sábado, 5 de setembro de 2009


COLÓQUIO_ sobre "PROBLEMAS SOCIAIS da NOVA IMIGRAÇÃO

SESSÃO DE ABERTURA
IntervençõesDrª Maria Manuela AguiarDeputada à Assembleia da República ePresidente da Direcção da Associação“Mulher Migrante”Dr João Higino Rosário da SilvaEmbaixador de Cado VerdeDr. João LebasquetRepresentante do Alto Comissário para as Minorias Étnicas

Drª Maria Manuela Aguiar
Senhor Embaixador, Senhor Representante do Alto Comissário para as Minorias Étnicas, Minhas Senhoras e meus Senhores
A todos, em nome da Associação "MulherMigrante", dou as boas vindas, agradecendo a presença e a disponibilidade para dialogarem connosco sobre questões tão importantes para o Portugal de hoje."Éramos um país de emigração e passamos a ser um país de imigração”.Há 20 anos que o dizemos. Nunca estive totalmente de acordo com esta asserção, porque um país de emigração não deixa de o ser enquanto necessitar de políticas de apoio e protecção das suas comunidades existentes em todos os continentes – políticas que devem acompanhar as pessoas e a sua integração em países estrangeiros ou o retorno ao país de origem. Não basta que tenha cessado ou abrandado o movimento de saídas…Além disso, éramos, então, um país de incipiente e limitada imigração e, durante muitos anos, praticamente, sem políticas que a protegessem.Mas, em finais da década de 90, e, sobretudo, neste princípio de século, conhecemos, de facto, um surto extraordinário de imigração, quer daquela que podemos considerar tradicional - a dos países de língua portuguesa, de África e do Brasil - quer, também, de uma nova imigração, proveniente, sobretudo, dos países do leste europeu.Depois da queda do muro de Berlim , a Europa conheceu, como há muito tempo não acontecia - talvez desde o fim da segunda grande guerra - enormes movimentações humanas de refugiados e expatriados, por razões económicas ou políticas. No ano de 1992, atingiu-se o número recorde de 700 000 refugiados.Era, pois, um problema que se punha, no nosso continente. Todavia, parecíamos, em Portugal, bastante longe do "epicentro"dos acontecimentos. O número de refugiados e de candidatos ao direito de asilo político era mínimo e o do imigrantes diminuto, mas, nestes últimos anos, o fenómeno chegou até nós, com uma imigração realmente estrangeira, estrangeira na língua, na cultura, na mentalidade, não obstante ser, no projecto de trabalho, na preocupação de assistência à família, e até na sujeição a situações de clandestinidade, semelhante à nossa, nos anos 60. Muitos são os que chegam, também, pelas mãos de agentes e organizações de duvidosas reputação, de verdadeiras “máfias”, realidade bem lembrada entre nós. Foi assim que tantos dos nossos se foram para França e para outros países, “a salto”. Agora, é assim chegam, aqui, tantos trabalhadores num quadro, porventura, ainda mais dramático, uma vez que, geralmente, os portugueses eram deixados na fronteira, ou no destino, e não continuavam sob a pressão dos traficantes, como eles continuam. Temos de nos preparar para o combate a essas práticas ilícitas e desumanas, e para ajudar as vítimas. Temos de saber ser uma sociedade mais multicultural e ver na oportunidade de o sermos um enriquecimento e um meio de resolver males subsistentes. Como é o caso da desertificação do interior. Os estrangeiros poderão, se para isso lhes derem condições, repovoa-lo. Os portugueses, esses, têm a vertigem, se não da imigração externa, pelo menos da interna, e afluem, em massa, às regiões do litoral e, muito particularmente, às cidades mais populosas. Estes estrangeiros, que vieram, de forma gradual, quase imperceptível, para todo o nosso território, estão habituados a viver no centro de um continente, longe do mar.Nós, Associação da Mulher Migrante, começamos a preocupar-nos com esta imigração quase logo que ela surgiu, quando era ainda pouco falada.Lançámos um primeiro programa de colaboração com Câmaras Municipais, que foi concretizado com acções em Oeiras, Porto de Mós, Pombal, Madeira (Funchal). As Câmaras foram parceiras privilegiadas de Encontros e Colóquios sobre esta nova realidade…Tínhamos, por vezes, sido criticados por nos centrarmos demasiado em Lisboa e falarmos sobre os mesmos temas, para as mesmas pessoas. Uma critica construtiva, que nos motivou a dialogar com autarquias e com organizações da sociedade civil, fora da capital.Agora, estamos de volta a Lisboa, para fazer um ponto de situação, com alguns dos ccolaboradores dessas acções e com outros, que aqui estão pela primeira vez.Foram, sem dúvida, experiências bem sucedidas, que nos permitiram ter, creio eu, um pouco antes dos próprios responsáveis pela governação do país, uma percepção do que se passava.Hoje isto é muito claro para a generalidade das pessoas. Lemos nos jornais que, dentro de dois ou três anos, se houver reunificação familiar, Portugal terá meio milhão de imigrantes dentro das suas fronteiras.Todavia, nessa altura, fomos positivamente à "descoberta" das pessoas...Para mim, a maior surpresa foi a reunião de Porto Mós. Está aqui a Dr.ª Ana Narciso, a promotora dessa reunião, e pode confirmar o que lhes vou contar.Quando iniciamos as diligências, julgávamos que havia uns 300 estrangeiros no concelho (o que já era bastante). Á medida que a Dr.