terça-feira, 5 de janeiro de 2016

1974/2014 40 ANOS DE MIGRAÇÕES EM LIBERDADE - COMUNICAÇÕES


O Papel dos Media Portugueses na Emergência de uma Diáspora Lusófona

José Arantes, Diretor da RTP África

 No dia 27 de junho de 1214, o rei Afonso II escreveu um texto muito curioso:

“Eu rei Afonso pela gracia de Deus Rei de Portugal, sendo sano e saluo, (…) fiz mia mãda per que depois mia morte meus filios e meu reino e meus vassalos e todas aquelas cousas que Deus mi deu en poder sten en paz e folgãncia”.

O testamento do rei Afonso, já lá vão oitocentos anos, constitui o primeiro documento escrito nessa língua singular que tomaria o nome de “Português” e passaria a representar o início da grande aventura da língua portuguesa. Uma aventura, portanto, de oito séculos, vivida através de mares tenebrosos, florestas tropicais, praias exóticas, até ao extremo oriente ou à ponta sul das Américas.

Claro que no séc. XIII a língua já era falada pelo povo mas teria pouco relevo se o rei Afonso não a tivesse utilizado num documento oficial de tamanha importância. Confinado a um pequeno espaço na ponta ocidental da Europa, o português assim permaneceu por dois séculos até à grandiosa epopeia das navegações portuguesas do séc. XV. Com os Descobrimentos, levámos a bordo das naus portuguesas a nossa maneira particular de ver o mundo, a nossa língua. O português navega para sul, ganha expressões regionais, torna-se língua de comércio e de tráfego, lança as bases da sua futura internacionalização. Torna-se também a língua de outros povos.

Por quatro séculos a língua portuguesa fica entregue ao acaso e à necessidade. O séc. XX, já para lá do seu meio, apenas conhece dois países de língua portuguesa: Portugal e Brasil. Sem concertação de políticas ou de interesses, muitas vezes sem democracia nem liberdade de expressão, nenhum dos dois foi capaz de articular uma política da língua ou uma estratégia para a sua projeção.

Com a democratização portuguesa em 1974, inicia-se a chamada “3ª Vaga da Democratização” que se estenderá ao Brasil. Em África surgem cinco novos países de língua portuguesa. Em conjunto, este grupo de sete países criará, 22 anos depois, a Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa – CPLP.

A CPLP é uma comunidade de estados muito particular. Todos os seus membros são países marítimos, têm problemas de desenvolvimento assimétrico, não têm fronteiras partilhadas e, com exceção de Portugal, são ricos em petróleo e hidrocarbonetos.

Hoje a CPLP é composta por nove membros efetivos, estando pendentes dois pedidos de adesão, seis membros associados e treze pedidos para membros observadores. Esta espantosa evolução é muito bem ilustrada pela importância do português no mundo: é falado por 250 milhões de pessoas, é a primeira língua no hemisfério sul e a terceira na internet, é língua oficial em vinte e seis organizações internacionais. Esta projeção não seria possível, ou pelo menos não teria a dimensão que tem, sem todos aqueles que, espalhados pelo mundo, falam o português.

As comunidades lusófonas, criadas ao longo de séculos com sucessivos movimentos migratórios, são o protagonista central desta aventura da língua, iniciada há oitocentos anos.

Devemos à emigração muita da importância da nossa língua.

Assistimos hoje a um novo movimento migratório, traduzido na saída do país de jovens qualificados, em busca de realização pessoal e profissional. Podemos ver neste fenómeno algo de negativo, um movimento que empobrece o país, privando-o de parte da sua gente mais jovem e mais qualificada. É sem dúvida verdade, embora não toda a verdade.

Quem hoje deixa Portugal, munido de boas qualificações e de altos graus académicos, ocupa muitas vezes lugares de destaque em importantes empresas, universidades e várias organizações internacionais. Todos estes portugueses constituem um ativo importantíssimo para o nosso país. Em conjunto formam uma rede de contactos, influencias e conhecimento que pode ser posta ao serviço do interesse nacional.

Assistimos hoje à constituição de novas comunidades portuguesas, mais pequenas, mais dispersas e mais atomizadas mas muito influentes e prestigiadas. O grande objetivo terá de ser o de pôr toda essa gente a colaborar em rede e de lhe dar unidade e coerência. É um trabalho diplomático e consular mas também das associações portuguesas e de toda a sociedade civil.

Portugal dispõe, neste início de séc. XXI, de três ativos importantes: a nova plataforma continental e as possibilidades de exploração marinha que ela oferece, a relação privilegiada com África e o seu potencial económico e cultural e as Comunidades Portuguesas e o seu peso nas relações internacionais. Estes ativos, sobretudo os dois últimos, assentam na língua portuguesa e na capacidade de orientar politicamente e de forma coerente o “bloco da lusofonia”.

Criar um “sentimento de pertença”, comum a todos quantos no mundo falam o português, é um grande desafio posto aos países lusófonos. Esse desafio só poderá ser enfrentado com êxito se incorporar uma vertente sólida de comunicação social; ela é o instrumento mais poderoso na criação desse “sentimento de pertença” e na construção de uma plataforma cultural onde se revejam todos quantos falam o português. Na sua diversidade, é esse o papel que podem assumir a televisões, rádios e jornais, nacionais e comunitários.

As Comunidades sempre evoluíram mais rapidamente do que os órgãos de comunicação social. Por isso cabe aos jornalistas e toda a indústria de media encontrar formas de suprimir esse atraso, encontrar novas formas de intervenção, acertando o passo pela dinâmica das comunidades, num esforço de modernização e de maior relevância junto dos seus públicos.

Os media portugueses terão de ser o elemento central na criação de um “lóbi português” à escala mundial, o que pressupõe também um entendimento estratégico entre os nove Estados da CPLP. Só assim poderemos dar continuidade a essa aventura, velha de oito séculos, que é a Língua Portuguesa.

 

Origens e evolução do 1º Conselho das Comunidades Portuguesas

Manuela  Aguiar

I - O PARADIGMA FRANCÊS

Na primeira metade do século XX, dois Conselhos de Emigrantes foram criados na Europa, como instrumentos de representação dos cidadãos residentes no estrangeiro e ambos estão ainda em funções no século XXI - o suíço (1916) e o francês (1948). Um e outro são oriundos de grandes movimentos transnacionais, configurando, porém dois modelos distintos. A "Organização dos Suíços no Estrangeiro", suporte do conselho e dos congressos anuais dos suíços do estrangeiro, mantém a sua natureza privada como porta-voz dos interesses dos expatriados junto do governo, ainda que beneficie de subsídios para atividades nos domínios social e cultural (ensino, campos de férias para jovens), e na área da informação. (AGUIAR e GUIRADO, 1999:16). O Conselho Superior dos Franceses do Estrangeiro é um órgão instituído pelo Estado, embora tenha surgido como resposta a um reivindicação da "Union des Français de l' Étranger" (UFA), que, praticamente desde o seu início, em 1927, apelou à institucionalização da colaboração com o governo, colocando o enfoque na igualdade de direitos entre residentes e expatriados, e no direito de voto nas eleições nacionais.

O início de novecentos, foi um tempo de grande expansão de movimentos associativos de povos europeus, que formaram extensas redes internacionais, com as suas cúpulas federativas (M Böhm, 1993), a coincidir com o aumento de vagas migratórias da Europa para as Américas, favorecido pelo progresso tecnológico e embaratecimento dos custos das viagens transoceânicas. Esta é uma realidade que nós próprios conhecemos bem, com um êxodo para o Brasil em números jamais vistos, sem, contudo, acompanhar a tendência para a internacionalização de um associativismo, fortíssimo a nível local, mas avesso a ultrapassar as fronteiras de uma cidade, ou, quando muito, de um país. (1) (2).

Todavia, à época, só em França, no discurso da UFA, aflorou a clara consciência da situação de discriminação dos expatriados no plano político, com a reclamação da igualdade de exercício de direitos da cidadania face ao país de origem. A pertinência dessa pretensão era evidente, reconhecidos os laços de pertença culturais, económicos, afetivos, que guardavam com a pátria, mas a força do dogma territorialista - soberania exercida estritamente dentro de fronteiras - assim como a preocupação de não abrir precedentes que obrigassem a dar reciprocidade a estrangeiros, num país de imigração, mais do que de emigração, levou sucessivos governos a rejeitarem uma proposta tão ousada.

Como se explica o pioneirismo do Conselho francês? Em parte, certamente, pela história da República, com uma tradição de representação das antigas colónias pela via de Conselhos Superiores, e, também pela visão e cultura política do fundador e principal dirigente da UFA, Gabriel Wernlé. Ao tempo, a igualdade de direitos de cidadania dos emigrantes era uma utopia e teve a invencível oposição de sucessivos Governos e da Diplomacia francesa. Wernlé soube contornar os obstáculos e encontrar uma solução de compromisso, avançando com a fórmula inovadora de intervenção dos expatriados no espaço público, através de um órgão de consulta governamental, após duas décadas de porfiados esforços, viria a ser criado em 1948 - o "Conseil Supérieur des Français de l' Étranger". (4)

A sua constituição fora precedida pela presença de um pequeno núcleo emigrantes franceses no Conselho Consultivo da Resistência Francesa, que funcionou como forum da França livre, durante a 2ª Guerra mundial, sob a égide do General De Gaulle. Teve a sua 1ª reunião em 1943, na Argélia, reunindo 83 homens, 5 representantes dos expatriados, e apenas uma mulher, Marthe Simard, membro da resistência no Canadá. (GARRIAUD-MAYLAND, 2008: 19)

Essa primeira ligação entre expatriados em razão da guerra e emigrantes, em sentido estrito, foi continuada no Conselho Superior dos Franceses do Estrangeiro, onde os antigos combatentes, enquanto tal, tiveram, desde a primeira hora, assento entre os “membros de direito”, juntamente com representantes da UFE, das Câmaras do Comércio e dos professores, a par dos 45“membros eleitos” pelas associações e dos 5 “membros nomeados” pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros (que preside ao órgão consultivo). Entre as mais importantes prerrogativas do "Conelho" estava (e está, hoje, na Assembleia dos Franceses do Estrangeiro), a de escolher os senadores dos franceses residentes fora do país, processo em que só intervêm os membros eleitos. O voto dos expatriados para a Assembleia Nacional tardaria a ser reconhecido, pelo que o Conselho (como um dos colégios eleitorais do Senado) foi a sua primeira instância representativa. E, depois que os direitos de participação política foram sendo atribuídos, não perdeu importância, como órgão de representação específica. Foi nesta veste que influenciou todos os organismos públicos, que vieram a ser criados, na década de 80, nos países europeus de forte emigração – Portugal, Itália e Espanha. (AGUIAR, 2003: 9).

O Conselho Superior reúne em plenário anualmente (entre as sessões anuais funciona, com regularidade, a Comissão Permanente) aprova relatórios, resoluções, dá pareceres, faz interpelações sobre todas as matérias que interessem aos residentes no estrangeiro, nomeadamente, direitos políticos, nacionalidade, ensino, pensões, assuntos económicos. (5)

Em 1982, este Conselho passou a ser eleito por sufrágio direto e universal (modo de eleição adotado pelos homólogos italiano e espanhol, que são posteriores a essa data). Foi “constitucionalizado” em 2003 (art. 39 da Constituição) e, em 2004, alterou a sua designação para "Assemblée des Français de L' Étranger" (Assembleia dos Franceses do Estrangeiro).

Os conselhos existentes na Europa têm, evidentemente, a sua própria história, com soluções e modos de atuação concreta muito diversos, mas , prosseguindo finalidades em larga medida análogas, julgo que ganhariam em manter, a nível europeu, um diálogo, que tarda, sobre os seus êxitos e dificuldades, como meio de aperfeiçoar os seus poderes e sua "praxis". (6) O conselho português foi de todos, o que teve vida mais acidentada (AGUIAR, 2008: 259). A análise comparativa poderá, ajudar a compreender algumas das razões do sua maior instabilidade e a procurar formas de o solidificar como instituição - por exemplo, tal como acontece em França, desde 2003, integrando -o na arquitetura da Constituição, ou, indo ainda mais longe, configura-lo como órgão de Estado, retirando-o da esfera de competência do governo, soluções aventadas em audições parlamentares, por iniciativa da Subcomissão das Comunidades Portuguesas (BARBOSA DE MELO, 2004: 33)

 

II - O CONSELHO DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS (CCP)

1 - Conselho das Comunidades ou Conselho de Emigrantes?

