terça-feira, 27 de dezembro de 2011
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
Maria de Lurdes Almeida NOVA EMIGRAÇÃO: A Afirmação da Mulher Luso-Venezuelana
I.- CAUSAS DA EMIGRAÇÃO- DO PASSADO AO PRESENTE
II.- TESTEMUNHOS
III.- IDENTIDADE DA MULHER LUSO-VENEZUELANA
IV.- A ATUAL MULHER LUSO-VENEZUELANA
V.- CONCLUSÃO
VI.- BIBLIOGRAFIA
SÍNTESE
Pretendo com esta breve discriptiva dar a conhecer a transformação da emigração
portuguesa dentro da comunidade venezuelana. As nossas origens, o que passámos
e o que fizemos para desempenhar na atualidade o importante papel de mulher de
trabalho e o reconhecimento de que somos objeto. Já passaram os anos em que nós
ficávamos em casa. Hoje em dia desempenhamo-nos no mundo político, económico,
social e cultural num ambiente competitivo, o qual cada dia mais nos demanda
esforços para continuar a crescer como individuos duma sociedade multifacetada e
exigente.
I.- CAUSAS DA EMIGRAÇÃO- DO PASSADO AO PRESENTE
Não se pode falar da nova emigração sem rever a sua história para assim poder melhor
compreender as mudanças que ao longo do tempo têm vindo a suceder. Por isso
é importante saber os motivos que levaram no passado o povo português a buscar
novos horizontes. Razões várias, dos tempos mais remotos à actualidade, justificam
este fenómeno. Devemos assinalar a falta dos meios de subsistência responsáveis
pelo "êxodo" de emigrantes isolados e de famílias inteiras, hoje radicadas nos diversos países de imigração. É também importante assinalar as circunstâncias de natureza política que as determinaram associadas a perseguições desta natureza, à falta de liberdade expressão, à guerra nas antigas colónias e às práticas sociais dominantes que levaram à fuga de muitos jovens, antes ou durante o cumprimento do serviço militar.
A emigração de portugueses sempre esteve presente na sociedade portuguesa cuja
evolução ficou mais forte ao término do século XIX e durante grande parte do século
XX. Todas estas razões são as principais causas da presença da comunidade portuguesa
nos cinco continentes. Inicialmente partiam os homens, para criarem depois as
condições necessárias para a família se juntarem a eles. Isto trouxe como consequência a separação de famílias, ficando a mulher a cumprir as funções de pai e mãe ao mesmo tempo. O emigrante português, no seu perfil mais clássico , partia para outro país para angariar dinheiro para o futuro, pretendendo sempre regressar a Portugal uma vez cumprida a sua tarefa.No entanto, algumas nunca voltariam a ver o homem que procreou os filhos e estes nunca mais voltariam a ver o pai biológico.
Sendo que estas primeiras emigrações eram provenientes na sua maioria de zonas
rurais, numa época em que o ensino superior era mais para aqueles de um estatus
social elevado, é fácil de perceber que a escolaridade dos que emigravam era pouca
ou nenhuma.Assim que o que mais importava era o trabalho árduo, de sol a sol, e
a escolaridade no país de acolhimento passava a um segundo plano. Até à década
de oitenta/noventa o emigrante abdicava de uma vida com dignidade no país de
acolhimento, para a ter no seu país de origem , mesmo que não usufruísse desse bem
– estar. A qualidade de vida , habitação, mobiliário, gastos com os tempos livres era
reduzida ao mais elementar .
A família portuguesa tendeu sempre a acentuar o aspecto da identidade, colocando
de lado qualquer apelo de integração, pois este era entendido e sentido como uma
ameaça à sua identidade. Os emigrantes portugueses procuraram sempre manter uma
unidade cultural , que os impediu de integrar as sociedades onde se inseriam, mantendo sempre a esperança e o desejo de regressarem ao seu país de origem. No entanto, “a dinâmica de uma sociedade multicultural e intercultural assenta, por um lado, na cultura da autonomia, por outro, na obrigatoriedade da participação e o emigrante português, fixado na ideia de regresso, sentia pouca vontade de participar e integrar a nova comunidade.”
Gradualmente, este tipo de emigração sofreu alterações. Se o projecto primeiro era
angariar o máximo de dinheiro no mínimo de tempo, para poder regressar, cedo a
família deu-se conta que esse projecto económico não era realizável no espaço de tempo sonhado e, prolongando-se, entrava em conflito com outros objectivos importantes da família.- A formação escolar das crianças exigia o adiamento do regresso e obrigava a uma certa integração de facto, em conflito com a ideia do regresso.- A redistribuição de papéis na família, muitas vezes de forma pouco fiel à tradição, começava a afirmar-se à medida que as mulheres encontravam formas de trabalho remunerado.
II.- TESTEMUNHOS
1.-A costura é a minha paixão desde pequena
A 3 de Janeiro de 1956 nasce Maria do Rosário Abreu de Freitas, no Porto da Cruz,
Madeira.Com apenas 2 anos de idade, partiria a bordo do navio Santa Maria,
acompanhada pela mãe e pelo irmão mais velho (Manuel), com destino à Venezuela,
país onde o pai já vivia há um ano. Terra nova, vida nova
“A minha mãe conta sempre que quando chegámos à Venezuela, o meu pai perguntou
se ela queria uma ‘malta’, e ela pensou que se tratava de uma multidão de pessoas e não compreendia bem o que é que ele lhe queria dar, até que lhe explicou que se tratava de uma bebida semelhante a um refresco”, conta Abreu, entre risos.
Viveram em Flores de Catia, no edifício Diamante, “e ali conheci a minha melhor
amiga de criança e com quem ainda mantenho contacto constante, Fátima dos Reis, e
também ali nasceu a minha irmã Maria Dolores.”
Depois foram viver para San José, onde nasceram mais duas irmãs, a quarta e a quinta,
Maria de Fátima e Margarita Matilde. “No ano seguinte, mudámo-nos três vezes. De
San José fomos para a estrada velha de La Guaira, El Cementerio e depois para San
Agustín. Ali nasceram mais dois irmãos, Juan António e José Luís”, conta Abreu.
Passados uns anos, o seu pai decidiu comprar uma casa em El Junquito, na urbanização
Luís Hurtado, onde nasceram os três últimos irmãos de Abreu: Ana Isabel, Joaquín
Miguel e María Mercedes. “Mudámo-nos no ano do terramoto, em 1967; recordo-me
que eram 8 da noite e estávamos a ver o Miss Venezuela quando começou tudo a
mexer”,recorda.
Entre a família e a moda
Rosário Abreu ajudava a sua mãe a cuidar dos 9 irmãos e nos seus tempos livres
inventava vestidos para as bonecas e até para os seus irmãos. “Recordo-me que tinha
uma boneca que se chamava Rosa/Luís, era como ter dois em um, porque quando fazia
roupa de menina, chamava-a Rosa e quando a vestia com roupa de rapaz era Luís. Fazia
sempre muitos trajes com os pedaços de tecido que a minha mãe deixava”, conta Abreu.
Aos 15 anos, pediu uma máquina de costura. “O meu pai sabia que eu gostava de
costura e que o fazia muito bem, e assim, aos 15 anos, ofereceu-me uma máquina. “Para
mim foi o máximo”. Dias depois, viu no jornal que estavam abertas inscrições para o
Instituto de Superação, para um curso de corte e confecção que se fazia por
correspondência, ministrado a partir de Nova Iorque. Tirou o curso num ano e com
apenas 16 primaveras, Abreu começou a trabalhar numa fábrica e aos poucos foi
adquirindo as suas próprias clientes. “Lembro-me que fiz um vestido de primeira
comunhão azul com chapéu e tudo”.
Em Setembro, conheceu o marido, Manuel Correia Gonçalves Pereira, nascido em
Campanário, Madeira, e em Dezembro do ano seguinte casaram-se. “Ele era o dono
dum supermercado no quilómetro 12 de El Junquito e foi levar uma encomenda a casa.
Depois de conhecer-me, pediu a minha mão passados 15 dias”. Tem quatro filhos:
Manuel, Juan David, Nahir Olinda e Jeysell Daniela; e cinco netos.
“Há 13 anos, Bernadete Sousa Pires, que tinha montado uma loja no Centro Vista,
precisaram de uma modista. Trabalhei ali 10 anos. Aprendi muito, ganhei experiência e
clientes”.
Há três anos, tornou-se independente e montou o seu próprio atelier no centro
Comercial El Castillo, no quilómetro 13 de El Junquito. “Ali tive o prazer de fazer o
vestido de Dayana Mendes, primeira finalista do Centro Português há dois anos”.
Refere que é a modista e designer de muitos dos trajes usados pelas senhoras das
comunidades portuguesa, italiana e árabe.
Um ano depois de ter aberto o seu próprio atelier, o marido morreu. “Infelizmente
enviuvei mas sempre lutei com a minha família e apesar das adversidades, mantivemo-
nos unidos.” Desde criança Maria do Rosário Abreu sente que Deus sempre a ajudou e
a abençoou ao longo da sua vida, assim como à sua família. “Graças a Deus por tudo o
que me deu”.
2.-Madeirense de nascimento, Portuguesenha de coração
A cultura e as tradições portuguesas ganham vida todos os dias nestas terras
venezuelanas e Maria da Câmara Araújo é uma digna representante disso. Proveniente
do sítio do Ribeiro Loiro, freguesia de Santa Cruz, Madeira, esta lusitana já está no
país há 37 anos, depois de aterrar na Venezuela em Agosto de 1974.Quando chegou
a Maiquetía, já trazia consigo os dois primeiros filhos, da sua união com Florentino
das Neves Rodrigues. Ainda nasceriam mais dois, mas infelizmente a mais velha viria
a falecer anos mais tarde em terras lusas.Como a maioria das mulheres madeirenses,
Maria, a mais velha de seis irmãos, foi criada entre a agricultura, as tarefas de casa e a necessidade de conseguir algum dinheiro para o seu sustento. Também trabalharia como bordadeira desde muito pequena.O marido, Florentino, saiu de África e rumou à Venezuela dois meses mais tarde. Seis anos depois, mandou buscar a mulher. Ela ainda recorda a sua primeira casa com telhado de zinco na cidade de Acarigua e o seu trabalho como ajudante do marido na limpeza do negócio e no trabalho em casa. No
início angustiou-se muito pelas diferenças culturais: Um idioma novo e uma comida à
qual não estava habituada. No entanto, em breve viria o maior golpe, quando o marido
perdeu o negócio. Mas os tempos melhoraram. Ao acostumar-se ao tipo de vida e
amoldar-se aos costumes crioulos, Maria decidiu mostrar à comunidade tudo o que tinha
aprendido na sua infância e juventude, ao ponto de ser famosa na sua localidade pelos
seus saborosos bolos do caco. E não é para menos: Chegou ao ponto de partilhar os seus segredos de cozinha e ensinar aos habitantes da zona para que aprendessem a elaborá-los.
Uma das coisas pela qual também é famosa na sua zona é pela cura do mau-olhado.
E Maria ainda tem tempo para bordar e deixar aos netos algumas recordações.Maria
vive orgulhosa por ter conseguido inculcar as raízes lusas nos seus filhos. Participou em peças de teatro com a história da Virgem de Fátima, cantou em grupos folclóricos e reviveu a sua infância em três visitas a Portugal.Para Câmara, viver em Acarigua é como estar na sua terra natal: Ainda que tenha bons amigos venezuelanos, por coincidência todos os vizinhos são portugueses. E ainda que as visitas ao seu país de origem não tenham sido frequentes, esta mulher faz o impossível por ser uma
portuguesa em terras crioulas.
Como dado curioso, Maria conta que o apelido Câmara vem da sua avó, nascida em
1882 e abandonada num cesto de vimes à porta de uma mercearia. Um homem que
passou por lá recolheu-a e decidiu levá-la à Câmara Municipal, onde lhe colocaram o
nome de Maria da Câmara. Para além de ter o mesmo nome que ela, também conserva
uma colcha que lhe pertencia e da qual cuida com especial carinho.!
3.-As flores fazem-me feliz
Nascida a 13 de Janeiro de 1949 no sítio dos Picos, nos Prazeres, Calheta, e criada na Ponta do Pargo, no mesmo concelho, Maria Irene Rodrigues é uma mulher trabalhadora
que desperta todos os dias com o propósito de ser feliz fazendo o que mais gosta: Estar rodeada das plantas mais belas, as do seu viveiro.
É a mais velha de seis irmãos e a que durante muito tempo velou por eles e pela sua
mãe, Maria José Abreu, natural da Ribeira Brava, já que o pai, Manuel Rodrigues,
oriundo dos Prazeres, tinha vindo para a Venezuela em busca de uma melhor vida para a
família.
“Muitas vezes não podia ir à escola porque tinha de cuidar da minha mãe quando
ela ficava doente. Era eu que muitas vezes levava as rédeas da casa”, recorda com
nostalgia, clarificando que tanto ela como os seus irmãos, terminaram a primária.
A pouco e pouco, a sua família foi vindo para a Venezuela. A mãe, ajudando um dos
irmãos a fugir da tropa, trouxe-o para a Venezuela, e aqui ficaram todos. “A minha mãe decidiu não voltar à ilha porque na Venezuela conseguiu mais oportunidades para ter trabalho, e passado um tempo mandava dinheiro para as minhas irmãs e para mim”,
conta Rodrigues.
Ficou na Madeira sozinha com duas irmãs aos 16 anos de idade. “Graças a João
Rosário, da Ponta do Pargo, nós tivemos uma casinha onde viver durante um ano,
depois de a minha mãe ter vindo embora e nós termos ficado as três sós. Ele emprestou-nos um quarto com cozinha onde vivemos até que nos mandaram buscar”, recorda Maria Irene, acrescentando que a carta de chamada era para ela e para outra das suas irmãs, já que a mais nova devia ficar sozinha na ilha, ao que Rodrigues respondeu: “Ou vamos as três ou não vai nenhuma”. Foi assim que chegaram as três à Venezuela, no navio Henrique C.
Nova terra, novos sonhos
Ao chegar à Venezuela, em 1968, começou a trabalhar a terra junto com os seus pais
num terreno situado em El Hatillo. “Ajudava-os a colher as verduras”, recorda. Uma
emigrante portuguesa chamada Virgínia e oriunda da Calheta ajudou-a a conseguir
trabalho, e colocou-a imediatamente num casa de família, e nessa mesma noite, com
apenas 19 anos, foi viver para o local onde trabalhou durante um ano. Passado esse
tempo, regressou à família e trabalhou em El Hatillo durante mais seis meses na terra, cuidando das hortaliças.
Depois, apareceu na sua vida Alberto Rodrigues, natural dos Canhas, com quem
está casada há 42 anos e de quem tem dois filhos: Carlos Alberto e Maria Isavette
Rodrigues. Tiveram uma padaria durante sete anos, mas a sua verdadeira paixão eram as
flores, pelo que abriram o viveiro Los Nietos, na Cortada El Guayabo.
O filho também trabalha no viveiro e ajuda os pais no negócio. A filha, que estudou
Informática, também passa ali os fins-de-semana. “Adoro quando os meus netos vêm e
desfrutam dia e noite em contacto com a terra, com as plantas”, confessou Rodrigues.
“Adoro ‘inventar’ no viveiro, o melhor que faço é conseguir obter várias cores nas
jarras e nos lírios, isso faz-me imensamente feliz”, e confessa que as suas favoritas são as jarras Rabinho de Porco.
Rodrigues diz que ter um viveiro é trabalhoso, “há que regar, alimentar, plantar, atender, mas adoro tudo o que faço.”
O que mais sente falta da Madeira são os noivos, e entre risos, Rodrigues confessa
que “foi o mais bonito, os melhores momentos.”
Após 37 anos, voltou à Madeira, “a ilha está muito mudada, muito bela, mas sinto que
já não me dou lá.” O seu local favorito continua a ser a Ponta do Pargo, “as pessoas têm mais calor, são mais próximas que no resto da ilha. Fiz ali toda a minha vida, os meus sacramentos, a escola, tudo.”
Apesar de ter passado maus momentos, os bons foram mais, e fizeram de Maria Irene
Rodrigues a mulher forte e trabalhadora de 62 anos que é hoje em dia.!
4.-Ana Pereira de Almeida-Chegou sem nada nos bolsos, mas os seusconhecimentos
na costura permitiram-lhe progredir
Quem a conhece identifica-a pela sua cabeleira totalmente branca e o seu bom
humor, perante qualquer situação.Essa cabeleira é o reflexo de anos de esforço e essa
simpatia foi-se forjando perante as adversidades. Ana Pereira de Almeida nasceu em
Oliveira de Azeméis (distrito de Aveiro) a 29 de Agosto de 1927. Os seus pais, José da Costa Almeida, era ferreiro. A sua mãe, Maria Pereira da Silva, vendia tecidos nos
mercados (feiras). Ambos trabalharam intensamente para fazer face às necessidades
básicas de Ana e das suas irmãs, Maria da Conceição e Amélia, num Portugal onde a
situação económica piorava a cada dia que passava. Aos 16 anos, conheceu António
Soares de Oliveira Maurício, que a pouco e pouco a foi conquistando com as suas
atitudes de cavalheiro e as suas picardias. Depois de vários encontros na Câmara
Municipal de Oliveira de Azeméis, lugar onde António trabalhava, decidiram casar-se.
Perante a ditadura de Salazar e a difícil situação do país, decidiram começar de zero e emigrar, indo em busca de novos horizontes. Foi então que apanharam o navio
Francisco Morocini em Lisboa, com destino à Venezuela. Depois de um mês de
navegação, chegaram ao mar venezuelano a 12 de Abril de 1952. No entanto,por ser
Semana Santa, permaneceram em alto mar durante três dias.Uma vez em terra
firme,dirigiram-se a Propatria, lugar onde um velho amigo lhes arrendou uma casa. Essa casa converteu-se logo numa oficina de sapatos: Ana e António dedicaram-se à costura de sapatos. Com o passar dos meses e a aparição de novas oportunidades, António começaria a trabalhar para a Cervejaria Caracas como vendedor e Ana para duas
prestigiosas marcas de sapatos. Por essa altura, Ana teve de enfrentar a morte do pai à distância. Em 1955, decidem arrendar uma nova casa em Puente Hierro. Ali, a vida lhes daria uma bonita surpresa e receberama sua primeira filha no dia 7 de Outubro: Ana Maria. Oito anos depois, trariam ao mundo a sua segunda flor, a 24 de Fevereiro de
1963: Marisol. O tempo continuou a conspirar a favor do casal e deu-lhes a
oportunidade de comprar um apartamento no município Chacao em 1965. Ana
continuaria com o seu ofício de costura de sapatos e António passaria por diferentes
ofícios: Venda de licores,venda de câmaras fotográficas num local próprio e até
vendedor de seguros. Ana recorda com tristeza o ano de 1978 quando teve de viajar até
Portugal pois o estado de saúde da sua mãe era cada vez mais delicado. Nesses meses,
esteve longe da filha,que fazia 15 anos, e esta teve de celebrar sozinha com o pai. Em breve regressaria à Venezuela, com o pressentimento de que meses mais tarde seria
confrontada com a morte da mãe.A sua perda mais valiosa foi em Fevereiro de 2006,
quando António, o seu eterno companheiro de vida, fechou os olhos de forma
inesperada. No entanto, Ana Pereira enfrentou a situação agarrando-se intensamente aos seus filhos e aos seus três netos. Atualmente Ana tem 82 anos mas assegura sentir-se com 28. Sente-se bastante orgulhosa de ter suado bastante para dar um futuro às suas filhas.Sem lugar para dúvidas, Ana Pereira considera-se uma“venezuelana de coração”.
E neste país fazem falta pessoas como ela para preencher de alegria e trabalho honesto.
5.- Aqui tenho tudo e não saio
Maria do Carmo Pimentel é de São Miguel, Açores, e emigrou para a Venezuela há mais
de 50 anos, para estar com o marido e dar aos filhos uma melhor qualidade de vida.
Esta açoriana conta que se casou em Portugal, mas por insistência do marido em querer
tentar um futuro melhor fora do seu país de origem, viajou para a Venezuela, onde já
tinha família, e iniciou uma nova etapa da sua vida. “Casei-me com 22 anos e passado
pouco tempo, o meu marido veio para este país. Fiquei grávida e passado quase um ano,
enviou-me uma carta de chamada para que viesse”, recorda.
Durante o tempo em que esteve sozinha, Maria do Carmo dedicou-se aos trabalhos da
casa e a cuidar da sua filha primogénita, Carmélia. Passados nove meses, esta açoriana embarcou no ‘Santa Maria’, em 1959, e rumou a terras de Bolívar.
“Quando cheguei para encontrar-me com o meu marido, fiquei surpreendida pela
beleza de La Guaira. E estava ansiosa por estar com ele e mostrar-lhe a nossa primeira filha”, recorda Maria.
Uma vez em solo crioulo, Maria do Carmo começou a trabalhar na costura, em casa, ao
mesmo tempo que cuidava dos filhos. “Sabia costurar e procurei clientes para fazer todo o tipo de arranjos de roupa e confecção de vestidos”.
O casal teve mais três filhas para além de Carmélia. “Tivemos um casamento unido e
trabalhámos para dar tudo o que os nossos descendentes precisavam”, acrescenta.
Esta emigrante açoriana conta ainda que já foi à sua terra em duas oportunidades, para visitar uma das filhas, que vive em Portugal. “Cada vez que chego lá, tenho sentimentos recorrentes, mas é agradável, é uma sensação indescritível”, assinalou, manifestando que
Portugal é a sua terra mas que a Venezuela é o país onde se desenvolveu como pessoa.
Talvez por isso, Maria do Carmo diz que não troca a Venezuela, porque “aqui tenho
tudo, e não saio”. Esta lusa espera poder continuar a visitar a sua ilha e apreciar a
evolução do seu país ao longo dos anos. “O meu coração é português e venezuelano
porque tenho em ambos os países coisas valiosas e que amo”, concluiu Maria do Carmo.!
III.- IDENTIDADE DA MULHER LUSO-VENEZUELANA
Inserir numa sociedade cujos valores políticos, culturais, sociais e económicos diferem daqueles do país de origem , juntamente com o problema linguístico, é a principal problemática de qualquer comunidade emigrante. Os filhos de portugueses eram dos grupos menos representados no ensino secundário e nas universidades até meados do século XX. Portugal, ainda estava sob um regime ditatorial fascista e apresentava traços duma sociedade agrária, atrasada e subdesenvolvida. Para se entender a situação da mulher portuguesa devemos assinalar que “esta era encarada como célula social básica de reprodução da ordem e das tradições culturais.”A maior parte do trabalho assalariado era reservado aos homens, principalmente as atividades liberais e as realizadas em órgãos públicos, cabendo às mulheres o trabalho de baixa qualificação e remuneração.
A mão-de-obra feminina era composta basicamente por mulheres provenientes das
classes mais baixas e estas dedicavam-se principalmente às atividades rurais e, nas
zonas urbanas, ao trabalho como empregadas domésticas ou em pequenas lojas.
A perda da identidade portuguesa pode, e em efeito acontece em muitos casos, na
segunda geração entre os filhos que conseguem atingir o ensino superior. As mulheres
que atingem o ensino superior têm mais probabilidades de inserirem na sociedade do
país de acolhimento.
Estudos realizados assinalam duas vertentes nas razões que levaram a mulher a trabalhar fora de casa:
1.- A precária condição financeira da família de origem assim como a precária condição
económica da família constituída depois do casamento. Nestes casos a mulher não
continuou os seus estudos secundários.
2.- As mulheres de famílias com boas condições económicas ou de famílias com
bom nível educacional atingiram o ensino superior e exercem funções na docencia,
administração pública, meios de imprensa, etc.
Através de testemunhos podemos constatar que a educação familiar teve um peso
significativo na formação e na vida das mulheres de origem portuguesa, tendo muitas
delas relatado que os pais eram severos e austeros, ensinando principalmente os
costumes da sociedade portuguesa. Relatam que tiveram uma educação diferenciada
em comparação aos irmãos, pois, não gozando de nenhuma liberdade, deveriam ser
acompanhadas sempre que saíam de casa, seja pela mãe ou por um irmão. Os pais
controlavam bem de perto a sua vida até ao casamento, para entregar a filha "intacta" ao futuro marido.
No entanto, as mulheres da segunda geração, que atingiram um nível educativo
superior, são pessoas na maioria das vezes com uma identidade ambígua. Conhecem
bem os padrões da pátria dos seus pais, não partilham a sua rigidez, mas gostam
dos seus hábitos alimentares e das reuniões familiares aos domingos e nos dias de
festa. No entanto, já não conseguem ter grande fluência na língua dos pais, limitando
o seu vocabulário ao indispensável para a comunicação doméstica. Isto traz como
consequência que seja mais fácil expressarem-se na língua do país onde vivem e muitas
vezes já nem se identificam como portuguesas.
IV.- A ATUAL MULHER LUSO-VENEZUELANA
Em Março de 2011, com motivo do Dia Internacional da Mulher, um jornal local, O
Correio de Venezuela, falou de várias mulheres na diáspora luso-venezuelana e que me
parece muito ilustrativo para demonstrar a reafirmação da mulher luso-venezuelana.
1.- Sociedade de Beneficência de Da-mas Portuguesas:
Actualmente, a responsável pela liderança das damas lu-sitanas é Mary Monteiro,
que, com o seu temperamento e a sua paixão pelo trabalho social, tem feito importantes contributos em benefício dos mais necessitados. No entanto, não está só: É acompanhada por Teresa de Fernandes, María Fa-tima Pita, Mari Cova, Luz Da Silva
Branco, Maria Eugenia de Freitas, Maria José Vieira.
A Sociedade de Beneficência de Damas Portuguesas ajuda tam-bém instituições
venezuelanas como a Avepane, Hospital de Crianças J.M. de Los Ríos, Asocirpla,
Fundana, Fundação Padre Pio, entre outras. Para além disso, faz donativos per-manentes a algumas famílias e ajuda algumas pessoas em pro-cessos cirúrgicos e doenças.
Outro importante trabalho le-vado a cabo pelas Damas Por-tuguesas é a administração
do Lar Padre Joaquim Ferreira. Neste caso, as pessoas encarre-gues de dirigir a
instituição são Maria Inocência da Silva, Vera Natália Bastos, Maria Rosa Martins,
Crisanta Campos, Manuela Rodrigues, Maria José Abreu, Maria Augusta da Silva,
Natália Rodrigues, Ma-ria Fernanda Moreira, Alda de Sousa e Jeanethe Sousa.
2.- Academias da Espetada
Foi no ano 2003 que Noemi Coelho, acompanhada por um gru-po de mulheres
habitantes de Maracay, estado Aragua, organizou a primeira Acade-mia da Espetada
na região. A ideia era simples: Fazer um jantar mensal onde um grupo de mulheres
comessem espe-tada e angariassem dinheiro que se destinaria a obras de beneficência.
Actualmente, a academia estende-se a Caracas e Barquisimeto. É ainda espe-rada a
criação de uma terceira filial no estado Carabobo.
A Academia da Espetada de Maracay organiza tertúlias de beneficência há oito anos.
A actual presidente, Ana Maria Abreu, conta com o apoio de Fátima Fernandes
de Pestana, Adriangela Goncalves, Fátima Soares, Ana María de Vera-cruz, María
Helena de Vera-cruz, Salomé de da Silva, Ma-ría Graca de Canha, Micaela Varguem,
Coicencao Figueira, Elisabety de Abreu, María José Goncalves, Jovita Da Silva y
Manuela Fernandes.
A Academia da Espetada de Ca-racas foi criada a 18 de Maio de 2009. Conta com
a orientação de Sílvia Henriques, acompan-hada por Maria Couto, Móni-ca da Silva,
Elsa Abreu, Maria Odília Rodrigues, Maria Luísa Nunes, Maria José Farias e Ana de
Castro, e mais de 100 mul-heres reúnem-se mensalmente em diferentes restaurantes e
salões de banquetes da capital.
Meses mais tarde, a 19 de Outubro de 2009, Trinidad Macedo teria a ideia de orga-
nizar a Academia da Espetada em Barquisimeto, estado Lara, onde, junto com Maria
Matias, Fátima Macedo, Maria Mestre, Irene Ferrão, Conceição de Sousa, Teresa da
Silva, Janeth Farias e Eleonara Soares, já realizaram 15 encontros.
3.- Alcaldesa Municipio El Hatillo
Myriam do Nascimento. Licenciada em Publicidade e Marketing, e com cursos em
áreas como Gestão e Legislação Municipal, Administração Tri-butária, Participação
Cidadã e Controlo de Gestão, trabal-hou durante 25 anos no sector público.
