ENCONTRO MUNDIAL DE MULHERES MIGRANTES
“Expressões Femininas da Cidadania”
Palácio das Necessidades, 24 e 25 de outubro de 2013
2.º Painel – Comunidades Portuguesas. Novas formas de associativismo
Uma breve
palavra introdutória para saudar todos os presentes, a começar pelos membros
deste painel, e agradecer à Dr.ª Manuela Aguiar e à Dr.ª Rita Gomes o convite
para participar neste Encontro, mais uma bela iniciativa promovida pela
Associação Mulher Migrante, na linha da valorização das comunidades, em especial
das mulheres e do seu papel nos vários setores da vida social.
Portugal, ainda hoje um país de
emigração
Quando nos anos setenta, mais precisamente em janeiro de 1973, iniciei as
funções de técnico no então Secretariado Nacional da Emigração, a emigração
portuguesa continuava com elevados níveis de fluxos, se bem que inferiores às grandes
vagas registadas na década de sessenta. Após o termo da II Guerra Mundial, na
opinião de Francisco Carvalho, autor do livro “A emigração portuguesa nos anos
60 do século XX – Porque não revisitá-la hoje?”, Portugal teria entrado numa
nova fase de fluxos migratórios que começou a estruturar-se nos anos 50 e que
veio a acentuar-se nos anos 60 seguintes.
Foi por esses anos, segundo muitos analistas dos movimentos migratórios
internacionais, que se esboçou o início de uma segunda era de migrações de
massa da época contemporânea – a primeira decorreu entre 1850 e 1930 –,
caracterizada, no fundamental, pela sua mundialização, abrangendo regiões que
antes pouco eram tocadas por esse fenómeno, e pela sua regionalização. Numa
população mundial de 7 mil milhões de habitantes, mil milhões encontram-se numa
situação de mobilidade, correspondendo três quartos a migrações internas e um
quarto a migrações internacionais. Hoje, os migrantes internacionais
ultrapassaram os 200 milhões e, virtualmente, constituem o quinto país do
Mundo. É a partir dessas novas realidades das migrações que Catherine Wihtol de
Venden, diretora de investigação no CNRS em França e autora de número significativo
de obras na área das migrações internacionais, passou a classificar os
movimentos migratórios em quatro grandes configurações: Sul-Sul, com 62 milhões
de migrantes; Norte-Norte, com 50 milhões; Norte-Sul, com 14 milhões e
Sul-Norte, abrangendo 63 milhões.
No que respeita à emigração portuguesa, continuando a apoiar-me no
trabalho já citado de Francisco Carvalho, a evolução registada nesses períodos
foi a seguinte:
- De 1945 a 1970
- 1,1 milhão de emigrantes, com especial incidência na década de 1961 a 1970, pois,
em apenas 10 anos, o total de saídas foi de 681. 004;
- De 1971 a 1980
- 364.851 emigrantes;
- De 1981 a 1988
- 131.059 emigrantes (Em relação aos anos de 1989 a 1991, as Estatísticas
Demográficas do INE não publicaram dados sobre a emigração);
- De 1992 a 2003
- 336.741 emigrantes.
A partir de 2003, deixou de haver a publicação de estatísticas sobre a
emigração. O INE lançou depois um sistema de recolha de informação através do
“Inquérito aos Movimentos Migratórios de Saída” mas o sistema veio depois a ser
suspenso, em virtude dos dados obtidos revelarem margens significativas de
erro. Mais recentemente, o INE começou a publicar as “Estimativas Anuais de
Emigração” para emigrantes permanentes e temporários.
De 2008 a 2012, as estimativas são as seguintes:
Emigrantes
permanentes
- 2008 – 20.357
emigrantes:16.286 homens e 4.071 mulheres.
- Local de residência futura: 15.581 emigraram para países da UE e 4.776
para países extra-comunitários;
- 2009 – 16.899 emigrantes:
13.519 homens e 3.380 mulheres.
- Local de residência futura: 10.891 optaram por países comunitários e 6.008
por países não comunitários;
- 2010 – 23.760
emigrantes: 19.008 homens e 4.752 mulheres.
- Local de residência futura: 14.838 dirigiram-se para países da UE e
8.922 para países não membros da União Europeia;
- 2011 – 43.998
emigrantes: 31.329 homens e 12.669 mulheres.
