terça-feira, 1 de junho de 2021
"Associação Mulher Migrante - um trajeto de 25 anos" in "FACES DE EVA"
Maria Manuela Aguiar
Espinho | Portugal
Email: onlinemulhermigrante@gmail.com
A ASSOCIAÇÃO "MULHER MIGRANTE" - UM TRAJETO DE 25 ANOS
Setembro de 2020
ORIGENS
A "Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade" (AMM) nasceu, indiretamente, do diálogo entre governo e movimento associativo, representado no Conselho da Comunidades Portuguesas (CCP), que, na década de 80 do século passado, foi o principal destinatário das políticas públicas designadas por "políticas de reencontro".
No primeiro processo eleitoral, em 1981, os membros eleitos e jornalistas, que o compunham, cerca de sessenta, eram todos homens. No segundo, em 1983, apenas duas mulheres, oriundas da quota de jornalistas, tiveram assento num órgão, que espelhava a real desigualdade de sexo no universo comunitário. Bastou, porém, uma conselheira, a jornalista Maria Alice Ribeiro do Canadá, para fazer a diferença, com a proposta de convocação de um congresso de mulheres da diáspora, onde pudessem ter a presença e a voz que lhes faltava no CCP. A Secretaria de Estado da Emigração deu sequência à recomendação, através do "1º Encontro de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo", que foi patrocinado pela UNESCO e teve lugar em junho de 1985, na cidade de Viana do Castelo. Esse feito tornou Portugal país pioneiro na Europa e no mundo, "antecipando em dez anos os esforços das Nações Unidas para o empoderamento das mulheres na sociedade e na política" (Cunha Rego cit. por Aguiar et al., 2015: 24). Daquele 1º Encontro, cheio de ensinamentos, ressaltaram duas conclusões: a intenção de criarem uma organização transnacional, que lhes desse força coletiva, e a proposta de institucionalização do diálogo com o governo, através de mecanismos de audição periódica. Em 1987, foi instituída, na órbita do CCP, com esse propósito, a "Conferência para a Participação e Promoção das Mulheres Portuguesas no Estrangeiro", que, contudo, viria a ser inviabilizada pela queda do governo. Do lado da sociedade civil, tardou a idealizada instância internacional. Só em 1993 seria fundada a Associação "Mulher Migrante", que se apresentou como herdeira daquele projeto contemporâneo da génese das políticas para a igualdade na emigração, em cujo relançamento seria chamada a cooperar, estreitamente, vinte anos depois.
SINGULARIDADES
A Associação tem por finalidades estatutárias aquelas que a sua própria designação sintetiza: o estudo da problemática das migrações femininas, a cooperação com mulheres profissionais e dirigentes de associações portuguesas no estrangeiro ou imigrantes, o apoio à intervenção das mulheres nas sociedades de acolhimento, em todos os domínios, e o “combate a ideias e movimentos xenófobos” (Gomes cit. por Aguiar et al., 2014: 46), a que dá especial destaque na sua divisa: “Nenhuma pessoa é estrangeira numa sociedade que vive os Direitos Humanos”.
No universo associativo feminino da diáspora, ao tempo quase exclusivamente dominado por preocupações sociais e culturais (beneficência, solidariedade, defesa da língua e das tradições), a AMM vinha colocar a ênfase em questões de cidadania, o que era, “de per si”, uma singularidade. E várias outras podia, à nascença, reclamar, como o ser: sediada no país, e voltada, fundamentalmente, para a diáspora feminina; partilhada por mulheres e homens feministas (no sentido em que Ana de Castro Osório falava de feminismo, como “humanismo integral”); formada por emigrantes (integrando cerca de um terço do total de participantes no Encontro de 1985) e não emigrantes; mediadora de universos associativos heterogéneos, em especial, o feminino, o jovem, o sénior, e o meio académico, através dos quais combinava a vertente de estudo e de intervencionismo social.
Ao longo de 25 anos de atividade, a AMM tem sido um “forum” interassociativo de reflexão e debate e com esse perfil revelou as suas virtualidades logo num primeiro empreendimento, o congresso mundial de 1995, ao trazer a Espinho cerca de 400 participantes, mulheres líderes de comunidades dos cinco continentes, políticos, jornalistas, funcionários da administração pública, grandes nomes da comunidade científica. Um “encontro de mundos”, que raramente se aproximam e dialogam, de igual para igual. O paradigma de inúmeras reuniões em que prosseguiria o escopo de lançar sobre o fenómeno da emigração um olhar inclusivo da metade feminina, pela via do “congressismo” capaz de repensar estratégias e desencadear dinâmicas de mobilização para a mudança.
