ser gerente geral de mais de 20
lojas. No trabalho conheci o meu marido que é francês e que gosta muito de
Portugal. Não tivemos filhos mas temos um casal de “ caniches” e muitos sobrinhos com que vamos
todos os anos passar férias a Portugal. A França foi boa para mim, os franceses
também e eu aprendi que a honestidade sempre compensa”.
Vitória
Guimarães, 53 anos, natural de Braga, emigrante na França.
Bibliografia :
Arroteia, Jorge
Carvalho, “A Emigração Portuguesa, suas origens e distribuição”, Editora ICALP,
Lisboa, 1983 ;
Brettell,
Caroline B. , “ Homens que Partem, Mulheres que esperam”, Editotra Dom Quixote,
Lisboa, 1991
Ferreira,
Cristina , “ Breve Olhar sobre a Imigração Portuguesa: Portugal Emigrante”.
Lusitano: Jornal de Portugueses Residentes no Estrangeiro, 17 jun., 1998,
página 2 ;
Lobo, Eulália
Maria Lahmeyer, “ Portugueses em Brasil em el siglo XX”, Madrid, Editora
Mapfre, 1994
Serrão, Joel ,
“A Emigração Portuguesa; Sondagem Histórica”, Editora Horizonte, Lisboa, 1982 ;
Foto : Foto de
Passaporte de uma família portuguesa, 1992, “ Imigração Portuguesa no Brasil”,
série Resumoe, número 5, Memorial do Imigrante, São Paulo, 1999
* Jornalista,
brasileira , emigrante em Portugal desde 1974 e colaboradora do jornal Mundo
Lusíada, publicação quinzenal editada em São Paulo.
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