4.- Assambleia da República
Deputada do partido do poder Desireé Santos Amaral: Licenciada em Jornalismo
e defensora acérri-ma dos direitos individuais, passou das páginas dos jornais aos
meandros da Assembleia Nacional venezuelana
5.- Conselheiras Das Comunidades Portuguesas
a.- Lic. Maria de Lurdes De Almeida- professora de línguas, magister em planificação
educativa, condecorada em várias oportunidades pelo seu desempenho laboral dentro e
fora da comunidade.
b.- Estela Lúcio- presidente da Associação dos Filhos de São Vicente, empresária.
6.- Executiva na área farmacéutica
Noreles Mendonça Mendes- luso-descendente iniciou o curso de Farmácia na
Universidade Central de Venezuela. Em 2002, saiu já licenciada, com especialização em
Análise de Medicamentos. Posteriormente, fez uma pós-graduação também na UCV,
juntando ao seu currículo uma especialização em marketing de empresas. Começou a
trabalhar de imediato numa farmácia, para depois integrar a equipa de profissionais de um laboratório nacional. Mas também se manteve durante pouco tempo, pois, passado
menos de um ano, assinou um contrato para trabalhar na Sanofi–Synthélabo. Isto foi
em 2004, e até à data, trabalha nesta empresa farmacêutica, que hoje em dia se chama
Sanofi-Aventis.
6.- ARTES E ESPECTÁCULOS
a.- Marlene de Andrade: Esta modelo e ac-triz luso-venezuelana, depois de passar
pelo Miss Venezuela 1997, iniciou uma carreira como modelo em diferentes países. No
regresso à Venezuela, foi escolhida para encarnar ‘Pipina’ na no-vela ‘Carita pintada’.
Daí seria sempre a subir, participando noutras produções como ‘Mis tres hermanas’, ‘La soberana’, ‘Trapos íntimos’, ‘Mujer con pantalo-nes’, ‘Arroz con leche’, ‘La vida
entera’ e ‘La Mujer Perfecta’. Isto sem contar com o papel no filme ‘La señora de
Cárde-nas’ e ainda as fotografias como ‘Chica Polar’.
b.-Marjorie de Sousa: Esta actriz começou a sua carreira artística aos 12 anos em
alguns comerciais para televisão. É em 1999, depois da passagem pelo Miss Venezuela,
que inicia a sua carreira como actriz de televisão, nas teleno-velas ‘Amantes de Luna
Llena’, ‘Guerra de Mujeres’, ‘Gata salvaje’, ‘Mariana de la noche’, ‘Rebeca’, ‘Ser
bonita no basta’, ‘Y los declaro marido y mujer’, ‘Amor Comprado’, ‘¿Vieja
yo?’, ‘Pecadora’ e ‘Sacrificio de Mujer’. Destaca-se tam-bém o seu desempenho como
modelo para marcas conhecidas como a Polar e a Pepsi Cola.
c.-Myriam Abreu: A jovem actriz luso-des-cendente saltou para a fama depois de
participar no certame de beleza mais importante do país, onde representou o estado de
Miranda. Desde então, a sua carreira começaria a desenvolver-se com participações
no talk show ‘Cásate y Verás’ e na série juvenil ‘Túkiti’. Mais à frente, interpretaria personagens nas telenovelas ‘La Trepadora’, ‘Necesito una amiga’ e ‘Libres como el Viento’.
d.-Aileen Celeste: Esta luso-descendente começou a sua carreira no ‘El club de
los tigritos’ e como animadora de ‘Toda acción’. Posteriormente, iniciaria a sua
carreira de actriz com as telenovelas ‘Jugando a ganar’ e ‘Calipso’. Depois de seis
meses a trabalhar como modelo no México, regressaria à Venezuela para participar
nas telenovelas ‘La niña de mis ojos’, ‘Mi gorda bella’, ‘La Cuaima’, ‘Natalia de 8
a 9’, ‘Mujer con pantalo-nes’, ‘Por todo lo alto’ e ‘Nadie me dirá como quererte’.
Isto sem contar com a sua aparição nos comerciais da Chi-notto, Coca-cola, Wella e
Biotherm.
e.-Laura Vieira: É comunicadora social, tendo estudado na Universidade Ca-tólica
Andrés Bello (UCAB) na área de Jornalismo Audiovisual. Também se licenciou em
Administração. De su-blinhar que depois de ter sido avaliada pela sua tese universitária,obteve o segundo lugar do prémio Eduardo Frías e uma bolsa para estudar no exterior, assim viu a publicação de grande par-te do seu trabalho. O profissionalismo desta luso-descendente foi observado por milhares de espectadores em ‘El Informador’, ‘Sálvese Quien Pueda’ e na apresentação de programas como o Miss Mundo e Miss Universo.
f.-Catherine Correia: Com apenas 9 anos de idade, esta actriz iniciou a formação
ar-tística ao estrear-se nos palcos com ‘El Libro de la Selva’. Aos 19 anos, começou
os estudos de Filosofia na Universidade Católica Andrés Bello, ainda que não
tenha podido continuar devido a diver-sos compromissos artísticos. Quatro anos
depois, participou em três obras consecutivas: ‘Buster Reatón’, ‘Subma-rino
Amarillo’, ‘Cuentos de Sábado’ e ‘Yerma’. Em 1993, começaria a sua fama ao animar
o ‘Club Disney’ na RCTV e com a participação nas telenovelas ‘El Desafío’, ‘Entrega
Total’, ‘Llovizna’, ‘Cambio de Piel’, ‘Aunque me cueste la Vida’, ‘Carita
Pintada’, ‘Viva la pepa’ e ‘La Cuaima’.
g.-Flor Helena Gonzalez: Iniciou a sua carrei-ra aos 10 anos de idade no
espectáculo ‘Domingos con Popy’. Tempos depois, iniciou a formação em
representação e participou nas telenovelas ‘María Sole-dad’, ‘Por estas calles’, ‘La
Dueña’, ‘Doña Perfecta’, ‘El Hombre de hierro’, ‘Amo-res de fin de siglo’, ‘Cambio de
piel’, ‘Mis tres hermanas’, ‘La Soberana’, ‘Juana, la Virgen’ e ‘La Cuaima’.
h.-Vanessa Gonçalves: Nasceu a 10 de Feve-reiro de 1986 e fez vibrar a comunidade
lusitana a 28 de Outubro do ano pas-sado, ao ser coroada como a primeira Miss
Venezuela de origem portuguesa. Estudou na faculdade de Odontologia da
Universidade Santa Maria, e no seu primeiro ano de reinado, Vanessa tem participado
em diversos programas televisivos nacionais e internacionais, convertendo-se numa das
figuras do ano no mundo.
V.- CONCLUSÃO
Se bem é certo que nos principios da emigração portuguesa, no que refere à Venezuela,
observamos a típica emigração da mala de cartão, a saudade do país que deixaram
atrás e da família que não voltariam a ver senão depois de muitos anos, não é menos
certo que esta emigração logrou inserir na comunidade venezuelana e traspassar as
barreiras culturais e linguísticas que num principio llhes parecia quase impossível.
Os portugueses estão hoje perfeitamente integrados na cultura, na sociedade e na vida económica venezuelana. No entanto também observamos que as novas gerações estão a afastar-se das raízes portuguesas. É por isto que Portugal deve reforçar a relação ibero-americana, a qual deve passar pelo fortalecimento nas áreas política e económica, mas também pelas áreas educativa e cultural. Não podemos perder de vista que o multiculturismo e a globalização são fenómenos crescentes e irreversíveis.
VI.- BIBLIOGRAFIA
.- Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales- Universidad de
Barcelona. Nº 94 (30) 1 de agosto de 2001. Prof. Dr. Jorge Carvalho Arroteia-
Universidade de Aveiro
.- RTP- Ei-los que partem- A História da Emigração Portuguesa-Serie
Documental
.- Memórias da Emigração Portuguesa- Porque emigram os Portugueses-
Carlos Fontes
.- Jornal Correio de Venezuela
.- Os Portugueses na Venezuela- -Nancy Gomez- 2010
.- Cadernos Ceru- História da Mulher Migrante
.- Imaginário.- Junho 2007- ISSN 1413-666X
II.- TESTEMUNHOS
III.- IDENTIDADE DA MULHER LUSO-VENEZUELANA
IV.- A ATUAL MULHER LUSO-VENEZUELANA
V.- CONCLUSÃO
VI.- BIBLIOGRAFIA
SÍNTESE
Pretendo com esta breve discriptiva dar a conhecer a transformação da emigração
portuguesa dentro da comunidade venezuelana. As nossas origens, o que passámos
e o que fizemos para desempenhar na atualidade o importante papel de mulher de
trabalho e o reconhecimento de que somos objeto. Já passaram os anos em que nós
ficávamos em casa. Hoje em dia desempenhamo-nos no mundo político, económico,
social e cultural num ambiente competitivo, o qual cada dia mais nos demanda
esforços para continuar a crescer como individuos duma sociedade multifacetada e
exigente.
I.- CAUSAS DA EMIGRAÇÃO- DO PASSADO AO PRESENTE
Não se pode falar da nova emigração sem rever a sua história para assim poder melhor
compreender as mudanças que ao longo do tempo têm vindo a suceder. Por isso
é importante saber os motivos que levaram no passado o povo português a buscar
novos horizontes. Razões várias, dos tempos mais remotos à actualidade, justificam
este fenómeno. Devemos assinalar a falta dos meios de subsistência responsáveis
pelo "êxodo" de emigrantes isolados e de famílias inteiras, hoje radicadas nos diversos países de imigração. É também importante assinalar as circunstâncias de natureza política que as determinaram associadas a perseguições desta natureza, à falta de liberdade expressão, à guerra nas antigas colónias e às práticas sociais dominantes que levaram à fuga de muitos jovens, antes ou durante o cumprimento do serviço militar.
A emigração de portugueses sempre esteve presente na sociedade portuguesa cuja
evolução ficou mais forte ao término do século XIX e durante grande parte do século
XX. Todas estas razões são as principais causas da presença da comunidade portuguesa
nos cinco continentes. Inicialmente partiam os homens, para criarem depois as
condições necessárias para a família se juntarem a eles. Isto trouxe como consequência a separação de famílias, ficando a mulher a cumprir as funções de pai e mãe ao mesmo tempo. O emigrante português, no seu perfil mais clássico , partia para outro país para angariar dinheiro para o futuro, pretendendo sempre regressar a Portugal uma vez cumprida a sua tarefa.No entanto, algumas nunca voltariam a ver o homem que procreou os filhos e estes nunca mais voltariam a ver o pai biológico.
Sendo que estas primeiras emigrações eram provenientes na sua maioria de zonas
rurais, numa época em que o ensino superior era mais para aqueles de um estatus
social elevado, é fácil de perceber que a escolaridade dos que emigravam era pouca
ou nenhuma.Assim que o que mais importava era o trabalho árduo, de sol a sol, e
a escolaridade no país de acolhimento passava a um segundo plano. Até à década
de oitenta/noventa o emigrante abdicava de uma vida com dignidade no país de
acolhimento, para a ter no seu país de origem , mesmo que não usufruísse desse bem
– estar. A qualidade de vida , habitação, mobiliário, gastos com os tempos livres era
reduzida ao mais elementar .
A família portuguesa tendeu sempre a acentuar o aspecto da identidade, colocando
de lado qualquer apelo de integração, pois este era entendido e sentido como uma
ameaça à sua identidade. Os emigrantes portugueses procuraram sempre manter uma
unidade cultural , que os impediu de integrar as sociedades onde se inseriam, mantendo sempre a esperança e o desejo de regressarem ao seu país de origem. No entanto, “a dinâmica de uma sociedade multicultural e intercultural assenta, por um lado, na cultura da autonomia, por outro, na obrigatoriedade da participação e o emigrante português, fixado na ideia de regresso, sentia pouca vontade de participar e integrar a nova comunidade.”
Gradualmente, este tipo de emigração sofreu alterações. Se o projecto primeiro era
angariar o máximo de dinheiro no mínimo de tempo, para poder regressar, cedo a
família deu-se conta que esse projecto económico não era realizável no espaço de tempo sonhado e, prolongando-se, entrava em conflito com outros objectivos importantes da família.- A formação escolar das crianças exigia o adiamento do regresso e obrigava a uma certa integração de facto, em conflito com a ideia do regresso.- A redistribuição de papéis na família, muitas vezes de forma pouco fiel à tradição, começava a afirmar-se à medida que as mulheres encontravam formas de trabalho remunerado.
II.- TESTEMUNHOS
1.-A costura é a minha paixão desde pequena
A 3 de Janeiro de 1956 nasce Maria do Rosário Abreu de Freitas, no Porto da Cruz,
Madeira.Com apenas 2 anos de idade, partiria a bordo do navio Santa Maria,
acompanhada pela mãe e pelo irmão mais velho (Manuel), com destino à Venezuela,
país onde o pai já vivia há um ano. Terra nova, vida nova
“A minha mãe conta sempre que quando chegámos à Venezuela, o meu pai perguntou
se ela queria uma ‘malta’, e ela pensou que se tratava de uma multidão de pessoas e não compreendia bem o que é que ele lhe queria dar, até que lhe explicou que se tratava de uma bebida semelhante a um refresco”, conta Abreu, entre risos.
Viveram em Flores de Catia, no edifício Diamante, “e ali conheci a minha melhor
amiga de criança e com quem ainda mantenho contacto constante, Fátima dos Reis, e
também ali nasceu a minha irmã Maria Dolores.”
Depois foram viver para San José, onde nasceram mais duas irmãs, a quarta e a quinta,
Maria de Fátima e Margarita Matilde. “No ano seguinte, mudámo-nos três vezes. De
San José fomos para a estrada velha de La Guaira, El Cementerio e depois para San
Agustín. Ali nasceram mais dois irmãos, Juan António e José Luís”, conta Abreu.
Passados uns anos, o seu pai decidiu comprar uma casa em El Junquito, na urbanização
Luís Hurtado, onde nasceram os três últimos irmãos de Abreu: Ana Isabel, Joaquín
Miguel e María Mercedes. “Mudámo-nos no ano do terramoto, em 1967; recordo-me
que eram 8 da noite e estávamos a ver o Miss Venezuela quando começou tudo a
mexer”,recorda.
Entre a família e a moda
Rosário Abreu ajudava a sua mãe a cuidar dos 9 irmãos e nos seus tempos livres
inventava vestidos para as bonecas e até para os seus irmãos. “Recordo-me que tinha
uma boneca que se chamava Rosa/Luís, era como ter dois em um, porque quando fazia
roupa de menina, chamava-a Rosa e quando a vestia com roupa de rapaz era Luís. Fazia
sempre muitos trajes com os pedaços de tecido que a minha mãe deixava”, conta Abreu.
Aos 15 anos, pediu uma máquina de costura. “O meu pai sabia que eu gostava de
costura e que o fazia muito bem, e assim, aos 15 anos, ofereceu-me uma máquina. “Para
mim foi o máximo”. Dias depois, viu no jornal que estavam abertas inscrições para o
Instituto de Superação, para um curso de corte e confecção que se fazia por
correspondência, ministrado a partir de Nova Iorque. Tirou o curso num ano e com
apenas 16 primaveras, Abreu começou a trabalhar numa fábrica e aos poucos foi
adquirindo as suas próprias clientes. “Lembro-me que fiz um vestido de primeira
comunhão azul com chapéu e tudo”.
Em Setembro, conheceu o marido, Manuel Correia Gonçalves Pereira, nascido em
Campanário, Madeira, e em Dezembro do ano seguinte casaram-se. “Ele era o dono
dum supermercado no quilómetro 12 de El Junquito e foi levar uma encomenda a casa.
Depois de conhecer-me, pediu a minha mão passados 15 dias”. Tem quatro filhos:
Manuel, Juan David, Nahir Olinda e Jeysell Daniela; e cinco netos.
“Há 13 anos, Bernadete Sousa Pires, que tinha montado uma loja no Centro Vista,
precisaram de uma modista. Trabalhei ali 10 anos. Aprendi muito, ganhei experiência e
clientes”.
Há três anos, tornou-se independente e montou o seu próprio atelier no centro
Comercial El Castillo, no quilómetro 13 de El Junquito. “Ali tive o prazer de fazer o
vestido de Dayana Mendes, primeira finalista do Centro Português há dois anos”.
Refere que é a modista e designer de muitos dos trajes usados pelas senhoras das
comunidades portuguesa, italiana e árabe.
Um ano depois de ter aberto o seu próprio atelier, o marido morreu. “Infelizmente
enviuvei mas sempre lutei com a minha família e apesar das adversidades, mantivemo-
nos unidos.” Desde criança Maria do Rosário Abreu sente que Deus sempre a ajudou e
a abençoou ao longo da sua vida, assim como à sua família. “Graças a Deus por tudo o
que me deu”.
2.-Madeirense de nascimento, Portuguesenha de coração
A cultura e as tradições portuguesas ganham vida todos os dias nestas terras
venezuelanas e Maria da Câmara Araújo é uma digna representante disso. Proveniente
do sítio do Ribeiro Loiro, freguesia de Santa Cruz, Madeira, esta lusitana já está no
país há 37 anos, depois de aterrar na Venezuela em Agosto de 1974.Quando chegou
a Maiquetía, já trazia consigo os dois primeiros filhos, da sua união com Florentino
das Neves Rodrigues. Ainda nasceriam mais dois, mas infelizmente a mais velha viria
a falecer anos mais tarde em terras lusas.Como a maioria das mulheres madeirenses,
Maria, a mais velha de seis irmãos, foi criada entre a agricultura, as tarefas de casa e a necessidade de conseguir algum dinheiro para o seu sustento. Também trabalharia como bordadeira desde muito pequena.O marido, Florentino, saiu de África e rumou à Venezuela dois meses mais tarde. Seis anos depois, mandou buscar a mulher. Ela ainda recorda a sua primeira casa com telhado de zinco na cidade de Acarigua e o seu trabalho como ajudante do marido na limpeza do negócio e no trabalho em casa. No
início angustiou-se muito pelas diferenças culturais: Um idioma novo e uma comida à
qual não estava habituada. No entanto, em breve viria o maior golpe, quando o marido
perdeu o negócio. Mas os tempos melhoraram. Ao acostumar-se ao tipo de vida e
amoldar-se aos costumes crioulos, Maria decidiu mostrar à comunidade tudo o que tinha
aprendido na sua infância e juventude, ao ponto de ser famosa na sua localidade pelos
seus saborosos bolos do caco. E não é para menos: Chegou ao ponto de partilhar os seus segredos de cozinha e ensinar aos habitantes da zona para que aprendessem a elaborá-los.
Uma das coisas pela qual também é famosa na sua zona é pela cura do mau-olhado.
E Maria ainda tem tempo para bordar e deixar aos netos algumas recordações.Maria
vive orgulhosa por ter conseguido inculcar as raízes lusas nos seus filhos. Participou em peças de teatro com a história da Virgem de Fátima, cantou em grupos folclóricos e reviveu a sua infância em três visitas a Portugal.Para Câmara, viver em Acarigua é como estar na sua terra natal: Ainda que tenha bons amigos venezuelanos, por coincidência todos os vizinhos são portugueses. E ainda que as visitas ao seu país de origem não tenham sido frequentes, esta mulher faz o impossível por ser uma
portuguesa em terras crioulas.
Como dado curioso, Maria conta que o apelido Câmara vem da sua avó, nascida em
1882 e abandonada num cesto de vimes à porta de uma mercearia. Um homem que
passou por lá recolheu-a e decidiu levá-la à Câmara Municipal, onde lhe colocaram o
nome de Maria da Câmara. Para além de ter o mesmo nome que ela, também conserva
uma colcha que lhe pertencia e da qual cuida com especial carinho.!
3.-As flores fazem-me feliz
Nascida a 13 de Janeiro de 1949 no sítio dos Picos, nos Prazeres, Calheta, e criada na Ponta do Pargo, no mesmo concelho, Maria Irene Rodrigues é uma mulher trabalhadora
que desperta todos os dias com o propósito de ser feliz fazendo o que mais gosta: Estar rodeada das plantas mais belas, as do seu viveiro.
É a mais velha de seis irmãos e a que durante muito tempo velou por eles e pela sua
mãe, Maria José Abreu, natural da Ribeira Brava, já que o pai, Manuel Rodrigues,
oriundo dos Prazeres, tinha vindo para a Venezuela em busca de uma melhor vida para a
família.
“Muitas vezes não podia ir à escola porque tinha de cuidar da minha mãe quando
ela ficava doente. Era eu que muitas vezes levava as rédeas da casa”, recorda com
nostalgia, clarificando que tanto ela como os seus irmãos, terminaram a primária.
A pouco e pouco, a sua família foi vindo para a Venezuela. A mãe, ajudando um dos
irmãos a fugir da tropa, trouxe-o para a Venezuela, e aqui ficaram todos. “A minha mãe decidiu não voltar à ilha porque na Venezuela conseguiu mais oportunidades para ter trabalho, e passado um tempo mandava dinheiro para as minhas irmãs e para mim”,
conta Rodrigues.
Ficou na Madeira sozinha com duas irmãs aos 16 anos de idade. “Graças a João
Rosário, da Ponta do Pargo, nós tivemos uma casinha onde viver durante um ano,
depois de a minha mãe ter vindo embora e nós termos ficado as três sós. Ele emprestou-nos um quarto com cozinha onde vivemos até que nos mandaram buscar”, recorda Maria Irene, acrescentando que a carta de chamada era para ela e para outra das suas irmãs, já que a mais nova devia ficar sozinha na ilha, ao que Rodrigues respondeu: “Ou vamos as três ou não vai nenhuma”. Foi assim que chegaram as três à Venezuela, no navio Henrique C.
Nova terra, novos sonhos
Ao chegar à Venezuela, em 1968, começou a trabalhar a terra junto com os seus pais
num terreno situado em El Hatillo. “Ajudava-os a colher as verduras”, recorda. Uma
emigrante portuguesa chamada Virgínia e oriunda da Calheta ajudou-a a conseguir
trabalho, e colocou-a imediatamente num casa de família, e nessa mesma noite, com
apenas 19 anos, foi viver para o local onde trabalhou durante um ano. Passado esse
tempo, regressou à família e trabalhou em El Hatillo durante mais seis meses na terra, cuidando das hortaliças.
Depois, apareceu na sua vida Alberto Rodrigues, natural dos Canhas, com quem
está casada há 42 anos e de quem tem dois filhos: Carlos Alberto e Maria Isavette
Rodrigues. Tiveram uma padaria durante sete anos, mas a sua verdadeira paixão eram as
flores, pelo que abriram o viveiro Los Nietos, na Cortada El Guayabo.
O filho também trabalha no viveiro e ajuda os pais no negócio. A filha, que estudou
Informática, também passa ali os fins-de-semana. “Adoro quando os meus netos vêm e
desfrutam dia e noite em contacto com a terra, com as plantas”, confessou Rodrigues.
“Adoro ‘inventar’ no viveiro, o melhor que faço é conseguir obter várias cores nas
jarras e nos lírios, isso faz-me imensamente feliz”, e confessa que as suas favoritas são as jarras Rabinho de Porco.
Rodrigues diz que ter um viveiro é trabalhoso, “há que regar, alimentar, plantar, atender, mas adoro tudo o que faço.”
O que mais sente falta da Madeira são os noivos, e entre risos, Rodrigues confessa
que “foi o mais bonito, os melhores momentos.”
Após 37 anos, voltou à Madeira, “a ilha está muito mudada, muito bela, mas sinto que
já não me dou lá.” O seu local favorito continua a ser a Ponta do Pargo, “as pessoas têm mais calor, são mais próximas que no resto da ilha. Fiz ali toda a minha vida, os meus sacramentos, a escola, tudo.”
Apesar de ter passado maus momentos, os bons foram mais, e fizeram de Maria Irene
Rodrigues a mulher forte e trabalhadora de 62 anos que é hoje em dia.!
4.-Ana Pereira de Almeida-Chegou sem nada nos bolsos, mas os seusconhecimentos
na costura permitiram-lhe progredir
Quem a conhece identifica-a pela sua cabeleira totalmente branca e o seu bom
humor, perante qualquer situação.Essa cabeleira é o reflexo de anos de esforço e essa
simpatia foi-se forjando perante as adversidades. Ana Pereira de Almeida nasceu em
Oliveira de Azeméis (distrito de Aveiro) a 29 de Agosto de 1927. Os seus pais, José da Costa Almeida, era ferreiro. A sua mãe, Maria Pereira da Silva, vendia tecidos nos
mercados (feiras). Ambos trabalharam intensamente para fazer face às necessidades
básicas de Ana e das suas irmãs, Maria da Conceição e Amélia, num Portugal onde a
situação económica piorava a cada dia que passava. Aos 16 anos, conheceu António
Soares de Oliveira Maurício, que a pouco e pouco a foi conquistando com as suas
atitudes de cavalheiro e as suas picardias. Depois de vários encontros na Câmara
Municipal de Oliveira de Azeméis, lugar onde António trabalhava, decidiram casar-se.
Perante a ditadura de Salazar e a difícil situação do país, decidiram começar de zero e emigrar, indo em busca de novos horizontes. Foi então que apanharam o navio
Francisco Morocini em Lisboa, com destino à Venezuela. Depois de um mês de
navegação, chegaram ao mar venezuelano a 12 de Abril de 1952. No entanto,por ser
Semana Santa, permaneceram em alto mar durante três dias.Uma vez em terra
firme,dirigiram-se a Propatria, lugar onde um velho amigo lhes arrendou uma casa. Essa casa converteu-se logo numa oficina de sapatos: Ana e António dedicaram-se à costura de sapatos. Com o passar dos meses e a aparição de novas oportunidades, António começaria a trabalhar para a Cervejaria Caracas como vendedor e Ana para duas
prestigiosas marcas de sapatos. Por essa altura, Ana teve de enfrentar a morte do pai à distância. Em 1955, decidem arrendar uma nova casa em Puente Hierro. Ali, a vida lhes daria uma bonita surpresa e receberama sua primeira filha no dia 7 de Outubro: Ana Maria. Oito anos depois, trariam ao mundo a sua segunda flor, a 24 de Fevereiro de
1963: Marisol. O tempo continuou a conspirar a favor do casal e deu-lhes a
oportunidade de comprar um apartamento no município Chacao em 1965. Ana
continuaria com o seu ofício de costura de sapatos e António passaria por diferentes
ofícios: Venda de licores,venda de câmaras fotográficas num local próprio e até
vendedor de seguros. Ana recorda com tristeza o ano de 1978 quando teve de viajar até
Portugal pois o estado de saúde da sua mãe era cada vez mais delicado. Nesses meses,
esteve longe da filha,que fazia 15 anos, e esta teve de celebrar sozinha com o pai. Em breve regressaria à Venezuela, com o pressentimento de que meses mais tarde seria
confrontada com a morte da mãe.A sua perda mais valiosa foi em Fevereiro de 2006,
quando António, o seu eterno companheiro de vida, fechou os olhos de forma
inesperada. No entanto, Ana Pereira enfrentou a situação agarrando-se intensamente aos seus filhos e aos seus três netos. Atualmente Ana tem 82 anos mas assegura sentir-se com 28. Sente-se bastante orgulhosa de ter suado bastante para dar um futuro às suas filhas.Sem lugar para dúvidas, Ana Pereira considera-se uma“venezuelana de coração”.
E neste país fazem falta pessoas como ela para preencher de alegria e trabalho honesto.
5.- Aqui tenho tudo e não saio
Maria do Carmo Pimentel é de São Miguel, Açores, e emigrou para a Venezuela há mais
de 50 anos, para estar com o marido e dar aos filhos uma melhor qualidade de vida.
Esta açoriana conta que se casou em Portugal, mas por insistência do marido em querer
tentar um futuro melhor fora do seu país de origem, viajou para a Venezuela, onde já
tinha família, e iniciou uma nova etapa da sua vida. “Casei-me com 22 anos e passado
pouco tempo, o meu marido veio para este país. Fiquei grávida e passado quase um ano,
enviou-me uma carta de chamada para que viesse”, recorda.
Durante o tempo em que esteve sozinha, Maria do Carmo dedicou-se aos trabalhos da
casa e a cuidar da sua filha primogénita, Carmélia. Passados nove meses, esta açoriana embarcou no ‘Santa Maria’, em 1959, e rumou a terras de Bolívar.
