quinta-feira, 22 de setembro de 2016

2015 "ENTRE PORTUGUESAS" Comunicações

Revisão da Lei do Conselho das Comunidades Portuguesas e perspetivas de participação das mulheres
Victor Gil. Ex-diretor do Gabinete de Ligação ao Conselho das Comunidades Portuguesas
Quero saudar todos os presentes, a começar pelo meu amigo e colega Dr. Adelino Sá Bento Coelho que prontamente se dispôs a substituir a Prof.ª Dr.ª Ana Paula Beja como moderadora na análise e debate do tema que me propus aqui abordar sobre a revisão da Lei do Conselho das Comunidades Portuguesas e as perspetivas da participação das mulheres, e agradecer à Dr.ªManuela Aguiar e à Dr.ª Rita Gomes o convite para participar neste Colóquio no âmbito das migrações e género.
Ao escolher o tema, senti-me inicialmente inclinado para dar continuidade à análise sobre os atuais movimentos migratórios portugueses que apresentei por ocasião dos Colóquios promovidos no ano passado pela Associação Mulher Migrante, no quadro das comemorações dos 40 anos do 25 de Abril. Pensei que seria interessante aprofundar o conhecimento das tendências mais marcantes desses fluxos, tanto a nível do volume de partidas das mulheres e do seu perfil, como a nível dos possíveis retornos, em especial das mulheres que o tenham realizado ao abrigo do regime fiscal aprovado em setembro de 2009 para residentes fiscais não habituais ou do programa « VEM », este de data mais recente, enquadrado no Plano Estratégico para as Migrações (2015-2020) do Alto Comissariado para as Migrações, de cujos eixos prioritários o Eixo V respeita às políticas de incentivo, acompanhamento e apoio aos regresso dos cidadãos nacionais emigrados no estrangeiro. O pouco tempo disponível seria porém insuficiente para concluir nos prazos previstos a análise dos referidos movimentos, considerando a vasta e complexa recolha de estatísticas e outras informações a que teria de proceder, ignorando até se poderia conseguir algumas delas, pela simples inexistência das mesmas ou pela sua falta de publicação.
Face a tais circunstâncias, optei por me decidir pelo tema escolhido, beneficiando da vantagem da proximidade no tempo do termo das minhas funções como diretor do Gabinete de Ligação ao CCP. Aos motivos expostos, será ainda de sublinhar que o tema se tornou um dos assuntos prioritários da atualidade da agenda política no âmbito das questões relativas às comunidades portuguesas, com as esperadas eleições do Conselho anunciadas para o próximo mês de setembro, e oferecer no quadro das migrações e género novas perspetivas de intervenção, com vista nomeadamente a corrigir o desequilíbrio que tem existido no Conselho em termos de género, dado o número das mulheres continuar a ser largamente inferior ao dos homens.
Na minha exposição focarei os seguintes três pontos:
- A revisão da lei orgânica do CCP (Lei n.º 66-A/2007, de 11 de dezembro) pela Lei n.º 29/2015, de 16 de abril;
- A composição do atual CCP entre homens e mulheres;
- As perspetivas de participação das mulheres no próximo CCP.
A revisão da lei orgânica do CCP pela Lei n.29/2015, de 16 de abril
Lembro, para refrescar a memória dos que o necessitem, que o Conselho das Comunidades Portuguesas foi instituído pelo Decreto-lei n.º373/80, de 12 de setembro, por iniciativa da então Secretária de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas, Maria Manuela Aguiar, mantendo desde então a mesma denominação, apesar do conturbado percurso por que tem passado ao longo dos seus já perto de trinta e cinco anos de vida. A iniciativa distinguiu-se pelo seu caráter pioneiro e inovador, visto até então nunca ter existido uma instituição idêntica ou semelhante e por ter institucionalizado um órgão de consulta e de representação dos portugueses residentes no estrangeiro.
Como disse, mantendo a mesma denominação, a Lei n.º 29/2015, de 16 de abril, procedeu a uma profunda revisão da Lei n.º 66-A/2007, de 11 de dezembro, que define as competências, modo de organização e funcionamento do Conselho das Comunidades Portuguesas, introduzindo alterações em trinta e dois dos seus quarenta e seis artigos e o aditamento de mais quatro. Depois de submetido a uma vasta consulta pública, com particular incidência nas comunidades portuguesas, e ao parecer dos órgãos do CCP - o Conselho Permanente e as seis Comissões Permanentes -, o projeto veio a ser votado e aprovado pelos partidos da coligação governamental (PSD e CDS) e pelo Partido Socialista (PS), com a abstenção do Bloco de Esquerda (BE) e a oposição do Partido Comunista Português (PCP), tendo a nova lei sido publicada no Diário da República de 16 de abril de 2015.
Vejamos de seguida, seguindo a sistematização do próprio diploma orgânico, as alterações agora aprovadas.
- Definição
O CCP mantém-se como órgão consultivo para as políticas relativas às comunidades portuguesas, sendo eliminada do artigo 1.º a referência à emigração. O artigo 34.º sobre as comissões temátivas prevê todavia uma comissão orientada para tratar das questões sociais e económicas e dos fluxos migratórios;
- Competências
O novo n.º 2 do artigo 2.º acrescenta às competências já reconhecidas que “O Conselho pode ainda apreciar questões relativas às comunidades portuguesas que lhe sejam colocadas pelo Governo da República”;
- Composição
A nova redação do artigo 3.º configura uma das mais importantes alterações da nova revisão ao estabelecer que:
a. O Conselho passa a ser composto por um máximo de 80 membros, em vez dos 73 anteriormente previstos;
b. Todos esses membros passam a ser eleitos, enquanto antes havia 10 que eram designados;
c. Os membros passam a ser eleitos pelos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro que sejam eleitores para a Assembleia da República e não, como antes estava previsto, os portugueses residentes no estrangeiro inscritos no posto consular da respetiva área consular;
- Eleições
Neste âmbito, há a salientar o seguinte:
a) A marcação das eleições e a coordenação do respetivo processo eleitoral passam a ser competência do membro do Governo responsável pelas áreas da emigração;
b) As eleições deverão ser marcadas com o mínimo de 60 dias de antecedência, em vez de 70, como anteriormente;
c) Os cadernos eleitorais são organizados pelos postos consulares, em articulação com os serviços competentes da administração eleitoral, que para efeitos de divulgação deverão ser publicitados nos postos consulares entre o 55.º e o 45.º dia que antecedem cada eleição;
d) Gozam de capacidade eleitoral ativa os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro que tenham completado 18 anos até 60 dias de cada eleição, inscritos no recenseamento para a Assembleia da República, enquanto antes o prazo era de 50 dias;
e) Gozam de capacidade eleitoral passiva os eleitores, recenseados no respetivo círculo de candidatura, que sejam propostos em lista completa por um mínimo de 2% dos eleitores inscritos no respetivo círculo eleitoral até ao limite máximo de 75 cidadãos eleitores, sendo antes esse máximo de 250 eleitores;
f) A apresentação das listas de candidatura cabe ao primeiro subscritor de cada lista, perante o representante diplomático e consular de portugal no respetivo círculo eleitoral, entre os 30 e os 20 dias que antecedem a data prevista para as eleições, prazo inferior em 10 dias ao anteriormente previsto;
g) Os candidatos consideram-se ordenados segundo a sua sequência de candidatura, devendo as listas conterem a indicação dos candidatos efetivos em número igual ao de mandatos atribuídos ao círculo eleitoral a que se refiram e de candidatos suplentes em número igual ao de efetivos;
h) Salvo nos casos em que o número de elegíveis seja inferior a três, as listas propostas devem garantir que, pelo menos, um terço dos eleitos seja de sexo diferente;
i) Os membros são eleitos por círculos eleitorais (correspondentes a áreas de jurisdição dos postos consulares e, quando isso não fôr possível, por grupos de áreas consulares, países ou grupos de países). O anexo I da Lei, parte integrante da mesma, contém o mapa dos círculos eleitorais, sendo o seu total de 50, distribuídos por 28 países ;
j) Mantém-se a disposição de que na ausência de apresentação de listas de candidatura em qualquer círculo eleitoral, o respetivo cargo será exercido por um cidadão com capacidade eleitoral ativa, nomeado pelo membro do Governo competente em matéria de emigração e comunidades portuguesas, ouvidas as estruturas associativas locais;
k) Cada eleitor dispõe de um voto singular de lista, sendo o sufrágio universal, direto e secreto;
l) O apuramento dos eleitos faz-se segundo o método da média mais alta de Hondt;
m) Os resultados gerais da eleição são publicitados no portal do Governo e no sítio na Internet do Ministério dos Negócios Estrangeiros;
- Mandatos
Os membros são eleitos para mandatos de quatro anos, cessando com a publicação dos resultados oficiais após as eleições subsequentes, sem prejuízo do disposto em matéria de substituição temporária, suspensão, renúncia e perda do mandato, assim como da vacatura de cargo;
- Direitos, deveres e incompatibilidades
a.No âmbito dos deveres foram acrescentados o de cooperar com as comunidades portuguesas e o de cooperar com instituições ou entidades do países de acolhimento em matérias de interesse das comunidades portuguesas;
b.No tocante às incompatibilidades, passou a ser causa de incompatibilidade o exercício de atividade profissional em qualquer pessoa coletiva pública, inclusive do setor empresarial do Estado;
- Organização e funcionamento
As alterações introduzidas são várias e relevantes, em especial:
a. O Conselho passar a funcionar não só em Plenário, Comissões e Conselho Permanente, como até aqui, mas também em Conselhos Regionais, Seções e Subseções, recuperando a organização anterior à Lei n.º 66-A/2007, de 11 de dezembro;
  1. No que respeita ao Plenário:
  • O Plenário passa a reunir ordinariamente uma vez por mandato, em vez de duas como era antes, e extraordinariamente quando motivos especialmente relevantes o justificarem, convocado com a antecedência mínima de 60 dias pelo membro do Governo responsável pelas áreas da emigração e das comunidades portuguesas;
  • Poderá reunir em Portugal ou fora de Portugal, quando o membro do Governo responsável pelas áreas da emigração e das comunidades portuguesas o determinar;
  • Nas reuniões do Plenário, além dos deputados à Assembleia da República eleitos pelos círculos eleitorais da emigração, poderá também participar um deputado representante de cada grupo parlamentar, tendo sido incluído no grupo dos possíveis convidados os representantes do Conselho Permanente das Comunidades Madeirenses e do Congresso das Comunidades Açorianas;
  • O membro do Governo responsável pelas áreas da emigração e das comunidades portuguesas passará a exercer a presidência do Plenário, sendo secretariado por dois conselheiros por si escolhidos, bem como a formular os convites às diversas categorias de convidados previstas na lei orgânica. Antes da revisão, o Plenário era presidido por uma Mesa composta por um presidente, dois vice-presidentes e dois secretários, escrutinados entre os 63 membros eleitos;
  1. No que respeita às Comissões:
  • O número de Comissões foi reduzido de seis para três:
- Uma dedicada ao tratamento das questões sociais e económicas e dos fluxos migratórios, resultando da fusão entre as Comissões Permanentes dos Assuntos Económicos e dos Assuntos Sociais e Fluxos Migratórios;
- Uma outra vocacionada para a abordagem do ensino do português no estrangeiro, da cultura, do associativismo e da comunicação social, agregando as anteriores Comissões da Língua, Educação e Cultura e do Associativismo e Comunicação Social;
- A terceira e última orientada para as questões consulares e da participação cívica, reunindo as competências das anteriores Comissões Permanentes dos Assuntos Consulares e Apoio ao Cidadão e da Participação Cívica e Política;
  • Cada Comissão é composta por sete conselheiros, eleitos pelas seções regionais, segundo a seguinte fórmula: dois conselheiros regionais da Europa, dois conselheiros regionais da América do Sul, um conselheiro regional da América do Norte, um conselheiro regional de África e um conselheiro regional da Ásia. Antes, a composição poderia variar entre 10 a 12 membros, sem limites por regiões e países;
  • As comissões reúnem uma vez por ano, antes até duas vezes, por convocatória do presidente em exercício do Conselho Permanente, que presidirá. Antes, cada uma das seis comissões elegia entre os seus membros um presidente, um vice-presidente e um secretário;
  1. No que respeita ao Conselho Permanente:
  • É constituído por 12 membros, eleitos pelos conselhos regionais, com a seguinte representatividade:
- CRCP em África – dois membros
- CRCP na Ásia e Oceânia – um membro
- CRCP na América do Norte – dois membros
- CRCP na América Central e na América do Sul – três membros
- CRCP na Europa – quatro membros
Antes, O Conselho Permanente era composto por 5 membros eleitos pelo plenário, um terço devendo ser de sexo diferente, e pelos seis presidentes das comissões permanentes – 11 membros no total;
  • Na eleição, cada conselho regional deve promover, na eleição dos respetivos membros para o Conselho Permanente, a paridade na representação de homens e mulheres nos termos previstos no artigo 2.º da Lei Orgânica n.º 3/2006, de 21 de agosto. Nos conselhos regionais que elegem apenas um membro, deve ser assegurada, sempre que possível, a alternância de género na eleição;
  • Os 12 membros são eleitos para a totalidade do mandato do Conselho;
  • Anualmente, o Conselho Permanente deverá eleger de entre os seus membros o presidente, o vice-presidente e um secretário. A eleição da direção estava limitada aos 5 membros eleitos pelo Plenário, coincidindo o seu mandato com o de conselheiro;
  • O Conselho Permanente reúne em Portugal, ordinariamente uma vez por ano e, extraordinariamente, quando por motivos especialmente relevantes, tal se justifique, e nas suas reuniões podem participar outros membros do Conselho e personalidades convidadas para o efeito através do seu presidente;
  • No âmbito das respetivas competências, cabe-lhe nomeadamente coordenar a execução do programa de ação aprovado pelo Plenário, homologar e registar as seções e subseções locais e asegurar as ligações entre os conselhos regionais e as seções e subseções;
  • As deliberações são tomadas por maioria dos votos dos membros presentes;
  1. No que respeita às Seções Regionais:
  • O Conselho passa a reunir sob a forma das seções regionais, num total de cinco, com as seguintes designações:
- Conselho Regional das Comunidades Portuguesas em África;
- Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na Ásia e Oceânia;
- Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na América do Norte;
- Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na América Central e na América do Sul;
- Conselho Regional das Comunidades Portuguesas na Europa;
  • Cada uma das seções regionais agrupa os membros oriundos dos continentes, partes de continentes ou grupos de continentes;
  • Cada Conselho Regional terá a sua própria mesa, constituída por um presidente e um secretário, sendo da sua competência eleger os seus membros no Conselho Permanente e nas comissões temáticas;
  1. No que respeita às Seções e Subseções locais:
  • Podem ser criadas seções locais, constituídas pelos representantes eleitos em cada país, designadas “Conselho das Comunidades Portuguesas em..”