- Local de residência futura: 28.489 partiram para países da EU e 15.509
para países fora da EU;
- 2012 – 51.958 emigrantes:
34.540 homens e 17.418 mulheres.
- Local de residência futura: 34.418 escolheram como destino países da EU
e 17.510 países não comunitários, sendo desconhecida a opção de 30 emigrantes.
Emigrantes
temporários
- 2011 – 56.980
emigrantes;
- 2012 – 69.460
emigrantes.
Se bem que não disponhamos de dados obtidos através de um sistema de
recolha direta de informação sobre a emigração portuguesa, as estimativas
publicadas pelo INE têm todavia a marca da autoridade e da qualidade, por
procederem do órgão central do Sistema Estatístico Nacional. Elas constituem
por conseguinte a origem dos dados de que me servi para destacar algumas das
tendências mais marcantes dos atuais fluxos emigratórios portugueses, que passo
a resumir:
1.º A permanência do fenómeno no quadro da evolução histórica da sociedade
portuguesa e, numa perspetiva mais ampla, dos movimentos internacionais de
mão-de-obra;
2.º O seu significativo aumento registado nos últimos anos, em
consequência da atual crise financeira e económica internacional e das suas
repercussões na economia e na sociedade portuguesa, com o crescimento, em
especial, do desemprego;
3.º O aumento do número dos trabalhadores temporários e da sua
percentagem no quadro dos movimentos migratórios portugueses. Faltam dados para
aprofundar a análise desta categoria de emigrantes mas, pelo conhecimento
direto de muitos casos, penso que uma parte significativa será constituída por
trabalhadores destacados;
4.º - A nível dos grupos etários,
a larga percentagem é constituída por população ativa, com principal incidência
nos grupos etários entre os 20-24 anos e os 30-34. Mesmo assim, não deixa de
ser significativa a percentagem das crianças e dos jovens, ente os 0-4 anos e
os 15-19 anos, o que pode indiciar a saída de importante número de agregados
familiares;
5.º - Por distribuição por sexos, continua a verificar-se uma
predominância significativa da saída de homens, devido aos movimentos de
temporários, na sua quase totalidade constituída por emigração masculina,
embora se verifique que há cada vez mais mulheres isoladas a emigrar, mas numa
percentagem ainda inferior à que se regista a nível internacional. Hoje, metade
dos migrantes internacionais são mulheres, cujo perfil registou todavia uma
evolução muito significativa. O perfil tradicional da mulher que emigra para se
juntar ao marido, no quadro do reagrupamento familiar, tem vindo
progressivamente a dar lugar ao perfil da mulher independente, à procura de
emprego, e a modalidades de emigração específicas, tal como a migração de mulheres
de países do sul para se ocuparem dos cuidados às pessoas da terceira idade dos
países industrializados, quando o nível de cuidados médicos é reduzido;
6.º - A crescente diversificação dos destinos, se bem que os países
comunitários continuem a ser os principais países recetores da nossa emigração;
7.º Sobre a evolução por categorias socio-profissionais e respetivo grau
de qualificação, lamentavelmente, faltam as estatísticas. A nível
internacional, a mobilidade estudantil e o êxodo dos jovens qualificados
ganharam particular importância nas novas configurações migratórias Sul-Norte e
Norte-Norte. Parece assim evidente que se vai acentuar a tendência da nova
emigração portuguesa ter de responder a critérios de qualificação cada vez mais
exigentes.
Em resumo, quando agora me
aproximo do fim da minha carreira profissional, a emigração voltou a atingir
níveis idênticos aos de outros períodos de crise da nossa história, tal como
nos anos 20 ou 60 do século passado A emigração continua a ser, citando
Vitorino Magalhães Godinho, uma constante “estrutural” da vida nacional e uma
insubstituível via de acesso ao emprego ou à melhoria dos rendimentos e das
condições de vida para milhões de nacionais portugueses, a exigir das
autoridades portuguesas, tal como nos anteriores períodos de crise, uma intervenção
atenta e ajustada às reais necessidades dos novos fluxos emigratórios.
