sábado, 3 de março de 2012

Maria da Conceição Ramos TRABALHO E EMPREENDEDORISMO SOCIAL DA MULHER PORTUGUESA DA DIÁSPORA

Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas na Diáspora
24-26 de Novembro de 2011

Professora Doutora Maria da Conceição Pereira Ramos
Universidade do Porto – Faculdade de Economia
e CEMRI – UAb
e-mail: cramos@fep.up.pt


Comunicação

Trabalho e empreendedorismo social da mulher portuguesa na diáspora

Resumo

A constituição de uma grande diáspora portuguesa e feminina é visível na sua forte representação nos países de acolhimento, onde o trabalho é uma dimensão essencial de autonomia, de integração e de socialização.
Os portugueses imigrantes, homens e mulheres, no passado e no presente, denotam capacidade de organização, de liderança e de comprometimento em organizações de voluntariado, de ordem associativa, organizações sem fins lucrativos, pertencendo ao terceiro sector, à economia social e solidária.
O conjunto de iniciativas socioculturais e político-cívicas (ensino da língua, promoção e divulgação da cultura portuguesa, apoio social, assistência jurídico-informativa, ….) ajudam na integração social dos migrantes e na aproximação e visibilidade da comunidade.
Assinale-se a importância do trabalho das mulheres migrantes, muito dele voluntário, e do seu empreendedorismo para o sistema económico e a solidariedade social. Estas mulheres são agentes de mudança e de desenvolvimento nos países de origem e de acolhimento, onde a sua participação contribui para o aumento da cidadania e da coesão social.



“E aonde chegue um emigrante lusíada chega uma criatura convivente, prestante, diligente e influente, que concilia, congrega, desbrava, cria riqueza, funda instituições benemerentes, semeia humanidade. E chegam sempre portugueses aos mais recônditos confins do globo, de saquita ao ombro e de cordialidade na voz e na alma”.

Miguel Torga, Diário XV, Círculo de Leitores, 2001, p. 1471-1472.


1 – Trabalho das mulheres migrantes e intercâmbios culturais e económicos

Os migrantes, homens e mulheres, têm uma importância fundamental na diáspora de Portugal no mundo, seja pelo seu número, seja pelo papel activo que desempenham no mercado de trabalho, nas redes sociais e associativas, na economia e desenvolvimento dos países de acolhimento e de origem. A constituição de uma grande diáspora portuguesa e feminina é visível na forte representação atingida nos países de acolhimento, onde o seu trabalho é uma dimensão essencial de integração e de socialização.

Importância das mulheres portuguesas nalguns países europeus

Países Nº Portugueses % mulheres
Reino Unido (2009) 96 000 50%
Bélgica (2007) 29 800 49%
França (2007) 491 000 47%
Alemanha (2009) 205 300 46%
Suíça (2009) 205 300 45%
Holanda (2009) 15 400 45%

Fonte: OCDE (2011)