  • As seções podem reunir ordinariamente com periodicidade não superior a um ano;
  • Se a seção local corresponder a país de grande dimensão geográfica ou onde a cobertura da rede consular e o número de eleitores por consulados ou agrupamentos destes o justifique por razões de ordem funcional podem ser criadas subseções, a depender da seção local de que se trate.
Em síntese e como já anteriormente o disse, a revisão agora levada a cabo traduz com suficiente clareza o esforço feito no quadro parlamentar para se alcançar um alargado consenso, pese embora a oposição do PCP.
O texto aprovado acabou afinal por admitir e ajustar entre elas as propostas quer do Governo, quer dos sectores de opinião que se oponham ao projeto inicialmente por ele apresentado, incluindo as do próprio Conselho das Comunidades Portuguesas, que de forma categórica defendeu, em termos de organização e funcionamento, a manutenção das comissões temáticas que o Governo se propunha extingir, substituindo-as pelas seções regionais e locais, um modelo que tinha já vigorado alguns anos antes, com resultados consensualmente avaliados como positivos. Os dois modelos, se bem que diferentes, não eram contudo antagónicos e incompatíveis como se veio a verificar, embora o assunto tivesse sido objeto de acesa polémica, a que o debate levado a efeito no Parlamento e fora dele veio a pôr termcom o feliz desfecho conseguido.
A polémica estendeu-se ainda à acusação feita ao projeto do Governo de este querer instrumentalizar o Conselho e deixá-lo na sua dependência, não só por se atribuir a si próprio a presidência do mesmo, mas também por não lhe atribuir os meios financeiros ajustados ao adequado desenvolvimento das suas atividades. Estas são questões pertinentes e da maior importância que penso não foram ainda objeto do necessário e adequado aprofundamento, sendo notória a ausência até hoje de propostas de modelos de organização do Conselho que promovam a sua autonomia e independência tanto do Governo, como dos aparelhos partidários, e favoreçam a participação acrescida de representantes da sociedade civil e das respetivas organizações. Sobre o financiamento, a lei prevê que os custos de funcionamento e as atividades do Conselho são financiados através de verba inscrita anualmente como dotação própria no orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sem precisar todavia o respetivo montante, como há muito os conselheiros vêm reivindicando.
Sobre a participação das mulheres no CCP e a sua promoção, de modo a que a sua representação seja superior à que atualmente existe, a revisão regista um importante avanço ao consagrar no n.º 3 do artigo 37º a paridade na representação de homens e mulheres nas eleições em cada conselho regional para o conselho permanente, nos termos previstos no artigo 2.º da Lei Orgânica n.º3/2006, de 21 de agosto, “devendo, quanto aos conselhos regionais que elegem apenas um membro, ser assegurada, sempre que possível, a alternância de género na eleição”. A inclusão dessa disposição não suscitou porém reações, nem comentários, com algum eco público, que pudessem constituir um ponto de partida para análise da situação da atual representação das mulheres nos CCP e nos seus vários órgãos.
A composição do atual CCP entre homens e mulheres
Como ficou já dito, a Lei n.º 66-A/2007, de 11 de dezembro, estabeleceu no artigo 3º que o Conselho é composto por 73 membros, entre os quais:
a. 63 membros eleitos;
b. Um membro designado pelo Conselho Permanente das Comunidades Madeirenses;
c. Um membro designado pelo Congresso das Comunidades Açorianas;
d. Dois membros a designar por e de entre os luso-eleitos nos países de acolhimento na região da Europa;
e. Dois membros a designar por e de entre os luso-eleitos nos países de acolhimento nas regiões fora da Europa;
f. Dois membros a designar por e de entre as associações de portugueses nos estrangeiro, nos países da Europa;
g. Dois membros a designar por e de entre as associações de portugueses no estrangeiro, nos países fora da Europa.
Nas eleições que se seguiram, em abril de 2008, foram obtidos os seguintes resultados:
- Na África: eleitos 7 conselheiros, dos quais 5 homens e 2 mulheres;
- Na América do Norte: eleitos 9 conselheiros, dos quais 7 homens e 2 mulheres;
- Na América do Sul – eleitos 15 conselheiros, dos quais 12 homens e 3 mulheres;
- Na Ásia e Oceânia: eleitos 6 conselheiros, dos quais 4 homens e 2 mulheres;
- Na Europa: eleitos 26 conselheiros, dos quais 21 homens e 5 mulheres.
No total, os 63 lugares de conselheiros ficaram repartidos entre 49 homens e 14 mulheres, uma das quais acabou por não ter tomado posse, ficando por conseguinte o seu número reduzido a 13. A esses resultados, vieram a adicionar-se os dez membros designados, nove, na verdade, em virtude do representante do Conselho das Comunidades Açorianas nunca ter sido indicado, dos quais 7 homens e duas mulheres, decisão que voluntariamente ou não contribuiu para reforçar ainda mais o contingente masculino, com o respetivo aumento para 56 membros, quedando-se em 15 membros o contingente das mulheres, isto é, 26,7% do total dos membros. Uma percentagem ainda distante dos 33,3% que a designada lei da paridade estabelece na elaboração das listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais, que, de acordo com o artigo 44.º da Lei .º29/2015, de 16 de abril, é igualmente aplicável ao processo eleitoral para o Conselho.
Por países, os resultados foram os seguintes:
Na África: África do Sul/Namíbia – 4 membros: 3 homens e 1 mulher; Angola – 1 membro: 1 homem; Cabo Verde/Guiné Bissau/S.Tomé Príncipe/Senegal – 1 membro: 1 mulher; Moçambique/Quénia/Zimbabué– 1 membro: 1 homem.
Na América do Norte: Canadá – 4 membros : 2 homens e 2 mulheres ; Estados Unidos da América : 5 membros : 5 homens.
Na América do Sul: Argentina – 1 membro : 1 homem ; Brasil – 8 membros : 7 homens e 1 mulher; Uruguai – 1 membro : 1 mulher ; Venezuela – 5 membros : 3 homens e 2 mulheres.
Na Ásia e Oceânia: Austrália/Timor/Filipinas – 1 membro : 1 mulher ; China/Japão/Tailândia– 4 membros : 3 homens e 1 mulher ; Índia – 1 membro : 1 homem.
Na Europa: Alemanha– 4 membros : 3 homens e 1 mulher ; Andorra – 1 membro : 1 homem ; Bélgica – 1 membro : 1 homem; Espanha – 1 membro : 1 homem ; França – 8 membros : 7 homens e 1 mulher; Holanda – 1 membro : 1 mulher ; Luxemburgo – 1 membro : 1 homem ; Reino Unido/Irlanda – 4 membros : 3 homens e 1 mulher ; Suécia (Dinamarca/Finlândia/Noruega/Países Báltico/Polónia) – 1 membro : 1 homem ; Suíça (Itália/Grécia/Áustria) – 4 membros : 3 homens e 1 mulher.
Desses resultados, ressalta, numa perspetiva de equilíbrio da representação entre homens e mulheres, a paridade entre os dois sexos registada no Canadá e, no sentido oposto, a inexistência de qualquer representante do sexo feminino no contingente dos EUA e de em relação ao Brasil e a França, cada um deles com oito membros, a representação feminina limitar-se a um só membro.
A análise dos resultados por círculos eleitorais poderá lançar alguma luz com vista a explicar a disparidade registada a nível do género. Com efeito, constata-se que em 23 dos 35 círculos eleitorais existentes em 2008 só havia um membro a eleger. Este constituirá por certo um factor que poderá beneficiar os candidatos do sexo masculino, em virtude da sua proporção ser superior nos vários tipos de organizações da comunidade, ou de nelas ocuparem postos ou exercerem funções de nível hierárquico superior.
Uma última observação para acrescentar que a diferença numérica constatada teve consequentemente incidências na organização e funcionamento do Conselho, de que destaco alguns aspectos mais salientes :
  • O reduzido número de mulheres no Conselho Permanente – 2 entre os 11 membros que o compunham ;
  • O reduzido número de mulheres nas comissões temáticas ;
  • A inexistência de presidências exercidas por mulheres, a nível quer do Plenário e do Conselho Permanente, quer das seis comissões temáticas ;
  • A inexistência igualmente de mulheres nas mesas do Plenário, Conselho Permanente e comissões permanentes, à exeção da secretária da Comissão Permanente dos Assuntos Consulares e Apoio ao Cidadão, a cargo de uma conselheira do Brasil.
Que perspetivas abrem a revisão da Lei n.º 66-A/2007, de 11 dezembro, pela Lei n.29/2015, de 16 de abril, e as eleições para o Conselho anunciadas para setembro próximo ?
Perspetivas de participação das mulheres no próximo CCP
No tocante à lei, com base nos comentários atrás expostos, o quadro resultante da nova revisão parece não configurar alterações significativas, salvo no que respeita à composição do Conselho Permanente, que, em consequência da aplicação da lei da paridade, deixa perspetivar um aumento do número de mulheres. Os círculos com 3 e mais membros não vão além de sete no total de 50, somando 8 os de dois membros e 33 os de um só membro. Nestas condições, será muito difícil a participação das mulheres atingir mesmo a percentagem de 33,3% consignada na chamada lei da paridade.