ª Ana ia fazendo o levantamento, à medida que as empresas iam perdendo o receio de dar resposta a perguntas, que não sabiam muito bem ao que se destinavam, quando percebiam que o objectivo era o puro conhecimento de situações e de ajuda das pessoas, começavam a colaborar.No dia do colóquio, pensávamos que havia, por ali, uns mil estrangeiros. Durante o debate já se falava em dois mil e, como Porto de Mós tem uma população de 20 000 pessoas, isso significava 10% da sua população!É uma terra de interior (relativamente, pois não é enorme a distância a que se encontra do mar, mas tem as características do interior) e admitímos que não é uma raridade. Em outras terras deste interior “relativo” ou do interior profundo haverá igual capacidade de acolhimento…Uma das conclusões que pudemos retirar, a nível local, foi a de que temos, contra corrente, em conjuntura de crise, não só situações de pleno emprego em algumas destas zonas de "interioridade", de que menos se fala, mas também um grande dinamismo empresarial. Porto Mós é um exemplo.Por isso, aí constatámos o reconhecimento da necessidade dos recém-chegados e a existência de um grande interesse, por parte de empregadores, sobretudo, jovens, em assegurar a sua legalização e estabilidade, Diziam que teriam tido crescimento zero, em vez de crescimentos da ordem dos 50 a 80%, sem esta "mão-de-obra".Por outro lado, pudemos tetemunhar uma extraordinária solidariedade por parte da sociedade civil. Se calhar, é preciso sair das maiores metrópoles para vermos, pelo menos, uma parte de um país muito vivo e humano, mantêndo as suas qualidades de generosidade e a capacidade de acolhimento. Penso que os imigrantes terão, nestas terras, mais possibilidade de integração e de convívio com as populações do lugar e, até, em determinadas circunstâncias, mais hipóteses de progressão profissional. Verifiquei, em Porto de Mós, a preocupação em utilizar as qualificações e as capacidades de estrangeiros que ainda estão, em muitos casos, a trabalhar abaixo do seu nível de habilitações académicas ou de experiência laboral.Em muitos casos, são homens ou mulheres sós. É necessário encarar de frente, nas leis e na prática, a reunificação familiar. Não vou entrar muito detalhadamente no tema, que será tratado na primeira mesa redonda. Há, porém, uma coisa que eu queria dizer, desde já. Os governos devem facilitar o reagrupamento familiar, em benefício das pessoas, porque não é justo que permaneçam, anos e anos, longe das suas famílias. Mas, também, em benefício da própria sociedade e da economia portuguesa, porque a vida em família potencia, quando não reconverte o projecto de imigração (de uma intenção de regresso para a vontade de permanecer).Ora, em muitos casos, dificulta-se, na prática, o reagrupamento familiar com burocracias, com exigências de documentos, ou de mínimos de remuneração. Requisitos difíceis de cumprir, em particular os referentes à habitação. É um beco sem saída: as pessoas não conseguem atingir os níveis requeridos, justamente porque são sozinhas. Havendo reunificação familiar, com dois salários, com economias de escala, com um viver mais pacato, em casa, tudo se torna mais fácil, do ponto de vista económico e do ponto de vista da integração social.Olho com optimismo a nossa nova condição de país da imigração. Portugal estava a precisar deste "choque" criativo com outras culturas e, por outro lado, com uma baixíssima taxa de natalidade, deve apostar no chamamento de gente nova.Encaro estes imigrantes com os mesmos olhos com que vejo os nossos emigrantes. Sabemos que sempre que lhes são dados nos países estrangeiros condições de integração, se tornam realmente cidadãos de duas pátrias. Sou uma defensora da dupla cidadania, porque acho que ela vai perfeitamente ao encontro daquilo que as pessoas, elas próprias, querem e sentem.O normal é, realmente, essa capacidade de amar as duas pátrias , que é o fundamento do estatuto da dupla cidadania, como eu a entendo, com pleno exercício dos direitos políticos.Tenho a meu lado, o Sr. Embaixador de Cabo Verde, e regozijo-me por Cabo Verde ser, justamente, um dos países que reconhecem esse estatuto, e que até propôs, a nível da CPLP, uma "cidadania lusófona".Espero que a proposta tenha sequência, que o seu exemplo seja seguido.Tal como o de Brasil e Portugal. Depois de uma longa hesitação, demos, em Portugal, aos brasileiros plena reciprocidade dos direitos que a Constituição brasileira concede aos portugueses, tratando-os como nacionais, com capacidade de eleger e ser eleito até para órgãos de soberania, como o parlamento. É uma utopia para os outros Estados, a nível universal. A utopia da fraternidade verdadeira, da igualdade de direitos civis e políticos para todos os que , tendo vindo de fora, vivem numa sociedade, lado a lado, com os que nela nasceram. Para nós, no Brasil, já é realidade. Para os outros Povos, é um paradigma!Vou, seguidamente, pedir ao Senhor Embaixador de Cabo Verde para nos dirigir umas palavras. Eu sei que o Sr. Embaixador não vinha à espera de ser convidado a falar, mas gostaríamos muito de o ouvir sobre estas matérias, sobre os imigrantes do seu País, dos quais nos orgulhamos e que queremos ver tratados como portugueses.