“Quando cheguei para encontrar-me com o meu marido, fiquei surpreendida pela
beleza de La Guaira. E estava ansiosa por estar com ele e mostrar-lhe a nossa primeira filha”, recorda Maria.
Uma vez em solo crioulo, Maria do Carmo começou a trabalhar na costura, em casa, ao
mesmo tempo que cuidava dos filhos. “Sabia costurar e procurei clientes para fazer todo o tipo de arranjos de roupa e confecção de vestidos”.
O casal teve mais três filhas para além de Carmélia. “Tivemos um casamento unido e
trabalhámos para dar tudo o que os nossos descendentes precisavam”, acrescenta.
Esta emigrante açoriana conta ainda que já foi à sua terra em duas oportunidades, para visitar uma das filhas, que vive em Portugal. “Cada vez que chego lá, tenho sentimentos recorrentes, mas é agradável, é uma sensação indescritível”, assinalou, manifestando que
Portugal é a sua terra mas que a Venezuela é o país onde se desenvolveu como pessoa.
Talvez por isso, Maria do Carmo diz que não troca a Venezuela, porque “aqui tenho
tudo, e não saio”. Esta lusa espera poder continuar a visitar a sua ilha e apreciar a
evolução do seu país ao longo dos anos. “O meu coração é português e venezuelano
porque tenho em ambos os países coisas valiosas e que amo”, concluiu Maria do Carmo.!
III.- IDENTIDADE DA MULHER LUSO-VENEZUELANA
Inserir numa sociedade cujos valores políticos, culturais, sociais e económicos diferem daqueles do país de origem , juntamente com o problema linguístico, é a principal problemática de qualquer comunidade emigrante. Os filhos de portugueses eram dos grupos menos representados no ensino secundário e nas universidades até meados do século XX. Portugal, ainda estava sob um regime ditatorial fascista e apresentava traços duma sociedade agrária, atrasada e subdesenvolvida. Para se entender a situação da mulher portuguesa devemos assinalar que “esta era encarada como célula social básica de reprodução da ordem e das tradições culturais.”A maior parte do trabalho assalariado era reservado aos homens, principalmente as atividades liberais e as realizadas em órgãos públicos, cabendo às mulheres o trabalho de baixa qualificação e remuneração.
A mão-de-obra feminina era composta basicamente por mulheres provenientes das
classes mais baixas e estas dedicavam-se principalmente às atividades rurais e, nas
zonas urbanas, ao trabalho como empregadas domésticas ou em pequenas lojas.
A perda da identidade portuguesa pode, e em efeito acontece em muitos casos, na
segunda geração entre os filhos que conseguem atingir o ensino superior. As mulheres
que atingem o ensino superior têm mais probabilidades de inserirem na sociedade do
país de acolhimento.
Estudos realizados assinalam duas vertentes nas razões que levaram a mulher a trabalhar fora de casa:
1.- A precária condição financeira da família de origem assim como a precária condição
económica da família constituída depois do casamento. Nestes casos a mulher não
continuou os seus estudos secundários.
2.- As mulheres de famílias com boas condições económicas ou de famílias com
bom nível educacional atingiram o ensino superior e exercem funções na docencia,
administração pública, meios de imprensa, etc.
Através de testemunhos podemos constatar que a educação familiar teve um peso
significativo na formação e na vida das mulheres de origem portuguesa, tendo muitas
delas relatado que os pais eram severos e austeros, ensinando principalmente os
costumes da sociedade portuguesa. Relatam que tiveram uma educação diferenciada
em comparação aos irmãos, pois, não gozando de nenhuma liberdade, deveriam ser
acompanhadas sempre que saíam de casa, seja pela mãe ou por um irmão. Os pais
controlavam bem de perto a sua vida até ao casamento, para entregar a filha "intacta" ao futuro marido.
No entanto, as mulheres da segunda geração, que atingiram um nível educativo
superior, são pessoas na maioria das vezes com uma identidade ambígua. Conhecem
bem os padrões da pátria dos seus pais, não partilham a sua rigidez, mas gostam
dos seus hábitos alimentares e das reuniões familiares aos domingos e nos dias de
festa. No entanto, já não conseguem ter grande fluência na língua dos pais, limitando
o seu vocabulário ao indispensável para a comunicação doméstica. Isto traz como
consequência que seja mais fácil expressarem-se na língua do país onde vivem e muitas
vezes já nem se identificam como portuguesas.
IV.- A ATUAL MULHER LUSO-VENEZUELANA
Em Março de 2011, com motivo do Dia Internacional da Mulher, um jornal local, O
Correio de Venezuela, falou de várias mulheres na diáspora luso-venezuelana e que me
parece muito ilustrativo para demonstrar a reafirmação da mulher luso-venezuelana.
1.- Sociedade de Beneficência de Da-mas Portuguesas:
Actualmente, a responsável pela liderança das damas lu-sitanas é Mary Monteiro,
que, com o seu temperamento e a sua paixão pelo trabalho social, tem feito importantes contributos em benefício dos mais necessitados. No entanto, não está só: É acompanhada por Teresa de Fernandes, María Fa-tima Pita, Mari Cova, Luz Da Silva
Branco, Maria Eugenia de Freitas, Maria José Vieira.
A Sociedade de Beneficência de Damas Portuguesas ajuda tam-bém instituições
venezuelanas como a Avepane, Hospital de Crianças J.M. de Los Ríos, Asocirpla,
Fundana, Fundação Padre Pio, entre outras. Para além disso, faz donativos per-manentes a algumas famílias e ajuda algumas pessoas em pro-cessos cirúrgicos e doenças.
Outro importante trabalho le-vado a cabo pelas Damas Por-tuguesas é a administração
do Lar Padre Joaquim Ferreira. Neste caso, as pessoas encarre-gues de dirigir a
instituição são Maria Inocência da Silva, Vera Natália Bastos, Maria Rosa Martins,
Crisanta Campos, Manuela Rodrigues, Maria José Abreu, Maria Augusta da Silva,
Natália Rodrigues, Ma-ria Fernanda Moreira, Alda de Sousa e Jeanethe Sousa.
2.- Academias da Espetada
Foi no ano 2003 que Noemi Coelho, acompanhada por um gru-po de mulheres
habitantes de Maracay, estado Aragua, organizou a primeira Acade-mia da Espetada
na região. A ideia era simples: Fazer um jantar mensal onde um grupo de mulheres
comessem espe-tada e angariassem dinheiro que se destinaria a obras de beneficência.
Actualmente, a academia estende-se a Caracas e Barquisimeto. É ainda espe-rada a
criação de uma terceira filial no estado Carabobo.
A Academia da Espetada de Maracay organiza tertúlias de beneficência há oito anos.
A actual presidente, Ana Maria Abreu, conta com o apoio de Fátima Fernandes
de Pestana, Adriangela Goncalves, Fátima Soares, Ana María de Vera-cruz, María
Helena de Vera-cruz, Salomé de da Silva, Ma-ría Graca de Canha, Micaela Varguem,
Coicencao Figueira, Elisabety de Abreu, María José Goncalves, Jovita Da Silva y
Manuela Fernandes.
A Academia da Espetada de Ca-racas foi criada a 18 de Maio de 2009. Conta com
a orientação de Sílvia Henriques, acompan-hada por Maria Couto, Móni-ca da Silva,
Elsa Abreu, Maria Odília Rodrigues, Maria Luísa Nunes, Maria José Farias e Ana de
Castro, e mais de 100 mul-heres reúnem-se mensalmente em diferentes restaurantes e
salões de banquetes da capital.
Meses mais tarde, a 19 de Outubro de 2009, Trinidad Macedo teria a ideia de orga-
nizar a Academia da Espetada em Barquisimeto, estado Lara, onde, junto com Maria
Matias, Fátima Macedo, Maria Mestre, Irene Ferrão, Conceição de Sousa, Teresa da
Silva, Janeth Farias e Eleonara Soares, já realizaram 15 encontros.
3.- Alcaldesa Municipio El Hatillo
Myriam do Nascimento. Licenciada em Publicidade e Marketing, e com cursos em
áreas como Gestão e Legislação Municipal, Administração Tri-butária, Participação
Cidadã e Controlo de Gestão, trabal-hou durante 25 anos no sector público.
4.- Assambleia da República
Deputada do partido do poder Desireé Santos Amaral: Licenciada em Jornalismo
e defensora acérri-ma dos direitos individuais, passou das páginas dos jornais aos
meandros da Assembleia Nacional venezuelana
5.- Conselheiras Das Comunidades Portuguesas
a.- Lic. Maria de Lurdes De Almeida- professora de línguas, magister em planificação
educativa, condecorada em várias oportunidades pelo seu desempenho laboral dentro e
fora da comunidade.
b.- Estela Lúcio- presidente da Associação dos Filhos de São Vicente, empresária.
6.- Executiva na área farmacéutica
Noreles Mendonça Mendes- luso-descendente iniciou o curso de Farmácia na
Universidade Central de Venezuela. Em 2002, saiu já licenciada, com especialização em
Análise de Medicamentos. Posteriormente, fez uma pós-graduação também na UCV,
juntando ao seu currículo uma especialização em marketing de empresas. Começou a
trabalhar de imediato numa farmácia, para depois integrar a equipa de profissionais de um laboratório nacional. Mas também se manteve durante pouco tempo, pois, passado
menos de um ano, assinou um contrato para trabalhar na Sanofi–Synthélabo. Isto foi
em 2004, e até à data, trabalha nesta empresa farmacêutica, que hoje em dia se chama
Sanofi-Aventis.
6.- ARTES E ESPECTÁCULOS
a.- Marlene de Andrade: Esta modelo e ac-triz luso-venezuelana, depois de passar
pelo Miss Venezuela 1997, iniciou uma carreira como modelo em diferentes países. No
regresso à Venezuela, foi escolhida para encarnar ‘Pipina’ na no-vela ‘Carita pintada’.
Daí seria sempre a subir, participando noutras produções como ‘Mis tres hermanas’, ‘La soberana’, ‘Trapos íntimos’, ‘Mujer con pantalo-nes’, ‘Arroz con leche’, ‘La vida
entera’ e ‘La Mujer Perfecta’. Isto sem contar com o papel no filme ‘La señora de
Cárde-nas’ e ainda as fotografias como ‘Chica Polar’.
b.-Marjorie de Sousa: Esta actriz começou a sua carreira artística aos 12 anos em
alguns comerciais para televisão. É em 1999, depois da passagem pelo Miss Venezuela,
que inicia a sua carreira como actriz de televisão, nas teleno-velas ‘Amantes de Luna
Llena’, ‘Guerra de Mujeres’, ‘Gata salvaje’, ‘Mariana de la noche’, ‘Rebeca’, ‘Ser
bonita no basta’, ‘Y los declaro marido y mujer’, ‘Amor Comprado’, ‘¿Vieja
yo?’, ‘Pecadora’ e ‘Sacrificio de Mujer’. Destaca-se tam-bém o seu desempenho como
modelo para marcas conhecidas como a Polar e a Pepsi Cola.
c.-Myriam Abreu: A jovem actriz luso-des-cendente saltou para a fama depois de
participar no certame de beleza mais importante do país, onde representou o estado de
Miranda. Desde então, a sua carreira começaria a desenvolver-se com participações
no talk show ‘Cásate y Verás’ e na série juvenil ‘Túkiti’. Mais à frente, interpretaria personagens nas telenovelas ‘La Trepadora’, ‘Necesito una amiga’ e ‘Libres como el Viento’.
d.-Aileen Celeste: Esta luso-descendente começou a sua carreira no ‘El club de
los tigritos’ e como animadora de ‘Toda acción’. Posteriormente, iniciaria a sua
carreira de actriz com as telenovelas ‘Jugando a ganar’ e ‘Calipso’. Depois de seis
meses a trabalhar como modelo no México, regressaria à Venezuela para participar
nas telenovelas ‘La niña de mis ojos’, ‘Mi gorda bella’, ‘La Cuaima’, ‘Natalia de 8
a 9’, ‘Mujer con pantalo-nes’, ‘Por todo lo alto’ e ‘Nadie me dirá como quererte’.
Isto sem contar com a sua aparição nos comerciais da Chi-notto, Coca-cola, Wella e
Biotherm.
e.-Laura Vieira: É comunicadora social, tendo estudado na Universidade Ca-tólica
Andrés Bello (UCAB) na área de Jornalismo Audiovisual. Também se licenciou em
Administração. De su-blinhar que depois de ter sido avaliada pela sua tese universitária,obteve o segundo lugar do prémio Eduardo Frías e uma bolsa para estudar no exterior, assim viu a publicação de grande par-te do seu trabalho. O profissionalismo desta luso-descendente foi observado por milhares de espectadores em ‘El Informador’, ‘Sálvese Quien Pueda’ e na apresentação de programas como o Miss Mundo e Miss Universo.
f.-Catherine Correia: Com apenas 9 anos de idade, esta actriz iniciou a formação
ar-tística ao estrear-se nos palcos com ‘El Libro de la Selva’. Aos 19 anos, começou
os estudos de Filosofia na Universidade Católica Andrés Bello, ainda que não
tenha podido continuar devido a diver-sos compromissos artísticos. Quatro anos
depois, participou em três obras consecutivas: ‘Buster Reatón’, ‘Subma-rino
Amarillo’, ‘Cuentos de Sábado’ e ‘Yerma’. Em 1993, começaria a sua fama ao animar
o ‘Club Disney’ na RCTV e com a participação nas telenovelas ‘El Desafío’, ‘Entrega
Total’, ‘Llovizna’, ‘Cambio de Piel’, ‘Aunque me cueste la Vida’, ‘Carita
Pintada’, ‘Viva la pepa’ e ‘La Cuaima’.
g.-Flor Helena Gonzalez: Iniciou a sua carrei-ra aos 10 anos de idade no
espectáculo ‘Domingos con Popy’. Tempos depois, iniciou a formação em
representação e participou nas telenovelas ‘María Sole-dad’, ‘Por estas calles’, ‘La
Dueña’, ‘Doña Perfecta’, ‘El Hombre de hierro’, ‘Amo-res de fin de siglo’, ‘Cambio de
piel’, ‘Mis tres hermanas’, ‘La Soberana’, ‘Juana, la Virgen’ e ‘La Cuaima’.
h.-Vanessa Gonçalves: Nasceu a 10 de Feve-reiro de 1986 e fez vibrar a comunidade
lusitana a 28 de Outubro do ano pas-sado, ao ser coroada como a primeira Miss
Venezuela de origem portuguesa. Estudou na faculdade de Odontologia da
Universidade Santa Maria, e no seu primeiro ano de reinado, Vanessa tem participado
em diversos programas televisivos nacionais e internacionais, convertendo-se numa das
figuras do ano no mundo.
V.- CONCLUSÃO
Se bem é certo que nos principios da emigração portuguesa, no que refere à Venezuela,
observamos a típica emigração da mala de cartão, a saudade do país que deixaram
atrás e da família que não voltariam a ver senão depois de muitos anos, não é menos
certo que esta emigração logrou inserir na comunidade venezuelana e traspassar as
barreiras culturais e linguísticas que num principio llhes parecia quase impossível.
Os portugueses estão hoje perfeitamente integrados na cultura, na sociedade e na vida económica venezuelana. No entanto também observamos que as novas gerações estão a afastar-se das raízes portuguesas. É por isto que Portugal deve reforçar a relação ibero-americana, a qual deve passar pelo fortalecimento nas áreas política e económica, mas também pelas áreas educativa e cultural. Não podemos perder de vista que o multiculturismo e a globalização são fenómenos crescentes e irreversíveis.
VI.- BIBLIOGRAFIA
.- Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales- Universidad de
Barcelona. Nº 94 (30) 1 de agosto de 2001. Prof. Dr. Jorge Carvalho Arroteia-
Universidade de Aveiro
.- RTP- Ei-los que partem- A História da Emigração Portuguesa-Serie
Documental
.- Memórias da Emigração Portuguesa- Porque emigram os Portugueses-
Carlos Fontes
.- Jornal Correio de Venezuela
.- Os Portugueses na Venezuela- -Nancy Gomez- 2010
.- Cadernos Ceru- História da Mulher Migrante
.- Imaginário.- Junho 2007- ISSN 1413-666X
terça-feira, 19 de julho de 2011
Maria Manuela Aguiar EMIGRAÇÃO PORTUGUESA OLHARES SOBRE A AUSÊNCIA Uma perspectiva diacrónica
MARIA MANUELA AGUIAR
RESUMO
A ausência significava, no paradigma “territorialista” tradicional, a ruptura com a sociedade do país e a perda de direitos de cidadania, direitos políticos, sociais e culturais. Os ausentes eram despojados da própria nacionalidade, se adquirissem uma outra. Porém, o carácter automático da recuperação da nacionalidade, em caso de retorno definitivo, indicava que o legislador oitocentista se dava conta da subsistência dos laços de ligação à pátria durante o período de ausência.
Para a progressiva tomada de consciência das formas de vencer o distanciamento físico pela presença dos emigrantes na vida da sociedade portuguesa contribuíram, antes de mais, as remessas, os investimentos, as dádivas para a melhoria das suas terras. Mais tardio foi o reconhecimento de uma outra forma de presença, através da criação, no exterior, de espaços de língua e cultura portuguesa.
A democratização do país, em 1974, veio permitir a transição progressiva para o paradigma "personalista", em que os expatriados gozam de um novo estatuto de direitos, tendencialmente igual aos dos residentes, e as comunidades do estrangeiro são vistas como parte integrante do património cultural da Nação.
INTRODUÇÃO
Abordo neste trabalho a forma como as migrações portuguesa foram vistas, no país - pelo legislador, em primeira linha, mas também por políticos, estudiosos, opinião pública - ao longo do largo período, que cabe no conceito de emigração, em sentido estrito, excluindo o tempo da Expansão, e da colonização, designadamente da colonização do Brasil, muito embora se deva reconhecer a importância do passado distante, de onde vem a tradição de partir para longe, como meio ideal de resolver problemas de sobrevivência, de emprego, de ascensão social, de enriquecimento supostamente fácil... Houve, de facto, uma linha de continuidade nessa tradição multissecular, e na forma como os expatriados se envolveram na vida das sociedades de destino, (parecendo sempre mais ousados e mais solidários, quando fora do um pequeno território, de horizontes limitados...), assim como no modo de se relacionarem com a terra de origem, para ela enviando uma infinidade de pequenas economias, e, mais raramente, mas com formidável impacte, grandes fortunas, com elas ajudando as famílias, o desenvolvimento das comunidades locais e o equilíbrio das finanças públicas.
Assim se compreende que, após a independência do Brasil, os fluxos migratórios espontâneos não tenham sofrido nem desvio nem diminuição, bem pelo contrário. Assim se explica, igualmente, o favorecimento do destino brasileiro, território estrangeiro, em detrimento das colónias de África, por uma corrente da "inteligentzia" portuguesa conhecedora desta harmónica transição do papel de colonizador para o de emigrante.
Ao delimitar aquele período temporal, não deixo de lhe atribuir carácter, até certo ponto, artificial, tanto mais quanto a posição do legislador sobre o excesso dos fluxos de saída se mantém praticamente inalterada. De facto, desde as Ordenações Filipinas até meados do século XX, as manifestações de actividade legislativa, ou o que poderemos chamar políticas de emigração, foram pouco mais do que medidas proibitivas ou limitativas de um movimento, que assumia a feição de um êxodo desmesurado.
Políticas de verdadeira protecção e de reconhecimento dos direitos de cidadania dos expatriados não houve, embora tenha havido preocupação, e, em abundância, estudos, debates, polémicas, chamadas de atenção - inclusivamente no próprio parlamento, com a constituição de duas comissões parlamentares de inquérito no século XIX. As conclusões e os remédios propostos, nomeadamente pela comissão parlamentar em 1872, não foram, porém, levados a cabo... O mesmo se diga de muitas outras propostas, algumas de investigadores ou especialistas neste domínio, que foram também políticos, como Oliveira Martins e Afonso Costa. Muitas das observações e dos projectos, que não conseguiram executar, mantiveram actualidade ou vieram, embora muito tardiamente, na actualidade, a ser contempladas na Lei. Mas em outros aspectos, como será sublinhado, foram "homens do seu tempo" e não conseguiram dar a uma realidade migratória, a formas de “ausência”não fundamentalmente diferentes das que ainda agora conhecemos, o tratamento de que somos capazes na actualidade, no campo do Direito.
Neste trabalho percorreremos vários ciclos da vida da emigração, que mais do que seria expectável, se encadeiam e se aproximam na psicologia das gentes, no seu comportamento face ao país, na organização social do espaço que habitam no estrangeiro, criando o seu próprio "mundo português", dentro de outros mundos em que interagem e se integram, as mais das vezes, bem.
As "situações de facto" em que as múltiplas formas de”presença dos ausentes” se afirmam, multi-secularmente, dentro e fora do país, só se convertem em "situações jurídicas" no nosso tempo - no sentido de gerarem direitos individuais e um novo relacionamento entre Estado e os cidadãos, entre o Estado e as instituições da “sociedade civil”: escassas décadas de rápida transformação das ideias e das leis, que rompem com séculos de denegação jurídica e de descaso político! Um "encontro dos cidadãos com a lei", poderíamos dizer, parafraseando Jean Carbonnier.
O novo "direito dos expatriados", irradia no cerne de uma concepção "personalista", por oposição ao tradicional paradigma "territorialista"e é produto da nossa época - tendo ganho progressivamente terreno no panorama europeu, como se constata na perspectiva de direito comparado, muito embora seja, ainda, sede de particularismos nacionais. O caso português é, com alguns dos seus arcaísmos, combinados com laivos de pioneirismo, certamente merecedor de registo, e oferece aos interessados um campo de observação alargado a séculos de intenso movimento, de mutações, mas também de surpreendentes constantes na vida e na acção dos indivíduos.
Neste ramo emergente do Direito, em via de sólido enraizamento, confrontam-se, ainda, diferentes olhares, visões plurais, no plano nacional e internacional. Tenho a minha - como jurista e como participante, ao longo de um quarto de século, em muitos dos colectivos por onde passou o processo legislativo em Portugal e até, também, a nível europeu, no Conselho da Europa - e com ela escrevo as linhas que se seguem.
I - A EMIGRAÇÃO COMO AUSÊNCIA
«Não nos admiremos. Eram as ideias do tempo.» Affonso Costa
1 - A Ausência, na Sociedade e no Direito
O fenómeno das migrações, sempre multifacetado, envolve componentes muito diversas, em que as formas de ausência e de presença (presença física, mas não só, também afectiva, sentimental, económica, cultural...) se sobrepõem ou se interligam, no plano individual como colectivo, e vão sendo percebidas, ao longo de épocas ou de ciclos, muito diferentemente.
Numa abordagem tradicional, a ausência implica fatalmente uma ruptura, conotada com o abandono ou a desistência de fazer vida e carreira na própria terra. Olhada a emigração por parte de quem fica, assim foi, e em certa medida ainda é, na opinião pública, no juízo do povo e dos vizinhos, assim como em correntes doutrinais mais resistentes a uma nova visão das coisas.
Completamente oposta foi, através dos tempos, a perspectiva, o sentir comum dos próprios emigrantes – aliás, abundantemente expresso em gestos de solidariedade e em directos contributos para o bem-estar das famílias e das comunidades locais, em comportamentos reveladores da ligação à terra de origem, que são uma constante na história da emigração portuguesa dos últimos dois séculos e, a meu ver, até também nos períodos antecedentes. De facto, o móbil de procurar, lá fora, progresso e fortuna e de a repartir com os seus, é compatível com qualquer dos enquadramentos do movimento de expatriação, que conhecemos historicamente - o esforço de colonização empreendido ou incentivado pelo Estado, ou a demanda individual, espontânea, de trabalho no estrangeiro. Autores de diferentes épocas, dão-se conta desta realidade, desde Oliveira Martins, ou Afonso Costa (Costa, 1911:243), até aos nossos contemporâneos Miriam Halpern Pereira ou Joel Serrão (Serrão, 1974: 110).
Mas nem os governantes do Reino, nem, posteriormente os da República e do “Estado Novo”, nem sequer os doutrinadores, em cada um desses períodos, fizeram questão de aventar ou conceder contrapartidas ao contributo dos expatriados, pelo menos no domínio do exercício da cidadania.
O universo jurídico é um mundo formal, aparentemente fechado sobre si próprio, com vocação original para a estabilidade, mas capaz de evolução, nos diversos ramos do Direito, nomeadamente no que respeita às migrações. Constata-se, porém que, entre nós, mudou pouco ao longo de séculos, porque o legislador se limitou a seguir conceitos e preconceitos firmados e não procurou fazer pedagogia ou induzir transformações (objectivo ao seu alcance, mas mais fácil em períodos de mudança radical de regime político e constitucional, como foi o posterior à revolução de 1974, em Portugal - o primeiro, aliás, a tornar-se portador de inovação significativa nas políticas de emigração, ao contrário do que acontecera na transição da Monarquia para a República, e da República para a ditadura).
O peso que os emigrantes iam ganhando na economia do País foi amplamente reconhecido, mas não do ponto de vista jurídico. O nosso ordenamento ignorou, pura e simplesmente, a prevalência dos laços de ligação à terra sobre a força de dissolução atribuída ao afastamento. A saída para o estrangeiro continuou a ser, obstinadamente, vista como um corte com a comunidade nacional, se não mesmo como uma deserção. Por isso, a ausência, ainda que temporária, tinha repercussão imediata na esfera do Direito: total suspensão do exercício de direitos políticos, principal atributo da cidadania e cessação de quaisquer prestações e apoios do Estado, no campo social e cultural - restando uma incipiente protecção consular (cuja insuficiência foi, vezes sem conta, denunciada pelos próprios diplomatas, em ofícios, que podem ser consultados nos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros).
O Estado começou por cuidar, fundamentalmente, desde o início da Expansão, de diminuir o caudal imparável dos fluxos migratórios, com medidas proibitivas os restritivas (Serrão, 1974:106). Só mais tarde, já em pleno século XX, sobretudo na segunda metade, se nota a preocupação de, a par do controlo dos movimentos migratórios, assegurar aos emigrantes um apoio centrado no acompanhamento e fiscalização das condições de transporte marítimo - como é sabido, causa de muitas queixas, sofrimentos e fatalidades, que faziam notícia frequente na imprensa. Maria Beatriz Rocha Trindade denomina-as, expressivamente, "políticas de trajecto de ida". De facto, a protecção cessava no fim da viagem transoceânica, ficando os homens, a partir daí, entregues a si próprios, face às dificuldades que quase sempre os esperavam.
Neste contexto sociopolítico, não surpreenderá que, apesar da influência que a emigração teve, e tem, na sociedade portuguesa - com cerca de um terço da população a viver fora do País, desde o século XVI - não haja sido dado tratamento autónomo e sistematizado aos efeitos da ausência dos cidadãos no exterior, onde, em regra, permaneciam com morada conhecida, em contacto com familiares e amigos.
A temática da ausência, de que se ocupava, demoradamente, o Código Civil de 1867, era apenas a que configurava o desaparecimento “em parte incerta” (artigos 55º a 96º do Código Civil). A "ausência", nesse sentido, tanto podia verificar-se no contexto da emigração como não, pois, como é óbvio, o facto de uma eventual "evasão" para "parte incerta" no estrangeiro não precludia a aplicação da lei geral...
Mudámos, entrementes, o Código Civil, em consecutivas reformas, de maior ou menor monta, mas ainda hoje não é, em primeira linha, nesse Código, mas na Constituição e em outras leis, como as eleitorais, ou como as que regem o regime de segurança social, de fiscalidade, de serviço militar ou de ensino, que terá de procurar-se a regulamentação dispersa de um "estatuto dos ausentes", composto pelos seus direitos e deveres - que o mesmo é dizer as formas de valoração jurídica da ausência ("hoc sensu"). Acrescente-se também o direito penal, já que a emigração clandestina foi criminalmente sancionada quase até ao termo do chamado “Estado Novo” - questão não despicienda, pois se estima em cerca de um terço do total, através dos vários ciclos migratórios, os que afrontavam as normas proibitivas da saída…
A liberdade de circulação, aclamada ao nível dos princípios, desde o advento da Monarquia Constitucional, era, contudo, de facto, obstaculizada por múltiplos expedientes burocráticos, por regulamentação prevendo taxas e alcavalas, pelo custo desmesurado de passaportes (Costa, 1911:166). E, como já acentuei, só se alcança em Portugal, plenamente, com a Constituição de 1976.