No quadro da dinâmica eleitoral, que atitude vão assumir as mulheres nas várias comunidades? A sua participação e mobilização são indispensáveis se quiserem ter uma representação condigna com o seu número e com o papel e as responsabilidades que lhes cabem no âmbito das políticas para a emigração e as comunidades portuguesas. É indispensável que as mulheres participem em listas ou, por sua iniciativa, promovam a apresentação de listas em que sejam cabeças de lista, nomedamente nos círculos eleitorais que elegem um só membro.
Li há dias na revista Paris Match, correspondente ao número da última semana do mês de abril findo, que uma caravela, a “L’Hermione”,réplica da “La Fayette”, partiu, como esta última, de Rochefort, estando previsto que chegue, no próximo dia 5 de junho, a Yorktown, na Virgínia, onde as tropas americanas e francesas venceram, no dia 19 de outubro de 1781, uma batalha decisiva contra os ingleses. Porém, ao contrário da “La Fayette”, que tinha partido sem mulheres, pois para os marinheiros dessa época a presença da mulher a bordo dava azar, a tripulação da “L’Hermione”, no total de 180 pessoas, conta com 1/3 de mulheres.
Inspirado por este exemplo, termino fazendo votos de que a presença das mulheres no novo Conselho corresponda pelo menos a 1/3 dos 80 membros que serão proximamente eleitos. Que o próximo Conselho tenha essa sorte!
Tema II. Desenvolvimento e Género
Joana Miranda, Universidade Aberta, Investigadora Responsável pelo Grupo de Investigação – Estudos sobre as Mulheres, CEMRI, Universidade Aberta
No mundo actual as migrações, o desenvolvimento e o género constituem elementos profundamente interrelacionados que se influenciam reciprocamente e cuja dinâmica é constante e se encontra em permanente transformação, revelando a cada momento novos dados e sugerindo novas leituras. Estes três elementos configuram poderosos eixos de interpretação de um mundo marcado pela mudança acelerada a todos os níveis e pela coexistência da globalização e da homogeneização com a fragmentação, permitindo-nos aproximações deste período que Balandier (1997) designa de "sobremodernidade", período de mudança e ambivalência, de "mudança mais incerteza".
Na mesma linha o sociólogo Zygmunt Bauman (2007) caracteriza a época em que vivemos como "modernidade líquida"- leve, fluida, dinâmica mas incerta. Para Bauman (2007:11) o que torna a modernidade líquida é a modernização compulsiva e obsessiva, permanentemente em aceleração, através da qual nenhuma forma de vida social, à semelhança dos líquidos, é capaz de reter os seus contornos durante muito tempo.
Para o autor, a terceira vaga de migração moderna (Bauman, 2007:18) que no momento actual assume plena força e se encontra em crescendo conduz à “idade das diásporas”: um “arquipélago mundial de povoamentos étnicos/religiosos/linguísticos esquecidos dos caminhos queimados e trilhados pelo episódio imperialista colonial”.
Ao mesmo tempo que a globalização representa uma certa forma de interconexão e interpenetração entre regiões e comunidades locais, marcada pela hegemonia do capital e do mercado, ela faz-se acompanhar por uma procura de singularidade e de espaço para a diferença e para o localismo (localização da cultura, Bhabha, 1994).
Neste contexto são diversos os discursos em torno do desenvolvimento. O que é, afinal, o desenvolvimento? O discurso dominante é o discurso economicista focalizado na ideia de que o desenvolvimento económico e o crescimento do mercado são as formas de iniciar um processo de desenvolvimento (em sentido mais amplo) e de que, por seu turno, esse mesmo desenvolvimento estimularia o desenvolvimento económico e o crescimento do mercado.
Vejamos o Human Development Reportda ONU de 2014 com o título Sustaining Human Progress: Reducing Vulnerabilities and Building Resilience. O índice de desenvolvimento humano foi criado em 1990 para enfatizar que as pessoas e as suas capacidades devem ser o critério principal de avaliação do desenvolvimento de um país (por contraponto com o PIB per capita). É um indicador social estatístico composto por três parâmetros: Vida longa e saudável(medida pela esperança de vida ao nascer), educação (medida através da taxa de alfabetização de adultos, da taxa de escolarização e do número de anos de escolaridade obrigatória) e nível de vida (medido pelo PIB per capita em dólares).
No relatório de 2014, Portugal ocupa o 41º lugar no ranking de desenvolvimento (o relatório de 2014 refere-se ao ano 2013). Em 2010 foram introduzidos índices complementares ao IDH, nomeadamente o Índice de Desigualdade de Género (IDG). O Índice de Desigualdade de Género (IDG) reflete desigualdades com base no género em três dimensões - saúde reprodutiva, autonomia e atividade econômica. A saúde reprodutiva é medida pelas taxas de mortalidade materna e de fertilidade entre as adolescentes; a autonomia é medida pela proporção de assentos parlamentares ocupados por cada género e a obtenção de educação secundária ou superior por cada género e a atividade económica é medida pela taxa de participação no mercado de trabalho para cada género. O IDG substitui os anteriores Índice de Desenvolvimento relacionado com o Género e Índice de Autonomia de Género. Ele mostra a perda no desenvolvimento humano que decorre da desigualdade entre as conquistas femininas e masculinas nas três dimensões do IDG.
O conceito de vulnerabilidade é central no relatório. A vulnerabilidade varia ao longo do ciclo de vida, sendo maior nas crianças, nos adolescentes e nos velhos. Varia, ainda, consoante a zona geográfica, o género e a etnicidade, sendo grande nos povos indígenas e nos que vivem na pobreza extrema. Mais de 2.2 billiões de pessoas vivem ou estão perto de viver uma pobreza multidimensional, mais de 15% da população mundial está vulnerável à pobreza multidimensional, 80 % não tem proteção social, 5 a 12% (842 milhões) sofrem de fome crónica. Mais de 1.5 billiões de pessoas desenvolvem trabalho informal ou precário. Vulneráveis são também os deficientes e as pessoas que habitam zonas geográficas que sofreram alterações do clima. Entre 2000 e 2012 mais de 200 milhões de pessoas, a maioria de países em desenvolvimento, foram atingidas por desastres naturais, especialmente por cheias e por secas. Crises económicas, doenças, guerras, desastres naturais são factores que criam vulnerabilidade.
Mas o desenvolvimento humano engloba mais dimensões para além das avaliadas pelo IDH como, aliás, a ONU reconhece e como explicitado na figura infra. O relatório apenas avalia a dimensão assinalada na parte superior do esquema, não avaliando a dimensão apresentada na parte inferior.

Fonte: ONU, Relatório do Desenvolvimento Humano, 2014
Assim, o desenvolvimento é um processo holístico, que deve visar a melhoria das condições de vida da população, a expansão das oportunidades de educação, de saúde e o acesso aos recursos, o desenvolvimento humano de pessoas, para as pessoas e com as pessoas, melhorar o social nas suas diversas dimensões, atender ao respeito pelos direitos humanos, criar sustentabilidade, possibilitar a expansão das capacidades e das liberdades, a inclusão e o empoderamento dos mais pobres.
O género revela-se uma dimensão fundamental de análise. A feminização das migrações é uma das cinco características que definiriam a actual era das migrações (Castles e Miller, 1998). A feminização das migrações refere-se quer ao aumento do número de mulheres migrantes quer ao empoderamento. De acordo com dados da ONU, aproximadamente 50% dos migrantes da actualidade são mulheres, sendo o número de mulheres superior ao dos homens nos países desenvolvidos. A migração das mulheres sofreu grandes alterações nas últimas décadas. No cenário anterior jovens imigrantes masculinos atravessavam as fronteiras, ocupando as mulheres uma posição passiva nos processos migratórios, acompanhando os pais/maridos/companheiros em resultado das decisões migratórias daqueles. As mulheres permaneciam na esfera doméstica, sem acesso ao domínio público. Esta situação passiva das mulheres foi substituída por um maior empoderamento, por uma maior participação pública das mulheres e por maior poder de decisão política nos vários níveis, participação ou liderança das associações de migrantes, papel no seio da família e no envio de remessas para os países de origem, maior divisão das tarefas domésticas, papel mais dinâmico nas redes sociais. Visões mais otimistas perspetivam as mulheres como os “novos agentes do desenvolvimento”.
Quando se coloca o empoderamento na balança e se procura avaliar o impacto das mulheres na igualdade de género considera-se que existe empoderamento se existe poder de tomada de decisão no seio da família, melhoria de qualidade de vida no país de origem, acesso das crianças à educação, aumento de auto-estima, maior autonomia, renegociação dos papéis familiares, aumento de estatuto na comunidade, compra de casa ou de negócio e aumento do poder de compra. Pelo contrário, existe desempoderamento se existe trabalho mal pago, abuso e exploração, frustração, dificuldade em poupar dinheiro (auto-sacrifício), duplo vínculo (trabalho produtivo e reprodutivo), isolamento, estigma da má mãe (abandonando crianças no país de origem), invisibilidade (vozes não ouvidas), capacidades não aproveitadas e dupla discriminação mulher/imigrante.
As representções das mulheres migrantes são muito extremadas variando entre, por um lado, representações muito pejorativas e miserabilistas e, por outro lado, representações idealizadas. De acordo com estas últimas representações as mulheres migrantes seriam coordenadoras das vidas familiares transnacionais, emissoras de remessas, detentoras de espíritos sacrificiais e de grande altruísmo, protectoras e nutridoras e trabalhadoras empenhadas.
Uma perspectiva de género do desenvolvimento não se limita a desagregar os dados por sexo ou apenas considerar o género uma variável da equação, tal como a idade ou o nível educacional. Há que entender que as relações de género afectam e são afectadas por cada passo do ciclo migratório. A análise deve ter em conta o nível das famílias, mas também o nível das comunidades, das instituições, nacional e transnacional, tendo em conta a diversidade de homens e de mulheres e as formas como os géneros são construídos e reconstruídos ao longo dos processos migratórios. É também importante considerar os comportamentos e as identidades dos homens - ou o que é colectivamente designado por“masculinidades”- uma vez que também eles se relacionam com o processo migratório.
Numa perspectiva de género, de forma a compreender a complexidade do processo migratório e do seu impacto no desenvolvimento há que ter em conta 4 eixos de análise (Petrozziello, UN Union, 2013):
I. Género como categoria central de análise (que não se focaliza apenas nas mulheres mas nas relações de poder entre homens e mulheres, modificando e produzindo novas identidades através dos processos migratórios)
II. Direito ao desenvolvimento humano - visão holística das capacidades e da liberdade dos indivíduos (diferente de desenvolvimento económico).
III. Dimensão espacial do desenvolvimento – do transnacional ao local – Analisar “what is happening there and what is happening here” de forma a identificar pontos chave de intervenção.
IV. Migrantes como protagonistas do desenvolvimento (lucrando com o desenvolvimento e com a melhoria das condições de vida, intervindo activamente no processo de desenvolvimento e decidindo sobre o processo de desenvolvimento).
Convém ter uma perspectiva mais realista da mulher migrante, perspetivando-a como alguém que lucra com o processo de desenvolvimento, que intervem no processo de desenvolvimento e que decide sobre o processo de desenvolvimento.
Enquanto investigadores/investigadoras deveremos dar voz às mulheres. Dar voz é dar poder. Dar oportunidades de romper o silenciamento, recorrendo a metodologias participativas, recolha de histórias de vida, recolha fílmica em que a mulher seja o centro da análise.
Referências bibliográficas
Balandier, Georges. (1997). A desordem: elogio ao movimento. Rio de Janeiro: Bertrand.
Bauman, Zygmunt (2007). Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.
Bhabha, H. K. (1994). The Location of Culture. Londres e Nova Iorque: Routledge.
Castles, S.& Miller, M.J. (1998). The Age of Migration: International Population Movements in the Modern World. Londres: Macmillan.