Nas eleições intercalares de 1979, o programa eleitoral do governo da AD previa a criação de um "Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo", onde estas se poderão fazer representar". (7) O único paradigma que se oferecia ao legislador era o Conselho francês, apesar da diversidade das realidades a que procuravam ajustar-se. No nosso caso, sem qualquer âncora no passado colonial ou na situação de antigos combatentes, num quadro constitucional que consagrava já a representação dos emigrantes na Assembleia da República, e perante a ausência de agregação a nível internacional das suas comunidades dispersas pelo mundo. (8) Em França, como dissemos, a UFA, organização de cúpula do associativismo foi o grande paladino do Conselho e um parceiro de primeira hora, em Portugal era o Governo que queria promover a agregação numa "casa comum" do movimento associativo sem qualquer rede transnacional. Uma "casa comum" da lusofonia e da lusofilia e não apenas da emigração.   A "União das Comunidades de Cultura Portuguesa", que poderia ter sido o parceiro privilegiado, já não existia. Fora criada em 1964 e tivera uma vida breve. (9)

Havia que adaptar figurino alheio a realidades próprias e trabalhar contra o tempo. O horizonte do governo, oriundo de eleições intercalares era curto, tudo era urgente e o Conselho ainda mais...Foi constituído, no começo de janeiro, no gabinete da Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas (a quem estava cometida a tarefa), um grupo de trabalho, coordenado pela Dr.ª Fernanda Agria. (10). Cerca de um mês depois, ouvidos especialistas e funcionários da SEECP,diplomatas e deputados da emigração, o anteprojeto estava concluído e foi enviado a Conselho de Ministros. Depois da tramitação para parecer dos diversos departamentos ministeriais,foi aprovado, com pequena emendas, a 1 de abril.

A falta de ampla audição das comunidades seria suprida, através da consulta posterior aos eleitos, a quem caberia, na primeira reunião do CCP, repensar as suas grandes linhas e apresentar sugestões de alteração. O próprio governo tomou a decisão de destinar uma das seis secções previstas, à revisão do da lei. Essa foi secção, onde se verificaram as maiores polémicas e afrontamentos, e onde se forjou, em compromissos e consensos, a vontade comum de existir, que verdadeiramente fez do CCP uma realidade viva.

Tal como em França, no desenho do CCP coexistiam três categorias de participantes CCP - membros eleitos (os representantes das comunidades do estrangeiro), membros natos (representantes dos governos, nacional e regionais e do parlamento) e nomeados (representantes dos parceiros sociais, peritos, funcionários de serviços de apoio).

Mais do que pôr os conselheiros frente a frente, numa sala de reuniões fechada, a falarem entre si e com Ministros ou Secretários de Estado do governo, pretendia-se assegurar o contacto com a sociedade civil, com responsáveis da administração pública ecom os "media" nacionais. Essa foi a razão, ainda hoje largamente incompreendida, que determinou a heterogeneidade da composição do órgão consultivo e o facto de todos poderem participar nas sessões de trabalhos, As assessorias (dos diversos departamentos ministeriais) viriam a dar, como se esperava um contributo facilitador das recomendações e pareceres dos eleitos. As recomendações das primeiras reuniões (1981-1985), publicadas pelo Centro de Estudos da SECP, assim como as atas das diversas secções da 1ª reunião, revelam total predominância das intervenções dos Conselheiros eleitos, face aos demais, que raramente intervieram e, quando o fizeram foi, quase sempre, para prestar esclarecimentos.

Os conselheiros manifestaram o propósito de reduzir o CCP ao núcleo dos eleitos, mas logo abriam, pela via de convites seus, as portas dos CCP a todas as categorias de participantes previstos na lei - uma forma de reconhecimento das vantagens de dialogarem com uma pluralidade de participantes em forum alargado.

 2 - Da Lei ao nascimento da Instituição

Se foi célere a elaboração da legislação, em 1980, durante o VI Governo Constitucional, não o foi menos, em 1981, no VII Governo Constitucional, o processo de organização das primeiras eleições, de acordo com as normas transitórias previstas no DL 373/80 de 12 de setembro - por convocatória pelas embaixadas ou consulados dos delegados das associações legalmente constituídas na sua área, para a eleição de um determinado número de representantes, que decorria da aplicação dos critérios legais.

Futuramente, as "Comissões de País" reuniriam, para o efeito, por direito próprio, como colégios eleitorais do Conselho. A lei não definia o seu modo de organização e funcionamento, a nível de país ou área consular: o número de efetivos, o programa, as atividades,(e tudo o mais), a nível local, era decidido pelos respetivos membros, eleitos de entre as associações legalmente constituídas, que se inscrevessem na "Comissão". Estabelecia-se, assim, uma completa descentralização, julgada imprescindível face a realidades tão díspares, como são as das comunidades dos cinco continentes. Onde existisse já uma federação - caso do Brasil - podiam funcionar quase só como colégio eleitoral. Em comunidades mais divididas, esperava-se que pudessem contribuir para reforçar a cooperação inter associativa e a sua expansão. Mas, nem o governo nem os consulados interferiam.

O VII Governo Constitucional tomou posse em Janeiro de 1981 e a reunião realizou-se, decorridos 3 meses, em abril, no salão nobre do Palácio Foz.

A abrir os trabalhos, a Secretária Geral, Fernanda Agria lembrava que "o próprio diploma criador do Conselho está, de certa maneira, e ser testado na realidade da prática".Na qualidade de Presidente do Conselho das Comunidades, eu própria salientei o carater histórico daquele momento: "Estamos a participar no primeiro ato da vida de uma nova instituição - o CCP - que, estou certa, virá a desempenhar, como todos esperamos e desejamos, durante muito tempo e ao longo de muitas gerações, um papel de relevo, meritório e eficaz, no conjunto das instituições nacionais" [...]"uma instituição mediadora entre a sociedade civil e o Estado"[…]: "Não temos, infelizmente, em Portugal, uma tradição muito rica neste género de instituições [...] o CCP, no seu processo de funcionamento, terá, pois, menos uma tradição a seguir do que uma tradição a criar; terá uma forma própria a assumir e não um modelo rígido a limitá-lo". (AGUIAR, 1986:91)

Quando a Secretária-geral se preparava para dar sequência à ordem do dia do plenário, ouviu-se a primeira voz contestatária, prenúncio da partidarização, que viria da Europa e, sobretudo de Paris, e daria da instituição uma imagem pública de conflitualidade, só em parte verdadeira. A politização revelava-se, não só no incidente em si, mas no relevo que lhe foi dado na imprensa afeta ou próxima do PCP, sobretudo em "O Diário".(11)

3 - CCP - Plenário e Secções

O programa delineado para a primeira reunião previa a alternância de plenários e de debates em seis secções - Educação e Ensino, Segurança Social, Regresso e Reinserção, Comunicação Social, Revisão do DL 373/80 e Secção Especial (temas livres).

À semelhança do que acontece na Assembleia da República, pelas mesmas razões, o plenário do Conselho foi o grande palco mediático da confrontação e as secções, como, em regra, as Comissões Parlamentares, converteram-se no espaço privilegiado de análise de propostas e de compromissos, nem sempre fáceis, mas quase sempre conseguidos, como de constata nas 102 recomendações aprovadas pelo coletivo. Os especialistas, funcionários e funcionários dos diversos departamentos da administração pública foram constantemente elogiados pelos Conselheiros.

O espírito de grupo nasceu, verdadeiramente, entre os conselheiros, assessores, políticos, dentro do círculo que constituiu cada secção, incluindo aquela que mais diretamente pensava o futuro do CCP. As recomendações dão uma imagem objetiva da construção do órgão como coletivo, através de um impressionante conjunto de propostas - desfecho que, depois de um começo fraturante, não estava, de modo algum, garantido. Uma parte das recomendações são programáticas, algumas delas mera enunciação de problemas e testemunho de preocupações expectáveis numa reunião sem precedentes - mas outras houve que apontavam para já soluções precisas. e inovadoras, que vieram a inspirar políticas com concretização no imediato ou a prazo, designadamente as seguintes recomendações: criação de Institutos de Língua Portuguesa; integração do português nos "curricula" escolares dos países de imigração; recrutamento, preferencialmente, de professores oriundos das comunidades; organização de cursos de férias e intercâmbios, cursos de formação para professores de português no estrangeiro, alargamento do regime de inscrição voluntária de emigrantes na segurança social portuguesa, (instituído no ano anterior, pelo Decreto Regulamentar 7/80 de 3 de abril); aumento das isenções alfandegárias e fiscais (que faziam parte de um conjunto de medidas financeiras adotadas logo depois da revolução de 1974, para incentivar os regressos e atrair remessas); realização de programas de apoio a rádios das comunidades; distribuição generalizada dos noticiários da ANOP (que a SEECP passaria a assegurar, para os terminais de telex dos próprios media ou dos consulados); aproveitamento dos programas de televisão, produzidos, para os emigrantes de França e Alemanha (desde 74/75), para canais ou emissões de televisão das comunidades em outros continentes (o que seria dificilmente negociado com a RTP...); o porte pago; a realização de um Encontro Mundial dos Órgãos de Comunicação Social das comunidades, (logo convocado para o ano seguinte); exigência da dupla cidadania (acolhida na ordem jurídica poucos meses depois); voto na eleição presidencial (alcançado em 1997); alargamento do número de deputados da emigração (ainda não aceite atualmente). Reforço dos serviços da SEECP, com aumento de delegações no estrangeiro e abertura de balcões de apoio aos emigrantes nos aeroportos (prontamente conseguido).

4 - A Secção para a revisão do DL 373/80 de 12 de setembro

A Secção, que foi a verdadeira “alma mater” da instituição nascente, começa por “considerar aprovadas todas as disposições constantes do DL 73/ 80, que não colidam com a recomendação infra”. Nessa recomendação (nº 99), as principais inovações apontam para: a composição do órgão apenas por membros eleitos; escolha do presidente de entre emigrantes ou ex-emigrantes residentes em Portugal; a nomeação do Secretário-Geral pelo conselheiro eleito presidente do CCP, embora continuando a ser apoiado pelos serviços da SEECP; a eleição do CCP no círculo das associações, (com a possibilidade de ser complementada pelo sufrágio direto de candidatos fora das associações).

. As traves mestras e as finalidades principais da legislação apresentada ao exame crítico dos conselheiros não eram postas em causa, e foram ressaltadas as prioridades do legislador de 1980 – a “salvaguarda da identidade da cultura lusíada no mundo” e a “promoção do movimento associativo, com respeito pela sua liberdade estatutária e identidade própria”. A recomendação da eleição do presidente do CCP entre os eleitos (que não levantara oposição do Governo), foi alterada em 1983, com a aceitação da norma em vigor (presidência pelo MNE).

5 – Um CCP em construção

Avanços e retrocessos, controvérsias e roturas assinalaram a trajetória do CCP, num ciclo de sete anos. No VIII Governo Constitucional, em 1982, o novo Secretário de Estado e Presidente do CCP  decidiu não convocar o plenário, invocando a necessidade de rever previamente a lei, de acordo com as recomendações de 1981. O funcionamento do Conselho foi retomado no IX Governo Constitucional, em 1983, com o regresso ao cargo da primeira Presidente e teve o seu período de maior estabilidade até 1987. Voltou a ser desconvocado a partir de 1988, durante o XI Governo Constitucional.

Ficou, assim, evidenciada a dependência do funcionamento do CCP mundial da vontade dos titulares da pasta da emigração, ou seja, a sua fragilidade institucional. (consequência da falta de tradição do órgão ou, porventura, da falta de tradição democrática de um país saído de cinco décadas de ditadura). Embora na base da pirâmide, a nível das “Comissões de País”, se mantivesse um regular funcionamento, graças à sua completa autonomia, a convocação das sessões plenárias foi discricionariamente recusada em 1982 e a partir de 1988.(13)

Dessa fase mais estável se destaca:

A realização da 2ª reunião plenária (1983), que decorreu no Porto e em Aveiro, e aprovou, entre outras, duas importantes recomendações o enquadramento dos órgãos de comunicação social numa " Secção Permanente", e a criação de quatro Conselhos Regionais (África, América do Norte, América do Sul e Europa). Contrariando a orientação do 1ªreunião, os conselheiros aprovaram a continuidade da presidência do órgão pelo MNE (ou pelo SEECP, por delegação de competências).

A "regionalização" do CCP foi consagrada, pelo DL 367 /84 de 25 de novembro, nos termos do qual o Conselho passava a reunir no País, por secções, e, alternadamente, nas comunidades, por regiões. O Conselho da América do Norte teve lugar nos EUA, em Danbury, Connecticut, o da América do Sul e África em Fortaleza, Brasil, no último trimestre de 1984. O da Europa, previsto para La Rochette, foi adiado "sine die", por oposição dos conselheiros de França (13). Em 1984 foi ainda constituída uma "Comissão Permanente de Peritos", destinada a garantir o apoio técnico constante e maior operacionalidade aos trabalhos do Conselho. A Comissão, nomeada livremente pela presidente, era formada por 3 mulheres e 3 homens.

Em 1985, decorreu em Viana do Castelo, com o patrocínio da UNESCO, a "1ª reunião de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo" (as duas componentes do CCP, note-se), em cumprimento de uma recomendação da reunião de Danbury, do ano anterior.

 A 3ª reunião mundial do CCP levou os conselheiros à Madeira - Porto Santo e Funchal -e teve a participação do Presidente Governo Regional. Em cumprimento de uma recomendação aprovada nesse plenário, foi constituída uma "Comissão Permanente" integrando dois conselheiros de cada uma das quatro regiões, e o representante da Austrália (por eleição realizada durante a sessão plenária na Madeira).