No seu percurso, distinguiremos duas fases:
- A década 1995/2005, no seguimento do congresso de Espinho, é caraterizada pela expansão da rede de delegações e de congéneres no estrangeiro e pela militância no interior do país, em colaboração com a CIDM e o Alto-Comissário para as Minorias Étnicas, e, também, com autarquias, paróquias, escolas, dividindo a atenção entre o evoluir da situação na diáspora, e os problemas sociais da chamada “nova imigração” (do leste europeu), assim como do regresso em massa de emigrantes, que, para as mulheres, significava, quase sempre, regressão, perda do estatuto de independência económica, ganho lá fora.
- A partir de 2005, numa “segunda vida”, a AMM alarga a sua ação fora de fronteiras, crescentemente envolvida na planificação de medidas destinadas a motivar mulheres e homens para as questões da igualdade, “de motu próprio”, em conjunto com outras ONG’s, ou sob patrocínio do Governo, num período em que começava a dar cumprimento ao Plano Nacional para a Igualdade nas comunidades do estrangeiro.
CONGRESSISMO NA DIÁSPORA
(Os “Encontros para a Cidadania” e os Congressos Mundiais de Mulheres Migrantes).
Guardiã da memória do “1ºEncontro”, a Associação “Mulher Migrante” propôs ao Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, no seu 20º aniversário, a comemoração da efeméride, com um novo congresso mundial. António Braga aceitou a ideia, integrando-a, na execução do Plano Nacional para a Igualdade, com ações faseadas ao longo do mandato, patrocinando não um evento isolado, mas um renascimento do congressismo, e instando a AMM a converter-se em “parceiro privilegiado para o desenvolvimento de políticas de género” (Aguiar e Aguiar, 2009: 109).
Entre 2005-2009, decorreram nas grandes regiões de emigração os “Encontros para a Cidadania - a Igualdade entre Mulheres e Homens”, articulados com as políticas transversais traçadas, neste domínio, para o país e, pela primeira vez, aplicadas a todas e todos os Portugueses “independentemente de serem ou não residentes em Portugal” (Lacão cit. por Aguiar e Aguiar, 2009: 11). Com a Presidência de Honra de Maria Barroso, a presença do governo (Jorge Lacão e António Braga) e das dirigentes da Associação "Mulher Migrante", a organização local foi confiada a associações femininas - a AMM da Argentina, na América do Sul, a Federação de Mulheres Lusófonas, na Europa, a Cônsul-Geral de Toronto, Maria Amélia Paiva, coadjuvada por uma comissão de associações femininas luso-canadianas, na costa Leste da América, Deolinda Adão, professora da universidade de Berkeley e representante da AMM, na costa Oeste, a Liga da Mulher, na África do Sul.
Em 2009, o “Encontro dos Encontros” em Espinho, procedeu, a partir da explanação das relatoras de cada reunião regional, ao balanço global e à propositura de futuras iniciativas, que, com a coordenação da AMM, numa linha de continuidade e num crescendo de ritmo, seriam prosseguidas, entre 2011 e 2015, pelo novo Secretário de Estado José Cesário. Em 2011, na Maia, o III Encontro Mundial traçou o panorama de um século de migrações femininas e as perspetivas do seu devir, começando por evocar o exemplo de Maria Archer e Maria Lamas, rostos do movimento feminista, que com elas sobrevivera no país e se exilara no Brasil e na França. No ano seguinte, a AMM, entre outras temáticas, dedicou um ciclo de colóquios ao associativismo da geração mais velha, com a divulgação da excelência do modelo português de “universidades” ou academias seniores, maioritariamente animadas por mulheres. Em 2013, o IV Encontro Mundial, realizou-se no Palácio da Necessidades, sublinhando, em especial, novas expressões da cidadania, ou seja, aprofundando o domínio em que ao Estado incumbe a promoção da igualdade, e às pessoas a sua projeção no quotidiano. Em 2014, numa série de conferências e colóquios, em parceria com associações e universidades (e.g., Berkeley, San José da Califórnia, Toronto, Sorbonne, CEMRI/Universidade Aberta), olhou-se para “40 anos de migrações em liberdade”, a partir da revolução de 1974, vista, neste campo, como a única verdadeira revolução portadora da liberdade de emigrar e de um primeiro estatuto de cidadania dos expatriados, constitucionalmente consagrado para mulheres e homens, embora, de facto, não vivido ainda em plena igualdade.