ONU (2014). Human Development Report 2014. Sustaining Human Progress: Reducing Vulnerabilities and Building Resilience. Nova Iorque: UNDP.
Petrozziello. A. (2013). Gender on the moove. Working on a Migration Developement nexus from a Gender Perspective. UN Women.
MONÇÃO:
Colóquio / Exposição Expressões de cidadania no feminino
Abertura
Arcelina Santiago, associada da AMM
Monção, terra minhota , traz na sua memória e génese uma figura feminina de notável destaque - Deu-la-Deu Martins. O brasão da vila contempla esta mulher lendária t que graças à sua inteligência e perspicácia deu a esta terra, fronteira com Espanha, um futuro independente e promissor.
Atualmente, ela está representada na escultura de João Cutileiro, sobranceira ao rio Minho, figura imponente, desmultiplicada, aberta a interpretações variadas que só a arte sabe oferecer: simboliza talvez as múltiplas facetas da cidadania do feminino que tem uma força especial e única na forma como as mulheres veem o mundo, e a importância e riqueza do coletivo que faz um ideal erguer-se e ser vencedor.
Se esta exposição tem como base a inspiradora figura do passado desta vila, figura da nação, que carrega consigo uma longa e vencedora história de afirmação, as protagonistas nela representadas apresentam-nos, agora, várias propostas. Estamos perante seis mulheres criadoras, com diferentes formas de expressão, reflexo de vivências múltiplas, com algo em comum - o olhar feminino do mundo que as rodeia, a sua sensibilidade estética como expressão de cidadania.
Assim, estas obras de arte afiguram-se como metáforas poéticas onde se pode contemplar o pormenor e o geral, o concreto e o abstracto, o simbólico e o real, o particular e o universal. Busca-se pelo traço, pelos efeitos cromáticos, pela luminosidade, pelos materiais e pelas texturas, a dimensão das pessoas, dos seus rostos, sulcados de histórias de vida; as formas, os movimentos, a leveza da expressão, enquanto seres em mudança; procura-se na natureza e no enraizamento, necessário para nos tornarmos mais Pessoas, a busca do pormenor e do geral, patente em descrições de equilíbrio e serenidade que só as árvores, enquanto símbolo anímico da vida, nos sugerem. Abraçar o abstracto faz-nos mergulhar nos sonhos e nas utopias que alimentam a vida e a dimensão cósmica, permite-nos ter uma visão ainda mais abrangente, onde o homem, elemento do universo, na dialética constante vida-morte, espreita em várias telas . São apenas algumas propostas de leitura que deixo em aberto...
Trata-se de pintura e escultura contemporânea, uma primeira mostra em Monção de uma manifestação artística que quer promover o debate de ideias em torno da expressão de cidadania no feminino que não se esgota na arte, mas que tem nela um ponto alto da sua expressão, daí a realização de um colóquio que antecede a exposição. Aliar esta exposição ao debate sobre questões relacionadas com as expressões da cidadania do feminino será uma forma de proporcionar reflexão e mobilizar para uma sociedade mais justa e equilibrada.
E porque a arte e as questões do género dizem respeito a homens e mulheres e porque os desafios da defesa dos direitos humanos devem ser enfrentarmos lado a lado, integramos de forma simbólica, um artista da terra monçanense que acompanhará esta coletiva de mulheres. - o pintor Ricardo de Campos. Este jovem artista, já com uma caminhada de sucesso com obras marcadas por simbolismos e expressões onde, do ecletismo das formas, texturas e materiais, jorra uma intensa sensibilidade, criatividade, grandeza e irreverência e onde as mulheres têm também um lugar de destaque.
Como comissária desta exposição, convido-vos a apreciar a pluralidade da riqueza estética nela patente, observando o visível e o invisível das propostas dos artistas, janelas abertas a novas interpretações.
Monção e os projectos da Igualdade e da Eurocidade
Paulo Esteves, Vereador da Cultura do Município de Monção
Começo por saudar os distintos membros da Mesa e os convidados presentes e apresentar , em nome da Câmara Municipal, sinceros agradecimentos à Organização deste evento. Sentimo-nos honrados pelo convite feito pela Dra Arcelina Santiago, membro da direção da Associação Mulher Migrante e pelo facto de terem escolhido Moncão, terra cheia de potencialidades em termos culturais e sempre aberta a novos desafios.
A temática em torno da diáspora, cultura, e igualdade do género combina com esta terra com longo historial de emigração e integrada no projetos de igualdade de género. Por isso, foi com muito prazer que aderimos de imediato, como parceiros desta iniciativa que trará visibilidade a Monção e a desafiará para outros projetos.
O município tem vindo a tomar um conjunto de iniciativas, a saber: assinou protocolo de cooperação com a CIG em Julho de 2014 e, na mesma data, foram nomeados conselheiro e conselheira municipal para a igualdade - Paulo Esteves e Cristina Dias respectivamente.
Com a assinatura do protocolo, o município comprometeu-se a criar um plano municipal para a igualdade, encontrando-se neste momento numa fase de diagnóstico junto dos/ das colaboradores/as acerca da sua percepção face à igualdade de género, permitindo, numa segunda fase, adaptar um plano face às necessidades identificadas.
Paralelamente, tem realizado actividades promotoras de igualdade a nível interno, nomeadamente, sinalização do dia internacional do homem (19 de Outubro ) e dia da mulher (8 de Março) com sessões sobre saúde. No âmbito do protocolo alguns colaboradores e o conselheiro e a conselheira tiveram formação sobre igualdade de género, violência doméstica e tráfico de seres humanos.
A nível externo foram realizadas várias ações de informação para jovens sobre violência no namoro, ações de informação sobre violência doméstica dirigida a diferentes públicos: forças de segurança, bombeiros, técnicos de saúde e profissionais da área da educação.
Também foi comemorado o o dia internacional pela eliminação da violência contra as mulheres.
Está a ser criado um guia para uma linguagem não discriminatória a ser divulgado junto dos funcionários da autarquia para que seja usada nos documentos da autarquia.
O município estabeleceu também parceria com o GAF e o centro de atendimento a vítimas de violência doméstica de Vila Praia de Âncora, para onde são encaminhadas as vítimas e agressores.
O Município sabe que estes são pequenos passos, mas que farão a diferença e continuará a trabalhar porque tem consciência de que há ainda muito a fazer.
Estou também em representação do D. Arturo , Alcalde de Salvaterra do Mino que não podendo estar presente louva está iniciativa. Sobre Salvaterra a informação a que tive acesso é que em termos de género , no município, 80% das pessoas que trabalham no serviço externo são homens e 20% do serviço interno é assegurado por mulheres. Trata-se de um quadro muito semelhante ao que acontece no nosso município. Daí concluirmos que há ainda um grande trabalho a desenvolver nesta área.
Sobre o desafio que foi aqui proposto e já ventilado pela Dra Arcelina Santiago em reuniões preparatórias , gostaria de declarar que a Câmara Municipal está inteiramente de acordo e aceita o desafio proposto- realizar uma Cimeira em 2016 sobre o tema " Expressões de cidadania no feminino" de âmbito Luso Galaico, por isso, convidamos desde já, todos os elementos envolvidos nesta iniciativa.
LETRAS, FEMINISMO E VIRILIDADE
Maria Luísa Malato, professora catedrática da Universidade do Porto
Em geral, na história do feminismo europeu, consideram-se três vagas de movimentos de autonomia. A primeira, nos finais do século XIX e início do século XX, seria a dos movimentos sufragistas a favor do alargamento dos direitos das mulheres: direitos de propriedade e de voto, em grande parte. A segunda, nas décadas de 1960-1970, e decorrente do avanço científico dos métodos contracecionais, estaria centrada na reivindicação do direito ao próprio corpo (direito ao aborto nos casos de gravidez involuntária, licenças de maternidade e dissociação cultural entre o género feminino e a função da maternidade). A terceira, datada dos anos noventa do século XX até à atualidade e manifestada em parte pela democraticidade da internet, seria movida sobretudo pela denúncia mais sistemática de abusos de poder: violência doméstica, assédio sexual, assédio profissional, desigualdade de salários, repartição das funções de maternidade/ paternidade, etc.
Esta organização cronológica das ondas históricas (“waves”)do feminismo, reproduzida, por exemplo, nas obras de Rebeca Walter (1992) ou de Maggie Humm (1992), é muitas vezes simplificada e imitada pela atual historiografia, claramente visível na estrutura faseada dos que vão construindo os estudos sobre o assunto.
Também a história do feminismo português começaria pela criação de associações políticas republicanas nos finais do século XIX: enumera-se a inauguração em 1897 da Federação Socialista do Sexo Feminino, a fundação em 1907 do Grupo Português de Estudos Feministas, dirigido por Ana de Castro Osório, que levaria à formação, em 1908, da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (1908-1919); e, em 1910, da Associação de Propaganda Feminista, a do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, por iniciativa de Adelaide Cabete, nas vésperas da mobilização militar da Grande Guerra, em 1914; e ainda o processo de contestação da médica Carolina Beatriz Ângelo, processo tumultuoso que começou com a sua inscrição nos cadernos eleitorais em 1911 e posterior recusa da inscrição, recurso para tribunal, sentença favorável, e reescrita da Lei Eleitoral, em 1913 e 1915, especificando-se desta vez a não aplicação da lei geral às mulheres portuguesas…
O processo das Três Marias, contra as autoras das Novas Cartas Portuguesas (Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa e Isabel Barreno) marcaria a segunda fase do feminismo português. As Novas Cartasnão são um manifesto feminista, mas como tal passariam a ser lidas. De género fragmentário, entre o literário e o não literário, pelo menos nos seus géneros canónicos, compostas por cartas, mas também por ensaios, poemas, fragmentos, pensamentos soltos, alusões a máximas de vária ordem, delas resulta uma revolta legível que inspiraria gerações.
Num terceiro momento, o feminismo português parece ter-se consubstanciado numa reivindicação da sua complexidade política, social, económica, pedagógica. Os novos suportes da comunicação tornam o movimento transnacional, de agendas articuladas, refletindo a pluralidade dos modelos de família:
“Ao nível global não se pode falar de uma única agenda feminista, mas de várias. Em Portugal, há uma agenda feminista pouco clara, ainda. (...) Tendo terminado a reivindicação da despenalização do aborto começam a surgir um conjunto de questões que ficaram por tratar. Isso vê-se, pelo interesse que as pessoas passam a ter por outros temas, por exemplo pela saúde, pela política, pelo poder, pelas questões da sexualidade. Diremos que as questões surgem muito mais segmentadas.” (cf. Conceição Nogueira apud Tavares, 2008: 483)
Esta narrativa dividida por três períodos tem certamente a grande vantagem de pontuar a História, assinalando nela os momentos fundamentais que, sobretudo pelo seu mediatismo nacional e internacional, funcionaram como catalisadores do movimento feminista. Ainda que por “engano”(uma lacuna do espírito na letra da lei), foi em Portugal que, pela primeira vez na Europameridional, uma mulher (Carolina Ângelo) exerceu o direito de voto nas eleições para a Assembleia Constituinte, numa Europa em que a mulher (ainda que ocidental, setentrional, branca e de classes economicamente elevadas) se viu impedida de votar até ao segundo quartel do século XX. Também o processo contra a obra das Três Marias (The Three Marias seria, aliás, o título da primeira edição das Novas Cartas Portuguesas em inglês) teve uma repercussão na opinião pública internacional que colocou em julgamento o regime ditatorial do Estado Novo e, em geral, a mentalidade dominante, até na sociedade europeia, que continuava a ver na mulher-nova uma freira Mariana que fugia agora traiçoeiramente do convento.