Comunidades Portuguesas, os novos países
de acolhimento
Quanto à orientação da emigração em termos de países de destino, nas suas
grandes linhas, registou-se uma profunda mudança no pós-guerra, sobretudo nos
anos 60 e 70, com uma inversão nas preferências geográficas, verificando-se uma
diminuição progressiva dos movimentos para os países do continente americano,
designadamente para o Brasil, a par do aumento contínuo das preferências pelos
países europeus, principalmente pela França. A um ciclo transoceânico sucedeu
um ciclo europeu ou, como diz Francisco Carvalho, passou-se “do ciclo americano
da emigração nacional, essencialmente brasileiro, para o ciclo europeu, que é
fundamentalmente francês”. No seu ponto de vista, passo a citá-lo, “este desvio
nas preferências geográficas do emigrante português entender-se-á melhor se
pensarmos que os candidatos à emigração passaram a poder optar entre a
tentativa de fortuna a longa distância, além-atlântico, que já por si imprimia
à partida uma certa miríade longínqua e um carácter até certo ponto definitivo,
e os novos horizontes de emprego e de promoção social que, mais de perto, na
Europa, ofereciam alguns dos países industriais, como era por exemplo a
França”.
A França passou a ocupar o primeiro lugar dos destinos da emigração
portuguesa, com um efetivo que foi gradualmente aumentando e que poucos anos
depois se transformou no mais numeroso de todas as comunidades estrangeiras
residentes no território francês. Mas para além da França, outros países vieram
também a acolher significativas comunidades portuguesas, como a Alemanha, o
Luxemburgo, a Bélgica, a Holanda e, alguns anos mais tarde, a Suíça, a Espanha
e o Reino Unido.
De data mais recente, em consequência da grave crise por que o País passa,
com o agravamento do desemprego, mas também de outros fatores, nomeadamente de
ordem externa, como a crescente mobilidade a nível internacional, a
generalizada procura de mão-de-obra qualificada, por parte dos países mais
desenvolvidos, mas também dos países emergentes e dos países do Golfo,
extremamente dependentes da mão-de-obra estrangeira, a emigração portuguesa
voltou a conhecer, como o deixei anteriormente documentado, uma nova retoma, traduzida
no seu crescimento, na diversificação de perfis dos emigrantes e na procura de
novos destinos. É neste contexto que se regista o aumento de saídas para o
Reino Unido, Angola, Macau, Moçambique, Índia, Irlanda, países do Golfo e
outros países mais. Segundo dados da DGACCP relativos a 2012, saíram do País,
pelo menos, 130.000 portugueses, juntando-se aos mais de quatro milhões
espalhados pelo Mundo. Uma parte deles dirigiu-se para países tradicionais da
emigração portuguesa, como a França, que ocupou a primeira posição, o Brasil, a
Suíça, a Alemanha, a Venezuela e o Canadá mas outra parte, igualmente
importante, para novos países de acolhimento.
No elenco desses países elaborado pelo Observatório da Emigração, num
total de 193, tantos os que conta atualmente a Organização das Nações Unidas
(ONU), há cerca de 100 onde foi assinalada a presença de portugueses. Outras
diásporas têm uma dimensão numérica muito superior à portuguesa mas poucas são
por certo as que a igualam na sua distribuição por tão vasto e diversificado universo
de países de acolhimento, em razão da variedade de religiões, línguas,
diferenças de níveis de desenvolvimento, sistemas sociais e de valores, assim
como da sua história e da própria história, em cada país, dos movimentos
migratórios.
As diferenças entre os vários países onde residem os nossos compatriotas
determinam, por força dos condicionalismos daí resultantes, que a sua situação
seja também diferente de país para país. Com efeito, as comunidades portuguesas
apresentam diferenças de umas para as outras mas é de notar que, não obstante
as particularidades de cada uma, existem obviamente pontos comuns entre elas, com
destaque para os seguintes:
a)
A situação regular em que se encontra nos países de
acolhimento a generalidade dos portugueses neles residentes.