Na última legislatura, apesar de ter sido adiado o V Encontro Mundial, nos habituais moldes de co-participação com o governo, manteve-se a relação de trabalho em formas de “congressismo”, que atingiram novas audiências - conferências sobre personalidades inspiradoras como Maria Archer, Maria Lamas, Maria Barroso, Ruth Escobar, Natália Correia, figuras nacionais, assim como outras das próprias comunidades, caso de pioneiras do “Encontro de Viana” Malice Ribeiro, Manuela Chaplin, Benvinda Maria, Mary Giglitto, Laura Bulger, Berta Madeira. Em simultâneo, foi relançada a programação dos “ateliers da memória” e “narrativas de vida”, que visavam retratar trajetórias de mulheres de várias gerações, para além do círculo das mais notáveis. O mesmo se diga do ciclo de colóquios sobre “Ação e representação das mulheres na média”, organizados nas Universidades de Dartmouth Massachusetts, Rutgers, Newark, e em Toronto.
No seu constante esforço de concertação com múltiplas formas de associativismo, a AMM tem apostado na composição paritária das sessões, levando o debate sobre a reconfiguração dos papéis de género a cenários improváveis, onde, como a experiência comprova, tem perfeito cabimento - da agenda cultural dos festejos do 10 de junho e dos Encontros dos Portugueses do Cone Sul da América às comemorações do Dia da Comunidade Luso- Brasileira e a Bienais de Artes Plásticas (e.g., a Bienal de Espinho, e a de Gaia, que, em 2019, se considerou “uma Bienal de causas”). Nem por isso desvaloriza quaisquer manifestações de ativismo feminino, ONG's (nas quais se incluem as suas delegações e associações filiadas, com autonomia e percursos próprios, de que a associação matriz muito se orgulha), ou movimentos com os quais tem somado colaborações. Levar o associativismo feminino da periferia, onde estava tradicionalmente deslocado nas comunidades, para o centro de influência e cooperação é um passo decisivo em direção à meta da igualdade.
Nas últimas eleições para o CCP, a fraca proporção feminina, não obstante se lhes aplicar a Lei da Paridade, veio confirmar quão longe, na esfera do associativismo, estamos dessa meta! Contudo, neste quadro geral dececionante, a inesperada vitória eleitoral das dirigentes das Associações “Mulher Migrante”, na Argentina e na Venezuela, deu um sinal inequívoco da importância do congressismo de pendor cívico, que a AMM tem privilegiado.
Aqui deixamos o breve apontamento de momentos chave de uma caminhada, do impulso que a move e do modo como fez valer as suas causas nas circunstâncias que, em tempos irrepetíveis, se lhe ofereceram. Não procedemos à enumeração de um longo rol de publicações e realizações, nem individualizamos as associadas que foram construindo o seu pensamento. Salientaremos, apenas, o nome de Rita Gomes, que, por largos anos, encabeçou e sustentou o projeto e com ele se identificou. É um projeto em que cabem todas as mulheres migrantes, como verdadeiras construtoras de pontes entre nações e culturas - um todo feminino complexo e heterogéneo, que a história da emigração, padronizada no masculino, sempre ocultou, mas que, na realidade, se têm emancipado pelo trabalho e pela abertura à modernidade em sociedades mais igualitárias.
Referências bibliográficas:
Aguiar, Maria Manuela; Guedes, Graça; e Santiago, Arcelina [coord.] (2015). Entre portuguesas. Ed. Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, Lisboa/Espinho: Associação Mulher Migrante.
Aguiar, Maria Manuela; Guedes, Graça; e Santiago, Arcelina [coord.] (2014). 1974-2014. 40 anos de Migrações em Liberdade. Ed. Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, Lisboa/Espinho: Associação Mulher Migrante.
Aguiar, Maria Manuela e Aguiar, Maria Teresa [coord.] (2009). Cidadãs da Diáspora. Ed. Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, Lisboa/Vila Nova de Gaia: Associação Mulher Migrante.
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