Mas uma onda não é uma fase: a onda pressupõe um movimento contínuo, em que a força de um corpo decorre do ponto remoto em que foi inicialmente aplicada. Parece-nos que essa visão faseada e tripartida, quando exageradamente simplificada, desvaloriza alguns elementos fundamentais para uma boa historiografia:
a) a atenção que deve ser dada à simultaneidade dos fatores de transformação dos fluxos ondulatórios (nem sempre “post hoc ergo propter hoc”, mais especificamente, nem sempre o que vem depois é causa do que vem imediatamente antes);
b) a invisibilidade de uma história da resistência, de atrito, feita tantas vezes pelos vencidos ou pelos silenciados, muitas vezes documentadas por testemunhos que não saíram nunca do manuscrito, da palavra-dita ou do gesto tácito: só numa visão mitificada a História se faz de“sucessos sucessivos que se sucedem sucessivamente sem cessar”…;
c) a indelével necessidade de construirmos a História da atualidade para o passado, “às avessas” como diria o diabólico Gog (Papini, s.d.: 47 ss.). Não apenas essa metodologia (meta-odos-logia) seria mais consentânea com o efetivo caminho que o historiador percorre, a partir do seu presente, como ainda se clarificaria o facto de só darmos importância aos acontecimentos a posteriori, pelas suas consequências e não pelas suas causas, porque passamos depois a ter palavras para as nomear, sendo difícil identificar (e muito menos estudar) um objeto sem nome.
Ressalve-se pois, desde logo, a relação complexa que existe entre os vários direitos reivindicáveis. A lei do divórcio, publicada logo no início da Primeira República, compreende-se somente quando integrada na reforma do Direito de Família, considerando-se só então, com alguma sistematicidade, a reformulação dos direitos da criança e a promulgação do ensino primário obrigatório para todos os sexos e classes. São difíceis as leituras ideológicas: não há propriamente os maus da ditadura e os bons da democracia e são misteriosas as veredas dos homens. O direito de voto aberto à mulher acabaria ironicamente por ser proclamado em 1931, pelo Estado Novo, por um regime que ao mesmo tempo se aproveitava da imagem conservadora da “mulher cristã” e reduzia a escolaridade obrigatória para as mulheres (mais ainda do que para os homens). Mas estão em geral ligadas as formas de subjugação social, económica ou intelectual. Não sendo uma característica da legislação portuguesa ou da legislação de timbre ditatorial, era comum e geralmente aceite a inacessibilidade das mulheres ao funcionalismo público considerado masculino –a carreira diplomática, a magistratura, a chefia na administração local, ou os postos no Ministério das Obras Públicas e Comunicações Brasão, 1999: passim) – e a subordinação do poder económico da mulher casada ao poder económico do marido: para certas profissões (v.g. hospedeiras da TAP, enfermeiras dos hospitais civis) era incompatível o trabalho com o casamento, para outras (como o magistério primário) era necessário autorização do Estado. De resto, se considerarmos que só depois do 25 de Abril de 1974, com a lei n.º 621/74 de 15 de Novembro, o direito de voto se tornou universal em Portugal, ao contrário de países que o têm consignado como a Nova Zelândia (1892), Austrália (1902), Finlândia (1906), em grande parte consequência da substituição do trabalho masculino por mão-de-obra feminina depois da Grande Guerra (1918, como a Grã-Bretanha) ou da Segunda Guerra Mundial (1944, França, EUA, muitos estados da América do Sul), devemos também assinalar que, em países”civilizados” como a Suíça ou o Liechtenstein, as datas são também escandalosamente tardias (1971, 1984).
A cronologia destas três fases (ou até ondas) é também extremamente injusta em relação ao período setecentista, sobretudo da segunda metade do século XVIII, quando muitas mulheres (na Europa e, mais especificamente, em Portugal) começaram por criar uma consciência coletiva do género feminino: muito deve o feminismo a algumas escritoras como Poulain de la Barre, Olympe de Gouges, Mary Wollstonecraft ou, em Portugal, a Paula da Graça, Gertrudes Margarida de Jesus ou, ainda que de diferente forma, a Catarina de Lencastre, Leonor Pimentel, Leonor de Almeida ou até a Teresa de Mello Breyner. É também notável a obra de Nísia Floresta, no Brasil, autora de Direitos das mulheres e injustiça dos homens, ainda que já em 1832. O que poderia significar a consciência coletiva do sexo feminino, quando as mulheres, sem a voz pública do poder político e sem a voz pública do poder literário, se reduzem a uma voz privada, muda (cf. Fentress, 1994), porque incapaz de se tornar documento histórico?
No século XVIII, em certos países europeus, nomeadamente nos países protestantes, os níveis de alfabetismo feminino são significativamente elevados. Na cidade de Turim, no ano de 1710, 71% dos homens e 43% das mulheres sabem, pelo menos, assinar os contratos de casamento ; em 1790, o número subirá para 83% dos homens e 63% das mulheres. A subida é ainda mais significativa se considerarmos a região de Turim, comn a inclusão da população rural : se os homens que assinam em 1710 e 1790 passam de 21% para 65%, a taxa da população feminina que assina salta de 6% para 30% (Chartier, 1990: 114-5). Mas em países como Portugal a diferença é grande. Apesar de somente existirem estatísticas sobre educação em Portugal a partir de finais do século XIX (2009: 4), calcula-se que, no século XVIII, Portugal contaria com 90% de analfabetos, sendo a maior parte mulheres de todas as classes. Um estudo sobre a assinatura dos noivos no Porto no início do século XVIII, não podendo ser conclusivo sobre a taxa de analfabetismo no tecido urbano e rural, regista a diferença de 44% entre o alfabetismo dos homens e o alfabetismo entre as mulheres (Silva, 1991: 461).
Neste diferente contexto, as mulheres-leitoras-escritoras dificilmente podiam afirmar a sua autonomia, desde logo intelectual: não é raro pedirem desculpa pela imodéstia de editar, outras agradecerem aos maridos a possibilidade de o fazer, outras destruírem a obra manuscrita. Os 14 volumes de manuscritos da fidalga Joanna de Menezes, Condessa de Ericeira, casada com D. Luiz de Menezes e mãe de Francisco Xavier de Menezes, nunca buscaram publicação e o único livro publicado, de cariz espiritual, o Despertador del alma al sueno de la vida, indica o nome de Apolónio de Almada, um criado da casa (Sabugosa, 1918: 314). “Autora” é palavra que, segundo o Vocabulário de Rafael Bluteau, só aparece nos textos de jurisconsultos. São por isso de uma grande coragem os argumentos então assinados por mulheres, sem o escudo do pseudónimo ou do anonimato. Como os que encontramos formulados por Paula da Graça, autora da Bondade das Mulheres Vindicada e Malícia dos Homens Manifesta (1730) com que ela pretende contestar a sátira feita às mulheres pelo conhecido Baltazar Dias, autor da Malícia das Mulheres (1640); ou por Gertrudes Margarida de Jesus que, entre 1761-1762, empreendeu uma curiosa polémica com um Frei Amador do Desengano (pseudónimo), em duas cartas publicadas em folheto de cordel, suporte acessível em que previsivelmente devem ter tido algum impacto:
“Os defeitos das mulheres vêm da ignorância em que teimam os homens em mantê-las”, escreveria ousadamente Gertrudes Margarida de Jesus.
Este silêncio da historiografia do feminismo em relação ao século XVIII (na Europa e ainda em Portugal) é tanto mais injusta quanto essas mulheres muitas vezes se deram conta da complexa teia que unia aquelas três áreas consignadas pela História: a dos direitos políticos, a dos direitos da maternidade e a dos direitos económicos. Manuela Tavares, na obra Feminismos (2008) demonstrou já o quanto é prejudicial para a própria causa do feminismo identificá-lo somente com situações-limite ou com posições mais radicais que oponham a “causa feminina” à“causa masculina”, como se o caso se limitasse a uma guerra entre amazonas e donjuans. Colocado como antónimo do Machismo, o Feminismo (como “excesso”)encerrar-se-ia numa androfobia que equivaleria à misoginia. É certo que os termos em que se colocam as polémicas setecentistas são extremadas pela anormalidade dos argumentos “feministas”, muitas vezes publicitados por homens que defendem as mulheres, relembrando as virtudes heroicas das mulheres, mulheres-viris, mulheres-soldados, que defenderam a pátria ou incentivaram os homens a servi-la, como a Notícia de muitas heroínas portuguesas, de Diogo Aires de Azevedo (1730?) ou a obra de Louis R. Saint-Jorry, Les Femmes Militaires (1735). Mas a questão dificilmente se circunscreve a um imaginário masculino, se soubermos que, em 1792, Théroigne de Méricourt, que frequentava a Assembleia Nacional Francesa vestida de Amazona, apresenta a essa mesma assembleia o projeto de criação de uma legião de Amazonas, prontas a lutar fisicamente pela Revolução Francesa. Ou que, na moda feminina, no final do século XVIII, começam a aparecer cortes e adereços que as mulheres tomam aos homens: o formato do casaco para andar a cavalo de pernas afastadas, as franjas que cobrem as testas, o cabelo caído “à amazona”. São essas mulheres-heróis que muitas vezes aparecem em romances, de autoria masculina ou feminina.
Entre a realidade e a ficção instala-se uma novidade difusa, que não é menos revolucionária por se disfarçar de futilidade. O tema da mulher-soldado, ou da mulher-caçadora, tem muitas variantes na literatura setecentista: as revisitadas Amazonas, a lembrança terrífica das Valquírias, ou de Diana, a deusa da caça, ou Medeia, feiticeira que se vinga de Jasão matando os filhos comuns, manhosas donzelas que agora desobedecem aos pais para casar com quem amam, e desobedecem a quem amam para reivindicar honra, virtude viril (passe aqui o pleonasmo, já que ambas as palavras derivam desse atributo somente masculino que é ser homem). A honra feminina, coisa antes invisível e muda, passa a reivindicar atos públicos e palavras (Farge, 1990: 581). Muitos são os romances e peças de teatro setecentistas feitas de mulheres que escapam aos homens, confundindo-se com eles, lutando como eles : Marthésie, première reine des Amazones, de La Motte (1699), L’Amazone Française, de Marie-Jeanne L’Héritier de Villandon (1718), Le Faux Chevalier de Warwick, de Dupré d’Aulnoy (1736), as Mémoires de Mlle de Mainville ou Le Feint Chevalier, de D’Argens (1736), Les Amazones, de Anne Marie du Bocage (1749), Corinne, de Mme de Staël (1807), com traduções ou adaptações em italiano, alemão, português. Por paradoxal que pareça, essas mulheres-soldado estão próximas das mulheres mais pobres, apresentadas por vezes como mais livres, porque podem ganhar a vida por si: as empregadas domésticas, as aias, essas variantes das Paulinas e Clarisses que são a principal causa de sucesso dos romances de Samuel Richardson (Pamela, or Virtue Rewarded, 1740, Clarissa, or The History of a Young Lady, 1748). As mulheres aristocráticas reveem-se nessas mulheres presas e usadas, que fogem e lutam pela sua autonomia. La religieuse, de Diderot, é um romance sobre uma mulher que passa de exploração em exploração, até acabar“blanchisseuse”, assalariada, mas livre. A Rainha Marie Antoinette, refugiava-se no Petit Trianon, vestida com uns fatos de camponesa e revê-se nas palavras revolucionárias de Beaumarchais, as mesmas que, anos mais tarde, justificarão a sua morte na guilhotina. A Literatura setecentista é, antes de qualquer movimento feminista do século XIX ou XX, a imaginação sistemática da liberdade, igualdade e fraternidade entre os dois sexos.
Imaginar-se livre é uma etapa (onda?) fundamental no processo de ser livre. A Mulher que o não parece, de Manuel de Figueiredo, é uma peça de teatro sobre duas mulheres que não aceitam o casamento como infantilização, ou o convento como prisão. As odes de Catarina de Lencastre proclamam aos soldados a vontade de os seguir, lamentando o sexo em que os atos heroicos estão limitados:
[Deus] Já que esta alma me deu, melhor fizera
Se aos campos, aonde ides colher louros,
Eu seguir-vos pudera.
Mas nem sempre, na ordem que nos rege,
Vem o poder unido com o desejo.