Embaixador João Higino Rosário da Silva
Muito obrigado. Muito bom dia. Quero iniciar, as poucas palavras que vou dizer, com um agradecimento à Associação por me ter permitido estar aqui. Embora por um curto espaço de tempo, por me permitir estar aqui, pela primeira vez, no seio da Associação das Mulheres Migrantes.Cabo Verde, como sabem, é um país de emigração. Nós não somos como Portugal, que é um país de “imi” e “emi”. Nós somos um país de emigração.A nossa emigração começou bem cedo. Desde o século XVIII que houve emigração em Cabo Verde. Nessa altura, fundamentalmente, para os Estados Unidos e uma emigração clandestina, porque os cabo-verdianos eram recrutados em Cabo Verde por barcos baleeiros que por lá passavam e tinham necessidade de mão-de-obra. E, assim, os que chegavam a terra (Estados Unidos) iam ficando na clandestinidade, até mais tarde se legalizarem.Depois começou a pequena emigração, também, para o Brasil. Esta antecedida da emigração para o continente africano, especialmente, para o Senegal, onde Cabo Verde tem neste momento uma comunidade que ultrapassa as 40.000 pessoas.Foi na década de sessenta que começou a emigração para a Europa. Inicialmente para a Holanda e Alemanha, isto é, para os países que tinham uma marinha mercante forte e recrutavam os cabo-verdianos para o serviço a bordo dos seus barcos. A partir de 1965/66, a emigração para Portugal tornou-se, então, a mais forte. Nessa altura, foi praticamente vedada a saída para os outros países da Europa, porque tinham de sair com passaporte e, em Portugal, pura e simplesmente, deixaram de conceder passaportes. Precisavam aqui da mão-de-obra. E, houve também, um trabalho, fundo e profundo, feito em Cabo Verde, de procura de homens para a prestação de serviços. E as administrações civis, na altura, faziam listas de pessoas que vinham para aqui trabalhar. E, assim, começou a engrossar a comunidade caboverdiana em Portugal.Eu estou a falar daquela comunidade que veio à procura de vida melhor, à procura de trabalho, porque nós temos cá também uma outra comunidade, que é a dos que, completado o ensino liceal, vieram fazer os seus estudos e ficaram cá. Essa é uma comunidade que hoje eu chamaria de elite cabo-verdiana em Portugal. Curiosamente, há um congresso de quadros, que, este ano, vai fazer já a sua terceira reunião. Vai ser na cidade da Praia, de 3 a 6 de Abril. Irão estar lá, só daqui de Portugal, cerca de 400 quadros e todos eles muito bem colocados. Portanto, quando falo dessa emigração da década de sessenta, e posterior, é da emigração que veio para trabalhar especialmente na construção civil, nas obras do metropolitano.A Senhora Dr.ª disse que esta emigração ficou à volta de Lisboa, isto é, na chamada grande cintura. Depois alargou-se para as zonas do litoral, como o Algarve, mas para o Norte foi muito pouca, só agora é que começou a afluir ao norte. E porquê? Porque o grosso se destinava à construção civil, de modo que foram fundamentalmente para as zonas onde havia construção civil. Para a margem sul, zona da Amadora, Sintra e, fortemente, também para o Algarve. Devo adiantar, que, neste momento, a comunidade inscrita na Embaixada já ultrapassa as 100.000 pessoas. E nessas eu não integro a chamada "elite", porque estes, quando vieram para aqui, tinham nacionalidade portuguesa, ou depois adquiriram-na, e não estão registados na Embaixada.O número de 100.000 é o dos inscritos. E essa comunidade está já bem integrada - a primeira geração. Nós temos problemas com a segunda geração, porque a primeira geração chegou e integrou-se. Tem trabalho. Tem trabalho e vai continuar a ter. E também tem havido da parte das autoridades portuguesas um forte incentivo à sua integração. Para além do trabalho, tem havido uma série de programas de realojamento. Há concelhos, aqui limítrofes de Lisboa, que, neste momento, já não têm uma única barraca. O programa de realojamento irá, até 2005, acabar com todas as barracas existentes, de acordo com aquilo que as autoridades dizem.Também tem saído legislação permissiva de reagrupamento familiar. Há bocadinho, a Sr.ª Dr.ª falava no reagrupamento. Em Portugal já existe essa lei. Simplesmente, há um conjunto de exigências que, muitas vezes, impede que o reagrupamento se faça mais rapidamente. Mas, como o cabo-verdiano é um indivíduo ardiloso, há sempre maneira dos maridos, que estão cá, fazerem chegar as mulheres... E, depois de estarem, então faz-se a integração, com o reagrupamento, naturalmente.Eu disse que as autoridades portuguesas o têm permitido, e devo dizer que várias associações também, e, por aquilo que eu ouvi agora, esta associação tem contribuído, por seu lado, fortemente, para a integração dos imigrantes na comunidade portuguesa.É um desafio que deixo aqui, e um pedido a esta associação, que se chama “Mulher Migrante” para se estender também, e quero crer que já o faz, aos homens e às crianças, porque nós também somos imigrantes.Vou terminar, desejando que os vossos trabalhos corram da melhor forma possível, que tenham bons resultados, como já têm tido em outros encontros. E que, nas próximas reuniões, se lembrem de que há um Embaixador de Cabo Verde, que tem todo o gosto, todo o prazer em poder estar presente nas vossas reuniões e trocar impressões e ter conversas com a Associação, e com outras, de modo a melhor se fazer aquilo que todos nós queremos, que é a integração plena da comunidade migrante na comunidade portuguesa. Assim como a comunidade portuguesa encontrou, também, lá fora meios para se integrar, aonde entendeu que devia procurar um meio de vida melhor.Muito obrigado, e um bom trabalho.