A França e a Alemanha são países de emigração mais antiga, sobretudo a partir dos anos sessenta do século XX, onde os fluxos migratórios já estão consolidados, existindo “segundas” e “terceiras” gerações de migrantes (Ramos, 1999). No Reino Unido e na Suíça, os fluxos de mobilidade são mais recentes e as “segundas” gerações são ainda jovens.
No ano de 2011, as estimativas referem que terão saído 120 mil cidadãos de Portugal. Imperativos de ordem económica e profissional determinam a grande parte destes movimentos migratórios. O aumento da emigração dos mais qualificados ao nível mundial é uma tendência dos últimos anos (Ramos, 2008b). Cerca de 20% dos licenciados portugueses emigram (Docquier e Marfouk, 2006). Actualmente, uma parte significativa desta emigração ocorre no espaço da livre circulação da União Europeia e assume uma lógica temporária e não definitiva, mas também assistimos à descoberta de novos destinos extra-europeus, como o Brasil e Angola. Engenheiros, arquitectos, gestores, face à recessão do sector da construção, começam a dirigir-se para estes destinos mais distantes, onde a oferta de emprego é grande. Enfermeiros, farmacêuticos e médicos-dentistas, por exemplo, têm na Europa o destino privilegiado, estando as mulheres fortemente representadas nestes novos fluxos, nomeadamente associados à saúde e à educação.
Existe uma procura do trabalho feminino na economia global, tanto para actividades mais qualificadas, como menos qualificadas, nas novas tecnologias, na saúde, na educação, nos serviços pessoais e sociais, nomeadamente para o trabalho doméstico e de enfermagem (Ramos, 2009, 2011a). A feminização das migrações internacionais é uma das principais características da nova era das migrações. As mulheres representam 53% dos migrantes na Europa, a taxa mais elevada em relação aos outros continentes (OSCE/OIM/OIT, 2006).
Da análise da emigração portuguesa, constatamos que a emigração feminina transforma a natureza do projecto migratório, reconvertendo-o de temporário em definitivo, ou em mais prolongado. O panorama não se alterou significativamente, até à segunda metade do século XX. É visível o elevado grau de masculinidade na saída de portugueses no período de 1955 a 1974 e incremento da emigração familiar de 1970 a 1974 (Arroteia, 1983; Ramos, 1990). A feminização das migrações ganhou visibilidade no seguimento do choque petrolífero de 1973-74, com as alterações no mercado de trabalho e a reunificação familiar. A família assume um papel determinante no projecto migratório, seja na integração no país de acolhimento, seja na decisão de regresso a Portugal.
A capacidade de decisão e de intervenção das mulheres migrantes portuguesas, bem como o papel activo que desempenham ao nível económico, social e cultural, tem vindo a aumentar. O trabalho, a educação, as competências linguísticas e multiculturais, e a dupla nacionalidade são factores importantes para a integração e a participação cidadã nos países de acolhimento e de origem (Ramos et al, 2007).
Existe heterogeneidade de situações no que respeita à inserção das migrantes portuguesas em diferentes sociedades, sejam de emigração recente ou antiga, sejam mais favoráveis ao emprego e ao empreendedorismo do que outras. No Brasil, por exemplo, os imigrantes portugueses estabeleceram-se nas áreas urbanas e dedicaram-se às actividades comerciais, estando as mulheres portuguesas e o seu trabalho representadas em diferentes estudos (Boschilia, 2005; Pascal, 2005). A importância das mulheres migrantes nos serviços, especialmente trabalho doméstico (Cox, 2006), nomeadamente das mulheres portuguesas, na Europa, é uma realidade (Ramos, 1990, 2009).
As taxas de actividade das emigrantes portuguesas nos países de acolhimento são muito elevadas, superiores às da população residente, autóctone e estrangeira, e a experiência migratória permite-lhes adquirir novas competências. Estando afectadas a serviços pessoais e sociais, têm resistido melhor do que os homens ao contexto de crise actual no mercado de trabalho (OCDE, 2010, 2011), dado que o emprego das mulheres se situa em sectores (sociais e serviços domésticos, por exemplo) que não sofreram tanto com a crise económica. É possível também que as mulheres migrantes tenham aumentado a sua participação no mercado de trabalho, a fim de compensar as perdas de rendimentos dos homens migrantes.
Assinale-se, no entanto, a importância das mulheres migrantes entre os trabalhadores com modalidades atípicas, temporárias e precárias de emprego, onde acumulam algumas discriminações, ocupando mais frequentemente do que as autóctones empregos para os quais são sobrequalificadas e sendo mais afectadas pelo desemprego (Ramos, 2010). É escassa a informação sobre as condições de trabalho das pessoas imigrantes e o efeito que têm sobre a saúde. A invisibilidade das condições de trabalho das mulheres no sector doméstico é um exemplo. Natália Ramos (1993, 2009, 2010, 2011) tem analisado algumas das questões que se colocam à família e à mulher trabalhadora e mãe imigrante em contexto migratório, e às politicas públicas a implementar visando a sua integração, saúde e desenvolvimento.
Nos países de acolhimento, o trabalho das mulheres migrantes é essencial na área dos serviços, verificando-se uma mobilidade ascendente das “segundas” e “terceiras” gerações, nomeadamente através do acesso ao sector público e às actividades mais qualificadas e por conta própria. A inserção laboral das mulheres migrantes é um factor fundamental de autonomia, rompendo muitas vezes com o controlo patriarcal e a situação de “doméstica” antes da emigração, mas é igualmente um factor de socialização e de ajustamento a valores da sociedade de acolhimento, importantes para a integração e o exercício da cidadania.
Há que destacar os projectos de vida das “novas gerações de migrantes”, relacionados com a sua integração social, cultural, laboral e política, nas sociedades de acolhimento e no quadro da União Europeia e dos novos direitos de cidadania (Ramos, 2003b, 2004, 2005, 2007; La Barre, 2006). Os conhecimentos multiculturais e linguísticos abrem novas perspectivas de emprego às gerações descendentes de portugueses, no quadro da globalização. Neste sentido é pertinente estudar os novos comportamentos de mobilidade e a interacção país de origem/país de acolhimento. Os “novos trabalhadores globais” incluem as populações migrantes, necessárias à eficácia económica. Para as empresas, num contexto de globalização, ter pessoal qualificado, capaz de trabalhar em diversos ambientes culturais e em constante mobilidade, é um factor de competitividade. A internacionalização da economia portuguesa passa pela disponibilidade no mercado de trabalho de recursos humanos, tendo este potencial linguístico, cultural e profissional (Ramos, 2003a).
As mulheres migrantes ganham independência, empoderamento e qualificações, no projecto migratório, tendo um papel decisivo na gestão do orçamento familiar e das poupanças. A sua capacidade empreendedora e o peso crescente no envio de remessas financeiras para Portugal, é evidente. As mulheres migrantes contribuem, cada vez mais, para essas remessas, as quais trazem vantagens para o país de origem, no plano social, educativo e sanitário (Martin, 2007; Ramos, 1990, 2003a). A sua capacidade de poupança e de gestão são importantes contributos para a economia familiar e o desenvolvimento, recomendando a ONU às autoridades bancárias, que foquem a sua atenção nas mulheres migrantes, nas suas remessas e apoiem o seu empreendedorismo. Como constatamos (Ramos, 1990), no estudo da emigração portuguesa em França, a contribuição financeira da mulher é importante, por vezes acumulando horas de trabalho como doméstica em particulares, com limpeza de escritórios à noite, com trabalho de porteira, podendo ganhar um salário superior ao do marido (cf. também Leandro, 1995). A autonomia financeira, impensável antes da emigração, acompanha igualmente a usura e desgaste profissional, com longas jornadas de trabalho.
Os migrantes, mulheres e homens, desenvolvem práticas transnacionais e relações sociais de natureza múltiplas, ligando as sociedades de origem e as de acolhimento, através de transacções culturais e económicas. As mulheres migrantes contribuem para diferentes transformações e inovações, novas dinâmicas familiares e demográficas e mudanças progressistas que afectam as mentalidades, os hábitos de vida, a educação e a igualdade entre os géneros (Ramos, 2008a).