(apud Borralho, 2008: 157)
Podemos argumentar, retomando até Simone de Beauvoir na época em que escreveu Le Deuxième Sexe, que toda a historiografia masculina do feminismo (nomeadamente, acrescentaríamos, o feminismo setecentista) o torna desinteressante (Beauvoir, 1981: 28 ss.): com efeito, já muito pouco interessante nos parece a polémica que, em 1800, retoma os argumentos satíricos de Baltazar Dias e Paula da Graça, agora entre dois autores anónimos: A Bondade das Mulheres contra a Malícia dos Homens vs. Malícia dos Homens contra Bondade das Mulheres. Mas o pioneirismo que Beauvoir vê na obra jurídica de Léon Richer, no final do século XIX (cf. Id.,1981: 157), bem poderia ser associado (cum grano salis) à reedição em 1785 de uma “esquecida” Lei sobre as prorrogativas das mulheres, publicada por Ruy Gonçalves no século XVI. E há em Luís António Verney uma inovadora defesa da igualdade feminina, ao defender a importância da escolaridade feminina na última carta do Verdadeiro Método de Estudar (1746: Carta XVI), em termos que muito superam a visão mais tradicional do iluminismo, melhor representada pelas Cartas sobre a Educação da Mocidade de Ribeiro Sanches (de 1760), obra que reserva a educação intelectual às senhoras nobres e se preocupa sobretudo com as virtudes da sua vida doméstica (Sanches, s.d.: 191-2). O mesmo conservadorismo de resto marcará o Rapport sur l’instruction publique, redigido em grande parte por Talleyrand, no contexto revolucionário de 1791 (Talleyrand, 1791). Podemos apontar como vanguardistas algumas considerações de Diderot…, Mas o pensamento dominante então seria bem representado por Rousseau, autor do libertador Contrato Social:
“Si la femme est faite pour plaire et pour être subjuguée, elle doit se rendre agréable à l’homme au lieu de le provoquer; sa violence à elle est dans ses charmes; c’est par eux qu’elle doit le contraindre à trouver sa force et à en user. L’art le plus sûr d’animer cette force est de la rendre nécessaire par la résistance. Alors l’amour-propre se joint au désir, et l’un triomphe de la victoire que l’autre lui fait remporter. De là naissent l’attaque et la défense, l’audace d’un sexe et la timidité de l’autre, enfin la modestie et la honte dont la nature arma le faible pour asservir le fort.” (Rousseau, 1817: V, 363)
Reconheçamo-lo. Alguma razão terão certas historiadoras para negligenciar a historiografia do movimento feita por homens. Acompanhar a reação nos jornais portugueses de 1911 da polémica provocada por Carolina Ângelo ao inscrever-se nos boletins de voto das primeiras eleições republicanas não deixa de ser uma investigação reveladora de muitos lugares-comuns dos homens sobre as mulheres. Do ponto de vista retórico, a maior parte dos leitores e correspondentes dos jornais são do sexo masculino, escrevem e fazem opinião para o sexo masculino. Mas a leitura dos documentos da época revelaria também, ainda que talvez com menos propriedade, os lugares-comuns das mulheres sobre as mulheres. Muitos argumentos são comuns, ainda hoje, a homens e a mulheres:
- a mulher não deve querer ser homem porque fica masculina e perde doçura;
- a mulher não foi feita pela Natureza para a vida pública, mas para cuidar dos filhos, do marido e do lar, missão doméstica que a exalta;
- a mulher não deve corromper-se com a política, coisa geralmente suja…
Outros argumentos parecem mais tipicamente masculinos:
- a mulher tem um marido que o faz política por ela…;
- a mulher não tem um número significativo de representantes para que a lei se ocupe delas em especial, não porque não constitua uma larga parte da população, mas porque a população que importa no sufrágio (ainda na masculina) é a população que possui meios económicos de subsistência capazes de atestar uma hipotética independência intelectual…
No partido republicano, existe também um curioso grupo de comentadores que vê nas mulheres um corpo coletivo reacionário, incapaz de sair das opiniões conservadoras que lhe são formatadas pelos pais, pelos maridos ou pelos padres que as querem submissas. Também o argumento contrário se pode encontrar entre os partidos mais conservadores, A imagem da mulher republicana, maçónica, livre-pensadora, professora, às vezes ligadas a movimentos de espiritismo, colocava em causa a segurança do próprio lar…: representando o voto a evidência da sua autonomia financeira e intelectual, e ainda quando não estava para todos em causa o sufrágio feminino universal (cf., Esteves, 2014: 474 et passim), poder votar era, em geral, “poder ter” opinião crítica.
Acresce-se por fim a estes fatores – a complexidade das causas e dos efeitos dos fenómenos de reivindicação e a invisibilidade dos documentos que os podem comprovar – a inexistência da palavra “feminismo” antes do século XIX e a dificuldade da História em estudar o não nomeado.
A palavra "feminist" teria entrado em 1894 pela primeira vez no Oxford English Dictionary, e, em 1895, encontraríamos já o substantivo abstrato, "feminism" (v.g., Tandon, 2008: 1). A origem da palavra é francesa, mas a primeira edição de Littré (de 1863-1877) considera somente o verbo “féminiser”, com uma citação de Chateaubriand (Littré, online). Acreditam uns que a palavra foi inventada em 1837 por Charles Fourier, defensor da igualdade jurídica dos dois géneros: segundo Leslie F. Goldstein, teria sido depois divulgada pelos escritos da sufragista francesa Hubertine Auclert. Outros, com boas razões, contestam esta ideia-comum: é que não encontram a palavra “feminismo” ou“feminista” em qualquer texto de Fourrier. Geneviève Fraisse, desenvolvendo diferentes pistas de trabalho (de que já tinha falado aliás em 1984 e 1988), só encontraria a palavra num texto panfletário de Alexandre Dumas Filho, L’Homme-Femme, de 1872 (cf. Fraisse, 2010: 281). O autor d’A Dama das Caméliasverifica em alguns homens, nas franquezas amorosas de alguns homens que foram atraiçoados por mulheres, as mesmas características físicas dos doentes de tuberculose. Retomaria então o termo usado num estudo médico, Du Féminisme et de l’Infantilisme chez les Tuberculeux, publicado no ano anterior por Ferdinand-Valère Faneau de la Cour que detetara nos homens tuberculosos sinais de efeminação e infantilização: cabelo fino, pele macia, barba rala órgãos genitais mais recolhidos. A palavra “feminismo” (aplicada assim pela primeira vez aos homens) começa pois por ser conotada com a doença e a falta de virilidade, sendo certo que, no final do século XIX, como o testemunham os dicionários de língua francesa e inglesa, tem já o valor que em geral lhe é dado ainda hoje: em lato sensu, a ideologia em que as mulheres se definem, individual e coletivamente, como seres com direitos iguais aos homens.
Esta perspetiva médica porém, tem ainda origem no século XVIII, nos estudos médicos sobre a fisiologia feminina, continuados e sistematizados pela ciência positivista do século XIX. Em 1818, uma Dedução Filosófica da Desigualdade dos Sexos e dos seus Direitos Políticos por Natureza (assinada agora anonimamente por R. F. C.) atribui agora à Natureza o que antes do século XVIII era atribuído a Deus: a criação da mulher e de uma funcionalidade específica: a da maternidade, a do recolhimento do lar.
Talvez seja útil analisar os argumentos num livro que marcou grande parte do conhecimento médico sobre a mulher, com sucessivas edições ao longo do século XIX: Systhème de la Femme, de Roussel (1742-1802). Enquanto no homem os órgãos sexuais se encontram em exibição exterior, projetando a sua força criadora, os órgãos femininos são internos, descritos como receptáculos dessa força. O cérebro do homem, segundo medidas rigorosamente descritas, era também maior na generalidade dos homens com a mesma idade: ora sendo o tamanho do cérebro indicador da importância do raciocínio criativo, a mulher manter-se-ia num estado inferior de abstração. Tal argumento seria aliás corroborado pelos traços que mantinha em comum com a criança: enquanto os jovens machos, na puberdade, engrossavam a voz, aumentavam a quantidade de pelos e aumentavam a sua estatura, aa mulher permanecia em geral mais baixa, sem pelos e de pele lisa, com a voz ainda nos tons agudos das crianças. Tudo afinal batia certo na natureza: quando intelectuais, as mulheres eram emotivas; quando levadas pelo desejo sexual, eram histéricas, quando socialmente empenhadas, perdiam doçura de traços. Dando-lhe a natureza mole e fluida uma propensão para a ternura, desviava-a no mesmo grau da disciplina das ciências abstratas e da constância de algumas artes: (cf. Roussel, 1845: 43).
Assim, a nosso ver, não devemos negligenciar o papel legitimador que vai tendo o discurso masculino, sobretudo no século XVIII, na afirmação de igualdades jurídicas ao longo dos dois últimos séculos: ele é fruto de um entendimento cada vez mais alargado dos ideais iluministas, ainda que o tenha sido através de polémicas, aparentes avanços e aparentes recuos. A questão historiográfica não deve ser tanto a de quem diz e o sexo de quem diz, mas porque é que diz e como diz. Ao longo do século XVIII, a questão não teria sido aliás somente a de escritores-homens que falam sobre a consideração da igualdade dos sexos como questão simplesmente teórica (cf. Silva, 1983: 875-6). As questões teóricas raramente são somente teóricas: uma teoria é sempre, até na etimologia, um ponto de vista da realidade sensível, cujas implicações não podem deixar de ser práticas: teoriavem do grego “theoría”, "acção de observar, acção de ver uma festa" (cf. Pereira, 1969: 667). Por outro lado, é ao longo do século XVIII que encontramos uma parte significativa das polémicas abertas sobre a igualdade dos géneros, não tanto de autoria masculina, mas maioritariamente com intervenção feminina. Por muito consensual que fosse o texto de Talleyrand, o certo é que La Déclaration des Droits de la Femme et de la Citoyenne, da autoria de Olympe de Gouges, tinha sido redigida para influenciar o Rapport sur l'instruction publique. Incomodaram tanto ou tão pouco as suas ridículas ações que Olympe de Gouges se viu condenada à morte pelo mesmo poder revolucionário que a inspirara. Mas que mal haveria em alguém declarar (teoricamente) que toda a mulher nasce permanece livre e igual ao homem em direitos?
« Toute femme naît et demeure libre et égale à l’homme en droits; les distinctions sexuelles ne peuvent être fondées que sur l’utilité commune. […] La garantie des droits de la femme est pour l’utilité de tous et non pour l’avantage de celle à qui elle est accordée.» (Gouges, 1791, online).
E, em 1792, Anna Laetitia Barbauld, acentuaria ainda mais o tom do manifesto político, em tom que depois Marx imitaria cerca de meio século depois: “Yes, injured woman — rise, assert thy right!” (apud Ashfield, 1998, online).
Cremos que, na história do feminismo, há uma história a reescrever com mais frequência: a da “onda”/ “fase” setecentista, quando a consciência de ser mulher e a consciência de ser homem se começaram a cruzar. Um mundo que exige agora outras maneiras de ser homem. Em 1788, um autor como José Daniel Rodrigues da Costa, que tantas vezes satirizou os homens efeminados e as mulher masculinizadas do século XVIII, sonha ainda com um "século de oiro", o século XVI, em que tudo era império e armas, quando “Cobrião a cabeça os Portuguezes/ Com férreo capacete;/ Servia-lhes o arnez de sobretudo,/ De curta niza o chapeado escudo./ Huma buida cortadora espada/ De horroso pezo;/ E segundo das forças que prezumo,/ Davão pancadas que botavão fumo”(Costa, 1788: 8 e 10). Os tempos mudaram: exigem agora mais subtilezas. Sendo a mulher cada vez mais homem e o homem cada vez mais mulher, o “feminismo” andou entre um e outro sexo. Como também dirá depois, em 1819, outra personagem de José Daniel Rodrigues da Costa, os homens efeminados decorrem naturalmente de uma reorganização social que lhes exige novas funções e novas competências: saber usar da palavra e não somente da espada, mover-se num jogo de sedução que exige uma nova forma de ser marido ou pai, ou súbdito:
“Não duvido do que dizem; mas então cada homem era para sua cousa, hoje todos os homens são para tudo” (Costa, 1819: VII, 21).