O estatuto dos ausentes era, pois, repito, de sinal negativo, consistindo no esvaziamento de direitos políticos e, em regra, de direitos às prestações do Estado nacional, em todos os sectores, do social ao cultural. A ida para o estrangeiro significava uma verdadeira "capitis diminutio" - o interesse dos indivíduos, mormente o seu direito de emigrar, era subordinado ao interesse público, tal como foi, em concreto, entendido, sem grande contestação, até 1974.
O Direito, na sua marcha para plasmar novas realidades (ou, eventualmente, novas avocações da realidade…) pode ser uma resultante tanto de avanços científicos e doutrinais como de projectos ou propósitos políticos, porventura incutidos pelos media, por grupos, sindicatos, movimentos de cidadãos, correntes de opinião, que se constituem em fonte de inspiração, de influência e poder... No domínio da emigração, foi assim sendo imposta, em cada momento histórico, uma leitura da realidade não necessariamente coincidente com a verdade, tal como viam os seus protagonistas. A distância interposta entre os emigrantes e os centros de decisão política (e legislativa) era a distância geográfica, mas não só: era, também, uma marginalização de ordem social e política, que só foi - ou vai sendo... - superada pela sua capacidade de se fazer ouvir e compreender, levando à progressiva tomada de consciência geral das suas situações e dos problemas...
Políticas de sistemática protecção social e de apoio cultural aos emigrantes, em Portugal como em termos de Direito comparado, são relativamente recentes – coincidindo o seu início, em vários casos, com o termo de trágicos conflitos e provações colectivas - a última grande guerra mundial, a descolonização (em Portugal, tardia mas não menos determinante de uma maior solidariedade social, que directamente beneficiou os expatriados). Uma reviravolta que, no caso português, tivera a sua”pré-história” nas primeiras tímidas medidas de protecção social suscitadas pelo dramatismo de que se revestiu a chamada “emigração a salto” para a França e outros países vizinhos, a partir da década de 60.
2- Do Paradigma “Territorialista" ao "Personalista"
Voltemos ao Código Civil de 1867 para analisar as motivações do multissecular descaso dos poderes públicos pela sorte aos emigrantes.
Não haverá disposições mais reveladoras do modo de ver tradicionalmente o emigrante do que as que regem, uma vez perdida, durante o tempo de estada no estrangeiro, a nacionalidade portuguesa, a sua reaquisição, na hipótese de regresso. A perda automática era determinada pela atribuição de nacionalidade estrangeira - uma cominação que constituía, então, a regra, com uma argumentação que ainda hoje sustenta, em muitos países, a mesma solução: antes de mais, o dever de lealdade ao Estado, visto como "exclusivo" e "individual". Uma partilha de sentimentos e afectos em relação a dois países, ironizam alguns autores, assumia um carácter semelhante à do crime de bigamia: "In this concept, dual nationality is viewed as analogous to bigamy, amounting to a kind of cheeting in both polities" (Aleinikoff e Klusmeyer, 2002:29).
Hoje, a tese contrária pretende basear-se na melhor compreensão da natureza humana, dos fenómenos de integração em sociedades abertas ao interculturalismo (por oposição àquelas que pretendem forçar, directa ou indirectamente, a “assimilação” dos estrangeiros), num quadro global de diluição de conflitos bélicos entre nações dadoras e receptoras de migrantes. Privilegia-se a vontade de dupla pertença, da dupla cidadania, como a mais próxima do ser e querer das pessoas.
Portugal só viria a abolir o princípio da unicidade de nacionalidade em 1981 – não sem controvérsia, dentro e fora do parlamento. Em oitocentos, o Código de Seabra aderia à tese da unicidade – e nada de extraordinário se poderá apontar a tal opção… Extraordinário é, sim, o disposto no seu articulado, no respeitante à reaquisição da nacionalidade: após estipular que "perde a qualidade de cidadão português o que se naturalizar em país estrangeiro" dizia o art.º 22º que "pode, porém, recuperar essa qualidade, regressando ao reino com ânimo de domiciliar-se nele, e declarando-o assim perante a municipalidade do lugar, que elegeu para domicílio". O artigo seguinte, sobre os efeitos da recuperação da nacionalidade, não dá a esta reaquisição, eficácia retroactiva: "[...] as pessoas só podem aproveitar desse direito desde o dia da sua reabilitação".
A denegação da retroactividade sublinha, de algum modo, o carácter de ruptura irreparável da ausência, pelo tempo em que perdura. Mas o legislador mostra perfilhar a concepção dos especialistas na matéria que só viam vantagem numa emigração se ida e volta, com a reinserção dos homens (ainda que num prazo dilatado pela necessidade de atingirem os seus objectivos económicos). Por isso, os emigrantes não se "desnacionalizam", em definitivo, e em caso de retorno uma simples manifestação da vontade os reinvestia no pleno exercício dos seus direitos de nacionais, sem o que o Estado tivesse meios de se lhes opor!
Note-se que, então, mais combatida ainda do que a emigração desmesurada, era a que se destinasse, com toda a probabilidade, a integração definitiva no estrangeiro. Boa emigração, útil para os protagonistas e para o Estado só a temporária... - temporária, ainda que de muito longa duração, num entendimento diverso do que hoje damos ao conceito.
Aqui residia, a meu ver, a verdadeira “ratio” da norma que facultava a reaquisição da nacionalidade por livre decisão individual. Estranhável é que se tenha perdido tão pertinente visão global do ciclo migratório, e, com ela, o intuito de facilitar a reintegração na comunidade de origem, ao adoptar, em posteriores leis da nacionalidade, solução menos "acolhedora", menos liberal, menos eficaz. Na verdade, todas as leis seguintes vieram impor, para além de uma complexa e quase sempre morosa tramitação burocrática, o "direito de oposição" do Estado à recuperação da nacionalidade. Poder discricionário que foi mantido na chamada "lei da dupla cidadania", embora não no texto da Lei nº 37/81 de 3 de Outubro, que previa a reaquisição por “mera declaração do interessado", sem mais exigências, mas pela via regulamentar, que operou uma interpretação restritiva da norma, mantida por mais de duas décadas.
A admissão incondicional do pedido de recuperação da nacionalidade só veio a ser imposta (ou reposta, para os que defendem que a Lei de 81 foi descaracterizada em sede de regulamentação...) pela Lei Orgânica nº 1/2004 de 15 de Janeiro.
É de referir que houve, anteriormente, uma tentativa infrutífera de repristinar, parcialmente, a regra de recuperação automática da nacionalidade sancionada no Código Civil de 1867 –alargando-a às situações de permanência no estrangeiro, para tal dando à mera inscrição consular o mesmo efeito da declaração produzida, em caso de regresso, pelo emigrante oitocentista, perante as autoridades locais. (Aguiar, 1999: 156). Refiro-me ao Projecto de Lei nº 140/VIII que, apesar de não ter alcançado vencimento, constituiu um exemplo incomum de procura de uma solução para o futuro claramente inspirada na originalidade de velhos preceitos jurídicos.
Em 2004, encerra-se o último capítulo deste processo, que aglutinou não só políticos, mas “activistas” do que veio a considerar-se uma causa maior nas comunidades portuguesas de todo o mundo: não só é derrogado o “direito de oposição” estatal, como é garantida a retroacção dos efeitos da livre reaquisição da nacionalidade, por mera declaração de vontade. O cidadão é, doravante, o decisor único da sua pertença nacional, independentemente do lugar ou país de residência.
Um parêntesis, para olhar o que acontece na Europa, onde, neste campo, subsiste a divisão, no plano doutrinal e nos ordenamentos jurídicos internos – decorrente de experiências migratórias, antigas ou recentes, muito diversas – ou da sua falta. Uns são, ou foram, grandes países de origem de correntes migratórias. Outros são, essencialmente, destino desses movimentos… A nível do Conselho da Europa, a polémica prolongou-se por décadas, devido à inflexibilidade de blocos antagónicos, formados pelos Estados membros, que se afrontavam, mostrando pouco disponibilidade para negociar concessões… A Convenção de 5 de Maio de 1963 sobre a Redução dos Casos de Nacionalidade Múltipla, só veio a ser revogada, em 1997, pela Convenção Europeia sobre a Nacionalidade. Todavia, perante a irredutibilidade de alguns desses membros – nomeadamente a Alemanha, a generalidade dos países nórdicos, e não só… - o Conselho da Europa não foi além de uma posição de neutralidade na matéria.
Também não há consenso europeu na defesa do reconhecimento de um estatuto de direitos dos emigrantes, como mencionaremos adiante. No caso português, esse reconhecimento tem suporte constitucional, não só no que respeita à liberdade de circulação (art.º 44º), como em relação a novos direitos, que se englobam no "Direito dos Expatriados", uma construção jurídica em marcha, integrando "normas constitucionais, legais e regulamentares de direito interno e regras de direito internacional, tratados, convenções e princípios gerais de direito", como Barbosa de Melo teorizou no colóquio da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (APCE) sobre "Os laços entre os europeus residentes no estrangeiro com os seus países de origem", realizado em 1997. No relatório da APCE baseado sobre os estudos preliminares, os debates e conclusões do colóquio, este Direito emergente foi considerado a resultante de um processo evolutivo centrado no cidadão e na possibilidade do seu relacionamento com o Estado em novos moldes: " the emerging law of expatriates has citizens interests at heart and not directly the interests of states" (Aguiar and Guirado, 1999).
Os cidadãos vêem reconhecidos os direitos inerentes à qualidade de nacionais, independentemente da sua residência no estrangeiro – e, através deles, se impõe ao Estado a reestruturação das suas instituições e das suas leis, para que correspondam à dimensão humana do Nação e não apenas a uma organização de base territorial.
Segundo Bacelar de Gouveia, a nossa Constituição ensaia, desde 1976, gradualmente, a transição do paradigma "territorialista" para um paradigma "personalista” ou “nacionalista”. Caminhamos, assim, nem sempre em linha recta, para a "desterritorialização" dos direitos dos emigrantes (um neologismo muito utilizado, em qualquer da línguas oficiais, nas actas do colóquio e do relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, acima referidos).
A Lei Fundamental portuguesa denuncia pulsões contraditórias entre a vontade de aumentar os direitos de participação de todos os cidadãos, e a de "dar menos direitos a quem está fora do território, porque não contribui para os impostos..." , como reconheceu o constitucionalista na audição parlamentar organizado pela Subcomissão das Comunidades Portuguesas, para examinar e reequacionar os chamados "Mecanismos Específicos de Representação de Emigrantes", (Gouveia, 2004:61).
Hoje, já não se discute a possibilidade teórica do exercício de direitos políticos a partir do estrangeiro, mas a sua denegação ou consagração, mais ou menos alargada traduz-se, “de jure constituto”, em variadas formas de concretização. Entre elas se conta a adopção de meios específicos de representação de migrantes.
Um dos precursores do estabelecimento de tais meios, Emygdio da Silva, que chegou a propô-los, no começo do século XX, como sucedâneo para outras modalidades, então utópicas, de participação eleitoral de emigrantes, não precisaria de repetir agora o seu cauteloso comentário sobre a ousada proposta de um autor italiano, seu contemporâneo: "[…]sem pretendermos erigir em sistema as fantasias de um deputado italiano que, na Revista Económica Internacional aventava a ideia de que ao parlamento do seu país viessem representantes das colónias italianas em países estrangeiros [...]" (Silva, 1917: 211).
Na verdade, as "fantasias" há muito se erigiram em sistema, no Direito em vigor em muitos Estados – incluindo em Portugal e Espanha, ainda que, em outros países, nomeadamente do norte da Europa, se mantenha o apego ao dogma da "territorialidade" -tal como no século XIX o teorizava Locke. Podemos, pois, também nesta questão, nesta "vexata questio", constatar a existência de uma Europa plural, dividida em muitas e diferentes sensibilidades no terreno das políticas migratórias...
II - EMIGRAÇÃO - FORMAS MÚLTPLAS DE PRESENÇA
"[...] Que ideia nos fazemos nós de Portugal: Somos o povo sediado no chão europeu, demarcado pelos nossos maiores, ou o povo que deve ser tomado e considerado independentemente do território que ocupa em cada tempo?”
António Barbosa de Melo
1 - No Interior do País
A constatação das manifestações de presença, ou de pertença, dos expatriados foi irrompendo, cedo, despertada pelos "influxos financeiros" provocados pelos "fluxos migratórios" para o estrangeiro, relação de causa e efeito, crescentemente valorizada, nos meios políticos ou académicos, como na sociedade em geral - para o que contribuíam, sobremaneira, as características do nosso “emigrante tipo”, o seu modo de se integrar num outro país, sem perda de ligação ao seu. Porquê? Antes de mais, porque a emigração portuguesa envolvia, numa primeira fase, quase exclusivamente homens, que partiam sós, mas com o objectivo de executar um plano familiar de melhoria de vida. A primeira modalidade de cumprimento desse projecto era o envio maciço de remessas: para as famílias a garantia de escapar à faixa larga de miséria ou de pobreza, para o Estado uma inesgotável fonte de divisas, indispensável ao equilíbrio das contas externas.
No primeiro quartel do século XX, Fernando Emygdio da Silva escrevia: "... É da emigração de miséria que a Pátria tira, depois, o ouro com que salda a conta da sua desorientação económica e dos desperdícios financeiros. É da miséria que vem a nossa maior riqueza: do pária nostálgico e atavicamente aventureiro... é que vem o ouro [...] não se esquecem de nos enriquecer com as remessas, que ainda ali não representam um excesso, mas, a maior parte das vezes, a privação, ao menos nos primeiros anos." (Silva, 1917:107).
Oliveira Martins, Afonso Costa, Anselmo de Andrade, Artur Bello, Vieira da Rocha, Egmydio da Silva são alguns dos autores que, nas suas estimativas, nos traçam os gráficos da enorme dependência nacional face ao prodigioso volume de remessas da emigração (Silva, 1917: 105).
Estas prestações, tábua de salvação da economia portuguesa, configuram, assim, o modo mais antigo e mais reverenciado de os emigrantes aqui estarem presentes, não estando... E vão condicionar as políticas de emigração familiar, impondo fortes restrições à saída de mulheres e de menores, combatida em toda a medida do possível. O legislador tem em insignes juristas incondicional suporte. Afonso Costa qualifica o êxodo de mulheres como "[…] uma depreciação do fenómeno migratório […]", porque: "[…] é quando a família do emigrante fica na Pátria, que ele envia mais regularmente as suas economias" (Costa, 1913: 182). Na mesma linha de pensamento, Emygdío da Silva, para quem o crescente número de mulheres expatriadas, que, se verifica entre 1906 e 1913 (127% de aumento) "é uma constatação tremenda". Com idêntica justificação:"[…] perigo de desnacionalização e cessação de remessas[…]” (Silva, 1917: 132).
Vão os Homens, chegam as divisas, com as quais, de muito longe, imprimem marcas no território, influenciam a modernização de costumes, o consumo, o comércio, os transportes... Constroem ou reconstroem as casas, que, pelo seu porte, pelo gosto arquitectónico, inspirado em modelos estrangeiros se distinguem na paisagem rural ou na malha urbana, dando origem a críticas ambíguas ou díspares, a reacções de admiração, de mimetismo, de emulação, de inveja... Em qualquer caso, com elas conseguem testemunhar a "libertação" da pobreza antiga e escrever na pedra das moradias (no cimento, no azulejo, no ferro...) uma história de sucesso individual, que, em si, é, porventura, a manifestação de presença subjectivamente mais desejada. "Pour ces immigrés de première génération, il importe, surtout de rester portugais en France, mais encore plus de réussir le projet d’émigration qui leur permette de s’affirmer au Portugal comme ayant eu une réussite exemplaire […]". " La réussite du projet n'est envisagée et n'a de sens que si elle est reconnue et donc traduite en réalisation - le plus souvent la construction d’une maison dans la communauté villageoise d'origine. […]" (Cunha, 1988:61).
As migrações podem mudar de rumo, de continente, de estatuto económico, que nem por isso há descontinuidade na predominância deste investimento em casas, quintas, terras que têm valor, quase sempre, sentimental, afectivo, para além do valor de mercado...
Dos palácios, palacetes, casarões de”brasileiros" do século XIX e inícios de novecentos (Rocha Trindade, 2008: 143), passamos às vivendas modernas de "franceses", "venezuelanos" e outros, de diversas proveniências geográficas, que, desde 60 e 70, proliferam em todas as regiões de forte emigração - edificações de raiz ou modificação de fachadas e arranjos estruturais ou de pormenor, com benfeitorias e traços ostensivamente "estrangeirados" . Como que a dizer que a aventura pelo mundo fora valeu a pena. Nada de muito diverso do que ocorre, por exemplo, em Cabo Verde ou na vizinha Galiza (Mora: 2oo8:284).
Outra forma de sublinhar o sucesso da aventura migratória e de o partilhar, quaisquer que sejam as motivações subjacentes - da legítima vontade de afirmação à solidariedade mais desinteressada e genuína - é a construção de obras de beneficência, a contribuição para instituições locais, o impulso dado ao melhoramento das condições de vida nas suas terras. Há uma tradição de generosidade, que teve um ponto alto, com as grandes fortunas do Brasil, e que se continua, à medida das posses de cada um, em cada novo ciclo migratório.
2 – Nas Comunidades do Exterior
Se a presença dos emigrados através do bem-fazer nas terras de origem era bem conhecida dos conterrâneos, já não o era a vivência na sociedade de destino. A sua "descoberta" foi publicitada pelos primeiros estudiosos, que tiveram o privilégio de visitar as instituições fundadas pelos portugueses na “Diáspora”. Afinal, proclamavam eles, os emigrantes levavam consigo Portugal - não o deixavam, simplesmente, para trás...
Mas não foram muitos – e não terão chegado a fazer escola… - os especialistas da emigração que, no princípio do século passado, reconheceram a existência dessa rede de organizações e deram testemunho do seu significado: Afonso Costa, Emygdio Silva são algumas das excepções à regra.
Afonso Costa iescrevia: "... além disso, formaram-se colónias portuguesas em São Francisco, Oackland, em New Bedford e Providence, Boston e Brooklin, tendo com principal fonte da emigração os Açores". E caracterizava a sua agregação nestes termos: "As colónias portuguesas resistem, têm individualidade, mantêm o nome, a língua, os usos portugueses", acrescentando que a formação das "colónias": "[...] torna a emigração útil para a Pátria, perdendo o carácter de abandono da Pátria".
É uma verdade, que intuiu antes de muitos na sua época: o "abandono da terra" cessa pela integração numa a "colónia" ou "comunidade" de vivência portuguesa.
Por seu lado, Emygdio da Silva salientava "o sentimento associativo geral" entre os colonos portugueses do Brasil e chegava a uma conclusão, que pode, certamente, ser subscrita hoje em dia: "[…] a generosidade é a mais alta tradição da colónia portuguesa". (Silva, 1917: 278). Deixou-nos, também, uma relação circunstanciada das associações mais importantes, algumas das quais permanecem com esse estatuto: a Caixa de Socorros Mútuos Dom Pedro V, o Gabinete de Leitura, o Clube Ginástico Português, no Rio de Janeiro, a Sociedade Portuguesa de Beneficência e o Centro Português em Santos, os Gabinetes de Leitura de Salvador e de Recife e outras notáveis instituições de Belém, Belo Horizonte, Manaus, São Luís de Maranhão, Curitiba…
Todavia, não creio que ambos estes grandes conhecedores das comunidades oriundas da emigração, na sua época - e muito menos quaisquer outros... - tenham tido plena consciência de que estavam perante formações capazes de sobrevivência para além do fim dos tempos da emigração (isto é, da primeira geração de emigrantes). E, ainda por cima, alicerçadas na emigração familiar que queriam evitar a todo o custo: a que não tinha regresso, e, por isso, se considerava votada à fatal "desnacionalização".
Estavam, evidentemente, certos quanto ao decréscimo de retornos no quadro da emigração familiar, mas não, como agora sabemos, no que respeita à capacidade de resistência à "dissolução cultural" das comunidades formadas por terceiras e quartas gerações de portugueses, que, por exemplo, na Califórnia - um destino de não regresso, por excelência - continuam a falar a língua e a manter vivos costumes e rituais religiosos trazidos por antepassados. Esta outra insuspeitada forma de presença - a das comunidades organizadas, a que as mulheres e os jovens deram densidade e futuro - só veio a ser plenamente reconhecida e a influenciar as políticas de emigração, nos anos seguintes ao 25 de Abril de 1974. Sobretudo a partir da criação, em 1980, do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), um órgão representativo das organizações dos portugueses do estrangeiro, destinado a ser o interlocutor privilegiado do governo na definição e execução das políticas culturais e sociais, uma "[…] instituição medianeira entre a sociedade civil e o Estado" (Aguiar, 1986:83).
III - POLÍTICAS DE REENCONTRO
«Portugal é mais uma cultura do que uma organização rígida». Francisco Sá Carneiro
1 - A Representação das Comunidades da Diáspora
O reconhecimento da pertença dos emigrantes a uma Nação populacional ou "Nação de Comunidades", é coisa recente. Julgo que poderemos situar o ponto de viragem, nesta visão abrangente de nós mesmos, no I Congresso das Comunidades Portuguesas, realizado pela Sociedade de Geografia, em Setembro de 1964, a que se seguiu, dois anos depois, um segundo Congresso. Em muitas das intervenções aí registadas fica bem patente, o reconhecimento da inclusão dos expatriados no todo nacional. Numa frase lapidar, Gonçalves Cerejeira proclamava essa nova vontade de abrangência: “Onde está um português, aí está Portugal! “. Adriano Moreira, por seu lado, esclarecia que “a emigração não significa, de algum modo, o repúdio da condição originária de português. O portuguesismo é o património comum dos portugueses das sete partidas do mundo” (Moreira, 1981:345).
As comunicações encontram-se publicadas na revista da Academia Internacional da Língua Portuguesa, incluindo aquela em que Adriano Moreira fala de Portugal, "Nação peregrina" (Moreira, 1973: 57). Uma expressão muito glosada e que viria a inspirar novas designações parra a mesma ideia da diáspora portuguesa – tais como o "Portugal maior" de Vitorino Magalhães Godinho ou a "nação de comunidades" de Francisco Sá Carneiro - um novo "olhar", uma nova concepção de nós .
Na audição parlamentar de 2004 sobre a temática da representação dos "ausentes", a que aludimos, Adriano Moreira (o principal impulsionador destes Congressos, na qualidade de presidente da Sociedade de Geografia) foi convidado a traçar o quadro de preparação dessas iniciativas e seus objectivos. Segundo ele: "A ideia traduziu-se numa espécie de sistematização do que era a presença de Portugal no mundo, do ponto de vista das comunidades. Utilizamos uns conceitos operacionais que as arrumavam em três espécies". A primeira era composta pelos emigrantes de 1ª geração, a segunda pelos seus descendentes, que mantinham ligação às raízes, a terceira pelas comunidades filiadas na cultura portuguesa - obra também dos emigrantes, que "[…] aculturavam os povos por onde passavam". (Audição 2004:100).
Pelo empreendimento, inédito em Portugal, pela consciência da existência de um património histórico, que havia que preservar e potenciar, pela estratégia de criação de uma base institucional, para prosseguir esse projecto (com a criação da União das Comunidades - que teve efémera duração - e da Academia Internacional da Cultura Portuguesa), os dois Congressos da Sociedade de Geografia são precursores das políticas ditas "de reencontro", empreendidas a partir do final da década seguinte.
O primeiro "Congresso Mundial das Comunidades Portuguesas", depois de 1974, foi, como historiou o deputado Carlos Luiz, organizado, a partir de 1979, por uma Comissão que integrava elementos do Conselho da Revolução, sob a presidência de Vitor Alves, com o apoio do Presidente Ramalho Eanes (Audição 2004:36), mas viria a ser adiado para Junho de 1981 e levado a cabo por uma segunda comissão organizadora, presidida por Rosado Fernandes, um nome indicado pelo Governo. Se não foi efectivamente pioneiro, foi, de qualquer modo, o primeiro realizado sob a égide do Estado, com a presença de portugueses dos cinco continentes mundo, dirigentes das instituições em que se estrutura o espaço universal da cultura portuguesa, alguns dos quais haviam já respondido à chamada da Sociedade de Geografia, na década de 60 e integravam o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), cuja reunião fundadora se havia realizado dois meses antes, em Abril.
Criado em 1980, como dissemos, este órgão consultivo de representação das comunidades, era eleito no interior do movimento associativo, cuja capacidade de agregação e autenticidade se pretendia potenciar. Na óptica governamental, "[…] para garantia dessa autenticidade se baseou o processo de eleição dos representantes nas associações, que são a estrutura organizacional e os centros de vida das comunidades portuguesas do estrangeiro" (Aguiar, 1986:84). Do preâmbulo da Lei nº 373/80, resulta claramente a intenção de aproveitar a capacidade, o empenho, a autoridade moral de quem tem obra feita, respeitando a independência das instituições perante o Estado e face ao próprio "CCP", enquanto instituição pública: "O Conselho " […] de modo algum pretende substituir-se aos movimentos preexistentes, pois se pressupõe ser condição de êxito deste projecto a vitalidade e capacidade de afirmação das próprias associações."
É na real autonomia da "sociedade civil" face ao Estado, trazendo ao "forum" de debate os seus próprios projectos, assim como no enfoque dado à força organizacional das comunidades, que este Conselho - ao contrário dos que mais tarde o haviam de continuar, em moldes distintos, à margem do centro de gravitação associativa - estava próximo do escopo e das preocupações metodológicas do movimento precursor de sessenta, como se evidencia nas palavras de Adriano Moreira, referindo-se aos congressos que dinamizou: "Qual foi o método que utilizamos? Foi partir em primeiro lugar da capacidade dessas associações e, por isso, o nosso ponto de referência foram as associações, sobretudo do Brasil, que era sempre o maior campo de observação" (Audição: 2004:63).
A "União" projectada na década de 60, poderia, creio, ter dotado o movimento associativo das comunidades do estrangeiro de uma estrutura federativa, semelhante á que, de há muito, existe na maioria dos países europeus de emigração. Mas, como vimos, foi uma experiência logo interrompida. O CCP da década de 80 visava colmatar essa lacuna, e, do mesmo passo, dar início a um novo ciclo nas políticas para as comunidades portuguesas, como ressaltava do discurso oficial (Aguiar, 2009:259). Mas também não atingiria esse objectivo primordial. O órgão consultivo foi perdendo a sua centralidade e capacidade de interlocução, por falta de consulta e audição governamental e acabaria substituído por um novo "Conselho", que integrava um complexo conjunto de colégios eleitorais e que nunca funcionou plenamente.
Em 1996, o CCP foi reactivado, numa terceira configuração, passando a ser eleito por sufrágio directo e universal. O distanciamento do mundo associativo, acrescido da ambiguidade da sua própria natureza dual (órgão representativo, eleito directamente pelos emigrantes, órgão consultivo do governo...) não tem facilitado a interacção com o governo, a administração pública e os media nacionais, que o “Conselho” só conseguiu na sua primeira fase (Aguiar, 2009:260).
É, em qualquer caso, o órgão de manifestação da "presença" dos expatriados, por excelência. Poderá, dar-lhes, a meu ver, com mais meios e mais audição, como reclamam os Conselheiros, a voz e visibilidade que os emigrantes ambicionam ter no país (e não têm tido).
Assim o julgou, também, a Subcomissão das Comunidades Portuguesas, que, por decisão unânime dos seus membros, promoveu duas sucessivas audições para reflexão sobre os modelos que melhor serviriam o futuro da instituição: o primeiro, em 2003, orientado para a procura de inspiração em soluções de direito comparado e na experiência de vida de órgãos semelhantes existentes na Suíça, em França, Itália, Espanha e Grécia; o segundo, a que fizemos várias menções, em 2004, para a avaliar a eventual "constitucionalização" do órgão, conferindo-lhe um carácter quase senatorial.
Constitucionalistas como Barbosa de Melo e Bacelar de Gouveia, assim como Adriano Moreira, intervieram no debate. Para Barbosa de Melo, a consagração da existência e das competências do CCP no texto da Constituição Portuguesa pode ser uma vantagem: Constitucionalizar, sim, “mas constitucionalizar como órgão do Estado português e não como órgão de Governo ou como órgão da Assembleia da República. Do que se trata aqui é de um instrumento para o exercício dos direitos fundamentais e constitucionais dos nossos compatriotas emigrados perante o Estado no seu conjunto". (Audição 2004:33).
Aberto à aceitação de uma emenda constitucional, mas recomendando prudência, Bacelar de Gouveia, acompanha essa posição: "É preciso não nos entusiasmarmos em demasia com a ideia da constitucionalização. Há muitas constitucionalizações e não só uma [...]" (Audição, 2004: 63).