Dr. João Lebaesquet
Dr Manuela Aguiar ,Sr. Embaixador, Exmos. Srs. Membros da mesa, Ex.mos convidados
Queria agradecer em nome do Sr. Alto-Comissário, Dr. José Leitão, a gentileza do convite da Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade "Mulher Migrante" para estar presente nesta iniciativa oportuna, relativa aos problemas sociais da nova migração, na medida em que, contêm dois temas que são essenciais e estratégicos nos problemas de imigração a nível mundial, a nível europeu e a nível nacional.Um que diz respeito à livre circulação e ao direito ao reagrupamento familiar, e outro, que tem uma vertente relativa aos direitos sociais e à forma como é feita a qualidade da integração e da inserção social dos imigrantes, que já foi aqui salientada pelo Sr. Embaixador de Cabo Verde. Eu quero dizer que me reconheço, genericamente, nas palavras proferidas tanto pela Sr.ª Presidente como pelo Sr. Embaixador de Cabo Verde, nesta matéria.Sem me querer alargar muito e não tendo preparado uma intervenção escrita nesta matéria, eu queria dar-vos só alguns números sobre aquilo que se avançou e que são as preocupações emergentes neste trabalho. Eu penso que esta matéria não deve ser de clivagem na sociedade portuguesa, deve ser uma matéria que reflicta uma posição comum, a nível das instituições do Estado e a nível dos partidos políticos, do parlamento e de todas as instituições sociais, que trabalham no terreno.O problema da imigração é demasiadamente importante para ser um aríete político, mesmo em momento de campanha eleitoral. Agora, há que reconhecer que, de facto, houve diferenças e há diferenças.Vamos aos números, rapidamente: em 2000 tínhamos 208.198 imigrantes legais em Portugal (total geral), sendo que, havia cinco nacionalidades predominantes. Dessas cinco nacionalidades, quatro respeitavam a países PALOPS (países de língua portuguesa), no qual o predominante era Cabo Verde, com 47.216 imigrantes legais, residentes legais em Portugal. Seguia-se o Brasil com 22.000, Angola e Guiné-bissau e, em 5º lugar, tínhamos o Reino Unido. Das 15 nacionalidades mais importantes, dentro dos 208.198 imigrantes existentes, havia 182.057 imigrantes legais. Estes números são significativos.Falando de sexo, a imigração era essencialmente masculina e, havia, dentro destes 208.000, 118.572 homens e 89.636 mulheres. Portanto, não faltava também público-alvo para a Associação Mulher Migrante. De qualquer forma, há que ter em conta que havia pendentes no Ministério da Administração Interna, fruto, penso eu, de alguma linha errada, que foi seguida até aos anos 90, e a Sr.ª Presidente, conhecedora da área como é, digamos, diferenciou as datas e penso que as diferenciou correctamente.Em determinada altura, falava-se muito em Portugal da imigração zero. O objectivo em Portugal era a imigração zero. Ora a imigração zero chumbou. Chumbou no exame e criou um choque migratório mais grave do que se tivesse tido uma imigração controlada, uma imigração regulada como agora se fala, e penso que muito bem. Aliás, esta posição foi defendida, nesse tempo, em Portugal, por várias pessoas. Por muitas associações, naturalmente também por esta Associação. E, na Europa, fruto do movimento cívico, da consciência política e da verificação de que as condições económicas e sociais no mundo não são geríveis tão facilmente pela determinante jurídica ou, às vezes, pela determinante voluntarista deste tipo de situações, constatou-se que era necessário uma nova política da imigração.Havia, nesse momento, pendentes para decisão, 47.000 pedidos de imigrantes, que, em Portugal, estavam ilegais, ao abrigo de um esquema excepcional, que permitia ao Ministério da Administração Interna conceder autorizações de residência. Isto era incontornável. Era ingerível. Era impossível. Quer dizer, tínhamos 50.000 casos excepcionais em Portugal. Tínhamos 1/4 da imigração ilegal em regime excepcional. Portanto, com direitos diminuídos, com dificuldades de integração no mercado de trabalho a serem ainda mais explorados.Ora, virou-se a página nesta matéria e a União Europeia chumbou a imigração zero.Está aqui uma proposta de reagrupamento familiar, apresentada pela União Europeia, que expressamente o reflecte e que cria um regime de acordo com os direitos internacionais consagrados em matéria de reagrupamento familiar - importantíssimo! É uma proposta de directiva e espero que o Estado português a apoie plenamente, como, decerto, será o caso. Mais importante, não só a nível da União Europeia, mas do próprio Estado Português: teve-se em atenção que era necessário melhorar o regime jurídico do direito ao reagrupamento familiar, o que se fez, através da lei 4/2001, de 10 de Janeiro. A verdade é que passou a ser reconhecido ao cidadão residente o direito ao reagrupamento familiar. O direito é sempre do cidadão que é residente, mas esse direito dantes era só reconhecido a pessoas que se encontravam fora do território nacional. Passou a sê-lo, também, aos familiares que já se encontram em território nacional. Em segundo lugar, é evidente que se mantêm as exigências de que se falou, do alojamento e das condições económicas suficientes. Essas condições são diferentes, de Estado para Estado na União Europeia, como a Sr. Dr.