O mesmo se dirá então e depois para as mulheres.
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POLÍTICAS DE GÉNERO NA EMIGRAÇÃO PORTUGUESA
Manuela Aguiar
1 - As políticas para a emigração portuguesa até meados do século XX limitavam-se praticamente ao controlo dos fluxos migratórios e, ao longo de séculos (se olharmos o fenómeno em sentido lato, por forma a abranger o êxodo que começou com a Expansão, o Império do Oriente, a colonização do Brasil), tiveram um carater sobretudo limitativo ou repressivo, atingindo mais as mulheres do que os homens. Foi sempre nítida a diferenciação de género, que discriminava fortemente o feminino, a ponto de podermos afirmar que a mais invariável das políticas de colonização e de emigração, no caso português, é a proibição geral da saída de mulheres.
Os normativos e as práticas em que se traduziu, sob uma capa do protecionismo, não parecem ter suscitado grande oposição pública, nem entre os populares nem a nível das elites sociais e políticas. Talvez o mesmo se possa dizer das próprias interessadas, embora saibamos que algumas quiseram partir com maridos ou pais e obtiveram a necessária autorização régia. E períodos houve de inflexão da estratégia dominante de povoamento e colonização através da miscigenação, da união incentivada ou permitida de portugueses com mulheres nativas. Foi o caso da colonização de casais, ensaiada em várias parcelas do Império, - nas ilhas do Atlântico, Angola, Brasil... - , ou de casamentos das "orfãs d'El- Rey", que iam do reino ao encontro dos maridos que lhes destinavam.
Destas relativamente poucas pioneiras da história da Expansão dá-nos Júlia Néry um retrato no seu romance "Da Índia, com amor -a extraordinária e desconhecida aventura das mulheres na Carreira da India" - um retrato, que para além do seu interesse literário, nos leva a pensar nas pessoas, jovens sujeitas aos perigos e incertezas de viagens sem regresso, à vida em comum com homens desconhecidos, em terras longínquas: o preço humano das políticas de Estado, numa leitura feminista.
Da literatura à ciência, o olhar retrospetivo sobre as políticas de género na colonização portuguesa, é, ou pode ser, igualmente negativo.
CR Boxer, historiador e especialista desta época, que abordou questões de género, mais ou menos negligenciadas por quase todos os outros, dedicou-lhes especial atenção numa série de palestras, publicadas, em 1975, com o título original de "Mary and Misoginy". Na tradução portuguesa, de 1977, o enfoque na misoginia perde-se completamente, num invólucro de contrastante neutralidade, que aponta apenas para "O papel da Mulher na Expansão Ultramarina Ibérica" Mas,de facto, em múltiplas passagens desta sua obra, Boxer não poupa críticas à situação das mulheres portuguesas, enclausuradas dentro de suas casas por pais ou maridos, tal como nas fronteiras do território por imposição estatal, ao invés com o que acontecia no resto da península.
É certo que Boxer compara, sobretudo, a colonização castelhana das Américas com a nossa presença no Império do Oriente, e que o número e proporção de mulheres envolvidas na edificação do Brasil, em condições de vida mais semelhantes às do reino, é bastante superior, como ele próprio não deixa de reconhecer. Contudo, a divergência fundamental persistia: a Coroa espanhola (ou castelhana) fomentava a colonização por famílias inteiras, enquanto a portuguesa barrava a partida das mulheres. Castela legislou, recorrentemente, sobre a obrigação de os homens chamarem as esposas para junto de si, ou regressarem ao Reino para fazerem "vida de casados". Preocupação humanista - ou feminista – que era central no plano de povoamento do Novo Mundo de fala castelhana, e servia, em simultâneo, outros obetivos essenciais, como o da expansão da língua e da cultura. Dimensão ausente nas preocupações dos monarcas portugueses, aparentemente insensíveis, tanto face à sorte das mulheres, quanto à sua importância na preservação dos costumes, formas de estar em sociedade, valores culturais.
O papel das mulheres na expansão ibérica que surge irmanado no título da edição portuguesa de “Mary and Misiginy” era, pois, muito diferentemente reconhecido pelas duas potências ibéricas que, então, dividiam o senhorio dos mares...
Com isso, ao longo dos tempos, desde o Século XVI, terão perdido as portuguesas, os portugueses e, igualmente, Portugal.
Como diz Lokchart, ao comparar as estratégias de colonização peninsulares:
[…] grandes regiões da América espanhola tinham mulheres em número suficiente para permitir manter intactas a cultura e tradições ibéricas, ao contrário do que aconteceu em muitos estabelecimentos portugueses, onde elas eram poucas ou nenhumas, e onde a língua, a religião e a cultura dos portugueses se reduziram drasticamente (Boxer, 1977:37))
Assim aconteceria, depois da partida dos navegadores portugueses por todo o Oriente, salvando-se alguns preciosos núcleos de lusofonia, que a pertença religiosa e através dela, laços culturais e afetivos vêm mantendo até hoje (pensemos, por exemplo, em Malaca, onde o próprio falar, originário da língua quinhentista, tomou a designação de “kristang” e vem sendo defendido contra o risco de extinção, por professores e dirigentes associativos locais, como Joan Marbeck (Marbeck, 2004), em ligação com universidades asiáticas, e com a Fundação Gulbenkian (Marbeck, (1).
O português manteve, como sabemos, o seu estatuto de “língua franca”, por quase um século, depois do declínio do império do Oriente. Mas isso revela-nos, essencialmente, que se tornara veículo de comunicação no mundo das transações comerciais, um mundo de homens.
Em muitos lugares da antiga presença lusa ficou a pedra dos monumentos, os apelidos dos descendentes dos navegadores, difusas memórias, porventura também afetos, potencialmente criadores de um espaço onde a lusofilia poderá renascer, como, na atualidade, só Adriano Moreira parece ter compreendido, com a convocação dos primeiros congressos mundiais de cultura portuguesa, nos anos 60 do século XX.(2)
2 - Se na própria colonização promovida pelo Estado o papel das portuguesas foi subavaliado e a sua inclusão contrariada, não era de esperar que o fosse menos na fase de emigração.
A marginalidade das mulheres na aventura da exploração dos mares e das terras teve a ver, como Boxer salientou, com uma tradição misógina que se manteve incólume, ao longo de 500 anos. Só ela explica a incompreensão do significado da componente feminina num projeto colonização, em que se visava implantar valores civilizacionais.
Não era esse o caso na emigração, vista apenas como meio de ganho material, sem se entrever a autêntica relevância social e cultural das comunidades nascidas de sucessivas vagas migratórias. Na verdade, poucos foram os que, como Afonso Costa, se deram conta da importância da chegada de tantos portugueses ao Brasil independente, para aí ajudaram a manter a matriz lusófona, numa nova situação de concorrência com outros povos europeus. Muitos o fizeram contra leis e políticas extensivas aos dois sexos, mas sempre mais permissivas para os homens. Porquê? Antes de mais, porque os Governos queriam garantir o envio de remessas para o país. O montante atingido por essas verbas– uma infinidade de pequenas poupanças que representavam grandes sacrifícios, a acrescer ao sofrimento da separação familiar dos dois lados do oceano – era de tal ordem, que delas dependia o equilíbrio da balança de pagamentos com o exterior.
A reunificação familiar significava o fim das remessas (divisas) e, em muitos casos, também o enraizamento em sociedades estrangeiras. As mulheres subvertiam, perigosamente, o fenómeno migratório. no sentido do não retorno, quer das pessoas, quer das divisas - um mal absoluto! Os académicos foram os primeiros a configurá-lo assim. O Prof. Afonso Costa, que não se opunha à emigração masculina, via na abalada de mulheres “uma depreciação do fenómeno migratório”, porque como reconhecia, falando do “emigrante – homem”[…] é quando a família fica na terra que ele envia mais regularmente as suas remessas”: (Costa, 1913: 182). O Prof. Emídio da Silva, outro grande especialista nesta área da investigação, partilhando o mesmo pensamento, escrevia, que a nova tendência de saída maciça de mulheres era “uma constatação tremenda” pelos perigos de “desnacionalização” e “cessação de remessas” (Silva, 1917: 132)
Fazedores de opinião, de políticas, numa avaliação puramente economicista das vantagens do “fenómeno migratório”...
Porém, não houve discurso, nem lei, nem autoridade que conseguisse estancar o êxodo (nem tão pouco, desviá-lo do destino brasileiro para as colónias que restavam). De facto, na primeira década do século passado, com o embaratecimento dos custos do transporte marítimo, aumentou substancialmente, a reunificação familiar no outro lado do Atlântico. As portuguesas e as crianças que as acompanhavam, constituíam cerca de 30% (um acréscimo de 107% nessa fase, segundo Emygdio. da Silva), percentagem, que, ao longo do século, aumentou, progressivamente, atingindo a quase igualdade na emigração intra europeia.
Apesar da proximidade geográfica, também para a Europa, os homens iam à frente, como dantes, mas, os tempos eram outros, com o reagrupamento familiar a ser facilitado, em nome de direitos humanos fundamentais, embora, em muitos países, as mulheres tivessem autorização de residência com um estatuto jurídico de dependência, que não lhes dava acesso ao trabalho – restrição que, porém, quase todas foram eficazmente torneando. E o trabalho salariado mudou o seu destino e, também, o das comunidades portuguesas. Com dois salários e um relacionamento mais igual e mais aberto com os outros, compatriotas ou estrangeiros, se avançou na boa integração do casal e dos filhos. (Leandro, 1995)
O mundo associativo refletia esta realidade, do mesmo passo que favorecia a recriação de espaços extra territoriais de língua e de costumes portugueses. A participação de mulheres, de famílias inteiras, transformou os clubes masculinos – muitos criados à imagem de tabernas ou cafés de aldeia - em verdadeiros centros de cultura popular, com o folclore, o teatro, o restaurante de sabores caseiros, o desporto, as escolas.
As mulheres contribuíram poderosamente para o enraizamento lá fora e, em grande número, como é sabido, resistem ao regresso, em maior sintonia com as segundas gerações (Ramos, 2009). Mas não se pode ignorar que, em contrapartida, são, sobretudo, elas as guardiãs da língua e da memória das origens, do espírito da Diáspora, em que, bem vistas as coisas, se continua, no povo e na cultura, uma segunda vida da Expansão
3 - A história das nossas políticas de emigração demonstra que mais facilmente mudaram os regimes do que as políticas, que praticamente se resumiam ao controlo e condicionamento dos fluxos de saída (sobretudo femininos), ao desígnio nacional de captação e exploração das remessas, e a uma constante falta de apoios no estrangeiro. Da monarquia tradicional à constitucional, do regime monárquico à Republica e desta à ditadura do "Estado Novo", neste campo, quase nada mudou. (1)
A revolução de 1974 foi a primeira das revoluções que teve uma significativa e imediata repercussão no domínio das migrações: com o reconhecimento da liberdade de circulação e de um estatuto de cidadania dos expatriados. A Constituição de 1976 veio proclamar a igualdade de direitos de ambos os sexos, impondo ao Estado o dever de criar as condições para a sua efetivação, nomeadamente no que respeita à participação na vida pública. Todavia, o organismo constituído para esse fim, uma comissão para a igualdade (designação genérica, que uso para serviços cuja denominação, ao longo das últimas quatro décadas, tem mudado com frequência) desenvolveu o seu trabalho, prioritariamente, dentro das fronteiras territoriais, sem articular ações com os serviços da Secretaria de Estado da Emigração, que, por seu lado, ignoravam a especificidade das situações das migrantes - só muitos anos depois, num caso exemplar, mas esporádico (a organização de cursos de formação profissional para mulheres, após a nossa adesão à CEE), suscitaram a colaboração da comissão da igualdade (Paiva.2005:14).