Outro tanto se poderia dizer do CCP, independentemente da sua entrada no "santuário" que a Lei fundamental configuraria, colocando-o fora do alcance do poder discricionário dos governos.
2 - Novos Direitos dos Expatriados
A igualdade de direitos dos expatriados face aos residentes é hoje um reivindicação generalizada, ao menos nos países de "diáspora" - uma reivindicação para a qual o CCP foi, aliás, um instrumento de primeiro plano.
Na sua plenitude, a igualdade está longe de ser alcançada em Portugal. Faz parte do ideário de alguns partidos políticos, mas não, nos mesmos termos, nas de outros. Por isso, desde 1974, se tem caminhado, a par e passo, numa incessante busca de equilíbrios e de consensos, na Constituição e nas leis, para a afirmação gradual, progressiva de um estatuto de novos direitos culturais, sociais e políticos. O "estatuto dos expatriados".
Direitos Culturais
O Estado, assume, no Capítulo III, art.º 74 da Constituição, a incumbência de " assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa", mas incumpre largamente esse dever - e mais em determinados quadrantes geográficos do que noutros... Mais nas comunidades transoceânicas do que na Europa, a levantar a suspeita de que se vem privilegiando a emigração temporária, ou de retorno, como é (ou se pensava que fosse...) a do nosso continente. Por outras palavras: a língua é ensinada, sobretudo, na perspectiva do apoio à reinserção dos jovens de 2ª geração e negligenciada como instrumento de preservação das comunidades de cultura portuguesa no mundo, nos destinos transoceânicos, da América do Norte à Oceânia, com algumas excepções (como Macau, Maputo e, em certa medida, a República da África do Sul).
Se a nível dos cidadãos não há igualdade de tratamento, nesta área estratégica, o mesmo acontece no plano institucional. O mundo associativo ao qual fizemos referências, tendo embora finalidades semelhantes ao que lhe serve de modelo em Portugal, deve-se inteiramente à iniciativa privada, apesar de prosseguir, em simultâneo, o escopo adicional de alargar o espaço da presença portuguesa, universalmente. Dentro de fronteiras poucas ONG's atingiriam os seus objectivos sem a robusta componente do apoio estatal, a ponto de se falar a seu respeito, frequentemente, de "subsídio - dependência". Fora do País, pelo contrário, a verdade é que nenhum centro social e cultural, grande ou pequeno, nenhum clube ou sociedade beneficente existiriam, se tivessem esperado por verbas do erário público para se constituir... Mesmo quando algum apoio acabaram por receber, no conjunto, ele foi, e é, diminuto.
Direitos sociais
Ao contrário do que acontece no domínio cultural, a Constituição não faz, no capítulo II, dedicado aos "Direitos e Deveres Sociais", qualquer expressa referência aos emigrantes.
É certo que o art.º 63, no seu nº 1º, determina: "Todos têm direito à segurança social", tal como o art.º 74, no seu nº 1º, assegura: "Todos têm direito à educação e cultura". Todavia, neste outro capítulo, "todos" já são apenas todos os que residem no território... Uma das várias contradições flagrantes da nossa Lei Fundamental, no que às consequências da ausência do território respeita.
Tradicionalmente, como é sabido, o Estado quase se limitava a apoiar o repatriamento dos seus nacionais, em situações de extrema miséria. Um gesto de solidariedade que não configurava um direito, e ainda hoje se não encontra regulamentado como tal, apesar de ter sido, aprovado, na generalidade, um diploma que não chegou a ser apreciado na especialidade, nem objecto de votação final global. (Aguiar, 2006:68).
Em anos recentes, pelo menos desde a década de 80, a Secretaria de Estado da Emigração concedia apoios pontuais em outras situações de necessidade, através dos seus serviços no estrangeiro, mas só em 1999 o Governo instituiu o Apoio Social a Idosos Carenciados (ASIC). Uma prestação de montante variável, de país para país, atribuída, com restrições, e longe de ser o equivalente de pensões não contributivas ou de mínimos de rendimento, tal como são garantidos dentro de fronteiras...
Em Direito comparado, há, actualmente, exemplos de sistemas de assistência na doença e na velhice, nomeadamente em países de emigração semelhante à nossa, como a Espanha ou a Itália - o que aumenta o sentimento de abandono de que os portugueses mais pobres se queixam, sobretudo em sociedades onde coexistem com emigrantes europeus melhor protegidos pelos Estados nacionais (caso do Brasil e da América de língua espanhola).
Direitos Políticos
O restabelecimento da democracia em 1974, veio dar aos emigrantes, pela primeira vez, direitos de participação na vida pública: inicialmente, apenas o de elegerem quatro deputados, em dois círculos eleitorais próprios - uma excepção ao princípio constitucional da proporcionalidade, pelo método de Hondt .
Com a adesão à CEE, na qualidade de cidadãos europeus, ganharam o direito de voto nas eleições para o Parlamento Europeu, embora só desde 2004 esse direito tenha sido alargado aos que vivem fora do espaço da União Europeia (Aguiar, 2006:85).
Foi preciso esperar pela revisão constitucional de 1997 para conseguirem o direito de voto na eleição do Presidente da República, após décadas de luta, que o CCP encabeçou. O sufrágio foi-lhes, porém, concedido com restrições. Têm capacidade eleitoral passiva apenas aqueles que comprovem, nos termos do nº 2º do art.º 121, "laços de ligação efectiva à comunidade nacional".
Limitações cerceiam, igualmente, a participação dos emigrantes em "referenda" nacionais, admitida apenas quando "recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito". O entendimento sobre a qualificação da matéria que especificamente "também" lhes respeita nunca foi pacífica – mostra a lição da experiência ser questão em que os partidos, a começar pelos dois maiores, costumam divergir, obstaculizando a participação.
Para além da diversidade de universos eleitorais - para legislativas, para os "referenda" e para as presidenciais - há ainda a dualidade de modos de votação, visto que nas legislativas os emigrantes votam por correspondência, nas presidenciais e europeias, por sufrágio presencial. (Machado, 2009:41). Da participação nas eleições locais e autonómicas - que é facultada nos países europeus, dos quais nos sentimos próximos pela geografia e pela história das migrações – estão ainda excluídos, por força do texto constitucional.
Ao contrário do que acontece com as prestações sociais e com a extensão da rede de ensino, que acarretam custos substanciais, a concessão do voto não, pelo que as restrições estabelecidas resultam, obviamente, de falta de vontade ou consenso política, consequência de uma visão estreita da "comunidade política nacional" . Tem sido quase sempre difícil o consenso nesta matéria entre os dois partidos do "chamado "bloco central", PS e PSD, que, por si só, perfazem a maioria qualificada de dois terços, exigida para qualquer alteração constitucional ou para a aprovação de leis orgânicas, como são as eleitorais.
A divisão e o dissenso estendem-se, aliás, ao interior dos partidos. No que respeita ao alargamento do sufrágio, é o caso do PS. No PSD, aparentemente mais unido na reivindicação de igualdade de direitos políticos para todos os portugueses, podem apontar-se, por exemplo, mudanças radicais na forma de conceber a representação dos emigrantes no Conselho das Comunidades.
Os expatriados têm fundadas razões de queixa de um sistema que prima pela falta de unidade e coerência e não lhes assegura o pleno exercício dos direitos de cidadania.
CONCLUSÃO
"Le Portugal est maintenant un petit pays de 90.000 kilométres carré, plus les iles atlantiques. Cependent, il est beaucoup plus que cela et il essaye de s’organiser comme nation en un petit territoire mais avec un peuple immense, dispersé sur tous les continents [...]"
Francisco de Sá Carneiro, Primeiro- Ministro, discursando perante a APCE em 21 de Abril de 1980
A emigração portuguesa mudou desde os seus primórdios, mudou, mesmo que consideremos, apenas, a que aconteceu, em vários ciclos, no século passado, mas mudou certamente menos do que as leis, o discurso político ou a opinião pública sobre a sua natureza e sobre os efeitos jurídicos que esta deve determinar.
Olhares, discursos (no plural...) distintos sobre uma realidade migratória, que mantém muitos traços comuns: a realidade da saída de homens e mulheres - estas hoje, cada vez mais, em pé de igualdade - que abandonam o território por razões económicas e em massa (contra todas as expectativas geradas no período que se seguiu ao ingresso de Portugal na CEE); a existência de uma vasta rede de organizações de solidariedade e de fins culturais que decorrem da vivência colectiva no estrangeiro, em "comunidades"; a manutenção de relações de toda a ordem como país de origem, incluindo o envio de poupanças ainda vultosas.
No entanto, essas remessas, completamente ofuscadas pelos "fundos comunitários" deixaram de estar no centro das atenções, de ter o mesmo peso sociológico. Outros aspectos da emigração passaram, e não só por isso, a ser mais valorizados - caso da dimensão humana da"diáspora" e do reconhecimento património cultural, construído e preservado em muitos países do mundo, nas comunidades oriundas da emigração.
Em termos de estatuto jurídico, os emigrantes viram, desde 1974, respeitado e, desde 1976, consagrado constitucionalmente, o direito de livre circulação, e passaram a beneficiar de políticas de protecção extensivas a todo o ciclo migratório, da partida à estada no estrangeiro e ao regresso (ainda que não necessariamente executadas em termos ideais, e com os meios suficientes…). O princípio da igualdade entre todos os cidadãos, independentemente da residência é hoje aceite, embora dele se não tirem todas as possíveis consequências.
Está, assim, consumada a adesão ao "paradigma personalista" - na tipologia de Bacelar de Gouveia . Nele cabem tanto políticas mais orientadas para a visão atomística do cidadão, com o seu estatuto de direitos face ao Estado, como as que privilegiam, também, a cooperação e a parceria institucional com as comunidades organizadas, dotadas de identidade e de coesão, criadoras de património cultural e formadas por um movimento associativo, capaz de reivindicação e de afirmação de formas próprias de presença portuguesa no mundo.
Fevereiro, 2010
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RESUMO
A ausência significava, no paradigma “territorialista” tradicional, a ruptura com a sociedade do país e a perda de direitos de cidadania, direitos políticos, sociais e culturais. Os ausentes eram despojados da própria nacionalidade, se adquirissem uma outra. Porém, o carácter automático da recuperação da nacionalidade, em caso de retorno definitivo, indicava que o legislador oitocentista se dava conta da subsistência dos laços de ligação à pátria durante o período de ausência.
Para a progressiva tomada de consciência das formas de vencer o distanciamento físico pela presença dos emigrantes na vida da sociedade portuguesa contribuíram, antes de mais, as remessas, os investimentos, as dádivas para a melhoria das suas terras. Mais tardio foi o reconhecimento de uma outra forma de presença, através da criação, no exterior, de espaços de língua e cultura portuguesa.
A democratização do país, em 1974, veio permitir a transição progressiva para o paradigma "personalista", em que os expatriados gozam de um novo estatuto de direitos, tendencialmente igual aos dos residentes, e as comunidades do estrangeiro são vistas como parte integrante do património cultural da Nação.
INTRODUÇÃO
Abordo neste trabalho a forma como as migrações portuguesa foram vistas, no país - pelo legislador, em primeira linha, mas também por políticos, estudiosos, opinião pública - ao longo do largo período, que cabe no conceito de emigração, em sentido estrito, excluindo o tempo da Expansão, e da colonização, designadamente da colonização do Brasil, muito embora se deva reconhecer a importância do passado distante, de onde vem a tradição de partir para longe, como meio ideal de resolver problemas de sobrevivência, de emprego, de ascensão social, de enriquecimento supostamente fácil... Houve, de facto, uma linha de continuidade nessa tradição multissecular, e na forma como os expatriados se envolveram na vida das sociedades de destino, (parecendo sempre mais ousados e mais solidários, quando fora do um pequeno território, de horizontes limitados...), assim como no modo de se relacionarem com a terra de origem, para ela enviando uma infinidade de pequenas economias, e, mais raramente, mas com formidável impacte, grandes fortunas, com elas ajudando as famílias, o desenvolvimento das comunidades locais e o equilíbrio das finanças públicas.
Assim se compreende que, após a independência do Brasil, os fluxos migratórios espontâneos não tenham sofrido nem desvio nem diminuição, bem pelo contrário. Assim se explica, igualmente, o favorecimento do destino brasileiro, território estrangeiro, em detrimento das colónias de África, por uma corrente da "inteligentzia" portuguesa conhecedora desta harmónica transição do papel de colonizador para o de emigrante.
Ao delimitar aquele período temporal, não deixo de lhe atribuir carácter, até certo ponto, artificial, tanto mais quanto a posição do legislador sobre o excesso dos fluxos de saída se mantém praticamente inalterada. De facto, desde as Ordenações Filipinas até meados do século XX, as manifestações de actividade legislativa, ou o que poderemos chamar políticas de emigração, foram pouco mais do que medidas proibitivas ou limitativas de um movimento, que assumia a feição de um êxodo desmesurado.
Políticas de verdadeira protecção e de reconhecimento dos direitos de cidadania dos expatriados não houve, embora tenha havido preocupação, e, em abundância, estudos, debates, polémicas, chamadas de atenção - inclusivamente no próprio parlamento, com a constituição de duas comissões parlamentares de inquérito no século XIX. As conclusões e os remédios propostos, nomeadamente pela comissão parlamentar em 1872, não foram, porém, levados a cabo... O mesmo se diga de muitas outras propostas, algumas de investigadores ou especialistas neste domínio, que foram também políticos, como Oliveira Martins e Afonso Costa. Muitas das observações e dos projectos, que não conseguiram executar, mantiveram actualidade ou vieram, embora muito tardiamente, na actualidade, a ser contempladas na Lei. Mas em outros aspectos, como será sublinhado, foram "homens do seu tempo" e não conseguiram dar a uma realidade migratória, a formas de “ausência”não fundamentalmente diferentes das que ainda agora conhecemos, o tratamento de que somos capazes na actualidade, no campo do Direito.
Neste trabalho percorreremos vários ciclos da vida da emigração, que mais do que seria expectável, se encadeiam e se aproximam na psicologia das gentes, no seu comportamento face ao país, na organização social do espaço que habitam no estrangeiro, criando o seu próprio "mundo português", dentro de outros mundos em que interagem e se integram, as mais das vezes, bem.
As "situações de facto" em que as múltiplas formas de”presença dos ausentes” se afirmam, multi-secularmente, dentro e fora do país, só se convertem em "situações jurídicas" no nosso tempo - no sentido de gerarem direitos individuais e um novo relacionamento entre Estado e os cidadãos, entre o Estado e as instituições da “sociedade civil”: escassas décadas de rápida transformação das ideias e das leis, que rompem com séculos de denegação jurídica e de descaso político! Um "encontro dos cidadãos com a lei", poderíamos dizer, parafraseando Jean Carbonnier.
O novo "direito dos expatriados", irradia no cerne de uma concepção "personalista", por oposição ao tradicional paradigma "territorialista"e é produto da nossa época - tendo ganho progressivamente terreno no panorama europeu, como se constata na perspectiva de direito comparado, muito embora seja, ainda, sede de particularismos nacionais. O caso português é, com alguns dos seus arcaísmos, combinados com laivos de pioneirismo, certamente merecedor de registo, e oferece aos interessados um campo de observação alargado a séculos de intenso movimento, de mutações, mas também de surpreendentes constantes na vida e na acção dos indivíduos.
Neste ramo emergente do Direito, em via de sólido enraizamento, confrontam-se, ainda, diferentes olhares, visões plurais, no plano nacional e internacional. Tenho a minha - como jurista e como participante, ao longo de um quarto de século, em muitos dos colectivos por onde passou o processo legislativo em Portugal e até, também, a nível europeu, no Conselho da Europa - e com ela escrevo as linhas que se seguem.
I - A EMIGRAÇÃO COMO AUSÊNCIA
«Não nos admiremos. Eram as ideias do tempo.» Affonso Costa
1 - A Ausência, na Sociedade e no Direito
O fenómeno das migrações, sempre multifacetado, envolve componentes muito diversas, em que as formas de ausência e de presença (presença física, mas não só, também afectiva, sentimental, económica, cultural...) se sobrepõem ou se interligam, no plano individual como colectivo, e vão sendo percebidas, ao longo de épocas ou de ciclos, muito diferentemente.
Numa abordagem tradicional, a ausência implica fatalmente uma ruptura, conotada com o abandono ou a desistência de fazer vida e carreira na própria terra. Olhada a emigração por parte de quem fica, assim foi, e em certa medida ainda é, na opinião pública, no juízo do povo e dos vizinhos, assim como em correntes doutrinais mais resistentes a uma nova visão das coisas.
Completamente oposta foi, através dos tempos, a perspectiva, o sentir comum dos próprios emigrantes – aliás, abundantemente expresso em gestos de solidariedade e em directos contributos para o bem-estar das famílias e das comunidades locais, em comportamentos reveladores da ligação à terra de origem, que são uma constante na história da emigração portuguesa dos últimos dois séculos e, a meu ver, até também nos períodos antecedentes. De facto, o móbil de procurar, lá fora, progresso e fortuna e de a repartir com os seus, é compatível com qualquer dos enquadramentos do movimento de expatriação, que conhecemos historicamente - o esforço de colonização empreendido ou incentivado pelo Estado, ou a demanda individual, espontânea, de trabalho no estrangeiro. Autores de diferentes épocas, dão-se conta desta realidade, desde Oliveira Martins, ou Afonso Costa (Costa, 1911:243), até aos nossos contemporâneos Miriam Halpern Pereira ou Joel Serrão (Serrão, 1974: 110).
Mas nem os governantes do Reino, nem, posteriormente os da República e do “Estado Novo”, nem sequer os doutrinadores, em cada um desses períodos, fizeram questão de aventar ou conceder contrapartidas ao contributo dos expatriados, pelo menos no domínio do exercício da cidadania.
O universo jurídico é um mundo formal, aparentemente fechado sobre si próprio, com vocação original para a estabilidade, mas capaz de evolução, nos diversos ramos do Direito, nomeadamente no que respeita às migrações. Constata-se, porém que, entre nós, mudou pouco ao longo de séculos, porque o legislador se limitou a seguir conceitos e preconceitos firmados e não procurou fazer pedagogia ou induzir transformações (objectivo ao seu alcance, mas mais fácil em períodos de mudança radical de regime político e constitucional, como foi o posterior à revolução de 1974, em Portugal - o primeiro, aliás, a tornar-se portador de inovação significativa nas políticas de emigração, ao contrário do que acontecera na transição da Monarquia para a República, e da República para a ditadura).
O peso que os emigrantes iam ganhando na economia do País foi amplamente reconhecido, mas não do ponto de vista jurídico. O nosso ordenamento ignorou, pura e simplesmente, a prevalência dos laços de ligação à terra sobre a força de dissolução atribuída ao afastamento. A saída para o estrangeiro continuou a ser, obstinadamente, vista como um corte com a comunidade nacional, se não mesmo como uma deserção. Por isso, a ausência, ainda que temporária, tinha repercussão imediata na esfera do Direito: total suspensão do exercício de direitos políticos, principal atributo da cidadania e cessação de quaisquer prestações e apoios do Estado, no campo social e cultural - restando uma incipiente protecção consular (cuja insuficiência foi, vezes sem conta, denunciada pelos próprios diplomatas, em ofícios, que podem ser consultados nos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros).
O Estado começou por cuidar, fundamentalmente, desde o início da Expansão, de diminuir o caudal imparável dos fluxos migratórios, com medidas proibitivas os restritivas (Serrão, 1974:106). Só mais tarde, já em pleno século XX, sobretudo na segunda metade, se nota a preocupação de, a par do controlo dos movimentos migratórios, assegurar aos emigrantes um apoio centrado no acompanhamento e fiscalização das condições de transporte marítimo - como é sabido, causa de muitas queixas, sofrimentos e fatalidades, que faziam notícia frequente na imprensa. Maria Beatriz Rocha Trindade denomina-as, expressivamente, "políticas de trajecto de ida". De facto, a protecção cessava no fim da viagem transoceânica, ficando os homens, a partir daí, entregues a si próprios, face às dificuldades que quase sempre os esperavam.
Neste contexto sociopolítico, não surpreenderá que, apesar da influência que a emigração teve, e tem, na sociedade portuguesa - com cerca de um terço da população a viver fora do País, desde o século XVI - não haja sido dado tratamento autónomo e sistematizado aos efeitos da ausência dos cidadãos no exterior, onde, em regra, permaneciam com morada conhecida, em contacto com familiares e amigos.
A temática da ausência, de que se ocupava, demoradamente, o Código Civil de 1867, era apenas a que configurava o desaparecimento “em parte incerta” (artigos 55º a 96º do Código Civil). A "ausência", nesse sentido, tanto podia verificar-se no contexto da emigração como não, pois, como é óbvio, o facto de uma eventual "evasão" para "parte incerta" no estrangeiro não precludia a aplicação da lei geral...
Mudámos, entrementes, o Código Civil, em consecutivas reformas, de maior ou menor monta, mas ainda hoje não é, em primeira linha, nesse Código, mas na Constituição e em outras leis, como as eleitorais, ou como as que regem o regime de segurança social, de fiscalidade, de serviço militar ou de ensino, que terá de procurar-se a regulamentação dispersa de um "estatuto dos ausentes", composto pelos seus direitos e deveres - que o mesmo é dizer as formas de valoração jurídica da ausência ("hoc sensu"). Acrescente-se também o direito penal, já que a emigração clandestina foi criminalmente sancionada quase até ao termo do chamado “Estado Novo” - questão não despicienda, pois se estima em cerca de um terço do total, através dos vários ciclos migratórios, os que afrontavam as normas proibitivas da saída…
A liberdade de circulação, aclamada ao nível dos princípios, desde o advento da Monarquia Constitucional, era, contudo, de facto, obstaculizada por múltiplos expedientes burocráticos, por regulamentação prevendo taxas e alcavalas, pelo custo desmesurado de passaportes (Costa, 1911:166). E, como já acentuei, só se alcança em Portugal, plenamente, com a Constituição de 1976.
O estatuto dos ausentes era, pois, repito, de sinal negativo, consistindo no esvaziamento de direitos políticos e, em regra, de direitos às prestações do Estado nacional, em todos os sectores, do social ao cultural. A ida para o estrangeiro significava uma verdadeira "capitis diminutio" - o interesse dos indivíduos, mormente o seu direito de emigrar, era subordinado ao interesse público, tal como foi, em concreto, entendido, sem grande contestação, até 1974.
O Direito, na sua marcha para plasmar novas realidades (ou, eventualmente, novas avocações da realidade…) pode ser uma resultante tanto de avanços científicos e doutrinais como de projectos ou propósitos políticos, porventura incutidos pelos media, por grupos, sindicatos, movimentos de cidadãos, correntes de opinião, que se constituem em fonte de inspiração, de influência e poder... No domínio da emigração, foi assim sendo imposta, em cada momento histórico, uma leitura da realidade não necessariamente coincidente com a verdade, tal como viam os seus protagonistas. A distância interposta entre os emigrantes e os centros de decisão política (e legislativa) era a distância geográfica, mas não só: era, também, uma marginalização de ordem social e política, que só foi - ou vai sendo... - superada pela sua capacidade de se fazer ouvir e compreender, levando à progressiva tomada de consciência geral das suas situações e dos problemas...
Políticas de sistemática protecção social e de apoio cultural aos emigrantes, em Portugal como em termos de Direito comparado, são relativamente recentes – coincidindo o seu início, em vários casos, com o termo de trágicos conflitos e provações colectivas - a última grande guerra mundial, a descolonização (em Portugal, tardia mas não menos determinante de uma maior solidariedade social, que directamente beneficiou os expatriados). Uma reviravolta que, no caso português, tivera a sua”pré-história” nas primeiras tímidas medidas de protecção social suscitadas pelo dramatismo de que se revestiu a chamada “emigração a salto” para a França e outros países vizinhos, a partir da década de 60.
2- Do Paradigma “Territorialista" ao "Personalista"
Voltemos ao Código Civil de 1867 para analisar as motivações do multissecular descaso dos poderes públicos pela sorte aos emigrantes.
Não haverá disposições mais reveladoras do modo de ver tradicionalmente o emigrante do que as que regem, uma vez perdida, durante o tempo de estada no estrangeiro, a nacionalidade portuguesa, a sua reaquisição, na hipótese de regresso. A perda automática era determinada pela atribuição de nacionalidade estrangeira - uma cominação que constituía, então, a regra, com uma argumentação que ainda hoje sustenta, em muitos países, a mesma solução: antes de mais, o dever de lealdade ao Estado, visto como "exclusivo" e "individual". Uma partilha de sentimentos e afectos em relação a dois países, ironizam alguns autores, assumia um carácter semelhante à do crime de bigamia: "In this concept, dual nationality is viewed as analogous to bigamy, amounting to a kind of cheeting in both polities" (Aleinikoff e Klusmeyer, 2002:29).
Hoje, a tese contrária pretende basear-se na melhor compreensão da natureza humana, dos fenómenos de integração em sociedades abertas ao interculturalismo (por oposição àquelas que pretendem forçar, directa ou indirectamente, a “assimilação” dos estrangeiros), num quadro global de diluição de conflitos bélicos entre nações dadoras e receptoras de migrantes. Privilegia-se a vontade de dupla pertença, da dupla cidadania, como a mais próxima do ser e querer das pessoas.
Portugal só viria a abolir o princípio da unicidade de nacionalidade em 1981 – não sem controvérsia, dentro e fora do parlamento. Em oitocentos, o Código de Seabra aderia à tese da unicidade – e nada de extraordinário se poderá apontar a tal opção… Extraordinário é, sim, o disposto no seu articulado, no respeitante à reaquisição da nacionalidade: após estipular que "perde a qualidade de cidadão português o que se naturalizar em país estrangeiro" dizia o art.º 22º que "pode, porém, recuperar essa qualidade, regressando ao reino com ânimo de domiciliar-se nele, e declarando-o assim perante a municipalidade do lugar, que elegeu para domicílio". O artigo seguinte, sobre os efeitos da recuperação da nacionalidade, não dá a esta reaquisição, eficácia retroactiva: "[...] as pessoas só podem aproveitar desse direito desde o dia da sua reabilitação".
A denegação da retroactividade sublinha, de algum modo, o carácter de ruptura irreparável da ausência, pelo tempo em que perdura. Mas o legislador mostra perfilhar a concepção dos especialistas na matéria que só viam vantagem numa emigração se ida e volta, com a reinserção dos homens (ainda que num prazo dilatado pela necessidade de atingirem os seus objectivos económicos). Por isso, os emigrantes não se "desnacionalizam", em definitivo, e em caso de retorno uma simples manifestação da vontade os reinvestia no pleno exercício dos seus direitos de nacionais, sem o que o Estado tivesse meios de se lhes opor!
Note-se que, então, mais combatida ainda do que a emigração desmesurada, era a que se destinasse, com toda a probabilidade, a integração definitiva no estrangeiro. Boa emigração, útil para os protagonistas e para o Estado só a temporária... - temporária, ainda que de muito longa duração, num entendimento diverso do que hoje damos ao conceito.
Aqui residia, a meu ver, a verdadeira “ratio” da norma que facultava a reaquisição da nacionalidade por livre decisão individual. Estranhável é que se tenha perdido tão pertinente visão global do ciclo migratório, e, com ela, o intuito de facilitar a reintegração na comunidade de origem, ao adoptar, em posteriores leis da nacionalidade, solução menos "acolhedora", menos liberal, menos eficaz. Na verdade, todas as leis seguintes vieram impor, para além de uma complexa e quase sempre morosa tramitação burocrática, o "direito de oposição" do Estado à recuperação da nacionalidade. Poder discricionário que foi mantido na chamada "lei da dupla cidadania", embora não no texto da Lei nº 37/81 de 3 de Outubro, que previa a reaquisição por “mera declaração do interessado", sem mais exigências, mas pela via regulamentar, que operou uma interpretação restritiva da norma, mantida por mais de duas décadas.
A admissão incondicional do pedido de recuperação da nacionalidade só veio a ser imposta (ou reposta, para os que defendem que a Lei de 81 foi descaracterizada em sede de regulamentação...) pela Lei Orgânica nº 1/2004 de 15 de Janeiro.