Os casos de
clandestinidade atingiram desde sempre elevados montantes. Nos anos sessenta, a
emigração clandestina, na quase totalidade para França, atingiu mais de 57% da
legal e, no período de 1891 a 1960, dos mais de 1.500.000 que ilegalmente se
fixaram no estrangeiro cerca de 600 mil fizeram-no na América Latina. Hoje, os
casos de situação irregular estão muito mais limitados, de que é indicador o
número de 21 nacionais portugueses que em 2012 foram deportados ou expulsos,
com apoio social, dos seguintes países: EUA (16), Canadá (1), Argentina (1),
Tailândia (1), Grécia (1) e Reino Unido (1);
b)
A elevada taxa
de atividade dos portugueses no exterior e o exercício de todo o tipo de
atividades, desempenhando as mais diversas profissões e ofícios, cuja
diversificação e hierarquização têm vindo a progredir à medida do
aprofundamento da sua participação na vida dos países de acolhimento;
c)
A ligação ao país, materializada na vontade de manter
viva a língua portuguesa nas comunidades e de promover a cultura portuguesa;
nas frequentes visitas ao país; no envio de remessas; na aquisição de
propriedades, nomeadamente de residências; no crescente investimento nos vários
setores de atividade; na participação eleitoral; etc…
As nossas
comunidades constituem no seu conjunto uma verdadeira diáspora, fiel à memória
do legado de tradições, costumes e valores transmitido de gerações em gerações,
à qual muito se deve o facto de Portugal beneficiar de uma importante
influência a nível internacional, contribuindo para que uma língua de 10
milhões de habitantes seja a terceira língua europeia mais falada no mundo;
d)
A sua situação face ao Estado português.
Segundo o art.º
14.º da Constituição da República Portuguesa, “os cidadãos portugueses que se
encontrem ou residam no estrangeiro gozam da proteção do Estado para o
exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis
com a ausência do país”. O direito de emigrar ou sair do território nacional e
o direito de regressar são constitucionalmente garantidos a todos os cidadãos
no n.º 2 do artigo 44.º da CRP.
Na intervenção que fez em 5 de junho de 2001 para apresentar o projeto de
lei n.142/VIII no âmbito do repatriamento voluntário, a Dr.ª Manuela Aguiar,
então na qualidade de deputada pelo Círculo Eleitoral pelo Resto do Mundo,
afirmava que “que só com a Constituição democrática de 1976 rompemos,
definitivamente com a mais antiga e tradicional das nossas políticas no domínio
das migrações – e, desde o século XVI, a única constante – que, segundo os bons
autores, se limitava a proibir ou a dificultar o êxodo imparável das populações
para o exterior”. Lembrava a seguir que “já no século XX, a primeira verdadeira
medida de apoio aos emigrantes, com a assistência na fase de saída, incluiu o
acompanhamento das viagens transoceânicas e a inspeção das condições de
segurança e salubridade a bordo dos navios, quase invariavelmente más. Foi a
chamada “política de trajeto de ida”. Depois, os homens ficavam entregues a si
próprios, apesar dos protestos de tantos dos nossos diplomatas, que souberam
erguer-se em sua defesa e traçar o quadro da miséria de uma minoria de
desafortunados - sempre uma minoria, embora a repatriação tenha atingido, no
século XIX e na primeira metade do século XX, em alguns períodos, cerca de 1/3
do total de emigrados”.
Foi assim no passado, ainda não muito distante, mas hoje o dever do
Estado para com os cidadãos expatriados estende-se, imperativamente, a todas as
fases do “ciclo migratório, desde que o emigrante planeia a saída, durante a
sua viagem, no tempo de permanência no estrangeiro e na hipótese de um eventual
retorno”.
Nesse amplo quadro de atribuições, são três os eixos principais da ação
do Estado no âmbito da emigração e das comunidades portuguesas:
1) A defesa e
proteção dos direitos e interesses dos emigrantes portugueses;
2) A promoção da
sua participação cívica e política nos países de acolhimento, procurando por essa
via contribuir para a melhoria do estatuto das comunidades portuguesas e a
valorização pessoal dos membros;
3) A manutenção
dos laços com o país.
O Estado tem uma função fundamental e insubstituível no tocante à
primeira das três áreas referidas, ainda que a sua ação possa ser apoiada por
organizações não-governamentais, indistintamente da sua natureza e origem. O
seu exercício processa-se a nível bilateral, no quadro das suas relações com os
outros Estados, incluindo no âmbito comunitário, regulamentadas hoje pelas
Convenções sobre Relações Diplomáticas e sobre Relações Consulares, e a nível
multilateral, através da sua participação nas organizações internacionais. É
particularmente importante a ação de algumas destas organizações no campo das
migrações, com destaque para o Conselho da Europa, a Organização das Nações
Unidas (ONU), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização de
Cooperação para o Desenvolvimento Económico (OCDE) e a Organização
Internacional para as Migrações (OIM), das quais Portugal é membro,
considerando sobretudo os instrumentos de direito internacional aprovados no
âmbito das suas atividades, como é o caso das Convenções do Conselho da Europa
relativa ao Estatuto do Trabalhador Migrante, sobre a participação dos
estrangeiros na vida pública ao nível local e sobre a nacionalidade, bem como as
convenções relativas aos trabalhadores migrantes no âmbito da OIT e da ONU,
nomeadamente as convenções 97 e 143 da OIT e a Convenção Internacional sobre a
proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das
suas Famílias da ONU.