Em 1986, o "Conselho por Regiões" repartiu-se entre Toronto, Canadá (América do Norte), Maringá, Brasil (América do Sul) e Estugarda, Alemanha (Europa). É de assinalar a presença do Presidente do Governo Regional dos Açores na Reunião Regional da América do Norte, a testemunhar a boa cooperação conseguida no CCP entre governo da República e os governos autonómicos, que já então tinham as suas instâncias próprias de representação de emigrantes (Rocha-Trindade, 2014: 19)

Em 1987, secundando pareceres do Conselho foi criada uma comissão interministerial, com competência específica para dar sequência às recomendações do Conselho, (sinal da sua crescente importância política); e constituídas várias “conferências” junto do CCP -“Ensino”, “Assuntos dos Jovens”, “Promoção da participação das mulheres”(13) e “Investimentos e Assuntos Económicos e Financeiro” Eram uma forma de valorizar a participação horizontal no órgão consultivo.

A queda do X Governo no verão de 1987 veio colocar um ponto final no que parecia o estádio da sua definitiva afirmação do CCP como órgão representativo e nas suas ramificações na sociedade civil. Durante a 4ª reunião plenária realizada no Algarve (Albufeira) todos pressentiam que seria a última. Todavia, em alguns países, Brasil, França, Argentina os Conselhos das Comunidades (antigas Comissões) continuaram ativos como federações associativas, independentes de qualquer governo.

Em 1996, após quase uma década em suspensão, o CCP ressurgiu, eleito por sufrágio universal, desligado da memória da sua primeira vida e das suas origens associativas, embora prossiga os mesmos fins e continue a emergir, essencialmente do viveiro de lideranças, que é são as grandes instituições das comunidades portuguesas.(14)

5 - Presença e ausência feminina no 1º CCP

Não havia mulheres entre os membros eleitos, os observadores da Comunicação Social, os deputados, os representantes das Regiões Autónomas, entre os representantes dos parceiros sociais (nomeados por indicação das respetivas corporações), mas o Conselho português foi, historicamente, o primeiro a ser presidido por uma mulher e, por sua nomeação, algumas funcionárias públicas, participaram na reunião de 1981, como peritas - além da Secretária -geral, Fernanda Agria, as moderadoras e relatoras Maria Beatriz Rocha Trindade (Secção da Educação e Ensino e Secção Especial - 2ª geração e identidade cultural) e Rita Gomes (Secção Regresso e Reinserção) e as que exerceram a assessoria das secções, Alexandra Lencastre da Rocha (Secção Especial), Maria Helena Lúcio (Segurança Social e Secção Especial) e Maria Manuela Machado Silva (Ensino e Educação). Em 1983, chegaram das comunidades do estrangeiro Maria Alice Ribeiro, do Canadá, e Custódia Domingues, ambas dos meios de comunicação social. Maria Alice Ribeiro, diretora do mais antigo jornal português de Toronto, foi a proponente da convocatória de um congresso mundial de mulheres migrantes. Em 1985, faziam parte da Comissão Permanente de Peritos", que era paritária, Fernanda Agria, Maria Rita Gomes e Maria Beatriz Rocha Trindade.

A ausência do feminino é, também, gritante no que respeita às recomendações -  as especificidades das migrações de mulheres são praticamente ignoradas. Entre 1981 e 1985, apenas uma, se refere diretamente às mulheres, usando a palavra “mulher” e para manifestar a preocupação pelo facto de, na Austrália, terem, em certos casos, melhores condições de trabalho do que os homens, facto que poderia levar a conflitos familiares (recomendação 35). Também se podem considerar como dirigidas especialmente às mulheres, embora sempre designadas como “cônjuge”, algumas, poucas, recomendações aprovadas, em matéria de reagrupamento familiar. Foi, assim, contra corrente, por proposta da Conselheira Alice Ribeiro, que CCP fica ligado ao início das políticas de género, em Portugal. A Conferência para a Promoção da Participação das Mulheres , caso tivesse ido por diante, criaria, à época um precedente, mesmo face à França, onde existe atualmente uma secção para as Mulheres e onde, já em 2006 as francesas estavam em maioria na Assembleia dos Franceses do estrangeiro. Em 2016, um CCP recém-eleito com apenas 12 mulheres poderá recuperar vir a inspirar-se no exemplo francês, ou a olhar a seu passado neste domínio.

 

 

Notas

(1) Para além da França, com a UFE, da Suiça com a "Organização dos Suiços no Estrangeiro" (da qual é oriundo o Conselho suíço) também, por exemplo, a Áustria Associação Mundial dos Austríacos no Estrangeiro,)a Bélgica ("Flamengos no Mundo" e "Union Francophone des Belges à l' Etranger"), a Alemanha ("Associação para a Cultura Alemã no Estrangeiro", fundada em Berlim, em 1881, com o nome de "Associação Geral das Escolas Alemãs"), a Espanha ("Fundação dos Espanhóis no mundo"), a Inglaterra ("Associação para os Direitos dos Ingleses no Estrangeiro"), a Itália ("Sociedade Dante Alighieri, a "União dos Italianos do Estrangeiro" e organizações regionais, como "A família Veneziana" e "A Família Milanesa"), a Polónia (com "Comunidade Polaca", criada em 1990), a Suécia (com duas associações internacionais "A Suécia no Mundo" e a "Associação Educativa das Mulheres Suecas") - organizações sobre as quais incidiu o relatório de M Böhm, aprovado na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. O relatório não menciona a "União das Comunidades de Cultura Portuguesa", talvez pelo seu carater efémero, apesar de se enquadrar nesta forma de associativismo. A "União das Comunidades de Cultura Portuguesa" foi instituída durante o 1ºCongresso das Comunidades de Cultura Portuguesa, organizado pela Sociedade de Geografia, então presidida por Adriano Moreira. O 2º Congresso decorreu em Moçambique, em 1967. O 3ºCongresso, que iria realizar-se no Brasil, deparou com obstáculos levantados pelo governo de Marcelo Caetano. Foi adiado "sine die" e a "União", ainda em fase embrionária, e, por isso, sem verdadeiro enraizamento na Diáspora, foi desativada. Não era um órgão governamental, do tipo do Conselho Superior francês, não precisava de apoio oficial para existir. Contudo, num regime anti-democrático, não gozou de liberdade para continuar, porque tinha a sua sede numa instituição de Lisboa e não nas comunidades do estrangeiro, que escapavam ao controlo da ditadura.

(2) Uma das explicações para a não existência de um movimento internacional da Diáspora portuguesa poderá ser o facto de uma grande proporção dos fluxos migratórios se dirigir a um só destino, o Brasil. A Federação das Associações Portuguesas e Luso Brasileiras, nunca ultrapassou as fronteiras quase continentais deste país.

(3) O Prof Emygdio da Silva, no início do século, rejeitava a ideia do voto nacional dos emigrantes, e apontava já para um sucedâneo, que seria a representação dos emigrantes num órgão próprio. Um verdadeiro percursor dos Conselhos, no plano puramente teórico.

(4) O papel desempenhado pela UFE na criação do Conselho explica a preponderância do associativismo na sua composição. Os candidatos às eleições deviam ser, obrigatoriamente, membros de uma associação do estrangeiro e ter, cumulativamente, a nacionalidade francesa.

(5) Jöelle Garriaud Mayland, Conselheira e Senadora pelos franceses do estrangeiro, ao historiar o percurso do "Conselho", destaca o seu papel no domínio do ensino, da proteção social e pensões, na aceitação da dupla nacionalidade e do lado menos positivo, refere a pouca notoriedade de que goza, apesar da sua importância, esta instituição, quer dentro de França, quer também entre os expatriados (GARRIAUD-MAYLAND, 2008: 44).

(6) Os Comités de Italianos no Estrangeiro foram criados, em 1985, sob a égide dos consulados, com eleições por sufrágio direto, exceto nos países onde proíbam o processo eleitoral, caso em que são nomeados. Em 1989, foi instituído o Conselho Geral dos Italianos no Estrangeiro, presidido pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, com 65 membros eleitos e 29 nomeados pelo governo. Os "Conselhos de residente espanhóis", que tal como os "Comitati" italianos funcionam junto dos consulados e o "Conselho Geral da Emigração" foram instituídos em 1987. O Conselho Geral era composto por um presidente nomeado pelo Ministro do Trabalho. e por 60 membros eleitos (inicialmente, 36) e nomeados (oriundos de entidades regionais, profissionais, sindicais ou da administração pública). (AGUIAR e GUIRADO, 1999: 18)

7) O Programa Eleitoral da AD, no capítulo da Política Externa distinguia políticas para a "Emigração" (medidas de proteção aos emigrantes e seus descendentes, acento no ensino, na cidadania, nos direitos de participação política, na facilitação do regresso), e para as "Comunidades Portuguesas no Mundo", como realidade que exigia meios próprios, gestos de aproximação das comunidades da Diáspora. O programa prevê um Conselho não para a emigração antiga ou recente, mas para comunidades de cultura ou ascendência portuguesas : "Para além dos núcleos de emigração antigos e recentes, existem espalhadas pelo mundo numerosas comunidades portuguesas ou de descendentes de portugueses cujo significado histórico, cultural e patriótico se impõe reconhecer e preservar. [...] Assim, o Governo da Aliança Democrática criará um Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo, onde estas se poderão fazer representar e conceder-lhes-á apoio constante e permanente."

(8) Contemporânea da "União", também nascida dos Congressos de 60,   é  a "Academia Internacional de Cultura Portuguesa", mas de “criação governamental" (MOREIRA, 1988: 7). Os Congressos de 60 assumiam já, a meu ver, pela sua natureza civilista e fraterna, uma feição pós-colonial, acentuada pela prioridade dada ao relacionamento das diásporas lusófonas, à língua, à expansão da "fronteira cultural" e, latamente, à lusofilia. Poderão mesmo ser considerados precursores da CPLP, como os via o maior impulsionador desta comunidade, Embaixador José Aparecido de Oliveira, sobretudo se, como ele queria, se valorizar futuramente, a componente das culturas, da união dos povos e não só dos Estados.

9) Não era exigido aos conselheiros o vínculo da nacionalidade, nem sequer o de ascendência portuguesa, apenas o sentimento de pertença, que se comprovava pela participação ativa e relevante no universo do associativismo lusófilo. Era uma originalidade nossa, na linha do projeto da AD, destinado à Diáspora.

 O 2º CCP perdeu esta abrangência, visto que conselheiros e os eleitores são apenas os portugueses de nacionalidade.

(10) Foi possível ultimar o diploma num período tão curto graças, ao apoio do MNE e Vice-primeiro Ministro Freitas do Amaral e ao trabalho "pro bono" de juristas com uma uma enorme experiência na "arte de legislar": -Fernanda Agria e Eduardo Costa, meus antigos colegas no Centro de Estudos do Ministério das Corporações e Segurança Social, Luís Fontoura colega da Faculdade de Direito de Coimbra. O Deputado José Gama do CD (ex-emigrante nos EUA) e eu própria estivemos, com frequência, informalmente,  sentados com eles, à volta da mesa de trabalho. Foi através de José Gama, que conheci o Prof. Adriano Moreira, a primeira das personalidades que quis ouvir. Todavia, não houve maneira de dar, como queríamos, prioridade à vertente cultural (a emigração recente impôs-se, desde a primeira hora), nem meios para desdobrar o CCP num Conselho de Emigrantes e num Conselho da Diáspora. Há, agora, um grupo que se chama precisamente "Conselho da Diáspora": reúne, de vez em quando, com o Presidente da República, porém, sem agenda nem estratégia conhecida. O nome já existe. Pode ser que um novo Presidente lhe queira dar corpo e alma.

A propósito de encontros sob a égide presidencial, é de referir que estava previsto, em 1980,integrado nas comemorações Camonianas, o 1º Congresso das Comunidades Portuguesas. Decorriam já, nos termos do DL 462/79, de 30 de novembro, as suas reuniões preparatórias, dentro e fora do país, e a lei apontava para a "institucionalização de formas de representação dos emigrantes junto do país", sem as especificar. Porém, o novo Governo, decidiu adiar o Congresso para junho do ano seguinte, e criar, em 1980, o Conselho das Comunidades Portuguesas. Em resposta ao adiamento "unilateral" do Congresso pelo Governo, o Presidente Eanes, reteve o diploma do CCP durante meses (com um "veto de bolso", como correntemente se dizia). A promulgação a 30 de agosto e a publicação em 12 de setembro determinou o adiamento da 1ª reunião do Conselho. E, por isso, Conselho e Congresso das Comunidades aconteceram, respetivamente, em abril e junho de 1981, gerando, na opinião pública e nas comunidades, enorme confusão entre a sua natureza e objetivos, num ambiente de dissenso e animosidade política. O Congresso foi do domínio do efémero, um" happening" irrepetível, que não deixou marcas no percurso do CCP.

(11) Segundo "O Diário ", cuja informação factual é precisa: " Mal a Secretária de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesas, Manuela Aguiar, terminou o seu discurso de saudação e de votos de bom trabalho, o delegado da Comissão da Comunidade Portuguesa de França, Carlos Duarte Morais, levantou-se e perguntou: Qual é a nossa participação nesta sessão inaugural? Fernanda Agria comunicou-lhe que ele ficava inscrito para falar, o que só se verificou às 11.50. Entretanto os presentes ouviram as exposições de seis funcionários da SEECP, que os informaram sobre o âmbito de competência dos respetivos departamento" . Com o sub título "Protesto", o Diário continua a reportagem: "O representante da CCP de França disse estar ali para protestar contra o facto de isto tudo estar preparado para nós sermos figurantes, constatou a ausência de Manuela Aguiar, exatamente quando falava o primeiro emigrante e comentou o teor das intervenções dos seis altos funcionários".( Não fica dito, embora se possa deduzir, que a Secretária de Estado se ausentou numa parte do programa em que estavam previstas apenas informações técnicas dos funcionários). Na parte final do artigo, há breves citações de conselheiros da emigração transoceânica, dissonantes das posições do orador de França. Só um vê escrito o seu nome: Carlos de Sousa (Venezuela), que "fez um apelo à união de todos os emigrantes e disse que considerava o decreto -lei que institui o Conselho como uma "certidão de nascimento" e como tal devia ser encarado".