É de referir que houve, anteriormente, uma tentativa infrutífera de repristinar, parcialmente, a regra de recuperação automática da nacionalidade sancionada no Código Civil de 1867 –alargando-a às situações de permanência no estrangeiro, para tal dando à mera inscrição consular o mesmo efeito da declaração produzida, em caso de regresso, pelo emigrante oitocentista, perante as autoridades locais. (Aguiar, 1999: 156). Refiro-me ao Projecto de Lei nº 140/VIII que, apesar de não ter alcançado vencimento, constituiu um exemplo incomum de procura de uma solução para o futuro claramente inspirada na originalidade de velhos preceitos jurídicos.
Em 2004, encerra-se o último capítulo deste processo, que aglutinou não só políticos, mas “activistas” do que veio a considerar-se uma causa maior nas comunidades portuguesas de todo o mundo: não só é derrogado o “direito de oposição” estatal, como é garantida a retroacção dos efeitos da livre reaquisição da nacionalidade, por mera declaração de vontade. O cidadão é, doravante, o decisor único da sua pertença nacional, independentemente do lugar ou país de residência.
Um parêntesis, para olhar o que acontece na Europa, onde, neste campo, subsiste a divisão, no plano doutrinal e nos ordenamentos jurídicos internos – decorrente de experiências migratórias, antigas ou recentes, muito diversas – ou da sua falta. Uns são, ou foram, grandes países de origem de correntes migratórias. Outros são, essencialmente, destino desses movimentos… A nível do Conselho da Europa, a polémica prolongou-se por décadas, devido à inflexibilidade de blocos antagónicos, formados pelos Estados membros, que se afrontavam, mostrando pouco disponibilidade para negociar concessões… A Convenção de 5 de Maio de 1963 sobre a Redução dos Casos de Nacionalidade Múltipla, só veio a ser revogada, em 1997, pela Convenção Europeia sobre a Nacionalidade. Todavia, perante a irredutibilidade de alguns desses membros – nomeadamente a Alemanha, a generalidade dos países nórdicos, e não só… - o Conselho da Europa não foi além de uma posição de neutralidade na matéria.
Também não há consenso europeu na defesa do reconhecimento de um estatuto de direitos dos emigrantes, como mencionaremos adiante. No caso português, esse reconhecimento tem suporte constitucional, não só no que respeita à liberdade de circulação (art.º 44º), como em relação a novos direitos, que se englobam no "Direito dos Expatriados", uma construção jurídica em marcha, integrando "normas constitucionais, legais e regulamentares de direito interno e regras de direito internacional, tratados, convenções e princípios gerais de direito", como Barbosa de Melo teorizou no colóquio da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (APCE) sobre "Os laços entre os europeus residentes no estrangeiro com os seus países de origem", realizado em 1997. No relatório da APCE baseado sobre os estudos preliminares, os debates e conclusões do colóquio, este Direito emergente foi considerado a resultante de um processo evolutivo centrado no cidadão e na possibilidade do seu relacionamento com o Estado em novos moldes: " the emerging law of expatriates has citizens interests at heart and not directly the interests of states" (Aguiar and Guirado, 1999).
Os cidadãos vêem reconhecidos os direitos inerentes à qualidade de nacionais, independentemente da sua residência no estrangeiro – e, através deles, se impõe ao Estado a reestruturação das suas instituições e das suas leis, para que correspondam à dimensão humana do Nação e não apenas a uma organização de base territorial.
Segundo Bacelar de Gouveia, a nossa Constituição ensaia, desde 1976, gradualmente, a transição do paradigma "territorialista" para um paradigma "personalista” ou “nacionalista”. Caminhamos, assim, nem sempre em linha recta, para a "desterritorialização" dos direitos dos emigrantes (um neologismo muito utilizado, em qualquer da línguas oficiais, nas actas do colóquio e do relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, acima referidos).
A Lei Fundamental portuguesa denuncia pulsões contraditórias entre a vontade de aumentar os direitos de participação de todos os cidadãos, e a de "dar menos direitos a quem está fora do território, porque não contribui para os impostos..." , como reconheceu o constitucionalista na audição parlamentar organizado pela Subcomissão das Comunidades Portuguesas, para examinar e reequacionar os chamados "Mecanismos Específicos de Representação de Emigrantes", (Gouveia, 2004:61).
Hoje, já não se discute a possibilidade teórica do exercício de direitos políticos a partir do estrangeiro, mas a sua denegação ou consagração, mais ou menos alargada traduz-se, “de jure constituto”, em variadas formas de concretização. Entre elas se conta a adopção de meios específicos de representação de migrantes.
Um dos precursores do estabelecimento de tais meios, Emygdio da Silva, que chegou a propô-los, no começo do século XX, como sucedâneo para outras modalidades, então utópicas, de participação eleitoral de emigrantes, não precisaria de repetir agora o seu cauteloso comentário sobre a ousada proposta de um autor italiano, seu contemporâneo: "[…]sem pretendermos erigir em sistema as fantasias de um deputado italiano que, na Revista Económica Internacional aventava a ideia de que ao parlamento do seu país viessem representantes das colónias italianas em países estrangeiros [...]" (Silva, 1917: 211).
Na verdade, as "fantasias" há muito se erigiram em sistema, no Direito em vigor em muitos Estados – incluindo em Portugal e Espanha, ainda que, em outros países, nomeadamente do norte da Europa, se mantenha o apego ao dogma da "territorialidade" -tal como no século XIX o teorizava Locke. Podemos, pois, também nesta questão, nesta "vexata questio", constatar a existência de uma Europa plural, dividida em muitas e diferentes sensibilidades no terreno das políticas migratórias...
II - EMIGRAÇÃO - FORMAS MÚLTPLAS DE PRESENÇA
"[...] Que ideia nos fazemos nós de Portugal: Somos o povo sediado no chão europeu, demarcado pelos nossos maiores, ou o povo que deve ser tomado e considerado independentemente do território que ocupa em cada tempo?”
António Barbosa de Melo
1 - No Interior do País
A constatação das manifestações de presença, ou de pertença, dos expatriados foi irrompendo, cedo, despertada pelos "influxos financeiros" provocados pelos "fluxos migratórios" para o estrangeiro, relação de causa e efeito, crescentemente valorizada, nos meios políticos ou académicos, como na sociedade em geral - para o que contribuíam, sobremaneira, as características do nosso “emigrante tipo”, o seu modo de se integrar num outro país, sem perda de ligação ao seu. Porquê? Antes de mais, porque a emigração portuguesa envolvia, numa primeira fase, quase exclusivamente homens, que partiam sós, mas com o objectivo de executar um plano familiar de melhoria de vida. A primeira modalidade de cumprimento desse projecto era o envio maciço de remessas: para as famílias a garantia de escapar à faixa larga de miséria ou de pobreza, para o Estado uma inesgotável fonte de divisas, indispensável ao equilíbrio das contas externas.
No primeiro quartel do século XX, Fernando Emygdio da Silva escrevia: "... É da emigração de miséria que a Pátria tira, depois, o ouro com que salda a conta da sua desorientação económica e dos desperdícios financeiros. É da miséria que vem a nossa maior riqueza: do pária nostálgico e atavicamente aventureiro... é que vem o ouro [...] não se esquecem de nos enriquecer com as remessas, que ainda ali não representam um excesso, mas, a maior parte das vezes, a privação, ao menos nos primeiros anos." (Silva, 1917:107).
Oliveira Martins, Afonso Costa, Anselmo de Andrade, Artur Bello, Vieira da Rocha, Egmydio da Silva são alguns dos autores que, nas suas estimativas, nos traçam os gráficos da enorme dependência nacional face ao prodigioso volume de remessas da emigração (Silva, 1917: 105).
Estas prestações, tábua de salvação da economia portuguesa, configuram, assim, o modo mais antigo e mais reverenciado de os emigrantes aqui estarem presentes, não estando... E vão condicionar as políticas de emigração familiar, impondo fortes restrições à saída de mulheres e de menores, combatida em toda a medida do possível. O legislador tem em insignes juristas incondicional suporte. Afonso Costa qualifica o êxodo de mulheres como "[…] uma depreciação do fenómeno migratório […]", porque: "[…] é quando a família do emigrante fica na Pátria, que ele envia mais regularmente as suas economias" (Costa, 1913: 182). Na mesma linha de pensamento, Emygdío da Silva, para quem o crescente número de mulheres expatriadas, que, se verifica entre 1906 e 1913 (127% de aumento) "é uma constatação tremenda". Com idêntica justificação:"[…] perigo de desnacionalização e cessação de remessas[…]” (Silva, 1917: 132).
Vão os Homens, chegam as divisas, com as quais, de muito longe, imprimem marcas no território, influenciam a modernização de costumes, o consumo, o comércio, os transportes... Constroem ou reconstroem as casas, que, pelo seu porte, pelo gosto arquitectónico, inspirado em modelos estrangeiros se distinguem na paisagem rural ou na malha urbana, dando origem a críticas ambíguas ou díspares, a reacções de admiração, de mimetismo, de emulação, de inveja... Em qualquer caso, com elas conseguem testemunhar a "libertação" da pobreza antiga e escrever na pedra das moradias (no cimento, no azulejo, no ferro...) uma história de sucesso individual, que, em si, é, porventura, a manifestação de presença subjectivamente mais desejada. "Pour ces immigrés de première génération, il importe, surtout de rester portugais en France, mais encore plus de réussir le projet d’émigration qui leur permette de s’affirmer au Portugal comme ayant eu une réussite exemplaire […]". " La réussite du projet n'est envisagée et n'a de sens que si elle est reconnue et donc traduite en réalisation - le plus souvent la construction d’une maison dans la communauté villageoise d'origine. […]" (Cunha, 1988:61).
As migrações podem mudar de rumo, de continente, de estatuto económico, que nem por isso há descontinuidade na predominância deste investimento em casas, quintas, terras que têm valor, quase sempre, sentimental, afectivo, para além do valor de mercado...
Dos palácios, palacetes, casarões de”brasileiros" do século XIX e inícios de novecentos (Rocha Trindade, 2008: 143), passamos às vivendas modernas de "franceses", "venezuelanos" e outros, de diversas proveniências geográficas, que, desde 60 e 70, proliferam em todas as regiões de forte emigração - edificações de raiz ou modificação de fachadas e arranjos estruturais ou de pormenor, com benfeitorias e traços ostensivamente "estrangeirados" . Como que a dizer que a aventura pelo mundo fora valeu a pena. Nada de muito diverso do que ocorre, por exemplo, em Cabo Verde ou na vizinha Galiza (Mora: 2oo8:284).
Outra forma de sublinhar o sucesso da aventura migratória e de o partilhar, quaisquer que sejam as motivações subjacentes - da legítima vontade de afirmação à solidariedade mais desinteressada e genuína - é a construção de obras de beneficência, a contribuição para instituições locais, o impulso dado ao melhoramento das condições de vida nas suas terras. Há uma tradição de generosidade, que teve um ponto alto, com as grandes fortunas do Brasil, e que se continua, à medida das posses de cada um, em cada novo ciclo migratório.
2 – Nas Comunidades do Exterior
Se a presença dos emigrados através do bem-fazer nas terras de origem era bem conhecida dos conterrâneos, já não o era a vivência na sociedade de destino. A sua "descoberta" foi publicitada pelos primeiros estudiosos, que tiveram o privilégio de visitar as instituições fundadas pelos portugueses na “Diáspora”. Afinal, proclamavam eles, os emigrantes levavam consigo Portugal - não o deixavam, simplesmente, para trás...
Mas não foram muitos – e não terão chegado a fazer escola… - os especialistas da emigração que, no princípio do século passado, reconheceram a existência dessa rede de organizações e deram testemunho do seu significado: Afonso Costa, Emygdio Silva são algumas das excepções à regra.
Afonso Costa iescrevia: "... além disso, formaram-se colónias portuguesas em São Francisco, Oackland, em New Bedford e Providence, Boston e Brooklin, tendo com principal fonte da emigração os Açores". E caracterizava a sua agregação nestes termos: "As colónias portuguesas resistem, têm individualidade, mantêm o nome, a língua, os usos portugueses", acrescentando que a formação das "colónias": "[...] torna a emigração útil para a Pátria, perdendo o carácter de abandono da Pátria".
É uma verdade, que intuiu antes de muitos na sua época: o "abandono da terra" cessa pela integração numa a "colónia" ou "comunidade" de vivência portuguesa.
Por seu lado, Emygdio da Silva salientava "o sentimento associativo geral" entre os colonos portugueses do Brasil e chegava a uma conclusão, que pode, certamente, ser subscrita hoje em dia: "[…] a generosidade é a mais alta tradição da colónia portuguesa". (Silva, 1917: 278). Deixou-nos, também, uma relação circunstanciada das associações mais importantes, algumas das quais permanecem com esse estatuto: a Caixa de Socorros Mútuos Dom Pedro V, o Gabinete de Leitura, o Clube Ginástico Português, no Rio de Janeiro, a Sociedade Portuguesa de Beneficência e o Centro Português em Santos, os Gabinetes de Leitura de Salvador e de Recife e outras notáveis instituições de Belém, Belo Horizonte, Manaus, São Luís de Maranhão, Curitiba…
Todavia, não creio que ambos estes grandes conhecedores das comunidades oriundas da emigração, na sua época - e muito menos quaisquer outros... - tenham tido plena consciência de que estavam perante formações capazes de sobrevivência para além do fim dos tempos da emigração (isto é, da primeira geração de emigrantes). E, ainda por cima, alicerçadas na emigração familiar que queriam evitar a todo o custo: a que não tinha regresso, e, por isso, se considerava votada à fatal "desnacionalização".
Estavam, evidentemente, certos quanto ao decréscimo de retornos no quadro da emigração familiar, mas não, como agora sabemos, no que respeita à capacidade de resistência à "dissolução cultural" das comunidades formadas por terceiras e quartas gerações de portugueses, que, por exemplo, na Califórnia - um destino de não regresso, por excelência - continuam a falar a língua e a manter vivos costumes e rituais religiosos trazidos por antepassados. Esta outra insuspeitada forma de presença - a das comunidades organizadas, a que as mulheres e os jovens deram densidade e futuro - só veio a ser plenamente reconhecida e a influenciar as políticas de emigração, nos anos seguintes ao 25 de Abril de 1974. Sobretudo a partir da criação, em 1980, do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), um órgão representativo das organizações dos portugueses do estrangeiro, destinado a ser o interlocutor privilegiado do governo na definição e execução das políticas culturais e sociais, uma "[…] instituição medianeira entre a sociedade civil e o Estado" (Aguiar, 1986:83).
III - POLÍTICAS DE REENCONTRO
«Portugal é mais uma cultura do que uma organização rígida». Francisco Sá Carneiro
1 - A Representação das Comunidades da Diáspora
O reconhecimento da pertença dos emigrantes a uma Nação populacional ou "Nação de Comunidades", é coisa recente. Julgo que poderemos situar o ponto de viragem, nesta visão abrangente de nós mesmos, no I Congresso das Comunidades Portuguesas, realizado pela Sociedade de Geografia, em Setembro de 1964, a que se seguiu, dois anos depois, um segundo Congresso. Em muitas das intervenções aí registadas fica bem patente, o reconhecimento da inclusão dos expatriados no todo nacional. Numa frase lapidar, Gonçalves Cerejeira proclamava essa nova vontade de abrangência: “Onde está um português, aí está Portugal! “. Adriano Moreira, por seu lado, esclarecia que “a emigração não significa, de algum modo, o repúdio da condição originária de português. O portuguesismo é o património comum dos portugueses das sete partidas do mundo” (Moreira, 1981:345).
As comunicações encontram-se publicadas na revista da Academia Internacional da Língua Portuguesa, incluindo aquela em que Adriano Moreira fala de Portugal, "Nação peregrina" (Moreira, 1973: 57). Uma expressão muito glosada e que viria a inspirar novas designações parra a mesma ideia da diáspora portuguesa – tais como o "Portugal maior" de Vitorino Magalhães Godinho ou a "nação de comunidades" de Francisco Sá Carneiro - um novo "olhar", uma nova concepção de nós .
Na audição parlamentar de 2004 sobre a temática da representação dos "ausentes", a que aludimos, Adriano Moreira (o principal impulsionador destes Congressos, na qualidade de presidente da Sociedade de Geografia) foi convidado a traçar o quadro de preparação dessas iniciativas e seus objectivos. Segundo ele: "A ideia traduziu-se numa espécie de sistematização do que era a presença de Portugal no mundo, do ponto de vista das comunidades. Utilizamos uns conceitos operacionais que as arrumavam em três espécies". A primeira era composta pelos emigrantes de 1ª geração, a segunda pelos seus descendentes, que mantinham ligação às raízes, a terceira pelas comunidades filiadas na cultura portuguesa - obra também dos emigrantes, que "[…] aculturavam os povos por onde passavam". (Audição 2004:100).
Pelo empreendimento, inédito em Portugal, pela consciência da existência de um património histórico, que havia que preservar e potenciar, pela estratégia de criação de uma base institucional, para prosseguir esse projecto (com a criação da União das Comunidades - que teve efémera duração - e da Academia Internacional da Cultura Portuguesa), os dois Congressos da Sociedade de Geografia são precursores das políticas ditas "de reencontro", empreendidas a partir do final da década seguinte.
O primeiro "Congresso Mundial das Comunidades Portuguesas", depois de 1974, foi, como historiou o deputado Carlos Luiz, organizado, a partir de 1979, por uma Comissão que integrava elementos do Conselho da Revolução, sob a presidência de Vitor Alves, com o apoio do Presidente Ramalho Eanes (Audição 2004:36), mas viria a ser adiado para Junho de 1981 e levado a cabo por uma segunda comissão organizadora, presidida por Rosado Fernandes, um nome indicado pelo Governo. Se não foi efectivamente pioneiro, foi, de qualquer modo, o primeiro realizado sob a égide do Estado, com a presença de portugueses dos cinco continentes mundo, dirigentes das instituições em que se estrutura o espaço universal da cultura portuguesa, alguns dos quais haviam já respondido à chamada da Sociedade de Geografia, na década de 60 e integravam o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), cuja reunião fundadora se havia realizado dois meses antes, em Abril.
Criado em 1980, como dissemos, este órgão consultivo de representação das comunidades, era eleito no interior do movimento associativo, cuja capacidade de agregação e autenticidade se pretendia potenciar. Na óptica governamental, "[…] para garantia dessa autenticidade se baseou o processo de eleição dos representantes nas associações, que são a estrutura organizacional e os centros de vida das comunidades portuguesas do estrangeiro" (Aguiar, 1986:84). Do preâmbulo da Lei nº 373/80, resulta claramente a intenção de aproveitar a capacidade, o empenho, a autoridade moral de quem tem obra feita, respeitando a independência das instituições perante o Estado e face ao próprio "CCP", enquanto instituição pública: "O Conselho " […] de modo algum pretende substituir-se aos movimentos preexistentes, pois se pressupõe ser condição de êxito deste projecto a vitalidade e capacidade de afirmação das próprias associações."
É na real autonomia da "sociedade civil" face ao Estado, trazendo ao "forum" de debate os seus próprios projectos, assim como no enfoque dado à força organizacional das comunidades, que este Conselho - ao contrário dos que mais tarde o haviam de continuar, em moldes distintos, à margem do centro de gravitação associativa - estava próximo do escopo e das preocupações metodológicas do movimento precursor de sessenta, como se evidencia nas palavras de Adriano Moreira, referindo-se aos congressos que dinamizou: "Qual foi o método que utilizamos? Foi partir em primeiro lugar da capacidade dessas associações e, por isso, o nosso ponto de referência foram as associações, sobretudo do Brasil, que era sempre o maior campo de observação" (Audição: 2004:63).
A "União" projectada na década de 60, poderia, creio, ter dotado o movimento associativo das comunidades do estrangeiro de uma estrutura federativa, semelhante á que, de há muito, existe na maioria dos países europeus de emigração. Mas, como vimos, foi uma experiência logo interrompida. O CCP da década de 80 visava colmatar essa lacuna, e, do mesmo passo, dar início a um novo ciclo nas políticas para as comunidades portuguesas, como ressaltava do discurso oficial (Aguiar, 2009:259). Mas também não atingiria esse objectivo primordial. O órgão consultivo foi perdendo a sua centralidade e capacidade de interlocução, por falta de consulta e audição governamental e acabaria substituído por um novo "Conselho", que integrava um complexo conjunto de colégios eleitorais e que nunca funcionou plenamente.
Em 1996, o CCP foi reactivado, numa terceira configuração, passando a ser eleito por sufrágio directo e universal. O distanciamento do mundo associativo, acrescido da ambiguidade da sua própria natureza dual (órgão representativo, eleito directamente pelos emigrantes, órgão consultivo do governo...) não tem facilitado a interacção com o governo, a administração pública e os media nacionais, que o “Conselho” só conseguiu na sua primeira fase (Aguiar, 2009:260).
É, em qualquer caso, o órgão de manifestação da "presença" dos expatriados, por excelência. Poderá, dar-lhes, a meu ver, com mais meios e mais audição, como reclamam os Conselheiros, a voz e visibilidade que os emigrantes ambicionam ter no país (e não têm tido).
Assim o julgou, também, a Subcomissão das Comunidades Portuguesas, que, por decisão unânime dos seus membros, promoveu duas sucessivas audições para reflexão sobre os modelos que melhor serviriam o futuro da instituição: o primeiro, em 2003, orientado para a procura de inspiração em soluções de direito comparado e na experiência de vida de órgãos semelhantes existentes na Suíça, em França, Itália, Espanha e Grécia; o segundo, a que fizemos várias menções, em 2004, para a avaliar a eventual "constitucionalização" do órgão, conferindo-lhe um carácter quase senatorial.
Constitucionalistas como Barbosa de Melo e Bacelar de Gouveia, assim como Adriano Moreira, intervieram no debate. Para Barbosa de Melo, a consagração da existência e das competências do CCP no texto da Constituição Portuguesa pode ser uma vantagem: Constitucionalizar, sim, “mas constitucionalizar como órgão do Estado português e não como órgão de Governo ou como órgão da Assembleia da República. Do que se trata aqui é de um instrumento para o exercício dos direitos fundamentais e constitucionais dos nossos compatriotas emigrados perante o Estado no seu conjunto". (Audição 2004:33).
Aberto à aceitação de uma emenda constitucional, mas recomendando prudência, Bacelar de Gouveia, acompanha essa posição: "É preciso não nos entusiasmarmos em demasia com a ideia da constitucionalização. Há muitas constitucionalizações e não só uma [...]" (Audição, 2004: 63).
Outro tanto se poderia dizer do CCP, independentemente da sua entrada no "santuário" que a Lei fundamental configuraria, colocando-o fora do alcance do poder discricionário dos governos.
2 - Novos Direitos dos Expatriados
A igualdade de direitos dos expatriados face aos residentes é hoje um reivindicação generalizada, ao menos nos países de "diáspora" - uma reivindicação para a qual o CCP foi, aliás, um instrumento de primeiro plano.
Na sua plenitude, a igualdade está longe de ser alcançada em Portugal. Faz parte do ideário de alguns partidos políticos, mas não, nos mesmos termos, nas de outros. Por isso, desde 1974, se tem caminhado, a par e passo, numa incessante busca de equilíbrios e de consensos, na Constituição e nas leis, para a afirmação gradual, progressiva de um estatuto de novos direitos culturais, sociais e políticos. O "estatuto dos expatriados".
Direitos Culturais
O Estado, assume, no Capítulo III, art.º 74 da Constituição, a incumbência de " assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa", mas incumpre largamente esse dever - e mais em determinados quadrantes geográficos do que noutros... Mais nas comunidades transoceânicas do que na Europa, a levantar a suspeita de que se vem privilegiando a emigração temporária, ou de retorno, como é (ou se pensava que fosse...) a do nosso continente. Por outras palavras: a língua é ensinada, sobretudo, na perspectiva do apoio à reinserção dos jovens de 2ª geração e negligenciada como instrumento de preservação das comunidades de cultura portuguesa no mundo, nos destinos transoceânicos, da América do Norte à Oceânia, com algumas excepções (como Macau, Maputo e, em certa medida, a República da África do Sul).
Se a nível dos cidadãos não há igualdade de tratamento, nesta área estratégica, o mesmo acontece no plano institucional. O mundo associativo ao qual fizemos referências, tendo embora finalidades semelhantes ao que lhe serve de modelo em Portugal, deve-se inteiramente à iniciativa privada, apesar de prosseguir, em simultâneo, o escopo adicional de alargar o espaço da presença portuguesa, universalmente. Dentro de fronteiras poucas ONG's atingiriam os seus objectivos sem a robusta componente do apoio estatal, a ponto de se falar a seu respeito, frequentemente, de "subsídio - dependência". Fora do País, pelo contrário, a verdade é que nenhum centro social e cultural, grande ou pequeno, nenhum clube ou sociedade beneficente existiriam, se tivessem esperado por verbas do erário público para se constituir... Mesmo quando algum apoio acabaram por receber, no conjunto, ele foi, e é, diminuto.
Direitos sociais
Ao contrário do que acontece no domínio cultural, a Constituição não faz, no capítulo II, dedicado aos "Direitos e Deveres Sociais", qualquer expressa referência aos emigrantes.
É certo que o art.º 63, no seu nº 1º, determina: "Todos têm direito à segurança social", tal como o art.º 74, no seu nº 1º, assegura: "Todos têm direito à educação e cultura". Todavia, neste outro capítulo, "todos" já são apenas todos os que residem no território... Uma das várias contradições flagrantes da nossa Lei Fundamental, no que às consequências da ausência do território respeita.
Tradicionalmente, como é sabido, o Estado quase se limitava a apoiar o repatriamento dos seus nacionais, em situações de extrema miséria. Um gesto de solidariedade que não configurava um direito, e ainda hoje se não encontra regulamentado como tal, apesar de ter sido, aprovado, na generalidade, um diploma que não chegou a ser apreciado na especialidade, nem objecto de votação final global. (Aguiar, 2006:68).
Em anos recentes, pelo menos desde a década de 80, a Secretaria de Estado da Emigração concedia apoios pontuais em outras situações de necessidade, através dos seus serviços no estrangeiro, mas só em 1999 o Governo instituiu o Apoio Social a Idosos Carenciados (ASIC). Uma prestação de montante variável, de país para país, atribuída, com restrições, e longe de ser o equivalente de pensões não contributivas ou de mínimos de rendimento, tal como são garantidos dentro de fronteiras...
Em Direito comparado, há, actualmente, exemplos de sistemas de assistência na doença e na velhice, nomeadamente em países de emigração semelhante à nossa, como a Espanha ou a Itália - o que aumenta o sentimento de abandono de que os portugueses mais pobres se queixam, sobretudo em sociedades onde coexistem com emigrantes europeus melhor protegidos pelos Estados nacionais (caso do Brasil e da América de língua espanhola).
Direitos Políticos
O restabelecimento da democracia em 1974, veio dar aos emigrantes, pela primeira vez, direitos de participação na vida pública: inicialmente, apenas o de elegerem quatro deputados, em dois círculos eleitorais próprios - uma excepção ao princípio constitucional da proporcionalidade, pelo método de Hondt .
Com a adesão à CEE, na qualidade de cidadãos europeus, ganharam o direito de voto nas eleições para o Parlamento Europeu, embora só desde 2004 esse direito tenha sido alargado aos que vivem fora do espaço da União Europeia (Aguiar, 2006:85).
Foi preciso esperar pela revisão constitucional de 1997 para conseguirem o direito de voto na eleição do Presidente da República, após décadas de luta, que o CCP encabeçou. O sufrágio foi-lhes, porém, concedido com restrições. Têm capacidade eleitoral passiva apenas aqueles que comprovem, nos termos do nº 2º do art.º 121, "laços de ligação efectiva à comunidade nacional".
Limitações cerceiam, igualmente, a participação dos emigrantes em "referenda" nacionais, admitida apenas quando "recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito". O entendimento sobre a qualificação da matéria que especificamente "também" lhes respeita nunca foi pacífica – mostra a lição da experiência ser questão em que os partidos, a começar pelos dois maiores, costumam divergir, obstaculizando a participação.
Para além da diversidade de universos eleitorais - para legislativas, para os "referenda" e para as presidenciais - há ainda a dualidade de modos de votação, visto que nas legislativas os emigrantes votam por correspondência, nas presidenciais e europeias, por sufrágio presencial. (Machado, 2009:41). Da participação nas eleições locais e autonómicas - que é facultada nos países europeus, dos quais nos sentimos próximos pela geografia e pela história das migrações – estão ainda excluídos, por força do texto constitucional.
