Maria Lamas - Uma mulher, Uma escritora, Uma lutadora, Uma memória
Evocação por Maria Benedicta Vassalo Pereira Bastos Monteiro
Maia, 24 de Novembro de 2011
Caros organizadores deste Encontro, é com imenso prazer que estou aqui hoje na Maia, irmanada convosco e com todos os participantes na celebração das Mulheres Portuguesas na Diáspora. Um agradecimento especial vai para a Drª Maria Manuela Aguiar, Presidente da Associação ‘Mulher Migrante’ que neste ano celebra os seus 15 anos de existência.
Evoco hoje aqui precisamente uma mulher migrante, a minha avó, Maria Lamas, na sua qualidade de Mulher, de Escritora, e de Lutadora Política. Junto a esta imagem a de peregrina e a de solidária. Peregrina duplamente: em busca das mulheres do seu país, qual jornalista-etnóloga, e através delas em busca de si própria.
Uma busca que sempre lhe conheci exaltada, inquieta, quase imatura na sua premência, não fora a doçura e a tranquilidade com que se abria a outros espaços de escuta e de empatia inefáveis. Assim parece que a perceberam também muitos dos que a ela se chegaram, no Jornal ‘O Século’, no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, no seu quarto de exilada em Paris, no Movimento Democrático de Mulheres, ou nas casas das suas três filhas, em Lisboa e em Évora, onde viveu durante longos anos.
Maria da Conceição Vassallo e Silva, Ribeiro da Fonseca pelo seu primeiro casamento e Lamas pelo seu segundo casamento foi, antes de tudo, uma mulher, como ao longo da vida se evocou a si própria. Nascida em Torres Novas em 1893, numa família burguesa, foi a mais velha de quatro filhos Vassallo e Silva: Maria (como lhe chamava já a família), Joana, Aurora e Manuel António. Numa cidade de província, como então se dizia, a sua educação foi conservadora e protegida: internada aos 10 anos num colégio religioso em Torres Novas para receber uma educação esmerada, é uma rapariga de 15 anos, cheia de fervor religioso e de sonhos, a que sai do Colégio para se vir a casar em regime civil, em 1910, com o Oficial de Cavalaria republicano Teófilo José
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Pignolet Ribeiro da Fonseca, meu avô, e com ele partir em seguida para Angola, onde ele estaria em comissão de serviço. Diz Maria Lamas que assim se cumpriu o que dela se esperava como mulher: casar, ter uma família e filhos, viver um grande amor. Nas suas palavras ‘o amor, uma perturbação suavíssima, um olhar demorado, uma carícia, um beijo’. A vida trocou-lhe as voltas: depois de sete anos de casamento e duas filhas, a sua angústia e sofrimento com uma relação falhada dá-lhe coragem para partir, aos 25 anos, para o divórcio e voltar para casa dos pais com as duas filhas.
Um segundo casamento em 1921 com Alfredo da Cunha Lamas, jornalista monárquico que conheceu na Agência Americana de Notícias, e o nascimento de mais uma filha, em 1922, estão na origem da sua decisão de consolidar a sua vida de trabalho. A sua vida familiar neste novo casamento viria, em breve, a revelar-se insustentável, e alguns anos depois é de novo uma jovem sozinha, agora com três filhas, que enfrenta uma nova fase da sua vida de mulher, onde a escrita virá ocupar um lugar central de realização pessoal e de sobrevivência familiar.
A vida afectiva e relacional de mulher de Maria Lamas não terminou, no entanto, aqui, embora os seus biógrafos mais não consigam contar. Ela continuou durante toda a vida a exprimir a sua paixão pelas relações humanas, pela busca de muitas formas de amizade e de amor, e foi com ligações amorosas fortes, e por vezes conturbadas, que atravessou a vida até ao fim e se afirmou como mulher inteira.
Mas falemos agora da segunda dimensão da sua vida que aqui queremos salientar: Maria Lamas Escritora. Em ‘O Despertar de Sílvia: Fragmentos de uma Confissão’, uma novela autobiográfica publicada em 1949, Maria refere que teve desde a infância uma paixão pela leitura e que desde cedo sentiu a escrita como uma vocação. Durante toda a década de 20, vai publicar, sob o pseudónimo de Rosa Silvestre, uma diversidade de textos, que revelam a premência da escrita, mas também mostram a sua plasticidade expressiva. Inicia-se com a poesia, em 1923, com o livro ‘Os Humildes’, e no mesmo ano com o romance ‘Diferença de Raças’, enquanto cria e dirige sucessivamente revistas para a infância - ‘O Pintainho’ (1926), ‘O Correio dos Pequeninos’ (1927), ‘A Semana Infantil’ (1927) e ‘O correio dos Miúdos (1928) e publica a sua primeira novela para crianças – ‘Maria Cotovia (1929).