Não obstante o seu cariz partidário, a narrativa é elucidativa do ambiente em que decorreram os debates no "dia um" do CCP: a contestação ensaiada pela Comissão de França, a divisão entre a Europa e todos os outros continentes, que viam o Conselho criado pelo governo como positiva. A falta de consonância, em função das tendência política dos "media" é evidenciada nos títulos dos diversos jornais, a 7 de Abril: O Diário (comunista),"Tudo preparado para sermos figurantes"; Portugal Hoje,(socialista), "Trabalhos abrem com polémica"; Diário deLisboa (socialista/comunista), "Emigrantes exigem um papel ativo e recusam o lugar de "figurantes": Nos jornais mais próximos da AD, ou menos hostis, o tom é neutro a notícia é apenas a reunião: JN: "Houve pouca abertura de alguns setores" - lamenta Manuela Aguiar (crítica que se referia à dificuldade de aumentar a representação política dos emigrantes), A Tribuna: "Conselho das Comunidades teve ontem início"; Correioda Manhã, "Conselho das Comunidades reuniu pela primeira vez"; Comércio do Porto, "Conselho reunido até 6ª feira - Congresso das comunidades já em fase de preparação"(uma prova mais de que estava estabelecida a enganosa ligação entre Conselho e Congresso das comunidades).

(12) O atraso no processo legislativo (a Lei 367/84 seria publicada só em 25 de novembro), obrigou a que as Reuniões Regionais fossem convocadas, ao abrigo da lei vigente, interpretada no sentido de permitir que a consulta a nível mundial "por regiões", em vez de o ser "por secções". Sendo a lei omissa quanto ao modo de funcionamento do órgão consultivo, argumentava-se que a consulta era mais abrangente na modalidade regional, visto decorrer sempre em plenário, do que na modalidade de várias secções, já que eram realizadas simultaneamente. Todos os conselheiros da emigração transoceânica perfilharam o entendimento do governo, excepto os de França, que recorreram judicialmente da decisão. Perderam o recurso no Supremo Tribunal Administrativo.                            

(13) A Conferência para a promoção da participação das Mulheres, ao contrário das demais, não esteva prevista na recomendação do plenário do CCP em Porto Santo – foi da iniciativa da SECP, como meio de prosseguir as políticas de igualdade, iniciadas em 1985.

 (14). O 2º CCP (1996/2015), tem também conhecido adiamentos de processos eleitorais ou de reuniões plenárias, Continua sob o signo da incerteza e, por isso, a meta da constitucionalização pode ser vista como condição da sua própria existência. Presidi à Subcomissão das Comunidades Portuguesas que, com essa perspetiva, realizou duas audições sobre "mecanismos específicos de representação de migrantes", em 2003 e 2004, a primeira, para uma abordagem comparatista, a nível europeu, a segunda centrada na questão constitucional com intervenções de fundo dos Professores Barbosa de Melo, Adriano Moreira e Bacelar de Gouveia 

 

BIBLIOGRAFIA

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Böhm, "Les Européens à l' Etranger"., Estrasburgo, 1993, PACE

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Garriaud-Mayland Jöelle, "Qu 'est-ce que L' Assemblée des Français de l' Etranger?", Paris, 2008, L' Archipeord ed)l

Helena Alves (coord), "Mecanismos Específicos de Representação de Emigrantes", Edição Assembleia da República Lisboa, 2005

Isolete Ramalho (coord), "Mecanismos de Representação de Emigrantes", Lisboa, Edição Assembleia da república, 2005

Moreira Adriano em "Academia Internacional da Cultura Portuguesa", Boletim nº 9, - 1973/74/75, Lisboa, 1988

Rocha - Trindade, Maria Beatriz, "Le Conselho das Comunidades Portuguesas Comme Pièce Centrale de la Politique Migratoire de l' Après 25 de Avril" em Migrance, Èditions Mémoire- Génériques, Premier semestre 2014

. MARIA ARCHER O LEGADO DE UMA ESCRITORA VIAJANTE, Lisboa, Fundação Prof Fernando de Pádua, de novembro

 

NAS TRILHAS DA “FILOSOFIA DE UMA MULHER MODERNA”: CONFIGURAÇÕES DA VIDA SOCIAL E AS CRÔNICAS DE MARIA ARCHER.

 Elisabeth Battista

Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT/Brasil. Diretora da Faculdade de Educação e Linguagem – FACEL. Docente no Programa de Pós-graduação em Estudos Literários – PPGEL, da Pós-doutora pela Universidade de Lisboa – UL.

Esta leitura articula-se em torno da instigante produção criativa e intensa atividade intelectual de Maria Archer para os meios de imprensa, em meados do século XX, em Portugal, porque nos estudos que estamos realizando sobre a participação de escritoras na imprensa e a circulação literária entre os países que têm o português como língua de comunicação, temos colhido gestos e presenciado a intensa movimentação com vistas à ampliação das relações de trocas e possibilidades de abertura e aproximação cultural nas relações literárias e culturais ibero-afro-americanas.

A coletânea Filosofia duma mulher moderna, de autoria de Maria Archer foi publicada em Lisboa em 1950, pela editora Porto e compõe-se de 27 narrativas. As crônicas literárias, em sua maioria voltam-se para o tema da condição da mulher na sociedade portuguesa, fatos vivenciados por Maria Archer, com base na observação da vida social, na qual faz um engajamento literário nas suas obras. A articulação de elementos da vida social se torna um dos muitos que interferem na economia do livro, ao lado dos psicológicos, religiosos, linguísticos e outros.

É relevante afirmar que a produção e o lançamento de Filosofia de uma mulher moderna (1950) é contemporânea ao lançamento da obra O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, publicada originalmente em 1949. A referida obra francesa, amplamente difundida, é construída em uma perspectiva fenomenológica existencial de gênero, a autora volta-se para o estudo da dinâmica das ações femininas e focaliza o conceito de “experiência vivida”, que contribui para compreensão e o “desalinhamento” da perspectiva do status quo.  Em sua abordagem, Beauvoir será crítica dos parâmetros discursivos da tradição, que se consagram em princípios lógicos e ontológicos, Beauvoir propõe novas formas de abordagem sobre a condição da mulher. Desta forma, na condição de autora, ao lançar um novo olhar sobre a condição feminina, propiciou a reflexão e o surgimento de uma nova visão acerca do perfil feminino.

Beauvoir recusava também enclausurar-se como pensadora e como mulher na esquadria de um sistema de pensamento e, pois, de comportamento já determinado pela história. A condição feminina deveria, então, se voltar para novas vias de ação, de argumentação e de reflexão que não as mesmas trabalhadas pelos homens na história da cultura. (SANTOS, 2012, p.928).

Vale lembrar que as lutas de caráter mais radical pelas igualdades e a construção de uma identidade feminina, bem como o surgimento do atuante movimento feminista, naquela altura, estavam apenas no início. Isto porque os ensaios de Beauvoir em O Segundo Sexo produziram sobre o público leitor um efeito prático, modificando a sua conduta, sua visão de mundo e, sobretudo reforçando o sentimento do valor social da mulher. Para a lusitana Maria Archer, contudo, em Filosofia de uma mulher moderna (1950), a vida social e a condição feminina serão o “fermento orgânico“ de que resultarão em fértil produção criativa e a expressão literária de uma diversidade coesa.

Isto porque, em suas páginas, a autora leva em conta o elemento social como referência em suas crônicas produzidas para os jornais em Lisboa e, posteriormente reunidas na referida coletânea. Neste sentido, a captação do olhar fixado no território da escrita para os jornais serão a expressão de uma certa época e de uma sociedade determinada, que permite situá-la, não somente em seus aspectos sócio-histórico-culturais, mas como fator preponderante na sua elaboração artística, ou seja, sua coletânea deriva no registro literário que sinaliza a interpretação estética da vida social.

O ESBOÇO E O SURGIMENTO DE UMA NOVA MULHER

Nas narrativas para os jornais, a autora coloca em cena a mulher na condição de dona de casa, trabalhadora do lar, viúva, separada, e todos os seus atributos humanos como a ambição, a inveja, egoísmo, maledicência, a mulher estigmatizada que se torna “mal vista” perante a preconceituosa sociedade da época. Seus temas derivam para aquilo que afirma Alfredo Bosi (1996, p. 11),  

É nesse sentido que se pode dizer que a narrativa descobre a vida verdadeira, e que esta abraça e transcende a vida real. A literatura, com ser ficção, resiste à mentira. É nesse horizonte que o espaço da literatura, considerado em geral como o lugar da fantasia, pode ser o lugar da verdade mais exigente.

Um olhar ainda que superficial pela coletânea de narrativas percebe-se um elemento curiosos e unificador: o absoluto predomínio de personagens femininas na condição de protagonistas. Os homens assumirão papéis secundários, enquanto a autora descreve a personagem feminina em dois ou mais parágrafos, especificando as qualidades da mulher da época, ela descreverá o homem em pouco mais de um período.

Outro aspecto que marca a coletânea composta de 27 narrativas é o registro de que o tratamento que será dispensado à mulher está diretamente ligado ao seu estado Civil. Neste sentido, as mulheres casadas obterão reconhecimento social, enquanto as desquitadas e divorciadas não encontravam acolhida no seio social, ficando fadadas ao isolamento e impedidas de contraírem uma segunda união conjugal, fora do plano da clandestinidade. Um exemplo emana da regra explícita de que os funcionários públicos, sobretudo os de cargo elevado, não poderiam contrair matrimônio com mulheres desquitadas ou divorciadas.

A crônica Filosofia duma mulher moderna, atendendo ao meio em que fora originalmente publicada, estrutura-se no âmbito de uma linguagem coloquial, de fácil entendimento, a personagem feminina age com a razão e não a emoção, fato que, no plano da narração, é justificado por preferir perder o pretendente a marido, que fora promovido e terá que ser transferido para fora do país, do que arriscar perder o domínio de um vantajoso contrato de locação. Constitui-se uma crônica jornalística, pois ali o que temos são quadros representativos da vida social contemporânea portuguesa.

Narrada a partir de uma visão por trás, narrador onisciente intruso, portanto, é contada em 3º pessoa, conforme os estudos de Gancho (2003), “um narrador que fala com o leitor e julga a conduta da personagem, que fica bem explícito no trecho a seguir, [...] Uma maravilha”! Julgo que ela preferia um ataque de bexigas negras, a queda do cabelo, mesmo o reumatismo, a que lhe tirassem a casa [...] (ARCHER, 1950, p. 10). Ao mesmo tempo em que o narrador avalia os desejos da protagonista Teresa, ele coloca a importância que, mesmo alugada, a casa situada sítio nobre, representa para o conforto da personagem e seu único filho e, portanto, abriria de mão de qualquer coisa, entretanto, abrir mão de um antigo contrato que fixava o valor da renda muito abaixo do valor que a casa representa, estaria fora de questão.

A personagem, aqui representante de uma classe, deriva para aquilo que Abdala (2004, p. 40) define como: “O conceito de pessoa refere-se ao indivíduo pertencente ao espaço humano, enquanto personagem refere-se à persona (máscara) da narrativa. A personagem é um ser fictício, que se refere a uma pessoa”. O ser da ficção, que é representado por uma pessoa, no caso aqui, a Teresa, que tem seu valor para a economia da obra.

As personagens que compõem a narrativa são Teresa, sr. Seabra, o filho deles, Eduardo, a mãe de Teresa e suas amigas. No entanto o Sr. Seabra, as últimas personagens, e o filho de Teresa, são vistos neste espaço como personagens secundárias, atuam na trama, porém, suas intervenções não alteram significativamente seu sentido, diferentemente das personagens centrais, que é o caso de Teresa e Eduardo. A Teresa por sua vez podemos considerá-la ainda, como uma personagem plana, devido as características em que ela se encaixa. Gancho (2003, p. 16) afirma que [...] personagens planos, são caracterizados com um número pequeno de atributos [...] e que pode ser reconhecido por característica típicas, invariáveis, quer sejam elas morais, sociais, econômicas ou de qualquer outra ordem[...], reconhecemos essas características quando a escritora nos descreve Teresa:

Como ia passar dois anos no estrangeiro mostrava-se imensamente «snob» e impertinente. Exibia-se e luzia-se nos conhecimentos da vida dos povos que habitam para lá do nosso modesto horizonte. Não se calcula como nos irritava! E eram as minucias... Não se ia e vinha, como os caixeiros viajantes... Demorava-se... Viveria num hotel de luxo... Compraria peles preciosas...  Vestidos... Perfumes... Voltaria com as malas cheias... Daria passeios lindíssimos... Exercitar-se-ia a falar... Oh! O sotaque, numa língua, dá o tom... (ARCHER, 1950, p. 9).