ª sabe, não vamos agora entrar nisso, mas, tem-se vindo, também nesta matéria, a ter um critério aberto na Administração, de forma a não atrasar as matérias do reagrupamento familiar.Por outro lado, o Alto-Comissário para a Imigração - e o próprio Conselho Consultivo - é informado de todas as recusas de reagrupamento familiar, que os Serviços de Estrangeiros e Fronteiras emitem. O que quer dizer, que há aqui também condições, e tem havido, de acompanhamento do Alto-Comissário, no sentido de garantir uma intervenção junto dos serviços sempre que vê que estão a ser prejudicados direitos essenciais.O Alto-Comissário também criou a propósito, aliás, desta matéria um Centro chamado “Em cada rosto igualdade - aliás, estão aqui presentes algumas pessoas responsáveis, por que estas matérias sejam acompanhadas - onde dão atendimento e tratam dos processos de reagrupamento familiar.Eu não queria avançar muito, mas modificou-se bastante a lei, no aspecto dos direitos dos menores, relativamente à sua legalização, quanto às autorizações de residência sem exigências de visto, portanto, facilitando a vida aos menores que nasceram em Portugal, como filhos de estrangeiros. Também se facilitou a todos aqueles que tenham vivido em união de facto com cidadão português, ou residente legal, não sendo casado em Portugal, dando autorização de residência, mesmo sem visto, o que quer dizer que se alargou bastante o direito ao reagrupamento familiar.Para vos dar só alguns números, em 2000, de homens e mulheres foram pedidos 692 reagrupamentos familiares. Em 2001, no regime de nova lei, o número aumentou para 1885 pedidos.Há uma diferença entre homens e mulheres, com a curiosidade de, em 2001, o número de mulheres a pedir o reagrupamento familiar já ser superior ao de homens. O que é um dado muito interessante, importante e muito significativo. Eu tenho aqui quadros, não foi possível apresentá-los porque não havia sistema de "powerpoint", a Dr.ª Desmet teve a bondade de me dar esta nota, e queria só acabar com o seguinte:Eu penso que, relativamente ao reagrupamento familiar (que envolve também os direitos dos menores, os direitos fundamentais, consagrados na nossa Constituição e em muitas normas internacionais, que não vou agora referir), há que ter conta esta nova imigração. E a nova imigração presente em Portugal, representa mais de 120.000 imigrantes. Dados de Novembro, que tenho aqui já. Até tenho mais adiantados, e tenho-os organizado por nacionalidades. Os ucranianos estã á frente, com 44.000.Agora já são mais: perto de 50.000. Brasileiros, perto dos 25.000, depois moldavos, depois romenos e cabo-verdianos, pouco mais de 6.000. Os cabo-verdianos, que eram a comunidade maior em 2000, passaram, nestas autorizações de permanência, que é um regime diferente do regime de autorização anual, para a quinta comunidade.A verdade é que as autorizações de permanência por um ano, que estão ligadas a um contrato de trabalho, portanto, à existência de uma relação laboral, permitem não bem uma espécie de reagrupamento familiar, mas aquilo que se designou como um visto de estada temporária. Ora, esse visto de estada temporária é um visto que está ligado ao trabalhador migrante e que corresponde a grande parte dos novos imigrante, à nova composição desta realidade em Portugal.O visto de estada temporária, na actual lei, não confere o direito ao trabalho da pessoa que tem o visto de estada temporária. O que me parece um anacronismo.Portanto, é evidente que, a mulher, digamos, ou a pessoa em união de facto, ou o jovem, ou o ascendente podem vir trabalhar em Portugal tendo um contrato de trabalho, mas no mesmo regime da pessoa que tem autorização de permanência. Mas, digamos, é preciso, de facto, aqui, tendo em conta a necessidade de dar e conferir maior estabilidade de todos os pontos de vista, e uma maior integração, e qualidade dos direitos sociais à nova imigração, que esta pequena entorse, que ainda ficou na lei, seja revogada e aplicado o regime geral de todos os outros - dos que têm autorização de residência.Eu vi os programas dos partidos, sei aqueles que falam nisso e aqueles que não falam, e são absolutamente omissos.Convém ter em conta que esta deve ser uma linha essencial : a imigração deve ser tratada como um todo, como uma globalidade, e não por nacionalidades