É em 1927 que publica o segundo romance ‘O Caminho Luminoso’, ainda sob o pseudónimo de Rosa Silvestre, editado pela Sociedade Nacional de Tipografia ‘O Século’, em Lisboa. Esta fase da sua vida prolifera em contactos com Escritores, Editoras e Jornalistas que alargaram as suas oportunidades de afirmação como escritora e de militância cívica e política: ‘O jornalismo foi a minha grande escola. Foi ele que me fez tomar consciência da possibilidade de me exprimir escrevendo, dando-me confiança para o fazer’ diria ela mais tarde.
As décadas que se seguem assistem à continuação da sua actividade como escritora, tanto de livros infantis (As Aventuras de Cinco Irmãozinhos, 1931; ‘A
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Montanha Maravilhosa’, 1933; ‘A Estrela do Norte’, 1934; ‘Os Brincos de Cereja’, 1935; e ‘O Vala dos Encantos, 1942), como de romances.
‘Para Além do Amor’ (1935) foi o primeiro que assinou com o nome de Maria Lamas e onde inscreveu o seu ex libris ‘, desenhado por Júlio de Sousa, Sempre mais alto’, seguindo-se ‘A Ilha Verde’ (1938), passado em S. Miguel, nos Açores.
A par desta escrita intensa, de caracter romanesco, onde se entrecruzam o mito do amor romântico e pinceladas neo-realistas, Maria Lamas trabalhava para sobreviver e educar as filhas. Mas em 1929, ano em que o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, impulsionado por Adelaide Cabete, apoiava o ‘Congresso Abolicionista da Prostituição’, ela é convidada, através de Ferreira de Castro, a ingressar na revista ‘Modas & Bordados, suplemento do jornal ‘O Século’, que iria dirigir durante 20 anos. A partir desta data, a sua profissão central é o jornalismo orientado para a vida das mulheres. Chama colaboradores, cria uma coluna de correio com as leitoras, publica notícias, obras e fotografias de mulheres portuguesas e estrangeiras que escrevem, pintam, cantam, dançam, fazem desporto, ganham prémios, notabilizam-se como cientistas, artistas, empresárias, modelos e artesãs, propõe e ensina actividades domésticas de saúde, alimentação, lazer e de educação dos filhos.
É ao longo destes anos de direcção da Revista que toma consciência da pobreza educativa e do sofrimento calado em que muitas mulheres vivem, do seu estatuto cívico de menores (Salazar só aprova o decreto que concede o voto às mulheres, desde que tenham estudos secundários, em 1931), ignorando alternativas, amarradas a um destino que o fascismo e o catolicismo foram cristalizando em instituições que definiam claramente a função social da mulher: organização da casa, educação dos filhos, práticas
de caridade e de assistência social. E é para sacudir as mulheres desse torpor sem esperança que vai tendo mais e mais iniciativas – revistas, como ‘A Joaninha’, exposições, eventos, como a ‘Exposição da Obra Feminina’, de caracter científico, literário e artístico, que organiza nas instalações de ‘O Século’, ou um Ciclo de Conferências sobre ‘As mulheres’, que organiza com Manuela Porto, Sara Beirão e outras, ou ainda a exposição dos Tapetes de Arraiolos feitos por mulheres da ‘Cadeia das Mónicas’. Mas a que mais impacto político teve foi a ‘Exposição de Livros Escritos por Mulheres’, que organizou em 1947, na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, enquanto presidente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP), cujo catálogo incluía títulos de escritoras de 28 países da Europa, Ásia e Américas. A exposição terminou com uma conferência proferida por Maria Lamas, explicando os objectivos da exposição e da instituição promotora.
Quatro dias depois a o CNMP foi fechado por mandato do governo Civil de Lisboa, que se justificou: ‘Não precisa de se preocupar com a situação das mulheres portuguesas. O ‘Estado Novo’ já confiou à ‘Obra das Mães’ o encargo de as educar e orientar.’
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Mas a sua obra de maior fôlego e que a notabilizou, não só nos meios académico e literário, mas no meio político, foi ‘As Mulheres do meu País’.
A obra consistiu numa extensa ‘reportagem’ sobre a vida das mulheres portuguesas, publicada em 24 fascículos pela Editora Actualis (criada por Manuel Fróis de Figueiredo, Orquídea Fróis de Figueiredo e a própria Maria Lamas) entre 1947 e 1950, data em que aparece em livro.