2 - Economia solidária, voluntariado e empreendedorismo social migrante feminino

O sector não lucrativo, referido por terceiro sector, economia social ou sector voluntário, é constituído por diferentes instituições organizadas sob a forma de associação, fundação, misericórdia, cooperativa, mutualidade, clube, etc., prosseguindo variados objectivos. As características comuns deste tipo de organização, numa perspectiva económica, residem na regra de não distribuição dos lucros gerados na actividade e no desenvolvimento de uma actividade que prossegue o bem-estar social (Ramos, 2011b).
O empreendedorismo social é uma actividade inovadora de criação de valor social, que pode ser desenvolvido em diferentes esferas – económica, educativa, social e espiritual – com actividades realizadas por indivíduos e organizações, incluindo o sector público, organizações comunitárias, organizações de acção social e instituições de caridade (Weerawardena e Mort, 2006).
O empreendedorismo social está associado ao desenvolvimento de projectos (de indivíduos ou de comunidades, não necessariamente envolvidos numa organização) que visam o interesse geral, o chamado bem comum, ou dar resposta a necessidades sociais não satisfeitas. O empreendedorismo social tem sido visto como um agente de mudança social, tanto em áreas de preocupação social como na área das políticas sociais públicas (Waddock e Post, 1991).
Falar de empreendedorismo migrante feminino é ir além do empreendedorismo económico e abranger áreas como o empreendedorismo associativo, cultural, social ou político, com impacto na capacidade de intervenção e poder das mulheres migrantes. Tem sido pouco estudado este empreendedorismo social, propiciador de práticas de inovação social com impacto na sociedade, mais vasto do que o grupo migrante a que se destina.
A economia solidária coloca desafios e oportunidades de inovação social nas suas relações com o Estado e a sociedade civil. A inovação social diz respeito a novas estratégias, conceitos, ideias e organizações que respondem a necessidades sociais de todos os tipos – desde as condições de trabalho e de educação, até ao desenvolvimento comunitário e à saúde – e que alargam e reforçam a sociedade civil. A inovação é uma componente crucial do empreendedorismo social. Evidenciando a importância desta questão, o ano de 2011 foi o ano europeu consagrado ao voluntariado e, nomeadamente, ao associativismo migrante.
As associações de migrantes portugueses desenvolvem-se sobretudo depois de 1974, através de um reforço institucional da área emigratória. Em 1980, assinale-se a criação do Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo, facilitando o apoio às associações que dele fizerem parte (DL nº 373/80 de 12 de Setembro). Foi “a primeira experiência de audição e diálogo institucional, entre o governo português, a sua emigração e a sua diáspora. Era um órgão consultivo do governo, constituído por representantes eleitos no mundo associativo, apelando à força e ao papel central que as associações têm na construção e preservação das comunidades de emigrantes” (Aguiar, 2009:257).
As mulheres portuguesas na diáspora têm um importante papel nas redes sociais, através das relações interpessoais fomentadas pelo trabalho, associações, geminações, actividades em paróquias. Estas imigrantes participam no quadro de associações mistas, sobretudo criadas e dirigidas por homens.
Destaca-se a capacidade de organização, de liderança e de comprometimento dos homens e mulheres migrantes portugueses, em organizações de voluntariado, sem fins lucrativos, de ordem associativa, organizações pertencendo ao terceiro sector, à economia social e solidária (Ramos, 2011a,b). Assinala-se assim a importância do trabalho das pessoas migrantes, muito dele voluntário , e do seu empreendedorismo para o sistema económico e a solidariedade social.
Assistiu-se ao desenvolvimento do movimento associativo português no mundo, com objectivos assistenciais, culturais e recreativos (DGACCP, 2010). A beneficência foi uma das características do associativismo migrante em todo o mundo desde o início de oitocentos. No Brasil, a comunidade portuguesa foi a primeira a estabelecer uma cadeia de instituições de voluntariado, apoio a trabalhadores, hospitais, bibliotecas, alfabetização,... (Trindade, 1988; Fonseca, 2009). Tais entidades tiveram um importante papel, por exemplo, no Rio de Janeiro, numa cidade onde a colónia portuguesa era grande e quando no Brasil, do século 19 e início do século 20, o Estado pouco intervinha nas relações profissionais, não tendo políticas de saúde, habitação, previdência ou lazer, e funcionando o associativismo como um meio dos indivíduos conquistarem e exercerem os seus direitos como cidadãos.