 

Dentre os elementos que estruturam a narração identificamos, no tocante ao tempo, que a autora narra a sua contemporaneidade e esta se dá em meados do século XX, momento em que Portugal vivia o regime austero da ditadura Salazarista. Enquanto elemento estruturante, de acordo com Nunes (2002, p. 20), ocorre um tempo cronológico, as cenas vão ocorrendo em uma ordem natural, do início para o fim, “[...] Baseado em movimentos naturais recorrentes, como os cronométricos a que já nos referimos, o tempo cronológico, por esse aspecto ligado ao físico, firma o sistema de calendário [...]” (idem), pois, essa cronometria é que coloca a ordem dos acontecimentos e os qualificas.

O espaço socialmente verificável em que a trama ocorre é na cidade de Lisboa “[...] A mãe de Teresa deixara o sossego da sua casa da província para viver em Lisboa esses dois anos, de guarda a casa da filha [...]” (ARCHER, 1950, p.13). Abdala (2004, p. 48) diz que o espaço se articula com as demais categorias da narrativa ao nível da história, e podem aparecer ligadas a um lugar físico, onde circulam as personagens e se desenvolve a ação.

O ambiente do enredo é mostrado a partir do termino do divórcio de Teresa com o senhor Seabra, já havia nascido um filho, com isso após o desenlace ele deixara a Teresa na confortável casa alugada por uma renda muito accessível. O narrador fornece detalhes do espaço situando-nos acerca do nível de conforto do ambiente.” Imagine-se uma moradia com quintal, e jardim, e um vestíbulo com ferros forjados, e aquecimento central, e três casas de banho, e salas ligadas por arcadas-com o senhorio a morar no primeiro andar e a Teresa no rés-do-chão.”  (ARCHER, 1950, p.10).

Os elementos do espaço serão, para a economia da narrativa, decisivos para a solução estética, como veremos adiante. Percebemos, pela minuciosa descrição do espaço em que se desenrola o enredo da narrativa que trata-se de uma casa ampla e, em muito bom estado de conservação onde Teresa habita com o seu filho menor. Vale registrar que o ambiente eventualmente está presente através de certas indicações que o artista faz, como descrições, atitudes conscientes das personagens, regular disposição de acontecimentos, inversão de fatos, descrição de lugares, resultado inesperado de certas cenas, etc.

Este diz respeito aos aspectos sócio econômicos, ou seja, a situação-ambiente constitui-se, muitas vezes um detalhe não atingível, inapreensível objetivamente na obra, e resulta de uma observação do leitor em torno dos elementos apresentados ou sugeridos pelo artista na combinação das atitudes das personagens e na ação.  Entretanto o ambiente faz referência à vida da personagem. Essa descrição também pode considerar como situação-ambiente conforme define Ataíde (1941): A situação ambiente é como um pano de fundo que serve para o desenrolar da ação e a vivência das criaturas ficcionais. É um resultado da experiência sobre o tempo e espaço. (p. 51).

Consideramos neste contexto a situação-ambiente, pois, é a partir da fruição desta que veremos o desenrolar da exegese ficcional, além de despertar o interesse pela leitura, aproximando a personagem da representação literária da vida social. De certo modo é neste ambiente que ocorrerá o conflito do enredo, criando o ponto culminante da a história, que podemos chamar de clímax, ou seja, o momento em que a narrativa atinge seu maior ponto de tensão, em seguida, temos o desfecho, a solução estética, o qual o autor nos surpreenderá com um final feliz ou não. Solução esta que segundo Gancho (2003, p. 11) “o desfecho é a solução dos conflitos, boa ou má, vale dizer configurando-se num final feliz ou não. Há muitos tipos de desfechos: surpreendente, feliz, trágico, cômico, etc”. O desfecho da narrativa, é surpreendente, pois, Teresa  tinha consciência que o Eduardo estava com ela por causa do filho desta, (no seu primeiro casamento) o Quim, todavia, ela não cogitou em levar o menino consigo.

Toda gente, nas relações do casal, compreendia o assunto e o discutia. Mas toda a gente supunha, eu incluída, que a Teresa gostava do Eduardo. Por isso estranhei a resposta dela, há dias, quando lhe perguntei se levava consigo o filho: - Fica com minha mãe... O advogado insiste em que o deixe ficar... Calei-me – mas os meus olhos devem ter sido eloquentes porque a Teresa, logo em seguida, diz-me, como quem se justifica: - Olha, menina... Um outro marido como o Eduardo arranjo eu... Uma casa como esta é que não... (ARCHER, 1950, p.16).

O final, imprevisto para os padrões romanescos, sinaliza para o valor que materialismo e a razão assumem em detrimento da vivência do romance a sensibilidade, na vida da protagonista.  No trecho acima, percebemos que a casa era mais importante para Teresa do que seu companheiro, no recorte selecionado, a importância dos bens materiais prevalecerá para a personagem.

AS TRILHAS E A CONDIÇÃO FEMININA

A crônica é emblemática e sinaliza para o registro literário do nascimento de um novo perfil de mulher, agora mais consciente e menos dependentes dos ditames sociais e de um status quo.  A crônica selecionada por exemplo, permite-nos observar as relevantes mudanças no comportamento da mulher portuguesa que vive no meio urbano, em contato permanente e crescente com a instauração gradativa da modernidade, principalmente no que tange ao processo de formação da sociedade capitalista.

A narrativa intitulada “Faça mal quem o fizer quem o paga é a mulher”, à partida já se nota o um trocadilho, a apropriação da linguagem coloquial, que sua estrutura pode ser separada em versos de forma que temos “Faça o mal quem o fizer/ Quem o paga é a mulher”, este é formado de redondilha maior, com rima rica, e de fácil memorização.

O conflito gira em torno da personagem Anica, que por ter decidido deixar o marido opressor e acompanhar o amante, torna-se mal vista aos olhos da sociedade. A  personagem lança-se ao impulso de suas escolhas emocionais. Anica – um nome próprio no grau diminutivo já é sintomático – será guiada pelo sentimento da paixão, ao invés da razão, não se importando com o futuro. A representação da personagem foi contemplada na ficção de Maria Archer e deriva para aquilo que Anatol Rosenfeld (2011) afirma:

A ficção é um lugar ontológico privilegiado: lugar em que o homem pode viver e contemplar, através de personagens variadas, a plenitude da sua condição, e em que se torna transparente a si mesmo: lugar em que, transformando-se imaginariamente no outro, vivendo outros papéis e destacando-se de si mesmo, verifica, realiza e vive sua condição fundamental de ser autoconsciente e livre, capaz de desdobrar-se, distanciar-se de si mesmo e de objetivar a sua própria situação.

É neste sentido, pois que, em seu percurso, ao longo da breve narrativa, Anica enquanto protagonista, será construída como personagem esférica. As “personagens esféricas” não são claramente definidas por Forster, mas concluímos que as suas características se reduzem essencialmente ao fato de terem três, e não duas dimensões; serão, portanto, organizadas com maior complexidade e, em consequência, capazes de nos surpreender, pois, conforme diz Candido (2000, p.63):

A prova de uma personagem esférica é a sua capacidade de nos surpreender de maneira convincente. Se nunca surpreende, é plana. Se não convence, é plana com pretensão a esférica. Ela traz em si a imprevisibilidade da vida, — traz a vida dentro das páginas de um livro” (Ob. Cit., p.75). Decorre que “as personagens planas não constituem, em si, realizações tão altas quanto as esféricas, e que rendem mais quando cômicas. Uma personagem plana séria ou trágica arrisca tornar-se aborrecida” (Ob. cit., p. 70).

A narrativa breve indica sumariamente que Anica, embora dispusesse de uma condição financeira estável, andava muito insatisfeita com a vida que levava e, na ânsia de dar um novo rumo à sua existência, ao lado de um novo companheiro, lança-se à nova experiência conjugal, sem, entretanto, assegurar-se, muito menos estudar melhor o caráter do novo pretendente.  Desta maneira Anica, como veremos no trecho abaixo, a protagonista inconscientemente assume os riscos, na medida em que não se importou se um dia Ramiro a deixasse e ela viesse a perder tudo, se arrisca para viver uma paixão:

A Anica, desvairada de amor, fruia com intensidade o momento presente e não pensava nas consequências temerosas dos seus passos de mulher banida da vida das famílias nem no que poderia ser o seu futuro, um dia, se o Ramiro a amasse menos, a amasse pouco, ou a abandonasse. (ARCHER, 1950, p. 193).

A narração é feita por um narrador testemunha, aquele que participou e vivenciou os fatos do enredo, que pode ser justificado com a fala dele, [...] Lembro-me bem daquele dia, há anos, em que o escândalo da sua fuga com o Ramiro ribombou por Lisboa e deixou a sociedade – este meio de gente rica e janota e preconceituosa que a si mesmo se classifica de sociedade – deixou-a espantada e atordoada [...]( Idem, p. 191).

Ele narra em 1ª pessoa, mas é um “eu” já interno à narrativa, que vive os acontecimentos aí descritos como personagem secundaria que pode observar, desde dentro, os acontecimentos, e, portanto, dá-los ao leitor de modo mais direto, mais verossímil. Testemunha, não é à toa esse nome: apela-se para o testemunho de alguém, quando se está em busca da verdade ou querendo fazer algo parecer como tal. (LEITE, 2002, p. 37).

Conforme adianta o narrador testemunha, a qual faz o uso do verbo lembrar, no pretérito, dá a perceber que o narrador conhecia Anica, e vivenciou o fato ocorrido. Segundo Ataíde (1941, p.55) o ponto de vista da trama é visto de modo externo, ou seja, está sendo apresentado por alguém que sabe dos acontecimentos, mas não os vivenciou. Ao olhar para a construção da obra, e para a sua ordem temporal veremos que esta obedece ao tempo cronológico, ou seja, o enredo corre de maneira sucessiva, desde que Anica saiu de casa, passou a viver com Ramiro, mudaram de cidade, e ao fim acaba sendo gradativamente abandonada pelo parceiro e ficando sozinha, isto pode ser percebido nos recortes: (ARCHER, 1950, p. 196) “[...] a Anica via-o partir dia após dia, noite após noite [...] Meses consecutivos, com muitos dias e muitas noites em cada mês[...], para Ataíde:

O tempo cronológico é aquele que se mede pelo relógio, pela sucessividade dos dias e das noites, pelo movimento da terra e da lua, pela alternância das estações. O tempo cronológico consiste num esforço do homem para opor uma barreira ao tumulto subjetivo, às presentificações da memória à duração interior que é imprevisível e incontrolável. (ATAIDE, 1941, p. 47).

A personagem experimenta dupla condenação: o isolamento social por parte dos seus familiares e o afetivo, na medida em que vivenciará o gradativo abandono por parte do amado. Tal constatação deriva do que pode ser percebido na construção narrativa e nos dá a impressão de que os espaços utilizados articulam-se com as demais categorias da narrativa ao nível da história. Na obra são divididos em três sequências, no dizer de Abdala: “Num sentido mais abstrato, é importante que seja considerado o espaço social, a ambiência social pela qual circulam as personagens, e o espaço psicológico, as suas atmosferas interiores”. (ABDALA, 2004, p.48).

Desta forma relacionamos os acontecimentos que ocorrera com Anica, através destes espaços, ao qual, no início, ela circulava tacitamente pelas ruas de Lisboa e fazia parte da alta sociedade, podendo relacionar este como espaço social, em seguida ao fugir com Ramiro, se vê obrigada a passar por sua irmã, e aos poucos acaba ficando isolada em casa, num país estrangeiro, não tendo a liberdade de circular pelas ruas, ou seja, este se torna um espaço físico restritivo, sua vida se restringirá aos limites da sua modesta morada. A partir de então, dará vazão à dimensão do espaço psicológico, pois, a restrição dos deslocamentos funcionará como elemento propulsor para Anica na tomada de consciência do espaço que oprime e como estes podem se tornar espaços de fuga.

Assim, ao impacto das suas constatações, o desfecho da trama se dá quando Anica deixa Ramiro, e volta para Lisboa sem o parceiro e despojada dos seus bens materiais. Notamos a distinção existente entre os homens da trama, enquanto o primeiro faz questão de dizer que é casado com Teresa, Ramiro omite, ou seja, esconde o relacionamento com Anica, sob o pretexto de não perder o emprego, pois o que predomina para ele é posição social, por não aceitarem homens casados com mulheres que fossem divorciadas.

A Anica, nesses anos de peregrinação pelo estrangeiro, desfalcara grandemente os seus haveres. Ao separar-se do Ramiro não dispunha de meios que lhe permitissem fixar residência em Paris. Foi-lhe forçoso regressar a Lisboa, limitar as despesas e viver de pouco. (ARCHER, 1950, p. 199).

As crônicas selecionadas são representativas de distintos perfis femininos. A primeiro trata-se de uma mulher ambiciosa e racional que se arrisca a perder o pretendente a marido, a perder a confortável casa onde vive, e na segunda narrativa, temos a representação da mulher que, ao impulso de viver a segunda experiência conjugal, não se importa com os bens materiais, foi capaz de largar tudo para viver um amor.

TRILHAS QUE SE ABREM...