A sua publicação, ‘nascida da urgência e da ofensa’, como a classifica a sua neta Maria José Lamas Caeiro no prefácio da obra, foi o culminar de um enorme esforço e determinação para superar, quer as dificuldades económicas, logísticas e de adaptação cultural que um trabalho etnográfico de amplitude nacional envolve, mas também a ameaça constante da censura do regime. Alguns chamaram-lhe ‘jornalismo de iniciativa’, ou ‘jornalismo-reportagem’, aquele que consegue trazer para a luz do dia as vidas esquecidas ou ocultas daquilo a que hoje chamamos ‘minorias’ – grupos humanos subordinados, com pouco controlo sobre o seu destino, normalmente ignorados e estigmatizados pelo grupo dominante na sociedade. Neste caso, as mulheres.
Sempre as mulheres. Em 1949 a Actualis edita os três primeiros volumes de um projecto de livro, ‘As Quatro Estações’, coordenado por Maria Lamas: a ‘Primavera’, o ‘Verão’ e o ’Outono’ (o ‘Inverno’ não chegará a ser editado). Com a experiência da direcção, durante 20 anos, do suplemento ‘Modas e Bordados’ do jornal ‘O Século’, este livro tem a marca do projecto de Maria Lamas: a educação das mulheres através da leitura. ‘Um bom livro é um companheiro indispensável na jornada da Vida’, escreve a autora na primeira página. ‘As ‘Quatro Estações’ deseja ser esse companheiro agradável e sincero, ajudando a preencher, com proveito, as horas em que o espírito procura alargar os seus horizontes, para além da rotina diária, das responsabilidades e dos cuidados materiais.’ Nele encontramos o seu romance autobiográfico ‘O Despertar de Sílvia: Fragmentos de uma Confissão’, bem como textos de muitas mulheres que a ela se juntaram neste projecto cívico, como Manuela Porto, Ilse Losa, Emília de Sousa Costa, Manuela de Azevedo, Maria Elvira Barroso, Graça Brosque, Matilde Rosa Araújo, Maria Lúcia Namorado, Tereza Águas e Lília da Fonseca. Mas também a colaboração de escritores, ilustradores e pintores, como Lima de Freitas, Estrela Faria, Fernando Carlos, Maria Keil, Julião Quintinha, Carlos de Oliveira, Manuel Avelar e Gaspar Santos.
Maria Lamas vai entretanto mudar de rumo e mergulhar na vida política. Mas publica ainda, em formato de fascículos, o resultado de velhos projectos: ‘A Mulher no Mundo’, editado como livro, em 2 volumes, em 1952, ‘O Arquipélago da Madeira, Maravilha Atlântica’, em 1956 e ‘O Mundo dos Deuses e dos Heróis: Mitologia Geral’, em 1961.
Chegamos a Maria Lamas, Mulher lutadora, pelas mulheres, pelos direitos cívicos, contra o regime da ditadura e pela Paz. É durante os anos 40, nomeadamente após a revitalização do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas sob a sua presidência, do impacto público da exposição de ‘Livros escritos por Mulheres’ na Sociedade Nacional de Belas Artes, do encerramento político do CNMP pelo Governo Civil de Lisboa e da sua demissão voluntária do jornal ‘O Século’ (´Senhora D. Maria, ou escreve no ‘Século’ ou faz política’, disse-lhe angustiado Pereira da Rosa, o Director do Jornal, sob ameaça da censura e de suspensão do jornal), e ainda do
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endurecimento da Ditadura após a 2ª Guerra Mundial, com um progressivo isolamento em relação às democracias europeias, que a sua consciência cívica e política está fortalecida, inabalável, e dedica a maior parte dos anos que se seguem a defender as causas da liberdade, dos direitos das mulheres e da paz no mundo. Ela própria recorda, ‘como o meu primeiro acto político’ a assinatura das listas para a formação do MUD juvenil, em 1945.
Aceita fazer conferências, escrever artigos em Jornais, adere a Associações para a paz, nacionais e estrangeiras, representa Portugal em conferências internacionais, faz crónicas para a ‘Rádio Moscovo’ (sob o pseudónimo de Helena Torres). Em 1946, por exemplo, representa Portugal, enquanto Presidente do CNMP, no I Congresso Mundial das Mulheres, que reuniu mulheres da Resistência, ex-detidas em campos de concentração nazis, como foi o caso de Eugénie Cotton.