Omissão constante, num período em que as fronteiras se fecharam aos ingressos de homens trabalhadores e se abriam, apenas, às mulheres, para reunião familiar, em que muito se falava de "feminização" da emigração e de "dupla discriminação" das emigrantes, mas nada se fazia, no plano governativo, perante o manifesto descaso dos movimentos da sociedade civil por estas questões. Aliás, o desinteresse vem de trás: os movimentos feministas, do início do século, nunca olharam, solidariamente, as mulheres das Diásporas (Aguiar, 2008: 1248); o associativismo feminino das nossas comunidades, mais voltado para meritórias obras de beneficência, à maneira convencional, foi tradicionalmente pouco sensível a reivindicações sufragistas e à urgência do“empoderamento” das mulheres; o movimento associativismo misto na emigração, dirigido quase exclusivamente por homens. nunca deu voz às mulheres, nem curou daa especificidades da sua situação.
O Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), criado em 1980 e eleito dentro do universo associativo (incluindo os meios de comunicação social), veio evidenciar essa realidade - pela total ausência de mulheres eleitas no 1º Conselho, e, também, pela inexistência de recomendações que lhes dissessem respeito. Uma segunda eleição, em 1983, trouxe ao CCP duas jornalistas, Maria Alice Ribeiro, de Toronto, e Custódia Domingos, de Paris. Fica a dever-se à Conselheira do Canadá a proposta inédita de convocação de um encontro mundial de mulheres migrantes, para delinear políticas com a componente de género. O encontro teve lugar em Viana do Castelo, em Junho de 1985, com a presença de portuguesas que se dedicavam ao jornalismo e ao associativismo (as duas componentes do CCP).
Aí, as participantes (selecionadas pelo curriculum e pela apresentação de comunicações) procederam a um vasto levantamento de situações e de potencialidades, falando não só de si próprias, mas das comunidades como um todo e do seu futuro. No fim, apresentaram recomendações e fizeram propostas -tornando a reunião numa espécie de CCP no feminino e manifestando a intenção de constituir uma organização internacional feminina da Diáspora. Como quiseram salientar, Portugal tornara-se com este congresso, que foi patrocinada pela UNESCO, um país pioneiro, pois e, no respeitante a políticas de“empoderamento” das mulheres, antecipara em 10 anos uma das principais recomendações da IV Conferência das Nações Unidas (Rego, 2012:96)
Para implementar as principais recomendações do 1º Encontro e dar seguimento à audição das migrantes, a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas decidiu instituir, em 1987, uma "conferência para a participação das mulheres" a funcionar, periodicamente, na órbita do CCP (3).
A queda do governo, nesse ano inviabilizou a sua implementação, tal como o funcionamento normal do CCP, que viria a ser extinto. A experiência pioneira começada em Viana foi interrompida, num interregno de mais de duas décadas.
4 - Em 1993, algumas das intervenientes do Encontro de Viana instituíram, em Lisboa, com um projeto transnacional, a "Mulher Migrante, Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade - uma ONG inspirada na experiência de 1985, que veio despertar a consciência para o facto do vazio de atuação pública, e para a necessidade de diálogo e de cooperação Estado - sociedade civil, neste domínio. Em 1995, a nova Associação convocou um congresso mundial, com centenas de participantes dos cinco continentes - o maior e mais mediático até hoje reunido no país - sob o lema "Diálogo de gerações"Contudo, nos anos que se seguiram, a cooperação estabeleceu-se, sobretudo, com as comissões para a igualdade, perante o desinteresse da SECP face à questão feminina, se não face à geracional - sendo certo que sobrevalorizou, sempre, a componente da juventude (4).
A rotura com esta tradição de indiferença, por parte da SECP, verifica-se no ano de 2005 e fica, de algum modo a dever-se, a uma proposta apresentada pela AEMM ao SECP Dr António Braga - para o recomeço do diálogo com as mulheres da Diáspora, decorridos, precisamente, 20 anos sobre a data do 1º Encontro mundial.
António Braga imprimiu ao projeto um desenho original: as ações de mobilização ficariam diretamente a cargo das ONG’s, em parceria com o governo, e seriam realizadas em diferentes regiões do mundo, só depois convocando um congresso mundial.
Os “Encontros para a Cidadania – a igualdade entre homens e mulheres” foram, assim, da responsabilidade da associação” Mulher Migrante “, em estreita colaboração com associações das comunidades em cada uma das regiões - América do Sul (Buenos Aires, 2005), Europa (Estocolmo, 2006), América do Norte, costa leste (Toronto, 2007), na África (Joanesburgo, 2008), e América do Norte, costa oeste (Berkeley, 2008). Em 2009. realizou-se o Encontro internacional (em Espinho,) com a participação de relatoras de cada uma das reuniões regionais. (Aguiar, 2009:33-44).
Em todas as reuniões, estiveram envolvidas as missões diplomáticas portuguesas e instituições privadas (a Associação da Mulher Migrante Portuguesa da Argentina, a Federação das Associações de Mulheres Lusófonas (PIKO), na Suécia, a associação "Working Women" e outras, no Canadá, a Liga das Mulheres Portuguesas na África do Sul, as professoras portuguesas do Departamento de Estudos Europeus da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos EUA).
O governo esteve sempre presente, através de António Braga, Secretário de Estado das Comunidades, ou Jorge Lacão, Secretário de Estado da Presidência, (com a tutela da comissão para a igualdade). Um paradigma baseado numa dupla parceria: entre Estado/ Sociedade Civil e entre as Secretarias de Estado que tutelam os serviços de emigração e a comissão da igualdade.
Em 2005, em Buenos Aires, António Braga manifestava a intenção de retomar nas políticas públicas "a questão de género que tem andado esquecida ao longo dos anos"; Jorge Lacão, no Encontro de 2006 e na Conferência para a Igualdade em Toronto, assumia que o dever constitucional imposto ao governo de promover a igualdade entre mulheres e homens se estende ao espaço da emigração, dizendo que: “No seu programa, o XVII governo português comprometeu-se a estimular a participação cívica dos membros das comunidades portuguesas, tendo como princípio orientador a Igualdade de Oportunidades entre todos os portugueses e todas as portuguesas, nomeadamente a igualdade de género, independentemente de serem ou não residentes em Portugal" Reconhecia, também, que a igualdade de género ganhara o seu lugar central, “através da transversalização da perspetiva de género em todas as áreas prioritárias de política social, económica e cultural (gender mainstreaming), ao qual se associam medidas de carater positivo onde persistem notórias assimetrias de género”.(Lacão, 2009:9)
Era esse, incontestavelmente, o caso da (não) participação igualitária no mundo associativo da Diáspora, que, persiste na maior parte dos países de destino, mesmo em sociedades estrangeiras, onde a integração foi não só conseguida como impulsionada pelas mulheres (Ramos, 2009:49). Daí que o foco do programa para a igualdade em 2005/2009 incidisse nas questões de cidadania, de inclusão no plano da intervenção cívica e política, da liderança do movimento associativo.
O CCP, órgão de diálogo sobre definição de políticas de emigração onde as mulheres nunca estiveram em número e posição igual, tornou-se o alvo da primeira aplicação da "Lei da Paridade", voltando a ser figurante da história das políticas de género, apesar dos resultados da aplicação da Lei na sua composição e funcionamento terem sempre, até hoje, ficado aquém das metas da paridade (5)
Um novo passo significativo foi dado na Assembleia da República com o debate e a aprovação da Resolução nº 32/2010 sobre a igualdade de género na emigração. Nunca antes o parlamento português se debruçara sobre esta problemática, instando o governo a ação imediata e continuada, apontando a via da cooperação estreita entre Estado e ONG's das comunidades, fazendo do "congressismo" - colóquios, debates, jornadas de reflexão - um dos instrumentos privilegiados de sensibilização para a igualdade.
O XIX governo constitucional, com o Secretário de Estado Dr. José Cesário (que, na qualidade de deputado, havia sido o autor da referida proposta de recomendação), seguiu as linhas estratégicas contidas na Resolução, com isso, retomando o fio condutor das políticas do Executivo anterior, renovando parcerias com as ONG’s do país e do exterior. Os congressos mundiais de 2011 (na cidade da Maia) e de 2013 em Lisboa, no Palácio das Necessidades, alternaram com encontros e debates em comunidades europeias e transoceânicas, em alguns casos envolvendo a co-organização com prestigiadas universidades, dentro e fora de Portugal, pondo em contacto e interação dois mundos que nem sempre convivem facilmente, o associativo e o político com o académico, cuja colaboração é essencial à definição de políticas que acompanhem as transformações da realidade a que se aplicam, dando ao saber a melhor utilização prática. A maior visibilidade das migrações femininas depende em larga medida dessa cooperação. E, antes do mais, da tomada de consciência pelas mulheres migrantes da importância de viverem a igualdade nas comunidades do estrangeiro. Por outras palavras, do seu “empoderamento”.
Conclusão:
Nesta breve exposição, centramos a atenção nas políticas do Estado, em séculos de discriminação das mulheres (ou de descaso) e numa década singular, norteada pela ideia da igualdade e pelo acento numa cultura de diálogo, usando o que chamamos “congressismo” como instrumento insubstituível, por um lado, para a compreensão de uma realidade em constante mudança (redimensionada por novas migrações em massa, incluindo as femininas, cada vez mais heterogéneas e dispersas geograficamente), e, por outro lado, para a expressão de projetos próprios da sociedade civil, que cabe ao Estado potenciar com os seus meios, e não dirigir com os seus ditâmes.
Assim aconteceu ao longo dos últimos dez anos, numa linha de continuidade que resistiu à alternância democrática de governos. Um tempo demasiadamente curto para falarmos de enraizamento de uma tradição, mas já suficiente para criar a expetativa de que isso venha a acontecer, num contexto europeu e nacional de crescente sensibilidade para as questões de género.
Notas
(1) Joan Margaret Marbeck foi bolseira da Gulbenkian, e contou com o apoio da Fundação para publicações sobre o “kristang”, uma fala em risco de se perder, como expressão de uma comunidade euro asiática, luso malaia, da qual é é uma dinâmica dirigente
(2) Adriano Moreira, na qualidade de presidente da Sociedade de Geografia, tomou a iniciativa de convocar e organizar dois Congressos das Comunidades de Cultura Portuguesa, que constituíram as primeiras grandes reuniões do mundo lusófono, unido pela Cultura – tornando-se um verdadeiro precursor da CPLP
(3) Foi o CCP que aprovou uma recomendação para a criação de várias conferências – para o ensino, a juventude, os assuntos económicos - não, porém, a destinada a incentivar a participação das mulheres, a única que foi acrescentada àquela lista, por iniciativa do próprio Governo
(4). Algumas das poucas iniciativas tomadas pelo CCP, neste campo, foram muito importantes, mas circunscreveram-se ao nível local, com destaque para o Canadá, EUA e Uruguai.
No Canada, o coordenador do CCP, Conselheiro Manuel Leal, promoveu uma série de seminários e ações de sensibilização para a igualdade, acompanhado, sobretudo, pela Conselheira Maria Alice Ribeiro. Nos EUA, foi a Conselheira Manuela Chaplin quem desenvolveu algumas ações semelhantes, com o apoio do coordenador do CCP neste país, conselheiro João Morais. Na América do Sul distinguiu-se o Conselheiro Luís Panasco Caetano, que representava o Uruguai e um conjunto de outros países com pequenos núcleos de portugueses, e mantinha contactos estreitos com o movimento associativo no sul do Brasil e Argentina (é um dos históricos organizadores dos “Encontros do Cone Sul”).. Em vários desses países, foi ele que diligenciou uma multiplicidade de encontros informais, visando o envolvimento das mulheres no associativismo, em colaboração com a associação “Mulher Migrante”
(5), Fernanda Ramos, viúva, mãe de nove filhos, empresária em Minas Gerais tinha um excecional curriculum associativo, era conhecida em todo o Brasil e foi a primeira mulher a presidir ao “Elos Clube Internacional”das comunidades lusíadas.
BIBLIOGRAFIA
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