Ao contrário do que acontece com as prestações sociais e com a extensão da rede de ensino, que acarretam custos substanciais, a concessão do voto não, pelo que as restrições estabelecidas resultam, obviamente, de falta de vontade ou consenso política, consequência de uma visão estreita da "comunidade política nacional" . Tem sido quase sempre difícil o consenso nesta matéria entre os dois partidos do "chamado "bloco central", PS e PSD, que, por si só, perfazem a maioria qualificada de dois terços, exigida para qualquer alteração constitucional ou para a aprovação de leis orgânicas, como são as eleitorais.
A divisão e o dissenso estendem-se, aliás, ao interior dos partidos. No que respeita ao alargamento do sufrágio, é o caso do PS. No PSD, aparentemente mais unido na reivindicação de igualdade de direitos políticos para todos os portugueses, podem apontar-se, por exemplo, mudanças radicais na forma de conceber a representação dos emigrantes no Conselho das Comunidades.
Os expatriados têm fundadas razões de queixa de um sistema que prima pela falta de unidade e coerência e não lhes assegura o pleno exercício dos direitos de cidadania.
CONCLUSÃO
"Le Portugal est maintenant un petit pays de 90.000 kilométres carré, plus les iles atlantiques. Cependent, il est beaucoup plus que cela et il essaye de s’organiser comme nation en un petit territoire mais avec un peuple immense, dispersé sur tous les continents [...]"
Francisco de Sá Carneiro, Primeiro- Ministro, discursando perante a APCE em 21 de Abril de 1980
A emigração portuguesa mudou desde os seus primórdios, mudou, mesmo que consideremos, apenas, a que aconteceu, em vários ciclos, no século passado, mas mudou certamente menos do que as leis, o discurso político ou a opinião pública sobre a sua natureza e sobre os efeitos jurídicos que esta deve determinar.
Olhares, discursos (no plural...) distintos sobre uma realidade migratória, que mantém muitos traços comuns: a realidade da saída de homens e mulheres - estas hoje, cada vez mais, em pé de igualdade - que abandonam o território por razões económicas e em massa (contra todas as expectativas geradas no período que se seguiu ao ingresso de Portugal na CEE); a existência de uma vasta rede de organizações de solidariedade e de fins culturais que decorrem da vivência colectiva no estrangeiro, em "comunidades"; a manutenção de relações de toda a ordem como país de origem, incluindo o envio de poupanças ainda vultosas.
No entanto, essas remessas, completamente ofuscadas pelos "fundos comunitários" deixaram de estar no centro das atenções, de ter o mesmo peso sociológico. Outros aspectos da emigração passaram, e não só por isso, a ser mais valorizados - caso da dimensão humana da"diáspora" e do reconhecimento património cultural, construído e preservado em muitos países do mundo, nas comunidades oriundas da emigração.
Em termos de estatuto jurídico, os emigrantes viram, desde 1974, respeitado e, desde 1976, consagrado constitucionalmente, o direito de livre circulação, e passaram a beneficiar de políticas de protecção extensivas a todo o ciclo migratório, da partida à estada no estrangeiro e ao regresso (ainda que não necessariamente executadas em termos ideais, e com os meios suficientes…). O princípio da igualdade entre todos os cidadãos, independentemente da residência é hoje aceite, embora dele se não tirem todas as possíveis consequências.
Está, assim, consumada a adesão ao "paradigma personalista" - na tipologia de Bacelar de Gouveia . Nele cabem tanto políticas mais orientadas para a visão atomística do cidadão, com o seu estatuto de direitos face ao Estado, como as que privilegiam, também, a cooperação e a parceria institucional com as comunidades organizadas, dotadas de identidade e de coesão, criadoras de património cultural e formadas por um movimento associativo, capaz de reivindicação e de afirmação de formas próprias de presença portuguesa no mundo.
Fevereiro, 2010
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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
2010 Maria Manuela Aguiar PORTUGUESE REPUBLICAN WOMEN - OUT OF THE SHADOWS
Universidade de Berkeley, seminário sobre o Centenário da República Portuguesa)
MARIA MANUELA AGUIAR
President of the General Assembly- Associação Mulher Migrante
Former Secretary of State for the Portuguese Communities
mariamanuelaaguiar@gmail.com
At the beginning of the XX century a group of feminist and republican women participated in a movement that made history in Portugal. In a country where there was no tradition of feminine participation in public life an elite of highly educated, courageous and strong-minded women suddenly came “out of the shadows”, with the support of republican leaders, in defense of democratic ideals and other causes, such as education for all, equal civil laws and universal suffrage.
Suffrage was a promise never fulfilled, actually, it became the cause of immediate dissent among the heads of the feminist movement, since some were more feminists than republicans, and others definitely more republicans than suffragists. Nonetheless, they all remained faithful to the new regime. Thus binging into question, if their natural moderation and innate republican complicity with their male partners – husbands, family, and friends - played against them?
In the end, they won their main battle albeit through future generations of women and they remain alive in the memory of the Republic today and forever.
1 - FEMINIST MOVEMENTS IN THE BEGINNING OF THE XX CENTURY
From the mid –eighteen hundreds feminist movements had been rapidly developing in Europe, mostly focused on suffrage. Portugal was no exception. However, the first initiatives that started before the end the XIX century were restricted to a limited circle of gender equality believers and did not grow in numbers until 1907-1908, when Portugal was perched on the verge of a regime change, and, even then, by direct interference of republican prominent leaders – all males, of course. This particularity would, in my opinion, bring a set of unique features that would affect the development of historical feminism in Portugal, mostly because it was supposed to become an asset to the republican cause, as well as to the cause of the emancipation of women. If not for that reason, the country did not seem to have much in its favor to be singled out for accomplishments in this special field. As was the case in other southern European societies there was no tradition of women actively playing a role in public life. We are aware, of course, that throughout the centuries our historians singled out a few outstanding women, monarchs, heads of state or acting as such, very influential and powerful Queens of Portugal, ruling side by side with their husbands or offspring, unexpected fighters in heroic battles in faraway lands of the empire – spread out over the half of the world assigned by the Pope to the Portuguese - and a few remarkable writers, poets, artists, and even leaders or participants of mass upraises, one who is still quite present in Portuguese collective memory is the legendary Maria da Fonte, who inspired one the hymns of the Republic, which is still sung at official ceremonies . They women were accepted and admired by their contemporaries, but as exceptions - our own "iron ladies".
Nonetheless, European ideas, tendencies, and social movements, sooner or later, would have an impact among us and later rather than sooner "feminism" began to infiltrate Portugal. By 1902, a leading intellectual and feminist Carolina Michaelis de Vasconcelos - German born, Portuguese by marriage, and the first woman to belong to the Academy of Sciences and to become professor of the University of Coimbra - wrote that there were no women organizations at all in the country and that from her point of view, that of someone born and brought up abroad, women’s political participation was unthinkable, since it was seen as unnatural by Portuguese standards (1). At the time, French or British feminists were already promoting huge marches of protest against discrimination through the avenues of Paris or London. In 1903, Mrs. Pankhurst was engaged in setting up the "Women Social and Political Union". In 1910, the so called "suffragettes", her potent and radical movement, organized a march that extended for several miles along the streets of London on the way to parliament, the very day a proposal for feminine suffrage was defeated. Over 200 MP'S had supported it - many, but not enough... In the same circumstances, every time an electoral law denied them the right to vote, Portuguese women put all their indignation in a carefully and beautifully written paper or asked for an audience to express their disillusion to a sympathetic but ineffective high dignitary - the President of the Republic himself, or the Prime Minister, or the Speaker of the House... (2).
In this domain, accomplishments, or lack there of, have more to do with a cultural gap “north-south” than with the nature of the regime. Stable Nordic monarchies like Denmark, Norway and Sweden, did not need to envisage a change of system in order to improve women's status and they did set an example of good laws and good practices much earlier than the two revolutionary Republics, France and Portugal, and many other countries in the world...(3). In Denmark, women were on the way to get the right to vote at local level (1908) even if they had to wait until 1915 to equal unrestricted vote in all elections and until 1921 to access to all careers, army excepted. In Norway, Camilia Collet was a pioneer activist, since 1884, followed, in the beginning of the new century, by Gina Kroeg, founder of the "Union for Working Women". Norwegian women advanced step by step, first as full members of School Councils (1889), Social Security Councils (1890), and Municipal Councils (1901). In 1907 they were recognized as citizens with the right to vote at local and at national level. In 1911 the first Norwegian woman was elected to parliament. By 1912 most of the careers in the public sector were open to women. In Sweden clever support of the "cause" in the literary domain and religious ideals of fraternity seem to have played a more important role than legal arguments or the involvement of political personalities, mainly through the thesis and action of Frederika Bremer, contemporary of feminist writers like Ibsen or Ellen Key and herself an acknowledged writer, literary critic and a great speaker and campaigner as well. Sweden was the last northern country to approve legislation on women’s vote and eligibility for the parliament in 1919, three years later than Island. Finland had been the earliest. In 1906 an electoral law was passed and in 1907 the first female parliamentarian was elected. Southern Europe pursued the trend much later. In fact, in that geographical and cultural area only Spain was ahead of Portugal.(4)
WOMEN OUT OF THE SHADOWS
FEMINISM IN PORTUGAL - A brief chronology
Predictably, taking into account the predominant mentality in regards to women's participation in politics, the feminist movement never obtained much visibility and wide-spread recognition. Even present-day historians tend to under estimate its influence in the birth of the new era. The History of Portuguese women is still in pending, unwritten to the full extent of its value as Elina Guimarães, the last survivor of that dazzling generation, appropriately asserted. (5 ) But the facts are there, available for research... Women were there as the living proof that the women of the republic were capable of living up to the social and cultural revolutionary ideals of gender equality, along with the principles of a new order in State and society. In fact, Portuguese feminism was never a vast mass movement, and although it gradually grew with a significant number of strong-willed, well-learned women, it was not to be as successful as it should have been. There were several reasons, none had to do with their capacity to make things work out better, perhaps in other time, other place… When you assess their culture or political “savoir faire” as expressed in so many speeches, and writings, you find no “gap” at all, looking at feminist leaders all over Europe... Among them, before and after the revolution, there are illustrious medical doctors, like Adelaide Cabete or Carolina Ângelo, writers like Ana de Castro Osório, Sara Beirão or Maria Lamas, teachers like Maria Veleda, Clara Correia Alves or Alice Pestana, journalists like Albertina Paraíso or Virgínia Quaresma, lawyers like Regina Quintanilha or Elina Guimarães (then a young law graduate).
A distinguished elite, in the company of a minority of few thousands of female citizens, unfortunately more and more divided, like republican politicians themselves, yet not for the same reasons - rather because some of the feminists, as the revolution went on and left them behind, took it better than others. Regrettably, they had a late appearance in the course of action for Women’s rights, they occupied their political and civic space for more or less 20 years and then their lessons or patterns of civic intervention were practically forgotten and lost, after the collapse of the Republic and the advent of a long and misogynous dictatorship, never to regain the same human dimension and radiance.
We will briefly look into these two decades- from 1906/7 to 1926.Initiatives undertaken at the end of the XIX century, interesting as they were, as the first “Feminist Congress” in 1892, or the first feminine newspaper (A Fronda) in 1897. Both having such limited impact that Carolina Michaelis in her essays on feminine enterprises does not take them into due consideration. In 1904, a few brave women did participate in the first "Congress of Freethinking" ( Congresso do Livre Pensamento) - names that would be part of the history of the Republic, like Adelaide Cabete and Maria Veleda, among others. Congresses, huge political meetings, as well as daily activities in republican centers played an important role in mobilizing public support that made the impossible revolution possible. Women suddenly became partners accepted and welcomed, sharing the intense and clever effort of republican propaganda distributed by such means. Many of them got drawn in the daily life of Mason organizations, in journalism, in associations providing all kinds of social help to children and needy girls or women, including educational and vocational training. By the turn of the century, republican centers and clubs were being set up all over the country, to promote social and cultural activities, publishing newspapers and leaflets, in an attempt to spread the Republican Party line, the promises of an era of freedom, prosperity, democracy and equal participation for all. Women gained access to such clubs, mainly in Lisbon and other minor cosmopolitan urban areas. It was the proper way to prepare them for future leadership and political commitment, even if, as we cannot ignore, they were given the opportunity to work for the victory of the republican cause rather than for the advance of their suffragist agenda, as they would soon find out.... In 1908, influential personalities, like Ana de Castro Osório and Adelaide Cabete were invited by António José de Almeida and other major members of the party to join the Portuguese Republican Party (PRP) in an organization of their own, the "Republican League of Portuguese Women". In 1909, the "League” became a formal structure of the party.In 1911, the denial of the suffrage in the legislation approved in March and April, grounded discontent that would lead to the coming apart of the "League". Mrs. Osório and Dr. Carolina Ângelo set up the "Association on Feminine Propaganda" (Associação de Propaganda Feminista") that became a member of the "International Women Suffrage Alliance". In 1913, a new electoral law unequivocally excluded female citizens. In 1914, another founder of the "League", Dr. Cabete formed the "National Council of Portuguese Women” (Conselho National das Mulheres Portuguesas), that was admitted to the International Council of Women, another international suffragist organization.(6)
In 1918, the electoral Law-decree, of March 30, did not open suffrage to women, and the same happened in 1919 (Decrees of March 1 and April 11). By then, no notable founding member remained in the League. They went their separate ways, divided by their different priorities. From 1914 to 1918, they were once again reunited in defense of Portugal participating in World War I. The Committee "Pro Pátria" was founded in 1914 and the “Portuguese Women Cruzade” (Cruzada das Mulheres Portuguesas) in 1916, headed by Ana de Castro Osório. It was her last civic crusade, a last display of great dynamism and courage not only in the diffusion of opinions but also in the direct help of wounded soldiers through “Committees” of nurses, regulated and supported by the government (7).
In 1924, the I Congress on Feminism and Education (I Congresso Feminista e da Educação) was held. President Teixeira Lopes and future (soon to be) President Bernardino Machado were both in attendance. In 1928, already under dictatorship, without any kind of official support, a second and last Congress took place.
The right to vote came 3 years later, ironically by the hand of Salazar, the quintessence of antifeminism - a restricted vote as proposed and defeated many a time during the 16 agitated years of the first Republic. (8)
2 - A TOUCH OF LONG LASTING MODERNISM
Portuguese feminists gained very important battles, like education for women, co-education, more or less egalitarian civil laws, family laws and divorce, more opportunity for professional work, involvement in politics, in journalism, in sciences and arts. They obtained the moral certainty of their remarkable contribution for the change of customs, mentalities, and laws on the line of democracy... However, they were never full citizens in the new Republic, as they never acquired the right to vote. None of them would ever have the option of running for parliament, like Mrs. Pankhurst, or of being elected as a Member of Parliament as Lady Astor was, in England, soon after the end of the WWI... But on the 8th of March 1988, more than eight decades after the commencement of their long struggle for emancipation and of the setting up of the "Group of Women' Studies" (joining Cabete, Osório and followers) a tribute was paid to them in the House. Some of them were, at last, "given the floor” through the voices of women of our generation. The proposal had been made by poet Natália Correia, then a Member of Parliament, someone you could compare to the best of the 1910 generation.(10)
Let me repeat some of the citations chosen for that memorable occasion, as the words sound surprisingly meaningful, significant and up to date, even if something gets lost in my translation… We, nowadays, would not put it differently, and their terms point out to many challenges still to be met.
ANGELINA VIDAL
"For us the emancipation of women is the founding stone of public morality. We recognize there were many difficulties to reach such an ideal, but we cannot forget that all the great ideals of what is fair or beautiful or lawful, worked out through sacrifices and merit of successive generations, were at one time considered utopias. And in two other very interesting remarks she concluded: “We cannot separate our emancipation from men’s emancipation”. Freedom does not tolerate any kind of slavery, only freed women may bring into being free, strong, moral and healthy societies (11)
Most certainly, Emmeline Pankhurst who once said "if civilization is to advance at all, it must be through the help of women, freed of their political shackles, women with full power to work their will in society" would agree.
MARIA VELEDA
"We want a new world, without discrimination based on race, caste, without discouraging laws, without slavery of any kind, without mistrust between sexes... men and women united to reach the same scope, to share the same possessions, rights and ideals" (...) women have to walk side by side with men, calm, spirited and self-possessed”. She defends education and the need of professional training for women and equal participation - topics still in our agenda. And she calls attention to the fact that lack of direct participation may induce evil forms of compensation: "If a woman can't elect she may conspire, she has done so in different ages, or fought with arms in their hands like those sturdy peasants who followed Maria da Fonte". 12)
ALICE PESTANA
Pestana (her pseudonym “Caiel”) is considered more a pacifist than a conventional feminist, but in fact I think she was both. President of the "Portuguese League for Peace", since 1889, a synthesis of her thought was presented in the parliamentarian session to which we refer: “The Portuguese Nation must give women modern learning, mobilize them to get interest in social reality they now think about much more with their heart than with adequate comprehension, instruction and intellectual capacity”. She is above all a “peace fighter” engaged in a “war against war”: “We ask for the creation of Committees for the cause if peace in each country, so that in the XX century we may live in harmony, meaning peace, freedom, and justice”. Nonetheless, she makes an exception, not seen as a contradiction, for what she designates the battle for a noble cause, stating that women, “have been on the side of justice, democracy and peace throughout the ages, even when written History does not mention it. In classical armies she usually finds no place, but in “guerilla”, resistance or liberation armies, in mass movements she is present.” She, specifically, refers to mass movements as those contributing to the independency and the foundation of national identity in Portugal.(13 )
ANA DE CASTRO OSÓRIO
She was next in the list of speakers, through the voice of another late XX century MP. Mrs. Osório was the most famous of the feminists of her time and also the one who seems to have been the first to fear the incapacity of the Republic to carry out the promise of feminine suffrage, as she said: “If a Republic excludes us from its civic laws, we cannot consider ours the country where we have no rights, where we don’t have a voice to protest”. Suffrage is her priority, a target always pursued and never attained, yet she does not minimize progress where it really happened, as in social and cultural spheres – education, more family rights, opportunities of revealing unexpected competence in social and civic activities, or in professional work. She stresses that things were already moving fast: “One who would defend the idea of feminine subjection or inferiority in a public statement would be compared to those who would have the Ill conceived courage to defend slavery".
“To be feminist does not scare anyone today, because the advancements brought by feminism are so many and so revealing of the high principles that guide intelligent women, that opponents do not dare speak against it - even if they wanted to - because their opinion would be considered outrageous”. Many a time she addresses “true feminism” as such: “to be feminist is a duty of all parents". It has to do with "the aim of educating women in a practical and useful way", to turn them into “sensible and able human beings free from dependence, that denies human dignity”. According to her, true feminism is to be shared by men and women. It is not to be seen simply as part of the social problems of class struggle or poverty. The rights of poor or wealthy women, commoners or aristocrats are to be taken in the same level of importance. On the other side, states Mrs. Osório, true feminism is not “a defense of the egotism of one sex against the other”. It is about altruism and women’s will to take their share in collective life, to improve the situation for all, for a better society. And as a true democrat, as well, she adds: “Good and practical ideas as they come from private initiative should be supported and followed by governments that respect public opinion”. (14)
CAROLINA BEATRIZ ÂNGELO
Last in the short list of the 1988 MP's in that historical session, Dr. Ângelo was specially remembered by her celebrated solitary act of voting, as a woman citizen, in the earliest election after the proclamation of the Republic - in the May 28 1911. She became the first southern European woman to exercise the right to vote. It was news all over Europe! In fact, she skillfully took advantage of the text of the electoral law that admitted to suffrage all citizens who were over 21, “heads of a family” and literate. As a 33 years old widow, the mother of a child, and a doctor by profession, she formally satisfied all the conditions required to vote. Nevertheless, being woman, her registration was denied by the authorities, because no electoral laws in the country had ever mentioned sex, either to include or exclude one, but women had always being implicitly barred. She went to court and won her case against the authorities. The Judge, who by the way, was a liberal republican and the father of Ana de Castro Osório (a true “feminist”, by his own daughter’s definition) decided in her favor. If the legislator intended to leave out the feminine sex, it should say so, unambiguously, ruled the Judge… In 1913, that is exactly what the law-makers did. Women had to wait for over 20 years to be integrated in a limited circle of officially registered participants in elections. (15).
We cited the favorable press Dr. Ângelo´s suffrage immediately obtained, at national and international level. We should also refer to the enthusiastic standing ovation she got from all men who had the privilege of witnessing the historical moment of her ballot vote. In the Portuguese Parliament in 1988 her daring act was once again given a round of applause.
Not only the few women we cited but also others, who were at their side a hundred years ago, are very similar to our contemporaries, as if they could be our sisters rather than our grand-mothers… I think the main explanation for this kind of “anachronism” is the fact that theirs was a more "feminine" feminism, by contrast with other concepts of their time as well as our own, at least in Portugal. A feminism inspired by the concept of gender equilibrium and cooperation, of "gender parity", as it is presently called, rather than "gender war", refusing rage or hate between sexes and preaching acceptance and tolerance between them. The uttered opinion of Ana de Castro Osório : "We never witnessed violent fights as in foreign countries where the feminist question turned out to be a true sex war.”
Gender parity is still what Portuguese legislators are seeking, in our Constitution and in our laws, along with the majority of women and men engaged in the fight for equality, even if some of them may disagree with the existing regulation imposing the “quota system”.(16 ) The reasons why they seem ahead of their times are certainly due to their own merit, to their own awareness of the social problems involved and the best possible solutions, but it is also partly explained by their position in family and society. They were a select small group of educated women linked by ideological as well as family ties with the republican movement. They came suddenly "out of the shadows" by their own free will, but with the help and complicity of men, with whom they shared beliefs and aims, destiny, global political projects for a future in which they had a role to play. They were ready to engage in the same revolution, to accept the same duties, to undergo the same risks as their fellow men. They believed that a Republic would mean general progress and would treat them as equal citizens with full civil, family and political rights. They were part of the cosmopolitan assertive leadership emerging in the Republican Party, conspiring side by side with parents, husbands, brothers and friends. In 1910 no Portuguese feminist could foresee that the laws on suffrage would remain unchanged. Their long fighting had started in full hope and amiable complicity with men, seen as allies not foes. For them laws concerning women’s rights were far behind social practices, because at least in their own upper class of cultured people they were treated as equals. The Republic, they felt sure, would instantly fill the space between law and life. We know how wrong they were…
3 - A FEMINIST AND REPUBLICAN MOVEMENT
A feminist and republican movement - as it was "two in one" in 1910. It makes a distinction when you differentiate the Portuguese example from others, even if ties between feminists groups with political parties existed elsewhere. In Portugal, the advent of the Republic was truly seen by the suffragists as a “prerequisite” for the achievement of their goal. On behalf of the Republic many of them would, in fact, in later years confirm a no-nonsense approach to politics, including the sacrifice of the vital issue of women's right to vote. They gave up equal suffrage, limiting their claim to a small circle of highly educated ladies... These exceptional women kind of “ladylike way of behaving” inside the political world, carefully staying away from foreign examples of extremism in their individual outward show in public life, and sometimes their manner of demanding equality and justice probably played against them. (16). Very often it does not pay off to be too much ahead of one’s times! Theirs was or is, as I see it, the right attitude for the new century, but then and there it was premature... Now we can afford reconciliation and harmony - or “synthesis”. A century ago it was time for “antithesis”, for unbending and hard opposition.
Lack of harshness was, on my opinion, only one of the main reasons for their (partial) failure: a kind of contradiction between their consistent and often brilliant writings or speeches, even if they were more or less temperate, and their way of political intervention, too "soft" to have the necessary impact. Another cause was dissent among them: dispute on what concerns priorities, the priority of many of them being education, employment and massive civic intervention initially and suffrage later – obviously, a very convenient order of precedence for the republican leaders. The movement did spit into several smaller circles because some of them were republicans above all - like Maria Veleda, the unconditional supporter of Afonso Costa and his radical Democratic Party - and others were more feminists than republicans, like Cabete and Osório, who never gave up the fundamental battle for suffrage, along with other more consensual issues, like education. Education was, as they all agreed upon, an indispensable basis of the emancipation of women. Radical, revolutionary or law abiding feminists, and even a more conservative non feminist wing, shared that conviction. (17) Education for women - a very limited number, of course - was already under way before the Republic was established, but from them on the focus was on the relevance of equal public instruction for both sexes, from primary to high school and to university, and it became an irreversible process that lasted during the period of the so called “New State". (18) . The trend that started in 1910, with the help of the feminist movements may be considered as the most important contribution of the Republic to the emancipation of women.
The refusal of universal suffrage was a major disillusion for the feminists. In a way, their suffragist campaign started hand in hand with their male associates, and they gave up the aim of immediate and full equality to help strengthening the new regime, until it could be self confident enough to be able to satisfy their demands. Unlike suffragists in England and almost everywhere, they seemed as afraid as men proved to be of the consequences of universal suffrage. It is well known that "leftist" parties feared the "conservative" vote of women - and the conservative parties, sure to gain by their voting, were simply against it... In Portugal, ruling republicans also rejected conservative male vote, artificially reducing the electoral universe to a very small percentage of the adult population… The hostile rural catholic and monarchist vote was largely reduced by the prerequisites of alphabetization and tax contribution.(19) Electoral laws introduced a few changes, but never eliminated these two very useful discriminations. Republican women were themselves, aware of the risk of endangering the future of the regime by adopting a system a liberal and open voting system. That explains their approval of the manipulation and cutback of the electoral universe. They never asked for the ballot vote for all women - just for the much reduced number of those who were educated, and considered as more republican than the others.... That is why they went as far as accepting unequal vote, according to sex.
Looking back , we must conclude that Republics, like France and Portugal, delayed fair treatment of female citizens for as long as they could and so many of the countries where women first obtained equal civil and political rights were - and remain! - Constitutional democratic monarchies. In Portugal, really, feminists had no alternative but to trust republicans, because there was no place for them in any of the monarchist parties, as the very few monarchists who were in favor of women's emancipation acknowledged. (20) The truth is, there was no proper place for them in the Republican public institutions, either... They worked hard for the revolution, they remained faithful to the republican principles, and I believe, their participation inside public institutions could have made a difference.
The incapacity of the republican politicians and parties to fairly engage women was a sign of the inevitable decline of the regime, lost by dissension and instability, centralist and authoritarian urges, and growing lack of public support. This is past History…
Feminist thoughts and ideals, as the parliamentarians of 1988 wanted to stress, are very much alive. The feminists of the Republic, their hopes and dreams, did have more future than present - the opposite of the regime... Many Portuguese of my generation still look at them as inspiring and amazing fighters, so gentle and strong, setting good examples and making us think that in 1910 we, too, would have been republicans and feminists. In 2010, we are simply democrats, and feminists, "true feminists", according to Osorio’s definition.
Maria Manuela Aguiar
Espinho, June 2010
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Notes
(1) In “ O Primeiro de Janeiro”, 11 de Setembro, 1902
(2) João Esteves, “Mulheres e Republicanismo (1908-1928), Colecção “O Fio de Ariana”, Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, Lisboa, 2008, p. 9-22)
(3)See for detailed comments one of the best books written in Portuguese on the situation of women around the world by Maria Lamas: “As Mulheres no Mundo”, Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro/Lisboa, 1952.
(4) There was a tremendous gap “north-south” on what concerns legislation and access to seats in Parliament, as a simple chronology clearly reveals: Spain 1924,1927; Portugal 1931,1935; France 1944, 1946; Italy,1945, 1946; Malta 1947,1947; Greece,1952, 1952
In Maria Reynolds de Sousa “A Concessão do Voto às Portuguesas”, colecção “O Fio de Ariana”, Comissão para a Igualdade e os Direitos das Mulheres, Lisboa 2006, p. 81-89
(5) In 1926 lawyer Elina Guimarães and writer Maria Lamas, were in their twenties. They, along with a few others, held the fight during Salazar’s regime and lived long enough to spend their last years in democracy. Public tribute to the highest degree was then paid to them.
(6) The NCPW , resisted for years, under the "Estado Novo" or "New State", along with the paper "Alma Feminina", where many of the texts and some of the reports on international congresses made by Adelaide Cabete were published . The “Council” was extinguished by Salazar's government in 1947, its last president being Maria Lamas.
(7) To Ana de Castro Osório the campaign was an opportunity for many Portuguese women: “women prisoners of stereotypes, deprived of ideals, aims and initiatives will now be in contact with the grand, romantic and valiant soul of the people, alive in our soldiers. In “Em tempo de Guerra, aos soldados e mulheres do meu país”, Lisboa, Editores Ventura e companhia, 1918, p 22.
(8)Maria Reynolds de Sousa, cit , p. 37.
(9) In “Diário da Assembleia da República”, Sessão Plenária, 8 de Março de 1988.