Volta a representá-lo em 1948, no II Congresso da ‘Federação Democrática Internacional das Mulheres´ (FDIM), entretanto criada. Vêmo-la depois, em 1949, quando sai da prisão, ao lado de outros ex-presos políticos como Pinto Rodrigues, Rui Luís Gomes, Virgínia Moura, José Morgado, Albertino de Macedo, Pinto Gonçalves e António Areosa Feio, todos signatários de um ‘abaixo-assinado’ contra a instalação da Base Americana das Lages nos Açores.
Em 1950 faz a Conferência ‘A paz e a vida’ em Lisboa, no Museu João de Deus, e uma outra no Porto, no 15º aniversário da Associação Feminina para a Paz, onde afirma: ‘A batalha da vida é a batalha da Paz’. É de novo presa meses depois, em 18 de Julho, por sentença do Tribunal, sendo libertada em Janeiro de 51. Em 1952 participa no Congresso dos Povos para a Paz, em Viena, e em 1953, está de novo a representar Portugal no III Congresso Mundial das Mulheres em Copenhaga.
Nesse mesmo ano, ao regressar via Paris de uma reunião na União Soviética, onde fizera uma intervenção, é de novo presa no Aeroporto, com todos os que a esperavam, excepto a família, sendo depois libertada sob caução paga por um dos genros. Nos anos que se seguem é frequentemente instada pela PIDE para responder pelos seus actos políticos: pela sua participação no Conselho Mundial da Paz, em Ceilão, em 1956, pelo seu encontro com Mao- Tse-Tung em Pequim nesse mesmo ano, ou pela visita a Hiroshima bombardeada.
Até que em 1962 participa, em Moscovo, na ‘Conferência sobre Desarmamento Geral’, o que comprometeu definitivamente a sua segurança em Portugal. No regresso ao país a decisão está tomada: exilar-se-á em Paris, onde colaborará com outros expatriados na luta contra a Ditadura. Aí viveu no Quartier Latin, Rue Cujas, no Grand Hotel Saint Michel onde a visitei em 1967 e 1968, com o meu marida Gonçalo Monteiro. Descobrimos aí uma avó de 74 anos, a viver num pequeno quarto do hotel, onde preparava refeições simples e onde recebia ininterruptamente membros das oposições ao regime - do grupo de Argel aos membros do Partido Comunista na clandestinidade e aos desertores das guerras de África - jovens emigrados ao desamparo, amigos
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de Lisboa e pessoas sozinhas a precisar de uma palavra. Lembro-me de ver entrar Jorge Reis, António José Saraiva, Maria Nobre Franco, José Carlos Ferreira de Almeida, João Freire, a Miriam e a Teresa Rita Lopes, Helena Pato e Mário Neves, Eugénia Pereira de Moura e Helena Neves. Procuravam ajuda, mas também lhe escreviam cartas e lhe traziam notícias, coisas suas, como presentes: livros, pintura, gravura, desenho, escultura, fotografias, roupa, alimentos. Passavam, ficavam, partiam. Iam passear com ela para o Jardim do Luxemburgo. Às centenas. Era a ‘Avó Maria´. Que continuava a trabalhar nos intervalos nos seus projectos, na sua correspondência e nas suas traduções, na pequena mesa que tinha no quarto, dedilhando a máquina de escrever com estojo verde, qua ainda hoje guardo comigo. Quem não leu, por exemplo, a sua belíssima tradução de ´As Memórias de Adriano’, de Marguerite Yourcenar? Nós ficávamos também no Hotel. Tínhamos ido frequentar, através da Pragma, que a PIDE viria a encerrar algum tempo depois, primeiro um curso de formação em Animação Cultural, e no ano seguinte uma formação em Dinâmica de Grupos, ambos promovidos para sindicalistas da CFDT. Mas nos intervalos saíamos com a Avó, esfomeados de bons filmes, de teatro, jornais e livros a que não podíamos ter acesso em Portugal: Bunuel, Bergman, Nicholas Ray, Fellini, Jean Cocteau, Elia Kazan, Fritz Lang, Murnau, Claudel, Genet. Foi um deslumbramento que a companhia da Avó enriquecia com reflexões e comentários, de tal modo que a sua idade não era um peso, mas uma energia e uma boa surpresa.