No que respeita à distribuição das comunidades portuguesas no quadro das
configurações anteriormente mencionadas, é no Norte que se localiza 1/3 dos
países de acolhimento das comunidades portuguesas, onde os nacionais
portugueses gozam, nos casos dos países da União Europeia, do estatuto
comunitário, caracterizado, em síntese, pelos princípios da livre circulação,
da igualdade de tratamento e de oportunidades e da cidadania europeia,
sendo-lhes reconhecido a este nível a capacidade eleitoral ativa e passiva nas
eleições para as autarquias e para o Parlamento Europeu. No caso dos restantes
países, a ação de proteção do Estado exerce-se através da sua intervenção a
nível diplomático e consular, quer a nível bilateral, quer multilateral.
No âmbito Norte-Sul, é da maior relevância este enquadramento dos
movimentos migratórios portugueses, pois 2/3 dos países de acolhimento das
nossas comunidades são países do hemisfério sul, localizados na América do Sul,
na Ásia e na África. A atual crise está a incrementar a procura por muitos
emigrantes portugueses qualificados de destinos no sul, sobretudo nos países
com um crescimento mais dinâmico.
Nesses países, em geral países com um nível de desenvolvimento inferior
ao dos países do norte, a proteção do Estado é mais difícil de assegurar, devido
aos baixos níveis de segurança existentes em largo número deles e também à
inexistência de sistemas de segurança social ou ao seu incipiente grau de
desenvolvimento. De igual modo, é de assinalar que, à exceção do Brasil e da
Venezuela, nenhum outro país importante de acolhimento das comunidades
portuguesas, nomeadamente em África, tal como a África do Sul e os PALOPS,
ratificou qualquer das convenções da OIT e da ONU anteriormente mencionadas,
designadamente a Convenção n.º 97 da OIT. A situação dos portugueses no Brasil
é um caso completamente aparte, onde os portugueses gozam em matéria de
direitos civis e políticos um estatuto equiparado ao dos nacionais, nos termos
e condições do Tratado de Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e
Portugueses. Com Angola, foi assinado o Protocolo Bilateral entre o Governo da
República Portuguesa e o Governo da República de Angola sobre Facilitação de
Vistos em 15 de Setembro de 2011. Com outros países, em matéria de segurança
social, estão em curso diligências com a Argélia, Brasil, Cabo Verde,
Filipinas, Índia, Marrocos, Moçambique, Tunísia e Ucrânia. É também no quadro
da proteção dos nacionais residentes nos países em apreço que está a ser
prestado na República da África do Sul apoio psicológico a vítimas de crime e
foram criados os programas ASIC-CP (Apoio social a idosos carenciados das
comunidades portuguesas) e ASEC-CP (Apoio social a emigrantes carenciados das
comunidades portuguesas). Os dois programas constituem medidas de apoio social
dirigidas aos portugueses idosos carenciados das comunidades portuguesas,
residentes designadamente na África do Sul, Angola, Argentina, Brasil,
Moçambique, Uruguai e Venezuela. No 4.º trimestre de 2012, o ASIC-AP registou
847 beneficiários em pagamento, distribuídos por 15 países – Angola (22),
Argentina (17), Brasil (547), Colômbia (1), Cabo Verde (8), Marrocos (2), Macau
(2), Moçambique (66), Uruguai (14), R.D. Congo (2), Venezuela (70), África do
Sul (65), Zimbabwe (29), Índia (1) e Suazilândia (1), no total de €
1.658.368,91. O ASEC-CP registou 6 beneficiários distribuídos por 4 postos
consulares – Rio de Janeiro (2), São Paulo (2), Maputo (1) e Beira (1), com uma
despesa de €12.303,32.