(10) Op cit, p. 2081-2082.
(11) Op cit, p. 2082-2084
(12) Op cit p. 2084-2085
(13)Op cit, p. 2085-2088. Mrs Osório's book "As Mulheres Portuguesas", published in 1905 is considered the first book written in favor of a feminist movement, as it would develop in the immediate future.
(14) Op cit, p. 2088. See letter from Dr Ângelo on the immediate effect of her ballot vote in « A Capital », 29 de Maio de 1911.
(15) In “Iniciativas para a Igualdade de Género”, Coordenação Maria Manuela Aguiar, Edição “Mulher Migrante, Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade”, VN Gaia, Rocha Artes gráficas,2006, p. 90-97
(16) Two statements by Cabete on education and on feminism show what we are trying to convey, that is, the blending of high principles with a certain kind of conventionality:
“It is necessary that the educated men takes care of the education of his companion, that the freed man takes her as a freed woman”.
“Feminism is not what it’s supposed to be by so many people – women eager to mimic men by smoking, by using white collars and ties and other ridiculous imitations.”
(17) Among the anti feminists, Maria Amália Vaz de Carvalho was one of the voices “pro” education for girls and one of the high schools in Lisbon is named after her.
(18) It enables us to be, right now, at the top of the ranking, worldwide, where percentages of women graduates in almost any area, from law to medical studies are well over 60%.
(19) The program of the Republican Party by the end of the XIX century, was definitely in favor of universal suffrage as well as a constituency system throughout the country - in the name of real decentralization of power. None was to be accomplished... Portugal had at the time a population of 5 million people and only one million could read and write, among them not much more than 300.000 women. According to successive laws only about 700.000 in the total population could register to vote...
(20) Dom Antonio da Costa, one of the few monarchist to support the rights of women, praises the program of the Republican party for the defense of equality of gender in a famous book published in 1892 : “A Mulher em Portugal"
MARIA MANUELA AGUIAR
President of the General Assembly- Associação Mulher Migrante
Former Secretary of State for the Portuguese Communities
mariamanuelaaguiar@gmail.com
At the beginning of the XX century a group of feminist and republican women participated in a movement that made history in Portugal. In a country where there was no tradition of feminine participation in public life an elite of highly educated, courageous and strong-minded women suddenly came “out of the shadows”, with the support of republican leaders, in defense of democratic ideals and other causes, such as education for all, equal civil laws and universal suffrage.
Suffrage was a promise never fulfilled, actually, it became the cause of immediate dissent among the heads of the feminist movement, since some were more feminists than republicans, and others definitely more republicans than suffragists. Nonetheless, they all remained faithful to the new regime. Thus binging into question, if their natural moderation and innate republican complicity with their male partners – husbands, family, and friends - played against them?
In the end, they won their main battle albeit through future generations of women and they remain alive in the memory of the Republic today and forever.
1 - FEMINIST MOVEMENTS IN THE BEGINNING OF THE XX CENTURY
From the mid –eighteen hundreds feminist movements had been rapidly developing in Europe, mostly focused on suffrage. Portugal was no exception. However, the first initiatives that started before the end the XIX century were restricted to a limited circle of gender equality believers and did not grow in numbers until 1907-1908, when Portugal was perched on the verge of a regime change, and, even then, by direct interference of republican prominent leaders – all males, of course. This particularity would, in my opinion, bring a set of unique features that would affect the development of historical feminism in Portugal, mostly because it was supposed to become an asset to the republican cause, as well as to the cause of the emancipation of women. If not for that reason, the country did not seem to have much in its favor to be singled out for accomplishments in this special field. As was the case in other southern European societies there was no tradition of women actively playing a role in public life. We are aware, of course, that throughout the centuries our historians singled out a few outstanding women, monarchs, heads of state or acting as such, very influential and powerful Queens of Portugal, ruling side by side with their husbands or offspring, unexpected fighters in heroic battles in faraway lands of the empire – spread out over the half of the world assigned by the Pope to the Portuguese - and a few remarkable writers, poets, artists, and even leaders or participants of mass upraises, one who is still quite present in Portuguese collective memory is the legendary Maria da Fonte, who inspired one the hymns of the Republic, which is still sung at official ceremonies . They women were accepted and admired by their contemporaries, but as exceptions - our own "iron ladies".
Nonetheless, European ideas, tendencies, and social movements, sooner or later, would have an impact among us and later rather than sooner "feminism" began to infiltrate Portugal. By 1902, a leading intellectual and feminist Carolina Michaelis de Vasconcelos - German born, Portuguese by marriage, and the first woman to belong to the Academy of Sciences and to become professor of the University of Coimbra - wrote that there were no women organizations at all in the country and that from her point of view, that of someone born and brought up abroad, women’s political participation was unthinkable, since it was seen as unnatural by Portuguese standards (1). At the time, French or British feminists were already promoting huge marches of protest against discrimination through the avenues of Paris or London. In 1903, Mrs. Pankhurst was engaged in setting up the "Women Social and Political Union". In 1910, the so called "suffragettes", her potent and radical movement, organized a march that extended for several miles along the streets of London on the way to parliament, the very day a proposal for feminine suffrage was defeated. Over 200 MP'S had supported it - many, but not enough... In the same circumstances, every time an electoral law denied them the right to vote, Portuguese women put all their indignation in a carefully and beautifully written paper or asked for an audience to express their disillusion to a sympathetic but ineffective high dignitary - the President of the Republic himself, or the Prime Minister, or the Speaker of the House... (2).
In this domain, accomplishments, or lack there of, have more to do with a cultural gap “north-south” than with the nature of the regime. Stable Nordic monarchies like Denmark, Norway and Sweden, did not need to envisage a change of system in order to improve women's status and they did set an example of good laws and good practices much earlier than the two revolutionary Republics, France and Portugal, and many other countries in the world...(3). In Denmark, women were on the way to get the right to vote at local level (1908) even if they had to wait until 1915 to equal unrestricted vote in all elections and until 1921 to access to all careers, army excepted. In Norway, Camilia Collet was a pioneer activist, since 1884, followed, in the beginning of the new century, by Gina Kroeg, founder of the "Union for Working Women". Norwegian women advanced step by step, first as full members of School Councils (1889), Social Security Councils (1890), and Municipal Councils (1901). In 1907 they were recognized as citizens with the right to vote at local and at national level. In 1911 the first Norwegian woman was elected to parliament. By 1912 most of the careers in the public sector were open to women. In Sweden clever support of the "cause" in the literary domain and religious ideals of fraternity seem to have played a more important role than legal arguments or the involvement of political personalities, mainly through the thesis and action of Frederika Bremer, contemporary of feminist writers like Ibsen or Ellen Key and herself an acknowledged writer, literary critic and a great speaker and campaigner as well. Sweden was the last northern country to approve legislation on women’s vote and eligibility for the parliament in 1919, three years later than Island. Finland had been the earliest. In 1906 an electoral law was passed and in 1907 the first female parliamentarian was elected. Southern Europe pursued the trend much later. In fact, in that geographical and cultural area only Spain was ahead of Portugal.(4)
WOMEN OUT OF THE SHADOWS
FEMINISM IN PORTUGAL - A brief chronology
Predictably, taking into account the predominant mentality in regards to women's participation in politics, the feminist movement never obtained much visibility and wide-spread recognition. Even present-day historians tend to under estimate its influence in the birth of the new era. The History of Portuguese women is still in pending, unwritten to the full extent of its value as Elina Guimarães, the last survivor of that dazzling generation, appropriately asserted. (5 ) But the facts are there, available for research... Women were there as the living proof that the women of the republic were capable of living up to the social and cultural revolutionary ideals of gender equality, along with the principles of a new order in State and society. In fact, Portuguese feminism was never a vast mass movement, and although it gradually grew with a significant number of strong-willed, well-learned women, it was not to be as successful as it should have been. There were several reasons, none had to do with their capacity to make things work out better, perhaps in other time, other place… When you assess their culture or political “savoir faire” as expressed in so many speeches, and writings, you find no “gap” at all, looking at feminist leaders all over Europe... Among them, before and after the revolution, there are illustrious medical doctors, like Adelaide Cabete or Carolina Ângelo, writers like Ana de Castro Osório, Sara Beirão or Maria Lamas, teachers like Maria Veleda, Clara Correia Alves or Alice Pestana, journalists like Albertina Paraíso or Virgínia Quaresma, lawyers like Regina Quintanilha or Elina Guimarães (then a young law graduate).
A distinguished elite, in the company of a minority of few thousands of female citizens, unfortunately more and more divided, like republican politicians themselves, yet not for the same reasons - rather because some of the feminists, as the revolution went on and left them behind, took it better than others. Regrettably, they had a late appearance in the course of action for Women’s rights, they occupied their political and civic space for more or less 20 years and then their lessons or patterns of civic intervention were practically forgotten and lost, after the collapse of the Republic and the advent of a long and misogynous dictatorship, never to regain the same human dimension and radiance.
We will briefly look into these two decades- from 1906/7 to 1926.Initiatives undertaken at the end of the XIX century, interesting as they were, as the first “Feminist Congress” in 1892, or the first feminine newspaper (A Fronda) in 1897. Both having such limited impact that Carolina Michaelis in her essays on feminine enterprises does not take them into due consideration. In 1904, a few brave women did participate in the first "Congress of Freethinking" ( Congresso do Livre Pensamento) - names that would be part of the history of the Republic, like Adelaide Cabete and Maria Veleda, among others. Congresses, huge political meetings, as well as daily activities in republican centers played an important role in mobilizing public support that made the impossible revolution possible. Women suddenly became partners accepted and welcomed, sharing the intense and clever effort of republican propaganda distributed by such means. Many of them got drawn in the daily life of Mason organizations, in journalism, in associations providing all kinds of social help to children and needy girls or women, including educational and vocational training. By the turn of the century, republican centers and clubs were being set up all over the country, to promote social and cultural activities, publishing newspapers and leaflets, in an attempt to spread the Republican Party line, the promises of an era of freedom, prosperity, democracy and equal participation for all. Women gained access to such clubs, mainly in Lisbon and other minor cosmopolitan urban areas. It was the proper way to prepare them for future leadership and political commitment, even if, as we cannot ignore, they were given the opportunity to work for the victory of the republican cause rather than for the advance of their suffragist agenda, as they would soon find out.... In 1908, influential personalities, like Ana de Castro Osório and Adelaide Cabete were invited by António José de Almeida and other major members of the party to join the Portuguese Republican Party (PRP) in an organization of their own, the "Republican League of Portuguese Women". In 1909, the "League” became a formal structure of the party.In 1911, the denial of the suffrage in the legislation approved in March and April, grounded discontent that would lead to the coming apart of the "League". Mrs. Osório and Dr. Carolina Ângelo set up the "Association on Feminine Propaganda" (Associação de Propaganda Feminista") that became a member of the "International Women Suffrage Alliance". In 1913, a new electoral law unequivocally excluded female citizens. In 1914, another founder of the "League", Dr. Cabete formed the "National Council of Portuguese Women” (Conselho National das Mulheres Portuguesas), that was admitted to the International Council of Women, another international suffragist organization.(6)
In 1918, the electoral Law-decree, of March 30, did not open suffrage to women, and the same happened in 1919 (Decrees of March 1 and April 11). By then, no notable founding member remained in the League. They went their separate ways, divided by their different priorities. From 1914 to 1918, they were once again reunited in defense of Portugal participating in World War I. The Committee "Pro Pátria" was founded in 1914 and the “Portuguese Women Cruzade” (Cruzada das Mulheres Portuguesas) in 1916, headed by Ana de Castro Osório. It was her last civic crusade, a last display of great dynamism and courage not only in the diffusion of opinions but also in the direct help of wounded soldiers through “Committees” of nurses, regulated and supported by the government (7).
In 1924, the I Congress on Feminism and Education (I Congresso Feminista e da Educação) was held. President Teixeira Lopes and future (soon to be) President Bernardino Machado were both in attendance. In 1928, already under dictatorship, without any kind of official support, a second and last Congress took place.
The right to vote came 3 years later, ironically by the hand of Salazar, the quintessence of antifeminism - a restricted vote as proposed and defeated many a time during the 16 agitated years of the first Republic. (8)
2 - A TOUCH OF LONG LASTING MODERNISM
Portuguese feminists gained very important battles, like education for women, co-education, more or less egalitarian civil laws, family laws and divorce, more opportunity for professional work, involvement in politics, in journalism, in sciences and arts. They obtained the moral certainty of their remarkable contribution for the change of customs, mentalities, and laws on the line of democracy... However, they were never full citizens in the new Republic, as they never acquired the right to vote. None of them would ever have the option of running for parliament, like Mrs. Pankhurst, or of being elected as a Member of Parliament as Lady Astor was, in England, soon after the end of the WWI... But on the 8th of March 1988, more than eight decades after the commencement of their long struggle for emancipation and of the setting up of the "Group of Women' Studies" (joining Cabete, Osório and followers) a tribute was paid to them in the House. Some of them were, at last, "given the floor” through the voices of women of our generation. The proposal had been made by poet Natália Correia, then a Member of Parliament, someone you could compare to the best of the 1910 generation.(10)
Let me repeat some of the citations chosen for that memorable occasion, as the words sound surprisingly meaningful, significant and up to date, even if something gets lost in my translation… We, nowadays, would not put it differently, and their terms point out to many challenges still to be met.
ANGELINA VIDAL
"For us the emancipation of women is the founding stone of public morality. We recognize there were many difficulties to reach such an ideal, but we cannot forget that all the great ideals of what is fair or beautiful or lawful, worked out through sacrifices and merit of successive generations, were at one time considered utopias. And in two other very interesting remarks she concluded: “We cannot separate our emancipation from men’s emancipation”. Freedom does not tolerate any kind of slavery, only freed women may bring into being free, strong, moral and healthy societies (11)
Most certainly, Emmeline Pankhurst who once said "if civilization is to advance at all, it must be through the help of women, freed of their political shackles, women with full power to work their will in society" would agree.
MARIA VELEDA
"We want a new world, without discrimination based on race, caste, without discouraging laws, without slavery of any kind, without mistrust between sexes... men and women united to reach the same scope, to share the same possessions, rights and ideals" (...) women have to walk side by side with men, calm, spirited and self-possessed”. She defends education and the need of professional training for women and equal participation - topics still in our agenda. And she calls attention to the fact that lack of direct participation may induce evil forms of compensation: "If a woman can't elect she may conspire, she has done so in different ages, or fought with arms in their hands like those sturdy peasants who followed Maria da Fonte". 12)
ALICE PESTANA
Pestana (her pseudonym “Caiel”) is considered more a pacifist than a conventional feminist, but in fact I think she was both. President of the "Portuguese League for Peace", since 1889, a synthesis of her thought was presented in the parliamentarian session to which we refer: “The Portuguese Nation must give women modern learning, mobilize them to get interest in social reality they now think about much more with their heart than with adequate comprehension, instruction and intellectual capacity”. She is above all a “peace fighter” engaged in a “war against war”: “We ask for the creation of Committees for the cause if peace in each country, so that in the XX century we may live in harmony, meaning peace, freedom, and justice”. Nonetheless, she makes an exception, not seen as a contradiction, for what she designates the battle for a noble cause, stating that women, “have been on the side of justice, democracy and peace throughout the ages, even when written History does not mention it. In classical armies she usually finds no place, but in “guerilla”, resistance or liberation armies, in mass movements she is present.” She, specifically, refers to mass movements as those contributing to the independency and the foundation of national identity in Portugal.(13 )
ANA DE CASTRO OSÓRIO
She was next in the list of speakers, through the voice of another late XX century MP. Mrs. Osório was the most famous of the feminists of her time and also the one who seems to have been the first to fear the incapacity of the Republic to carry out the promise of feminine suffrage, as she said: “If a Republic excludes us from its civic laws, we cannot consider ours the country where we have no rights, where we don’t have a voice to protest”. Suffrage is her priority, a target always pursued and never attained, yet she does not minimize progress where it really happened, as in social and cultural spheres – education, more family rights, opportunities of revealing unexpected competence in social and civic activities, or in professional work. She stresses that things were already moving fast: “One who would defend the idea of feminine subjection or inferiority in a public statement would be compared to those who would have the Ill conceived courage to defend slavery".
“To be feminist does not scare anyone today, because the advancements brought by feminism are so many and so revealing of the high principles that guide intelligent women, that opponents do not dare speak against it - even if they wanted to - because their opinion would be considered outrageous”. Many a time she addresses “true feminism” as such: “to be feminist is a duty of all parents". It has to do with "the aim of educating women in a practical and useful way", to turn them into “sensible and able human beings free from dependence, that denies human dignity”. According to her, true feminism is to be shared by men and women. It is not to be seen simply as part of the social problems of class struggle or poverty. The rights of poor or wealthy women, commoners or aristocrats are to be taken in the same level of importance. On the other side, states Mrs. Osório, true feminism is not “a defense of the egotism of one sex against the other”. It is about altruism and women’s will to take their share in collective life, to improve the situation for all, for a better society. And as a true democrat, as well, she adds: “Good and practical ideas as they come from private initiative should be supported and followed by governments that respect public opinion”. (14)
CAROLINA BEATRIZ ÂNGELO
Last in the short list of the 1988 MP's in that historical session, Dr. Ângelo was specially remembered by her celebrated solitary act of voting, as a woman citizen, in the earliest election after the proclamation of the Republic - in the May 28 1911. She became the first southern European woman to exercise the right to vote. It was news all over Europe! In fact, she skillfully took advantage of the text of the electoral law that admitted to suffrage all citizens who were over 21, “heads of a family” and literate. As a 33 years old widow, the mother of a child, and a doctor by profession, she formally satisfied all the conditions required to vote. Nevertheless, being woman, her registration was denied by the authorities, because no electoral laws in the country had ever mentioned sex, either to include or exclude one, but women had always being implicitly barred. She went to court and won her case against the authorities. The Judge, who by the way, was a liberal republican and the father of Ana de Castro Osório (a true “feminist”, by his own daughter’s definition) decided in her favor. If the legislator intended to leave out the feminine sex, it should say so, unambiguously, ruled the Judge… In 1913, that is exactly what the law-makers did. Women had to wait for over 20 years to be integrated in a limited circle of officially registered participants in elections. (15).
We cited the favorable press Dr. Ângelo´s suffrage immediately obtained, at national and international level. We should also refer to the enthusiastic standing ovation she got from all men who had the privilege of witnessing the historical moment of her ballot vote. In the Portuguese Parliament in 1988 her daring act was once again given a round of applause.
Not only the few women we cited but also others, who were at their side a hundred years ago, are very similar to our contemporaries, as if they could be our sisters rather than our grand-mothers… I think the main explanation for this kind of “anachronism” is the fact that theirs was a more "feminine" feminism, by contrast with other concepts of their time as well as our own, at least in Portugal. A feminism inspired by the concept of gender equilibrium and cooperation, of "gender parity", as it is presently called, rather than "gender war", refusing rage or hate between sexes and preaching acceptance and tolerance between them. The uttered opinion of Ana de Castro Osório : "We never witnessed violent fights as in foreign countries where the feminist question turned out to be a true sex war.”
Gender parity is still what Portuguese legislators are seeking, in our Constitution and in our laws, along with the majority of women and men engaged in the fight for equality, even if some of them may disagree with the existing regulation imposing the “quota system”.(16 ) The reasons why they seem ahead of their times are certainly due to their own merit, to their own awareness of the social problems involved and the best possible solutions, but it is also partly explained by their position in family and society. They were a select small group of educated women linked by ideological as well as family ties with the republican movement. They came suddenly "out of the shadows" by their own free will, but with the help and complicity of men, with whom they shared beliefs and aims, destiny, global political projects for a future in which they had a role to play. They were ready to engage in the same revolution, to accept the same duties, to undergo the same risks as their fellow men. They believed that a Republic would mean general progress and would treat them as equal citizens with full civil, family and political rights. They were part of the cosmopolitan assertive leadership emerging in the Republican Party, conspiring side by side with parents, husbands, brothers and friends. In 1910 no Portuguese feminist could foresee that the laws on suffrage would remain unchanged. Their long fighting had started in full hope and amiable complicity with men, seen as allies not foes. For them laws concerning women’s rights were far behind social practices, because at least in their own upper class of cultured people they were treated as equals. The Republic, they felt sure, would instantly fill the space between law and life. We know how wrong they were…
3 - A FEMINIST AND REPUBLICAN MOVEMENT
A feminist and republican movement - as it was "two in one" in 1910. It makes a distinction when you differentiate the Portuguese example from others, even if ties between feminists groups with political parties existed elsewhere. In Portugal, the advent of the Republic was truly seen by the suffragists as a “prerequisite” for the achievement of their goal. On behalf of the Republic many of them would, in fact, in later years confirm a no-nonsense approach to politics, including the sacrifice of the vital issue of women's right to vote. They gave up equal suffrage, limiting their claim to a small circle of highly educated ladies... These exceptional women kind of “ladylike way of behaving” inside the political world, carefully staying away from foreign examples of extremism in their individual outward show in public life, and sometimes their manner of demanding equality and justice probably played against them. (16). Very often it does not pay off to be too much ahead of one’s times! Theirs was or is, as I see it, the right attitude for the new century, but then and there it was premature... Now we can afford reconciliation and harmony - or “synthesis”. A century ago it was time for “antithesis”, for unbending and hard opposition.
Lack of harshness was, on my opinion, only one of the main reasons for their (partial) failure: a kind of contradiction between their consistent and often brilliant writings or speeches, even if they were more or less temperate, and their way of political intervention, too "soft" to have the necessary impact. Another cause was dissent among them: dispute on what concerns priorities, the priority of many of them being education, employment and massive civic intervention initially and suffrage later – obviously, a very convenient order of precedence for the republican leaders. The movement did spit into several smaller circles because some of them were republicans above all - like Maria Veleda, the unconditional supporter of Afonso Costa and his radical Democratic Party - and others were more feminists than republicans, like Cabete and Osório, who never gave up the fundamental battle for suffrage, along with other more consensual issues, like education. Education was, as they all agreed upon, an indispensable basis of the emancipation of women. Radical, revolutionary or law abiding feminists, and even a more conservative non feminist wing, shared that conviction. (17) Education for women - a very limited number, of course - was already under way before the Republic was established, but from them on the focus was on the relevance of equal public instruction for both sexes, from primary to high school and to university, and it became an irreversible process that lasted during the period of the so called “New State". (18) . The trend that started in 1910, with the help of the feminist movements may be considered as the most important contribution of the Republic to the emancipation of women.
The refusal of universal suffrage was a major disillusion for the feminists. In a way, their suffragist campaign started hand in hand with their male associates, and they gave up the aim of immediate and full equality to help strengthening the new regime, until it could be self confident enough to be able to satisfy their demands. Unlike suffragists in England and almost everywhere, they seemed as afraid as men proved to be of the consequences of universal suffrage. It is well known that "leftist" parties feared the "conservative" vote of women - and the conservative parties, sure to gain by their voting, were simply against it... In Portugal, ruling republicans also rejected conservative male vote, artificially reducing the electoral universe to a very small percentage of the adult population… The hostile rural catholic and monarchist vote was largely reduced by the prerequisites of alphabetization and tax contribution.(19) Electoral laws introduced a few changes, but never eliminated these two very useful discriminations. Republican women were themselves, aware of the risk of endangering the future of the regime by adopting a system a liberal and open voting system. That explains their approval of the manipulation and cutback of the electoral universe. They never asked for the ballot vote for all women - just for the much reduced number of those who were educated, and considered as more republican than the others.... That is why they went as far as accepting unequal vote, according to sex.
Looking back , we must conclude that Republics, like France and Portugal, delayed fair treatment of female citizens for as long as they could and so many of the countries where women first obtained equal civil and political rights were - and remain! - Constitutional democratic monarchies. In Portugal, really, feminists had no alternative but to trust republicans, because there was no place for them in any of the monarchist parties, as the very few monarchists who were in favor of women's emancipation acknowledged. (20) The truth is, there was no proper place for them in the Republican public institutions, either... They worked hard for the revolution, they remained faithful to the republican principles, and I believe, their participation inside public institutions could have made a difference.
The incapacity of the republican politicians and parties to fairly engage women was a sign of the inevitable decline of the regime, lost by dissension and instability, centralist and authoritarian urges, and growing lack of public support. This is past History…
Feminist thoughts and ideals, as the parliamentarians of 1988 wanted to stress, are very much alive. The feminists of the Republic, their hopes and dreams, did have more future than present - the opposite of the regime... Many Portuguese of my generation still look at them as inspiring and amazing fighters, so gentle and strong, setting good examples and making us think that in 1910 we, too, would have been republicans and feminists. In 2010, we are simply democrats, and feminists, "true feminists", according to Osorio’s definition.
Maria Manuela Aguiar
Espinho, June 2010
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Notes
(1) In “ O Primeiro de Janeiro”, 11 de Setembro, 1902
(2) João Esteves, “Mulheres e Republicanismo (1908-1928), Colecção “O Fio de Ariana”, Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, Lisboa, 2008, p. 9-22)
(3)See for detailed comments one of the best books written in Portuguese on the situation of women around the world by Maria Lamas: “As Mulheres no Mundo”, Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro/Lisboa, 1952.
(4) There was a tremendous gap “north-south” on what concerns legislation and access to seats in Parliament, as a simple chronology clearly reveals: Spain 1924,1927; Portugal 1931,1935; France 1944, 1946; Italy,1945, 1946; Malta 1947,1947; Greece,1952, 1952
In Maria Reynolds de Sousa “A Concessão do Voto às Portuguesas”, colecção “O Fio de Ariana”, Comissão para a Igualdade e os Direitos das Mulheres, Lisboa 2006, p. 81-89
(5) In 1926 lawyer Elina Guimarães and writer Maria Lamas, were in their twenties. They, along with a few others, held the fight during Salazar’s regime and lived long enough to spend their last years in democracy. Public tribute to the highest degree was then paid to them.
(6) The NCPW , resisted for years, under the "Estado Novo" or "New State", along with the paper "Alma Feminina", where many of the texts and some of the reports on international congresses made by Adelaide Cabete were published . The “Council” was extinguished by Salazar's government in 1947, its last president being Maria Lamas.
(7) To Ana de Castro Osório the campaign was an opportunity for many Portuguese women: “women prisoners of stereotypes, deprived of ideals, aims and initiatives will now be in contact with the grand, romantic and valiant soul of the people, alive in our soldiers. In “Em tempo de Guerra, aos soldados e mulheres do meu país”, Lisboa, Editores Ventura e companhia, 1918, p 22.
(8)Maria Reynolds de Sousa, cit , p. 37.
(9) In “Diário da Assembleia da República”, Sessão Plenária, 8 de Março de 1988.
(10) Op cit, p. 2081-2082.
(11) Op cit, p. 2082-2084
(12) Op cit p. 2084-2085
(13)Op cit, p. 2085-2088. Mrs Osório's book "As Mulheres Portuguesas", published in 1905 is considered the first book written in favor of a feminist movement, as it would develop in the immediate future.
(14) Op cit, p. 2088. See letter from Dr Ângelo on the immediate effect of her ballot vote in « A Capital », 29 de Maio de 1911.
(15) In “Iniciativas para a Igualdade de Género”, Coordenação Maria Manuela Aguiar, Edição “Mulher Migrante, Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade”, VN Gaia, Rocha Artes gráficas,2006, p. 90-97
(16) Two statements by Cabete on education and on feminism show what we are trying to convey, that is, the blending of high principles with a certain kind of conventionality:
“It is necessary that the educated men takes care of the education of his companion, that the freed man takes her as a freed woman”.
“Feminism is not what it’s supposed to be by so many people – women eager to mimic men by smoking, by using white collars and ties and other ridiculous imitations.”
(17) Among the anti feminists, Maria Amália Vaz de Carvalho was one of the voices “pro” education for girls and one of the high schools in Lisbon is named after her.
(18) It enables us to be, right now, at the top of the ranking, worldwide, where percentages of women graduates in almost any area, from law to medical studies are well over 60%.
(19) The program of the Republican Party by the end of the XIX century, was definitely in favor of universal suffrage as well as a constituency system throughout the country - in the name of real decentralization of power. None was to be accomplished... Portugal had at the time a population of 5 million people and only one million could read and write, among them not much more than 300.000 women. According to successive laws only about 700.000 in the total population could register to vote...
(20) Dom Antonio da Costa, one of the few monarchist to support the rights of women, praises the program of the Republican party for the defense of equality of gender in a famous book published in 1892 : “A Mulher em Portugal"
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