e não por vectores.Não segmentarizar a imigração como a boa imigração ou a má imigração! A imigração que é explorada no trabalho e pelas mafias e a imigração que já se autonomizou mais e tem melhores condições. A imigração é todos seres humanos. Portanto, temos que os integrar socialmente, temos que lhe conferir estabilidade. E, ao mesmo tempo, é evidente, temos que combater e erradicar de Portugal e mandar para a prisão, por uns bons anos, aqueles que exploram os imigrantes. Acontece isso em alguns casos. É necessário, agora, alargar essa matéria.Queria, por fim, saudar o trabalho que se tem feito nas associações dos imigrantes e nas Embaixadas.A nova lei das associações de imigrantes, aprovada na Assembleia da República, por um largo consenso, veio conferir direitos às associações de imigrantes. Veio conferir-lhes um estatuto de representatividade, pela primeira vez, como associação de imigrantes e seus descendentes, o que permitiu, desde logo, reconhecer a utilidade pública, sem necessidade daquele processo complicado de reconhecimento pelo Sr. Primeiro-ministro. E permitiu-lhes mais, permitiu-lhes o direito de participar em Conselhos Consultivos. E eles participam em várias acções comuns com o Estado. Têm direitos perante o Estado. Direitos de apresentação de projectos e a financiamento por parte do Estado - o que passou a acontecer, directamente,através do Gabinete do Alto-Comissário.Enfim, tudo com os recursos limitados que o Estado português tem nesta matéria. Era preciso mais, também aqui venho dizer que é preciso mais e melhor integração.Relativamente aos direitos sociais, terminava, dizendo apenas o seguinte: sejam os imigrantes com autorização de residência, sejam os novos imigrantes com autorização de permanência, sejam até, nalgumas matérias, imigrantes em situação ilegal, há caminho que tem vindo a ser percorrido no domínio dos direitos sociais.E chamo a atenção, por exemplo, para a questão do direito à saúde. Foi já esclarecido que não há diferença entre autorizações de residência e de permanência ilegais. No acesso ao rendimento mínimo garantido, no acesso a uma habitação condigna, no acesso à educação, em que se estão a encontrar plataformas para resolver o problema das crianças indocumentadas ( o que é um horror!).Nesta matéria, há que promover claramente o princípio da equiparação de direitos, que é o princípio fundamental da Constituição em Portugal.É esse o parâmetro que nós esperamos que vá para a frente. Não só em favor dos imigrantes, mas em favor da sociedade portuguesa, numa interpluralidade e na riqueza intercultural da nossa sociedade, mas, também, no contributo que Portugal está a dar, e que é importante, a nível da Europa e do mundo, porque nós continuamos a ser, como muito bem disse a Sra. Presidente, “ um país de imigração, mas também um país de emigração “.Muito obrigado.Drª Manuela AguiarAgradeço aos intervenientes e manifesto o meu acordo com as palavras que acabamos de ouvir. Queria só, se me permitem, neste ambiente informal, apontar, no que respeita à autorização de permanência em Portugal, um problema que detectámos na reunião de Porto de Mós. O respectivo visto não é reconhecido noutros países comunitários e os trabalhadores, quando saem da fronteira portuguesa, correm o risco de ser deportados para os seus próprios países. Se fossem reenviados para Portugal... do mal o menos. Mas não!Levantei esta questão no Conselho da Europa e a proposta de resolução que apresentei foi aceite e vai dar origem a um relatório, que, por acaso, me foi atribuido. Para além de Portugal, há também casos na Alemanha e entorses ao direito de livre circulação em países de leste, nomeadamente, na Comunidade de Estados Independentes. O relatório abordará estes diversas variantes do problema e espero que o visto venha a ser ou reconhecido no espaço europeu ou que, pelo menos, sejam encontradas formas de valer a estes imigrantes para poderem visitar as famílias.No que respeita ao direito ao trabalho, defenderemos o direito do cônjuge (na maioria dos caso, aliás, mulheres) a um estatuto que lhes permita autonomia e acesso ao trabalho. É isso que temos proposto, também, no Conselho da Europa. Um estatuto de igualdade.Como associação, somos completamente apartidários e manifestamos as nossas posições pessoais. Podemos ter partido, mas não o trazemos para aqui.Há um outro ponto da lei portuguesa, da nova lei, em que melhoramos e nos tornámos num dos países de vanguarda na Europa. Refiro-me à impossibilidade de deportação de imigrantes menores, que vivam em Portugal desde os 10 anos de idade, assim como a dos seus pais. É um outro meio de garantir a unidade da vida familiar, a não separação de famílias. Regozijo-me com isso.Renovo o meu agradecimento a todos os participantes.