A coletânea Filosofia de uma mulher moderna, em seu conjunto abordam temas como os vistos acima, exibindo o desafio vivenciado pelas mulheres na luta pela libertação de sua condição de subalternidade, entre outros.  As mulheres dos meados do século XX, época da ditadura salazarista, estavam sujeitas a uma hegemonia masculina, contentando-se apenas com os serviços domésticos e a educação dos filhos. A mulher encontrava-se sob um intenso domínio familiar, antes do casamento submissa ao pai e, após o casamento, ao marido.

Historicamente, a mulher foi sempre mantida como uma figura emudecida e marginalizada em diversos aspectos. O fato de ter sido tomada por sua suposta fragilidade e incapacidade de viver fora do domínio patriarcal implicou, não raro, o sacrifício de sua própria identidade. A tradição sócio histórica relegou à mulher um papel secundário na sociedade. Na esfera doméstica restavam-lhe as atividades de administração dos afazeres do lar e de educação dos filhos de forma que reproduzissem e perpetuassem os papeis sociais preestabelecidos. (ARAUJO, 2012, p. 14).

Da mesma forma, o registro literário na coletânea revela que a condição e o papel reservado para a mulher na vida social daquele momento, onde o lugar privilegiado era destinado aos homens e as personagens femininas, dispunham de espaço restritivo e, não raro, para viver eram submetidas ao regime no qual, sendo vistas como frágeis e incapazes, seu destino seria o casamento. Dessa forma, a literatura de Maria Archer desprende-se do usual, instaura um estilo próprio com seu distinto jeito de escrever, fará aquilo que defende Teixeira: “buscando, por meio de seus personagens, estabelecerem representações que questionam e contestam as posições ocupadas por homens e mulheres na sociedade” (TEIXEIRA, 2008, p. 33 apud MOURA, 2012, p.3).

A representação literária de Archer recria o mundo a partir da sua ótica e fala a por aqueles que não tem voz própria. Como se sabe, eram poucas as mulheres que assumiam a profissão de escritoras naquela altura.  O papel da escrita literária de várias autoras feminina, vista deste modo, era expor o comportamento dos perfis femininos, ligados ao período em que viviam, desta maneira, em suas publicações a representação literária e o engajamento era constante.

Ao recriar na literatura os diferentes grupos sociais é importante um posicionamento condizente com as vivências de tais indivíduos. Compreender o meio social a partir de um único viés não torna possível representar de modo eficaz os grupos que o compõem, já que, mesmo mostrando-se sensíveis e solidários a seus problemas, ainda assim estes não terão as mesmas experiências de vida. (ARAUJO, 2012, p. 34).

A literatura pode ser considerada como uma instituição social, que utiliza como expressão a linguagem, ela pode representar a vida, esta é uma realidade social. O artista se apropria da literatura para através dela fazer uma utilidade social, ou seja, apoia-se em suas vivências para se dirigir ao público. Conforme exprimem  Wellek & Warren, (1955),  ao discutirem a relação entre literatura e a sociedade, é costume começar-se pela frase – derivada de De Bonald - que afirma que “a literatura é uma expressão da sociedade”.

[...] Afirmar que a literatura é o espelho ou a expressão da vida será ainda mais ambíguo. Um escritor não pode deixar de exprimir a sua experiência e a sua concepção total da vida; mas seria manifestamente falso dizer que ele exprime a vida total – ou até mesmo a vida total de uma certa época -  por forma completa e exaustiva. [...] (WELLEK & WARREN, 1955, p. 114).

Desta forma, o artista não é obrigado a escrever sobre aspectos que ocorreram em toda a sua vida, mas sim de determinada época, descrevendo as implicações e relações sociais deste período. Dizer que a literatura exprime a sociedade constitui hoje verdadeiro truísmo; no dizer de Antonio Candido, mas houve tempo em que “foi novidade e representou algo historicamente considerável”.  Na atualidade não é necessário enunciar que a literatura representa a sociedade, conforme defende Candido:

No que toca mais particularmente à literatura, isto se esboçou no século XVIII, quando filósofos como Vico sentiram a sua correlação com as civilizações, Voltaire, com as instituições, Herder, com os povos. Talvez tenha sido Madame de Staél, na França, quem primeiro formulou e esboçou sistematicamente a verdade que a literatura é também um produto social, exprimindo condições de cada civilização em que ocorre. (CANDIDO, 2006, p. 29).

Assim, com base na sua produção e seu legado literário será possível afirmar que Maria Archer recusava enclausurar-se como intelectual e como mulher nos modelos impostos pelos ditames sociais. Essa atitude pode ser colhida nas suas produções criativas, uma vez que a autora alinha-se a um sistema de pensamento e de comportamento não previsto para a condição feminina determinado pela história.  Muito pelo contrário, sua atuação revela que a condição feminina deveria se voltar para novas vias de ação, de argumentação e de reflexão que não as mesmas trabalhadas pelos homens na história da cultura do seu tempo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível entrever, por meio da representação literária, na qual incumbe-se de exprimir “A filosofia de uma mulher moderna”, como as mulheres, naquela altura, comportam-se perante seus dilemas e suas angústias existenciais. Desde a escolha entre a razão e a emoção, diante do desafio de se entregar a um novo amor, em que a personagem da primeira narrativa, ao mesmo tempo em que ela decide recomeçar sua vida amorosa, ela teme em perder a casa, agindo com a razão, ela decide deixar o filho, assim, estaria segura a sua moradia com o aluguel muito abaixo do valor de mercado.

Paradoxalmente, a protagonista da segunda narrativa selecionada, como amostra para a identificação do delineamento dos perfis femininos, sob a ótica de Maria Archer, vimos que a personagem não imaginou que seu romance poderia não vicejar, como seria evidentemente desejável para a protagonista, desconsiderou a possibilidade de vir a perder o conforto em que vivia. Ou seja, a protagonista peca por ceder ao primeiro impulso e ao excesso de sensibilidade.

A contribuição literária de autoria de Maria Archer vem sendo gradativamente estudada no âmbito de relação literária e cultural ibero/afro/americana, vimos que autora muito tem contribuído para o avanço da literatura nos países de Língua Portuguesa e pela representação feminina neste contexto literário, uma vez que pela sua visão crítica, produz narrativas que estão muito além da literatura considerada apenas como de “sensibilidade contemplativa” e “linguagem imaginativa”. Suas narrativas são inquietantes porque identificam a opressão, evocam a vida, buscam a emancipação da mulher e, talvez por isso seu nome tenha sido gradativamente apagado e, até certo ponto eclipsado na história da literatura portuguesa.

A representação literária na obra de Archer pode ser considerada um genuíno produto de vida social, pois, através de sua criação é possível entrever questões relacionadas a fatos históricos, sociais e culturais, e que ao mesmo tempo pode ser vista ainda, como um modo de comunicação e expressão do seu olhar sobre a sociedade, a qual, por meio do seu gesto de interpretação estética, o conteúdo da mensagem pode alimentar um desejo de mudança no meio social.

REFERÊNCIAS

ABDALA, Benjamim Abdala Junior. Introdução à análise narrativa. Coleção Margens do texto. São Paulo: Scipione, 1995.

ARCHER, Maria. Filosofia duma mulher moderna. Porto. Editora Simões, 1950.

ARAUJO, Adriana L. de,A representação da mulher no romance contemporâneo de autoria feminina paranaense. Dissertação de mestrado em Estudos Literários, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2012.

ATAÍDE, Vicente de Paula. A Narrativa de ficção. 2. Ed. São Paulo: McGraw-hill do Brasil, 1941.

BATTISTA, Elisabeth. Maria Archer – o legado de uma escritora viajante. Lisboa: Edições Colibri. 2015. 380 p.

BATTISTA, Elisabeth. Entre a Literatura e a Imprensa: Percursos de Maria Archer no Brasil. Tese de doutorado em Estudos Comparados de Literatura de Língua Portuguesa, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

__________________., Literatura, imprensa e resistência em idioma fraterno: percurso de uma escritora viajante. Revista da Anpoll, 2008.

__________________. Organização do acervo literário de Maria Archer: Literatura e vida social nos países de Língua Portuguesa, 288f. Versão resumida. Tese (Pós-Doutorado em Estudos Literários). Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2012.

BOSI, Alfredo. “Narrativa e Resistência”. Revista Itinerários, n° 10.  Araraquara, 1996, p. 11-27.

BRAIT, Beth. A Personagem. 2.ed., São Paulo, Ática, 2004.

CANDIDO, Antonio et al. “A vida ao rés-do-chão”. In: A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. Campinas/ Rio de Janeiro: Editora da UNICAMP/ Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992.

________________. “O Direito à literatura”. In: Vários Escritos. São Paulo: Duas, 1995.

________________. Literatura e Sociedade. 9. Ed., Rio de Janeiro. Ouro sobre Azul, 2006.

________________.  A personagem de ficção. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.

DIMAS, Antonio. Espaço e Romance. São Paulo: Ática, 1994. (Série Princípios).

GANCHO, Cândida. Como analisar narrativas. São Paulo: Ática. (Col. Princípios), 2003.

LEITE, Lígia Chiappini Moraes. O Foco Narrativo. São Paulo: Ática, 1985.

MOTTA, Alda Brito. ; SARDENBERG, Cecilia. ; GOMES, Marcia. Um diálogo com Simone de Beauvoir e outras falas. Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a mulher. FFCH/UFBA, 2000.

MOURA, Andiara M. A representação de personagens femininas em contos de Luci Collin. II Colóquio da Pós-Graduação em Letras, UNESP - Campus de Assis, 2012. Disponível em http://www.assis.unesp.br/Home/PosGraduacao/Letras/ColoquioLetras/andiaramaximiano.pdf. Acesso em 25 de junho de 2015.

NUNES, Benedito. O Tempo na Narrativa. São Paulo: Ática, 2002. (Série Fundamentos, 31).

SANT’ANNA, Mônica. A censura à escrita feminina em Portugal, à maneira de ilustração: Judith Teixeira, Natália Correia e Maria Teresa Horta. Revista Labirintos, UEFS, v. 6, jul – dez. 2009. Disponível em http://www.uefs.br/nep/labirintos/edicoes/02_2009/07_artigo_monica_santaanna.pdf, Acesso em 10 de janeiro de 2015.

SANTOS, Magda G. Memória e feminino em Simone de Beauvoir: o problema da recepção. Revista Estudos Feministas – PUC – MG. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2012000300018. Acesso 20 de junho de 2015.

WELLEK, René. & WARREN, Austin. Teoria da Literatura. 5ª ed. Publicações Europa-América, 1955..

 

MARIA ARCHER 

A escritora Maria Archer e o retrato da mulher de meados do séc. XX

Dina Botelho

Maria Archer é uma escritora que vale a pena conhecer. Passear os olhos pelas páginas dos seus livros é transportarmo-nos para meados do século XX e, pouco tempo depois, deixarmos de simplesmente passear e ficarmos presos na sua escrita. O realismo da sua escrita é tão grande e intenso que se nós não nos identificarmos com as suas personagens, com elas identificaremos alguém que conhecemos.

Considero ter sido um marco para a época em que viveu e é nesse sentido que sempre me deram testemunho quando dela falo com pessoas mais velhas.

A preocupação/tema principal da sua obra era a situação da mulher e as dificuldades por ela sentidas. A vida da mulher, a sua relação com a família, com o trabalho e com os homens dominavam os seus romances, novelas e peças de teatro.

Mas se o tema dominante era o mesmo havia novidades em todas as suas obras. O estatuto social das mulheres que retratava era diferente, a mulher tanto era vítima como até brincava com os homens e por isso liam-se com empolgamento as suas obras. O seu conhecimento profundo do pensamento da mulher das várias classes sociais permitia-lhe falar com à vontade e realismo das suas vidas. Já João Gaspar Simões falava, em 1950, do seu «superior espírito de observação, penetrante análise social, sólida expressão literária, magistral equilíbrio no doseamento do imprevisto, pelo que não poderia deixar de ser considerada desde já um grande contista, um grande escritor».

Maria Archer dizia que escrever era fugir ao longo silêncio a que a mulher da época estava votada. Até o acesso à cultura era negado à mulher na época, como Maria Archer retrata bem na personagem de Adriana (de Casa sem Pão) que tinha de se esconder para ler livros.

Maria Archer mostrou as vozes profundas do seu ser, sem nunca recorrer a pseudónimos, o que fez dela única na sua época e no seu meio. Ela partia do real e era esse real que interessava aos seus leitores. Ela própria reconheceu que a literatura feminina da sua época não era criativa «pois a mulher encontrava-se subjugada pela estrutura social e familiar repressiva.»

Diz-nos o ensaísta João Gaspar Simões que «se existir um tema nos seus contos este é o tema social: a rebelião da mulher contra as normas sociais sacrificadoras da sua sagrada independência». O conto de Maria Archer é o conto de fundo social, o conto de costumes.» Ela é considerada por ele «um dos nossos primeiros contistas contemporâneos, um dos nossos mais fortes temperamentos de escritor».Como diz o Prof. Fernando de Pádua, seu sobrinho, a propósito destes elogios carregados de masculinidade, «só faltaria dizer que Maria Archer é um homem».