A promoção da cidadania dos homens e das mulheres migrantes é um factor importante de coesão social, entendida esta como “a capacidade de uma sociedade assegurar o bem estar de todos os seus membros, minimizar as disparidades e evitar a polarização” (Conselho da Europa, 2004, in Ramos et al, 2009).
A instalação das famílias vai dirigir o movimento associativo para outras funções. Com a chegada de mulheres e famílias, o associativismo ultrapassa a sua fase inicial de mero centro de convívio, café, tertúlia, para adquirir a vertente cultural, de transmissão de tradições e saberes da cultura portuguesa, acompanhados pela música, folclore, festas populares, gastronomia, artesanato, teatro, exposições, palestras, cursos de língua. As mulheres vão determinar novas orientações ao nível de actividades socioculturais e socioeducativas, mas também como secretárias e algumas funções directivas (CEDEP, 1986; Ramos, 1990). Dentro do processo migratório, a mulher tem um papel importante na transmissão de tradições e saberes e da cultura portuguesa no estrangeiro (culinária, canto, dança…).
As iniciativas socioculturais e político-cívicas (ensino da língua, promoção e divulgação da cultura portuguesa, apoio social, assistência jurídico-informativa...), realizadas por homens e mulheres migrantes no movimento associativo, promovem a sua integração social e participação cívica, são veículo de aproximação comunitária, visibilidade da comunidade e meio de conservação e de transmissão do património cultural. A necessidade de manter e cultivar a identidade cultural da comunidade portuguesa e de criar mecanismos para a defesa dos seus interesses na sociedade de acolhimento fez surgir no mundo, cerca de 3000 associações de portugueses (DGACCP), o mais vasto movimento associativo comunitário, nomeadamente em França, onde já existiam, em 1980, 460 associações (Ramos, 1990:586). A propensão associativa dos portugueses no estrangeiro é ressaltada por muitos autores e considerada superior à que se verifica no próprio país. As actividades das associações dirigem-se sobretudo aos membros da comunidade .
Também na vida política, a participação das mulheres migrantes começa a ser visível, sobretudo das jovens gerações na diáspora, como podemos constatar em França. No movimento associativo, as mulheres destacaram-se, sobretudo as novas gerações, desde os anos 80 do século XX em França, na dinamização de actividades culturais e recreativas (Ramos, 1990, 1999). Muitos jovens, sobretudo do sexo feminino, estão motivados em participar com outros jovens, através de associações por si constituídas, quer para se debruçarem sobre a sua realidade e os seus problemas específicos, quer para encontrarem as melhores formas de preservar a cultura portuguesa nos países onde vivem.
As mulheres portuguesas têm-se progressivamente envolvido em organizações políticas, cívicas e filantrópicas, num crescente processo de associativismo.
O associativismo migrante português tem sido maioritariamente liderado por homens, apesar das mulheres terem criado organizações próprias. Datam do final do século XIX, as pioneiras sociedades fraternais ou de socorros mútuos femininas da Califórnia (Adão, 2005). Na 2.ª metade do século XX, a “Sociedade Beneficente das Damas Portuguesas” de Caracas (1969), a “Liga da Mulher Portuguesa” da África do Sul, ou a “Associação da Mulher Imigrante Portuguesa” da Argentina (1998). Data de 1994, a criação em Portugal da Associação Mulher Migrante. A Sociedade de beneficência de Caracas foi fundada por um grupo de portuguesas com fins exclusivamente beneficentes, sendo os primeiros fundos destinados principalmente ao custeio de rendas de casa de famílias cujos responsáveis estavam doentes ou impossibilitados de trabalhar (A. Vieira, in AAVV, 1986:87).
Os líderes associativos, homens e mulheres, trabalham como membros activos, exercendo influência sobre os membros da comunidade, dada a responsabilidade dos postos que ocupam e do papel informal que desempenham. A liderança, sobretudo exercida por homens, encontra-se associada a determinadas qualidades pessoais e à habilidade com que utilizam os seus recursos: domínio da língua do país de acolhimento; formação académica; nível de rendimentos; competências políticas e credibilidade no seio do grupo (Labelle et al., 1994). Enquanto representantes e porta-vozes das comunidades migrantes, os líderes associativos estão frequentemente ligados à acção política e a reivindicações face ao poder instituído. Detentores de importantes redes de conhecimentos, procuram exercer influência junto de instituições sociais, partidos políticos, etc., procurando melhorar as condições de vida dos seus conterrâneos.