MESA REDONDA
"O DIREITO À REUNIFICAÇÃO FAMILIAR e À LIVRE CIRCULAÇÃO"
Moderador: Dr. Gonçalo Nuno Perestrelo Santos
Comunicações: Drª Ana NarcisoDeputada à Assembleia da República; Profª Doutora Maria Engrácia Leandro, Professora Associada do ICS da Universidade do Minho; Sr Xavier Barois, Técnico do Serviço Social do "Service d' Aide aux Imigrants" -secção francesa . Encarregado da acção internacional.

Dr Gonçalo Nuno
Muito bom dia.Ia pedir a vossa atenção para começarmos a primeira mesa redonda, mas, antes, dizer-vos quanto estou grato pelo carinho que esta Associação da Mulher Migrante tem sabido dispensar às Regiões Autónomas, a da Madeira, de onde sou, e a dos Açores.Temos tido, desde o início desta Associação, uma colaboração que muito me honra, assim como, em particular, a amizade que a Dr.ª Manuela Aguiar e a Dr.ª Rita Gomes me têm dispensado.Folgo ver amigos de longa data aqui, entre nós.Esta primeira mesa redonda é subordinada ao tema “O Direito à Reunificação Familiar e à Livre Circulação”. Era para ser moderada pela Dr.ª Margarida Marques, mas como ela não pode vir, cabe-me a tarefa, que é difícil, tendo em conta a qualidade dos intervenientes.A Dr.ª Ana Narciso é deputada na Assembleia da República, a Prof. Doutora Maria Engrácia Leandro é professora associada da Universidade do Minho, e Monsieur Xavier Barois é técnico do trabalho e encarregado da acção internacional do “Service Social d´Aide aux Émigrants”, na secção francesa.
Começo por dar a palavra, pela ordem que consta no programa, à Sr.ª Dr.ª Ana Narciso.

Dr.ª Ana Narciso
Muito Obrigada. É com todo o gosto que participo neste painel e tenho a tarefa muito facilitada uma vez que a Dr.ª Manuela Aguiar já falou bastante sobre Porto de Mós.Obviamente que não vou falar só de Porto de Mós, vou falar daquilo que eu encontrei no terreno, depois da iniciativa que organizámos e que teve consequências notáveis.Foi um encontro muito produtivo e que não se esgotou naquele dia. Há uma sequência no terreno. Foram levantadas questões muito interessantes, e, algumas, depois, objecto de projectos de resolução, outras de perguntas ao Governo.Vou, então, centrar-me naquilo que encontrei, depois de algumas tentativas goradas - também preciso de dizer isto - de entrar em contacto com os imigrantes, que estão neste momento no Concelho em Porto Mós.Penso que tenho uma cara mais ou menos saudável e que não inspira grandes desconfianças. Mas fiquei seriamente na dúvida, depois de tentar vários encontros com os imigrantes que, sistematicamente, fugiam de mim. Isto quer dizer alguma coisa. Não tenho cara de mafiosa, mas o que é certo é que uma relação de confiança com eles teve de ser conquistada, paulatinamente, todos os dias. Foi muito bom, e, agora, posso partilhar as suas preocupações convosco:“Sinhora, como posso trazer a minha filha para Portugal?”;“Sinhora, a minha carta de condução tirada na Ucrânia é válida em Portugal?”; “Sinhora, quero comprar carro na Alemanha, e levá-lo à Ucrânia. Posso fazer isso?”; “Sinhora, eu sou Engenheiro de Florestas e Madeira, como posso provar? Aqui estou a partir pedra”;“Sinhora, eu quero aprender português. Onde posso?”;“Sinhora, com os vistos há problema, com os passaportes há problema, com os salários há problema. Lisboa paga mal, Lisboa não paga. Aqui, sim, mas Lisboa não paga. Como posso recuperar esse dinheiro?”; “Quem nos ajuda?”; “Quem nos dá informação?”.As frases não saíram exactamente assim, foram já reorganizadas. Mas as questões eram exactamente estas.E, se calhar, não foram mais porque a barreira da língua é enorme.Utilizamos tudo, utilizamos as mãos, utilizamos papel, por forma a que as perguntas e respostas conseguissem ser mais ou menos compreendidas por ambas as partes.Estas inquietações foram, de facto, colocadas por imigrantes de leste. A maior parte.A comunidade caboverdiana, ou de outros países, está mais ou menos integrada, porque existe há mais tempo. As crianças já estão integradas na escola. Não causam esse tipo de inquietações. Tem outras, mas não estas.Em Leiria, correspondem já a 3% da população. Estes problemas, que eu encontrei em Porto Mós, possivelmente, são comuns a uma esmagadora maioria dos novos imigrantes, que estão, de momento, a conviver connosco.Se calhar, não é politicamente correcto dize-lo, mas é aquilo que eu sinto.No momento em que o relatório sobre “Oportunidades de Trabalho em Portugal em 2002” revela que o país deverá recrutar, este ano, cerca de 27.000 imigrantes para ocuparem