Em Paris, Maria Lamas continuou a sua actividade política. Em 1963, estava na Mesa da Presidência do V Congresso Mundial das Mulheres, em Moscovo, que reuniu 1400 delegadas de todo o mundo. Ao seu lado, estavam Dolores Ibarrurri, a Passionária, Eugénie Cotton, Marie Claude Couturier, heroína da resistência francesa, Gusta Fuchikova, resistente checoslovaca e Valentina Teereskova, primeira cosmonauta a viajar no Cosmos. De regresso a Portugal em 1969, na ‘abertura’ da Primavera Marcelista, espera-a ainda muita actividade.
O seu entusiamo com a Revolução de Abril, em 1974, trouxe-a para a rua, a desfilar no 1º de Maio ao lado da multidão. E uma das actividades mais importantes foi o seu papel central, de novo em favor das mulheres portuguesas, na criação do Movimento Democrático de Mulheres, de que foi eleita Presidente Honorária em 1975. A sua posição de Directora da revista ‘Mulheres’ criada pelo Movimento em 1978 representou, antes de mais, para Maria Lamas, o regresso à imprensa feminina, onde a sua vida profissional começara.
Aos anos que se seguem chamei ‘Maria Lamas, uma Memória’. A par das suas intensas relações com os amigos de toda a vida, que a visitavam em Évora ou em Lisboa, em casa das filhas, sucedeu-se um sem número de apelos à sua presença nos mais variados eventos: conferências, visita a escolas, a fábricas, reuniões com
escritores, artistas, entrevistas na rádio, na televisão, em jornais.
De tal modo que se tornou difícil situá-la. Vivera? Vivia? Iria chegar ela mesma, em pessoa? Já não estava connosco?
1968 , À porta do G. Hotel Saint-Michel, Rue Cujas, Paris, com Mª Benedicta (neta) e João Pinto Correia
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Em 1974 Maria Lamas e Elina Guimarães foram homenageadas no programa da RTP ‘Nome-Mulher’, dirigido pelas jornalistas Maria Antónia Palla e Antónia de Sousa.
Em Maio de 1976 o MTI - Movimento Unitário de Trabalhadores Intelectuais -
Em 1982 o MDM organizou em Lisboa uma exposição evocadora da vida e obra de Maria Lamas, que ela visita, enquanto emocionadamente revisita a sua própria vida enquanto memória de outros. E o concelho de Torres Novas emite, nesse ano, uma medalha em sua homenagem com a sua efígie.
Maria Lamas morre em Lisboa em 1983, alguns dias depois de completar 90 anos.
Medalhas, evocações, nomes de ruas e de escolas, tapeçarias, desenhos, quadros e placas comemorativas multiplicam a sua memória: das Mulheres Democratas do Barreiro, da Sociedade Cooperativa Piedense, da Voz do Operário, do Coral Phydellius de Torres Novas, da Escola Preparatória de Maria Lamas, no Porto, de muitas mais.
Em 1993, a Biblioteca Nacional de Lisboa comemorou o centenário do seu nascimento com uma grande exposição do seu espólio literário e pessoal.
Em 2003 foi editada a sua primeira Biografia, escrita por Maria Antónia Fiadeiro, e em 2004 o MDM organizou no Porto o Congresso ‘A memória, a obra e o pensamento de Maria Lamas ‘, cujas intervenções foram posteriormente editadas no livro com o mesmo título, coordenado por Regina Marques. O reconhecimento cruza-se com a nossa memória da vida e trabalho de Maria Lamas. Reconhecimento também feito de gestos públicos: a medalha da Ordem da Liberdade, em 1980, que recebe pela mão do Presidente da República, General Ramalho Eanes; a primeira ‘Medalha de Honra’ do MDM, em 1982; e a ‘Medalha Eugénie Cotton’, em 1983, da Federação Democrática Internacional de Mulheres.
Evocar Maria Lamas neste contexto é para mim motivo de profunda comoção, mas também de honra, pela saudade que guardo da minha avó Maria, do seu nobre coração de mulher, da sua profunda empatia com o sofrimento dos outros, do seu valente afrontamento do poder ilegítimo, do seu feminismo que uniu homens e mulheres no mesmo abraço, da sua insaciedade em busca do amor. Nesta noite de evocação das escritoras Maria Archer e Maria Lamas, junto-me aqui convosco, mulheres portuguesas da diáspora, como membro da comunidade científica e como parte dessa ‘metade da humanidade’. E não sei qual dessas pertenças, que não consigo aqui separar, me ditou mais as palavras que aqui lhe dedico. Não importa. O registo de universalidade em que Maria Lamas inscreveu a sua vida e o seu trabalho farão deles, seguramente, uma obra sem tempo e sem pertenças.
Lisboa, Fevereiro de 2012
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