3 – Empreendedorismo e solidariedade associados à Igreja e à Obra Católica das Migrações
É importante assinalar as iniciativas da sociedade civil, da Igreja Católica e das comunidades cristãs que, em Portugal ou nos países de destino, permitem experiências de acolhimento e integração dos migrantes.
A criação das irmandades da Misericórdia, com a sua acção assistencial, médica e social em favor dos carenciados, é um exemplo de difusão de uma das instituições religiosas mais antigas que se espalharam após os Descobrimentos dos portugueses, e foram responsáveis pela criação de numerosas albergarias, hospitais e igrejas, onde se cuidava dos mais necessitados. As Santas Casas de Misericórdia no Brasil, por exemplo, devem-se principalmente à acção da Igreja e acompanharam a fixação de colónias de portugueses no Brasil, país onde se desenvolveram, desde 1539, 110 Santas Casas de Misericórdia (Khoury, 2004), após a criação da Confraria de Nossa Senhora da Misericórdia em Lisboa (em 1498).
Verifica-se a cooperação pessoal e institucional entre estruturas da administração pública, da sociedade civil, da Igreja Católica e de outras igrejas, a nível nacional e internacional, relativamente ao esclarecimento dos migrantes e à respectiva integração em contextos interculturais. Cada vez mais o serviço social da paróquia inclui a componente da mobilidade humana.
Veja-se o papel da Obra Católica Portuguesa das Migrações, fundada juridicamente em 1962 (existia desde 1958), para canalizar o apoio espiritual e religioso aos emigrantes, nomeadamente às comunidades portuguesas no estrangeiro, por exemplo, em termos de capelães, mas também a assistência social aos emigrantes. A Igreja tem sido uma estrutura de enquadramento dos emigrantes, criando numerosas missões católicas nos países de imigração.
A chegada da imigração obrigou a reestruturar os serviços diocesanos, que passaram a incorporar novas valências e a atender os imigrantes através dos Secretariados Diocesanos das Migrações. Há ofertórios, uma vez por ano, em Agosto, na semana Nacional das Migrações, organizada desde 1973, constituindo a base do trabalho das migrações ao nível nacional. Uma parte dessa colecta reverte para o Secretariado Nacional das Migrações, outra para os secretariados locais.
A Igreja Católica dispõe de serviços sociais desenvolvidos e vocacionados para várias áreas, entre as quais a das migrações. Os Secretariados têm apoiado os imigrantes em diferentes domínios (cursos de português, apoio jurídico, bolsa de emprego, apoio à procura de habitação, ….), estabelecendo contactos com o SEF, Segurança Social, albergues nocturnos, entidades patronais, sindicatos, serviços de saúde, hospitais, agências funerárias, senhorios, Consulados dos imigrantes em Portugal, Embaixadas de Portugal e Consulados no exterior, etc.
As mulheres contribuíram sempre, fortemente e de forma benévola, para as actividades sociais associadas à Igreja Católica.