Termino com duas confissões da própria escritora, datadas de out. de 1952 (in “Revisão de Conceitos Antiquados”) que mostra bem o que passou, e o que passava qualquer mulher escritora na altura, para escrever:

«Saibam quantos fazem coro no desprestígio da obra literária das mulheres que os nossos livros são momentos heróicos. Custam-nos coragem, e angústias, que os homens, para igual feito, desconhecem de todo.»

Assim, não retrata só na escrita o que era a vida da mulher no início e meados do séc. XX mas ela própria e a sua vida foram um ótimo exemplo das vivências da mulher da época.

 

Sobre o lançamento do Livro de Elisabeth Battista

“ O Legado de uma ESCRITORA VIAJANTE”

 Rita Gomes, Presidente da Direção AMM

      Começo por felicitar a Profª Doutora Elisabeth Battista, pela coragem e empenhamento que tem dedicado ao Estudo sobre a Escritora Viajante, Maria Archer,  como lhe chama neste seu Livro.

      Sinto que após a leitura do Livro que está agora a ser lançado, com os mais diversos pormenores que a Autora conseguiu recolher e que inseriu nos vários capítulos, fiquei francamente mais esclarecida sobre Maria Archer, sobretudo muito mais sensibilizada para a sua história de vida.  E, isso, apesar do muito que fui conhecendo sobretudo através de meu pai e posteriormente acerca da sua vida no Brasil.

       Não tinha de fato o conhecimento que agora melhor me permite avaliar passagem de Maria Archer pelas diversas partes do Mundo, sobretudo em África e pelas honras que mereceu, por virtude do seu trabalho, nem sempre reconhecido, mas também pelas adversidades vividas que não merecia.

      Era eu muito nova quando a  conheci na minha casa, na Graça, onde vivi. Lembro-me ainda bem da sua beleza. Figura excecional de Mulher, de intelectual e de defensora de direitos humanos,  sociais e políticos, incluindo as Mulheres.

      Só agora soube que se fez representante da União das Mulheres Portuguesas Democratas, filiada no Movimento das Mulheres Democratas Portuguesas para que tinha sido eleita Presidente. Gostei muito de ter conhecido  esta sua decisão, através deste Livro.

      É chegada a altura de esclarecer que ao contrário do que consta do Programa e do Livro agora lançado, eu não sou sobrinha de Maria Archer, com o que teria muita honra, mas apenas prima em segundo grau. Meu pai era primo direito dela e foram muito amigos. O pai de Maria Archer era irmão de minha avó paterna- alentejana também.

      Foi através de meu pai  que começou a minha grande admiração  e até estima por Maria Archer, como Mulher, escritora e política. Na altura eu tinha uma mãe monárquica e um pai republicano e esse conflito de ideias, fazia parte do nosso dia a dia, convivíamos com a política, daí estar, desde então habituada ao debate sobre questões políticas.

     A sua capacidade criativa era a todos os títulos excecional e diversificada. Além dos escritos jornalísticos, Conferências feitas em diversas Instituições Culturais, Políticas e outras, saliento, a propósito as conferências que, por exemplo, fez no Liceu Pedro Nunes para Jovens, que muito a admiraram – relato feito por meu marido que foi aluno desse Liceu –  e que, desde então, passou a ser um seu grande admirador.

     E um dia soube do seu infeliz regresso a Portugal, a seu pedido. Por eu  estar ligada a trabalhos sobre a Emigração fui sabendo um pouco mais sobre a sua Vida e Obra , o que melhor me permitiu apreciá-la.

    Recentemente, de forma inesperada e através de e-mail enviado do Brasil para a Drª Manuela Aguiar, conseguimos contatar em S. Paulo, durante uma Reunião da Associação Mulher Migrante, com as 2 irmâs Blanche de Bonnville e Maria Jorge de Bonnevillle, que a tiveram como percetora na sua casa de S. Paulo. Ambas continuam a ter por ela  uma enorme amizade e reconhecimento.

    Como testemunho dessa amizade, estão publicados pequenos textos das duas referidas Senhoras, na Revista desta Associação, “A vida e Obra de Maria Archer – Uma Portuguesa na Diáspora ”sobre o Encontro realizado em Lisboa, em sua Homenagem, ( dia29 de Março de 2012), no Salão Nobre do Teatro da Trindade, que teve também como Parceiros a Fundação Inatel, a Fundação Fernando de Pádua, a Câmara Municipal de Espinho e a Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade.

    Como todos sabem e eu já o referi,  a capacidade criativa de Maria Archer, foi a todos os títulos excecional e diversificada.

    De fato, agora que mais recentemente tenho relido algumas das suas Obras , melhor posso confirmar  essa sua capacidade.

     Recordo, por exemplo, um texto por ela escrito em 1964, num Jornal do Brasil “Portugal Democrático”, nº 83, de Maio de 1964, sobre a Reforma Agrária no Séc X1V. em Portugal:

    Começa assim: “ Lendo há dias a CRONICA DE D. FERNANDO do venerável Fernão Lopes  ……  “                                

    “…. É também de notar que no Portugal do século XIV  já se reconhecia o valor social da propriedade imobiliária e a prioridade desse merecimento sobre o direito de posse sempre que estivesse em causa a sobrevivência do Reino. O princípio político da encampação da empresa agrícola mal administrada ou, ou subtraída  à utilização pública, isto é, desviada do serviço social da Nação, ressalta nitidamente desta legislação medieval.

     Mais ainda: Encontramo-nos aqui na presença dum postulado que não aparece em nenhum dos projetos de Reforma Agrária contemporâneos e chegados ao meu conhecimento – o de que a indemnização devida ao proprietário ”constrangido” seja  “razoável “ e arbitrada pela Justiça, após o que não havendo entendimento entre as partes o direito de posse seria confiscado ao proprietário, e suas terras entregues ao “bem comum”.

    Não entendo integralmente este  termo “bem comum” por estar acentuado de “onde o houvesse” . Cuido que Fernão Lopes se referiu a bens concelhios ou municipais, não aos do Estado.  possivelmente logradoiros ou baldios. Se o cronista quisesse indicar bens do Estado teria empregado a palavra “Reino”….

    “Não pode haver qualquer dúvida, após esta breve leitura da secular existência, em Portugal, do princípio político da encampação da propriedade,  se a mesma tiver sido desviada do  seu fim  de utilidade social , e com indemnização ao proprietário. Se alguém voltar a afirmar- me que esse aspeto da questão agrária foi gestado pelas filosofias do materialismo dialético, protestarei e dando o seu a seu dono recomendarei ao ignorante que estude a legislação do século XIV.”

    E além disso, poderemospor exemplo, encontrar nas Revistas Municipais de Lisboa, entre 1939, 1940, 1941. 1942, 1943 e 1945, artigos de Maria Archer entre os quais se abordam assuntos, como eles dizem “pitorescos e intimidades citadinas”

    Assim num Artigo de 1939 sobre “TIPOS POPULARES” é  referido que os traços que Maria Archer  documenta podem parecer-nos hoje comezinhos… mas terão para gerações vindoiras, justamente por terem aspetos flagrantes do viver de muitos, um interesse de “documentário  anedótico”  .

    Entre os diversos TIPOS POPULARES, escreveu sobre:

    PORTEIRAS    Rev.  nº 2 Ano de 1939

    O ARDINA        “      nº3       “    “  1940

    A PEIXEIRA       “     nº4       “    “  1940

    A CRIADA          “    nº 5       “  “    1940

    O MOÇO DE RECADOS   nº 8/9   1941

    O COCHEIRO                    Nº 10    1941

    O PADEIRO                  Nº 11 e 12 1942

    OS  GANGAS            Nºs  13 e 14   1942

    O ENGRAXADOR     Nºs  24 e 25  1945

     Esta diversidade simboliza bem a capacidade crítica da autora, sobre Figuras Tradicionais do SÉC  XX e que hoje quem com a minha idade se lembra, acha  FANTÁSTICA ESTA CARACTERIZAÇÃO Razão tinham aqueles que em 1939  se lembraram dos TIPOS POPULARES a pensar nas gerações vindoiras e no trabalho de Maria Archer, sobre esta realidade da vida desses tempos.

24 de Setembro de 2015

 

Texto não publicado do Dr. Carlos Correia no Seminário “Fluxos Migratórios: Novas Tendências” iniciativa de S. Exa. o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas e Universidade Lusófona do Porto – Dia 7 de Dezembro de 2011.

Gostaria de começar esta minha breve comunicação por agradecer a S. Exa. o Senhor Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas a oportunidade que me foi concedida para participar neste Seminário organizado pela Secretaria de Estado das Comunidades – Direcção Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas e pela Universidade Lusófona do Porto, subordinado a um tema tão actual como importante: “Fluxos Migratórios: Novas Tendências”.

Queria também nesta ocasião saudar e cumprimentar todos os participantes.

Antes de abordar as principais questões relacionadas com os fluxos migratórios, permitam-me que apresente uma sucinta caracterização do Grão-Ducado do Luxemburgo e da Comunidade Portuguesa ali residente:

- O Grão-Ducado é uma monarquia constitucional sob o regime de uma democracia parlamentar e as funções de Chefe de Estado são desempenhadas por S.A.R. o Grão-Duque Henri, sendo Chefe do Governo – Primeiro Ministro – o Sr. Jean-Claude Juncker, também Presidente do Eurogrupo.

A língua nacional é o luxemburguês e as línguas oficiais (línguas administrativas) são o francês, o alemão e o luxemburguês.

O Grão-Ducado dispõe de três distritos (Luxemburgo, Diekirch eGrevenmacher), 12 cantões e 116 autarquias (comunas).

A superfície total é de 2586Km2 e as dimensões do território são Norte-Sul (82Km) e Este-Oeste (57Km). Faz fronteira com a França, Alemanha e a Bélgica.

A população total residente em 1 de Janeiro 2011 era de 511 840 habitantes, tendo de 9 774 habitantes no decurso do ano de 2010.Este aumento ficou a dever-se ao saldo natural (nascimentos menos mortes) de 2 114 pessoas e ao saldo migratório (chegadas menos partidas) de 7 660 pessoas.

Nessa mesma data, 1 de Janeiro de 2011, 43,2% da população total residente no Luxemburgo tinha a nacionalidade estrangeira, compreendendo mais de 170 nacionalidades diferentes. A maior parte da totalidade de estrangeiros são Europeus e mais de 86% são mesmo originários de um outro país da União Europeia.

A maior comunidade estrangeira residente é a portuguesa com 81.300 pessoas em 1 de Janeiro de 2011 (dados oficiais luxemburgueses). Por nacionalidade, seguem-se os franceses com 31.000, os italianos com 17.700, os belgas com 17.000, os alemães 12.100 e os britânicos com 5.600.

A população total residente no Grão-Ducado é uma populaçãojovem:

- Dos 0 aos 14 anos – 17,6%;

- Dos 15 aos 64 anos – 68,5%;

- Mais de 65 anos – 13,9%.

Quanto à população activa total, em 2010, registava o valor de233.500 trabalhadores e a taxa de desemprego atingiu os 6,2%,sendo que 1/3 do total dos desempregados são de nacionalidade portuguesa.

- Relativamente à Comunidade Portuguesa residente no Grão-Ducado do Luxemburgo, segundo as estimativas resultantes dos dados recolhidos pela Embaixada e Consulado-Geral, deverá rondar as 90.000 pessoas (apesar de os últimos dados oficiais, do Instituto Nacional de Estatísticas (STATEC), de 1 de Janeiro de 2011, apontarem para 81.300 pessoas. Mas em 1 de Janeiro de 2010, um ano antes, as estatísticas luxemburguesas referiam 84.532 portugueses residentes. A diminuição verificada, do ponto de vista estatístico, entre 2010 e 2011 só pode ser devida à entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2009 da nova Lei da Nacionalidade luxemburguesa que consagrou a dupla nacionalidade e que permitiu desde aquela data que um elevado número de portugueses tivessem adquirido a nacionalidade luxemburguesa sem perderem a portuguesa. Deste modo, esses portugueses deixaram de ser considerados nas estatísticas luxemburguesas como nacionais portugueses.

Portanto, a estimativa de 90.000 – 100.000 portugueses e de origem portuguesa residentes no Grão-Ducado deverá andar muito próxima da realidade.

Recorde-se ainda o facto de o número de inscrições consularesactivas no Consulado-Geral de Portugal no Luxemburgo em 1 de Dezembro de 2011 ter atingido as 106.100 inscrições.

De referir também que a Comunidade Portuguesa no Grão-Ducado representará cerca de 17 a 19% do total da população do país (o Primeiro Ministro Jean-Claude Juncker falou em 20% por ocasião da sua deslocação a Portugal no inicio do passado mês de Novembro). Do mesmo modo, quanto à totalidade da população estrangeira, os cidadãos portugueses e luso-descendentes residentes representarão cerca de 39%.

No tocante à população activa, em 31 de Março de 2011, estavam inscritos na Segurança Social luxemburguesa 41.909 trabalhadores de nacionalidade portuguesa, dos quais 23.778 do sexo masculino e 18.131 do sexo feminino.

Os trabalhadores portugueses representavam 21,34% do total dos trabalhadores residentes inscritos na Segurança Social luxemburguesa, os quais ascendiam a 196.357.