Como nota geral, os portugueses desfrutam na generalidade dos países de
acolhimento de uma situação satisfatória, com imensos casos de compatriotas a
terem conseguido singrar nos negócios ou ocupar posições de relevo em muitos
outros setores. Não obstante esse generalizado sucesso, não se poderá deixar de
considerar que muitos dos que partiram para procurar melhores condições no
estrangeiro tinham um baixo ou nenhum nível de escolaridade. Como reconhece
Manuel Dias, na obra já citada, “parte dessa força de trabalho o único
“diploma” que levava na bagagem era o da férrea vontade de vencer ou de ganhar
o combate por melhores condições de vida, ainda que à custa de muitos sacrifícios”.
A falta de qualificações profissionais ou outro tipo de causas, tal como a
crise dos últimos anos, com particular incidência nos ramos de atividade que
mais ocupavam mão-de-obra imigrante, a insegurança em países de África e da
América Latina e o generalizado envelhecimento das nossas comunidades, estão a
atingir alguns setores das nossas comunidades e, por consequência, a estar na
origem de preocupantes bolsas de pobreza, sobretudo naqueles países onde não
existem sistemas de proteção social ou o âmbito das prestações asseguradas é
ainda muito limitado. Há nas comunidades problemas, contrariamente à imagem divulgada
pelos órgãos de comunicação social, que exigem por parte do Estado o seu
adequado acompanhamento e a necessária diversificação de programas, medidas e ações.
No que respeita aos outros dois eixos, correspondem eles também a áreas
em que é fundamental a intervenção do Estado, nomeadamente no que respeita ao
ensino do português, mas, relativamente aos quais, as comunidades, através das
suas estruturas representativas, têm desde sempre desempenhado um papel da
maior relevância, que importa cada vez mais estimular, considerando a
importância, tanto de uma, como de outra, para o desenvolvimento e a projeção
das comunidades, bem como para a defesa dos interesses do País. Por parte do
Estado, que me parece não ter descurado o cumprimento dos seus deveres nessas
matérias, são de sublinhar o importante investimento realizado na área do
ensino, e as múltiplas iniciativas que tem promovido para promover a
participação cívica e eleitoral, assim como a manutenção e o aprofundamento da
ligação das comunidades ao país, através de medidas como a criação do Conselho
das Comunidades Portuguesas, a abertura do recém Gabinete de Apoio ao Investidor
da Diáspora, o apoio prestado aos órgãos de comunicação e ao movimento
associativo das comunidades. Por parte das comunidades, através das suas
estruturas representativas, teremos a seguir a oportunidade de ouvir os
representantes de alguns dos movimentos mais representativos da diáspora aqui presentes.
O movimento associativo da diáspora, a necessária
colaboração institucional
Antes que cada um deles tome a palavra, gostaria de salientar quanto
importante considero que no futuro se venha a institucionalizar e a desenvolver
a colaboração entre o Estado e as organizações das comunidades. Mais do que
nunca, essa colaboração é hoje indispensável, sobretudo para o Estado manter a
ligação das comunidades ao País, pois como o assinala o sociólogo João Teixeira
Lopes, autor do estudo sobre Novos
Emigrantes para França: a geração Europa, em declarações prestadas ao
Jornal Público do dia 8 do passado mês de outubro, Portugal corre o risco de
perder o rasto dos novos emigrantes.
Numa entrevista ao Jornal i de
19 do referido mês de outubro, João Salgueiro, economista e antigo Ministro das
Finanças disse a certo passo o seguinte: -“…Temos feito com que os rendimentos
e capitais sejam menos atraídos para Portugal. Vivemos até há 15 anos de uma
medida que se tomou em 1976 e que trouxe mais dinheiro para Portugal do que o
que veio da UE. O que se fez foi autorizar os emigrantes a ter depósitos em
moeda estrangeira, que mais ninguém tinha. Deixaram de pagar impostos sobre os
juros dos depósitos e tinham um crédito automático igual ao volume dos eus
depósitos. Entrou dinheiro de todos os lados. Chegámos a ter 13% do PIB esse
modo. Se agora tivéssemos 6% do PIB assim, não teríamos problemas”.
É um exemplo, entre muitos outros, que penso nos poderá estimular a
refletir sobre a importância das comunidades para Portugal e o potencial que a
sua contribuição poderá ter nos vários setores da vida nacional.
Lisboa, 24 de
outubro de 2013
Victor Lopes Gil