4 - Reflexões finais e recomendações - Migrações, género e co-desenvolvimento
Temos vindo a assinalar, como fizemos também no trabalho para o Conselho da Europa (Ramos et al, 2009), como a participação mais igualitária de homens e mulheres nas migrações contribui para a coesão social e o desenvolvimento. Para potenciar os efeitos positivos das migrações e diminuir os impactos negativos nas sociedades de origem, é necessário construir o co-desenvolvimento através da contribuição das populações migrantes, e das suas associações, nos países de imigração e de emigração. Definimos o co-desenvolvimento pelos laços que “reúnem os migrantes, os governos e outras instâncias públicas e privadas, à volta de um projecto de colaboração visando contribuir para o desenvolvimento do país de origem dos migrantes” (Conselho da Europa, 2007, in Ramos et al, 2009:89).
O co-desenvolvimento implica as associações de migrantes que aspiram a ter um papel de transformação social da sociedade de origem; as organizações locais do país de origem, que orientam os recursos para as necessidades de desenvolvimento; as colectividades territoriais dos países de partida, que desejam contribuir para a definição dos objectivos de desenvolvimento das associações de migrantes; as associações do país de acolhimento, capazes de fornecer apoio em termos de financiamento, formação e formalização do projecto; as colectividades territoriais e outras instituições dos países de acolhimento, envolvidas nesta forma de cooperação.
Assinalemos algumas prioridades a ter em conta:
- É necessário prosseguir a pesquisa sobre as comunidades portuguesas e a sua feminização.
- É importante que os estudos, os programas e as políticas de migrações internacionais sejam sensíveis às questões de género, tendo em atenção a situação social e a inclusão das mulheres e homens migrantes e assegurando o desenvolvimento das suas capacidades de participação no projecto migratório.
- É necessário assumir a igualdade de direitos e deveres entre toda a população, nacional ou estrangeira, denunciando situações injustas, como a discriminação salarial ou o acesso ao mercado de trabalho.
- A área do empreendedorismo social migrante deve merece maior atenção por parte dos investigadores e dos poderes públicos.
- Faltam dados rigorosos, globais, actualizados periodicamente, sobre a verdadeira contribuição do voluntariado e do empreendedorismo social, nomeadamente feminino. No que toca ao movimento associativo migrante, há que registar actividades, funções e cargos ocupados por mulheres e homens, bem como formar para o voluntariado.
- É importante compreender o verdadeiro impacto económico, social e cultural das migrações, tendo a comunicação um papel importante na informação, sensibilização da opinião pública, influenciando mesmo a elaboração de políticas públicas (OCDE, 2010; OIM, 2011).

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