O universo dos trabalhadores de nacionalidade portuguesa encontra-se repartido pela quase totalidade dos sectores de actividade económica do Grão-Ducado, sendo de salientar, em particular, os sectores da construção civil (29,33%), serviços administrativos e de apoio (13,7%), comércio, reparação de automóveis e motociclos (11,79%), hotelaria e restauração (7,51%) e serviços de limpeza (7,02%).

Outro elemento que se afigura importante salientar é o número de alunos de nacionalidade portuguesa que frequentam o ensino escolar luxemburguês, número que, faço notar, não tem em contaos alunos de origem portuguesa que, entretanto, adquiriram a nacionalidade luxemburguesa.  

Assim, segundo as estatísticas do Ministério da Educação Nacional do Luxemburgo, aqueles dados são os seguintes:

Ano escolar 2005 – 2006

- Ensino Pré-escolar e Primário – 10 356 – 22% do total de alunos neste tipo de ensino;

- Ensino Secundário (Secundário Clássico e Secundário Técnico) – 5 967 – 17,6% do total de alunos neste ensino.

- No seu conjunto estes valores representam 20,2% do total de alunos no ensino escolar luxemburguês.

Ano escolar 2006 - 2007

- Ensino Pré-escolar e Primário – 10 589 – 22,6% do total de alunos neste ensino.

- Ensino Secundário – 6 395 – 18,3% do total de alunos.

- Representando no conjunto 20,9% do total de alunos.

Ano escolar 2007 - 2008

- Ensino Pré-escolar e Primário – 10 972 – 23,5% do total de alunos.

- Ensino Secundário – 6 840 – 19,0% do total de alunos.

- Ou seja 21,6% do total de alunos.

Ano escolar 2009 – 2010

- Ensino Pré-escolar e Primário – 11 701 – 25,2% do total de alunos.

- Ensino Secundário – 7 506 – 19,8% do total de alunos.

- Isto é 22,8% do total de alunos no ensino escolar luxemburguês.

Estes elementos representam também indicadores relevantes sobre a importância da presença dos nacionais portugueses no Luxemburgo e são igualmente significativos quanto ao aumento dos fluxos migratórios, principalmente se tivermos em conta os dados relativos ao Ensino Secundário. Isto porque uma parteimportante dos novos alunos que chegam ao Luxemburgo, todos os anos acompanhados pelos pais, têm idades entre os 10 e 15/16anos.

Quanto aos “Fluxos migratórios: Novas tendências” – tema deste seminário, os elementos recolhidos junto do Instituto Nacional de Estatística e Estudos Económicos do Luxemburgo (STATEC), para o período 2000 -2010, revelam o seguinte:

No ano de 2000 entraram no Luxemburgo 11 765 pessoas de nacionalidade estrangeira, das quais 2 193 portugueses. Saíram 8 121, sendo 1 627 portugueses, resultando um saldo migratóriototal de 3 644 estrangeiros, dos quais 566 de nacionalidade portuguesa.

De 2001 a 2004, não se encontram publicados os saldos migratórios por nacionalidade, estando apenas disponíveis os respectivos saldos migratórios gerais, que a seguir se indicam:

2001 – 3 311 Estrangeiros;




Em 2005, temos os seguintes valores:

Entradas: 14.397 estrangeiros; 3 761 portugueses.

Saídas: 8 287 estrangeiros; 1 477 portugueses.

Saldo migratório: 6 110 estrangeiros; portugueses 2 284.

2006

Entradas: 14 352 estrangeiros; 3 796 cidadãos portugueses.

Saídas: 9 001 estrangeiros; 1 634 portugueses.

Saldo migratório: 5 351 estrangeiros; 2 162 portugueses.

2007

Entradas: 16 675 estrangeiros; 4 385 nacionais portugueses.

Saídas: 10 674 estrangeiros; 2092 portugueses.

Saldo migratório: 6 001; 2 293 portugueses.

2008

Entradas: 17 758 estrangeiros; 4 531 portugueses.

Saídas: 10 058 estrangeiros; 1 947 portugueses.

Saldo migratório: 7 700 estrangeiros; 2 584 portugueses.

2009

Entradas: 15 751 estrangeiros; 3 844 portugueses.

Saídas: 9 168 estrangeiros; 1 730 portugueses.

Saldo migratório: 6 583 estrangeiros; 2 114 portugueses.

Em 2010, o número de estrangeiros que entraram no Luxemburgo voltou a aumentar, tendo sido registados 16 962 estrangeiros, dos quais 3 845 portugueses.

Saídas: 9 302 estrangeiros; 1 696 portugueses.

Saldo migratório: 7 660 estrangeiros; 2 149 de nacionalidade portuguesa.

Estes são os números oficiais do Instituto Nacional de Estatística e Estudos Económicos (STATEC), os quais mostram que o Luxemburgo continua a ser um país de imigração e que são novamente os cidadãos de nacionalidade portuguesa que se surgem em 1.º lugar, nessa nova vaga de imigração para o Luxemburgo, com um saldo migratório representando cerca de 28% da imigração líquida total para o Grão-Ducado. Em segundo lugar estão os franceses com 18,2%, seguidos dos belgas (6,2%) e dos alemães (5,3%).

Existem, contudo, sinais que nos levam a pensar que estes dados oficiais podem eventualmente estar subavaliados relativamente à situação concreta que se verifica no dia-a-dia.

Alguns desses sinais são de natureza institucional e passo a citá-los: 

- Recentemente, em 28 de Outubro último, a Associação Portuguesa “CASA – Centro de Apoio Social e Associativo” organizou um colóquio sobre o tema do emprego que contou com a presença do Ministro do Trabalho e do Emprego luxemburguêsSr. Nicolas Schmit, funcionários da Administração do Emprego luxemburguesa (ADEM) e representantes de empresas portuguesas e luxemburguesas no Grão-Ducado.

Nessa ocasião, no decurso da sua comunicação, o Ministro Nicolas Schmit chamou a atenção para o facto de “ser necessário dizer aos portugueses que o Luxemburgo já não é o Eldorado ”,afirmando em seguida que “a crise já chegou ao Luxemburgo”, mostrando-se preocupado com a nova vaga de emigração portuguesa. E, na sua intervenção, realçou ainda: “Durante muito tempo, o Luxemburgo foi relativamente poupado ao flagelo do desemprego que afectou a Europa. Mas agora atingimos uma taxa de desemprego que nunca vimos antes e estamos com um nível de desemprego excepcionalmente alto, 6%,”. Acrescentando “números que se agravam no caso da comunidade portuguesa: os portugueses representam mais de 21% da mão-de-obra activa no Luxemburgo, mas são também 34% dos desempregados e 75% dos portugueses no desemprego não são qualificados”, frisou aquele governante.

Quanto ao número de desempregados de nacionalidade portuguesa, importa referir que os dados da ADEM (Administração do Emprego do Luxemburgo) publicados em 30 de Setembro do corrente ano apontam para 4 647 (2612 homens e 2035 mulheres), correspondendo a 31,8% do número total de desempregados no Luxemburgo (14.634), o que confirma o alerta do Ministro do Trabalho e Emprego luxemburguês.

No mesmo colóquio, todos os participantes foram unânimes em afirmar:

“Há uma nova vaga de emigração portuguesa para o Luxemburgo, disso ninguém tem dúvidas”.

Por sua vez, a Coordenadora dos Serviços Sociais da Câmara Municipal do Luxemburgo, Sra. Madeleine Kayser, assegurou e cito “ que há cada vez mais portugueses a chegar, por causa da crise e da dificuldade em encontrar trabalho no seu país”, acrescentando “antes eram mais famílias, mas agora há cada vez mais homens sós a chegar que depois tentam trazer as famílias para cá”. Isto, disse, “é uma preocupação para a autarquia devido à escassez de alojamento”.

Durante aquele colóquio foi igualmente salientado que o Consulado-Geral de Portugal no Luxemburgo registou “nos últimos dois anos, 2009 - 2010 nove mil novas inscrições”.

Ainda a propósito dos novos fluxos migratórios deve-se também sublinhar que quer a Embaixada quer o Consulado-Geral recebem diariamente vários e-mails de portugueses a residir em Portugal ou mesmo daqueles que já se encontram no Luxemburgo (de uma maneira geral são pessoas jovens licenciadas em diversas áreas, nomeadamente na medicina, enfermagem, advocacia, engenharia e economia e igualmente pessoas entre os 40 e 50 anos de idade, sem formação superior), solicitando informação sobre o que devem fazer para trabalhar no Grão-Ducado.

Um dos principais obstáculos que estas pessoas encontram ao procurar trabalho no Luxemburgo tem a ver com o reduzido conhecimento da língua francesa e fraco ou mesmo nulo conhecimento da língua alemã.

- Também numa reunião de informação sobre o ensino escolar luxemburguês, realizada em Novembro findo na cidade de Esch-sur-Alzette (2.ª cidade mais importante do país onde reside uma parte importante da comunidade portuguesa), para pais recém-chegados ao Luxemburgo, organizada pelo Ministério da Educação luxemburguês e Coordenação do Ensino Português no Luxemburgo, registou-se a presença de cerca de 60 pais que de alguma forma é igualmente revelador da realidade que são os novos fluxos migratórios.

- Por sua vez, as principais Associações Portuguesas no Luxemburgo o CASA-Centro de Apoio Social e Associativo e a APL-Associação de Amizade Portugal/Luxemburgo e outras), com mais de trinta anos de existência e a CCPL-Confederação da Comunidade Portuguesa no Luxemburgo, com mais de 20 anos, foram unânimes em afirmar que recebem diariamente novos nacionais portugueses ou pedidos de informação por escrito sobre como trabalhar no Luxemburgo.

Neste contexto, o CASA – Centro de Apoio Social e Associativo referiu que no corrente ano os respectivos serviços de apoio jurídico e social contaram com a visita de cerca de 750 portugueses, tendo a CCPL registado um número de 10 consultas diárias , ambas as instituições confirmando que os cidadãos nacionais que procuram informação sobre emprego no Luxemburgo são de uma maneira geral gente jovem com formação superior, muito embora ultimamente tenha aumentado o número de pessoas entre os 40 – 50 anos de idade.

Noutro plano assinale-se o facto de a CCPL ter sido uma das primeiras associações no Luxemburgo a trabalhar com voluntários ao abrigo do Serviço Voluntário Europeu, programa dirigido aos jovens qualificados, entre os 18 e 30 anos, cuja maioria acabou por permanecer no Luxemburgo e também a criação, em 2007, da “Confraria dos Financeiros Lusófonos” no Luxemburgo que reúne cerca de 60 jovens licenciados em várias áreas com uma meritória actividade desenvolvida nestes últimos anos (jantares-debate mensais com conceituados conferencistas sobre temas da actualidade a nível nacional e internacional no domínio social, político e económico), constituindo estes dois exemplos, na nossa opinião, um sinal positivo das novas tendências dos fluxos migratórios recentes.

Quanto às condições de acolhimento e integração dos estrangeiros no Luxemburgo, permitia-me salientar os seguintes aspectos:

- A Lei de 29 de Agosto de 2008, do Governo luxemburguês sobre a livre circulação de pessoas e imigração, que teve por objecto regulamentar a entrada e estadia dos estrangeiros no território do Grão-Ducado do Luxemburgo;

- A criação, pela Lei de 16 de Dezembro de 2008 relativa ao Acolhimento e Integração dos Estrangeiros, do “OfficeLuxemburgeois de l’Aceuil et de l’Intégration – OLAI”, no âmbito do Ministério da Família e da Integração luxemburguês, encarregado de proceder à aplicação da política de acolhimento e integração;

- O Plano de Acção nacional plurianual de integração e de luta contra as discriminações (2010 – 2014);

- A entrada em vigor, no mês de Outubro último, do “Contrato de Acolhimento e Integração”, instrumento inovador que visa favorecer a integração e a participação cívica dos estrangeiros no Luxemburgo, cuja aplicação incumbe ao OLAI. Este contrato é proposto a todo o estrangeiro com mais de 16 anos de idade legalmente instalado no Grão-Ducado desejando manter-se no país de forma duradoura. É um contrato facultativo e dirige-se tanto aos nacionais da EU como aos nacionais de países terceiros, quer sejam novos imigrantes, quer pessoas já instaladas no Luxemburgo.

Este contrato oferece, nomeadamente:

- Formação linguística;

- Cursos de instrução cívica;

- E jornadas de orientação.

- A criação, em 2006, da “Célula de acolhimento escolar para os alunos recém-chegados ao Luxemburgo – CASNA”, no âmbito do Ministério da Educação Nacional e Formação Profissional luxemburguês, com o objectivo de prestar informações aos pais e alunos estrangeiros sobre o sistema escolar luxemburguês;

- E a reestruturação, iniciada no corrente ano, da Administração do Emprego (Ministério do Trabalho e Emprego luxemburguês), que visa tornar mais eficazes os serviços de emprego a nível nacional e regional relativamente à colocação de trabalhadores e à gestão do desemprego e da formação profissional.

Agradecendo a atenção dispensada, fico ao dispor para eventuais questões que queiram colocar.

Obrigado a Todos.

Porto, 7 de Dezembro de 2011

Carlos Pereira Correia

(Conselheiro Social da Embaixada de Portugal no Luxemburgo e responsável pelo Centro Cultural Português no Luxemburgo

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