postos de trabalho, sobretudo nos sectores da construção civil e serviços de limpeza, preocupa-me que estas inquietações e preocupações dos que já cá residem estejam ainda por resolver.Depois, há esta questão dos vistos que para eles é muito difícil de perceber.Há os que têm autorização de residência, os que têm vistos de trabalho ou autorização de permanência - o que perturba, em vez de clarificar.Tenho outro receio muito grande: importamos mão de obra, mas ficamos com pessoas. Pessoas com problemas.Fala-se muito de números, de percentagens, de quotas, de contingentes, mas atrás de cada número está uma pessoa. Atrás de cada número está alguém que se sente isolado. Atrás de cada número está alguém que tem estas inquietações.E eu prometi voltar com respostas.Prometi voltar com respostas para a Roselana que quer trazer a filha de volta. Prometi trazer resposta ao Valentim, que quer iniciar o seu negócio, mas não sabe como fazer. Prometi trazer resposta ao Ivan, que quer aprender português mas, os cursos não começam - embora tenham começado alguns, houve uma candidatura que, estranhamente, não andou para a frente, porque os kits pedagógicos não estavam prontos. Tivemos que refazer a candidatura.Como houve aqui um vazio, a solidariedade funcionou, com professores generosos. Com a Caritas, também. Proporcionaram cursos de português os muitos deles. Aliás, foi exactamente com os que já estiveram nestes cursos que consegui uma melhor comunicação. Serviram como interpretes. Querem participar num encontro que está programado para este sábado.Prometi voltar com respostas. Mesmo que a resposta seja negativa.Esta questão da língua coloca-me uma outra: um vazio no que se refere à validação da competência em língua portuguesa, á semelhança do que existe, por exemplo, no inglês ou no alemão. A Faculdade de Letras tem um estudo já bastante aprofundado sobre isto, da responsabilidade do Professor Doutor Malaca Casteleiro e da Professora Doutora Raquel Gonzalez e penso que, a partir daí, se conseguiria trazer ou propor um exame que desse alguma validade, em termos de competência, porque toda agente está a aprender português - mas para que serve? Têm algum diploma com eles que o certifique?Que fizeram? Que sabem? Que compreendem? Que escrevem?É uma área que temos de trabalhar, não de esquecer.Com a entrada em vigor a 22 de Janeiro do Dec. Lei nº 4 de 2001, o qual altera o nº 244/98, no respeitante ás condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, iniciou-se uma nova fase de legalização. Eles sabem bem isto. É engraçado que, isto, eles sabem.Mas, apesar das alterações introduzidas pelo novo diploma, os imigrantes continuam a deparar com sérios obstáculos no processo de legalização. Falta de informação. Essencialmente isto. E, sobre o processo de regularização, o receio de se identificarem. Eu senti isso na pele, quando eles não se queriam identificar perante mim.Há, em certos casos, a recusa de sectores patronais em possibilitarem um contrato de trabalho, concorrendo, obviamente, para o incumprimento das disposições laborais, para a exploração de mão-de-obra barata. Ou até a situação ilegal de algumas empresas perante o fisco e a segurança social, ou mesmo não possuírem o necessário alvará. O trabalho precário. A retenção de passaportes... Curiosamente, quase todos eles, os que ali estavam, não tinham passaportes com eles, o que eu achei estranho.Se fosse uma ou outra pessoa, tudo bem! Agora, quinze sem passaporte!... Achei que havia ali algo que eu não devia explorar, porque essa não é a minha função.Eu quero ajudar, não quero hostilizar. Mas acho que há qualquer coisa que não está bem. Perguntei se as Embaixadas os ajudavam, nada ... não há qualquer apoio da Embaixada da Ucrânia ou da Rússia. Zero.Dizem que não têm resposta para isto, a não ser regressarem à Ucrânia e voltarem.Há casos de falta de pagamento dos salários. Lisboa paga mal, repito. Faltam mais associações, organizações não governamentais, que defendam os seus interesses.O desconhecimento da língua, a dependência das máfias, a ausência da família, o alojamento em condições indignas… É fácil alojar mão de obra, é mais difícil alojar pessoas.Tudo isto somado, dificulta a reunificação familiar. A instabilidade, a incerteza do futuro, proporcionam condições de exploração. A venda de contratos de trabalho, e eu penso que isto é visível, é um triste exemplo do aproveitamento indevido de uma disposição legal. De igual forma, se deve questionar a não concessão de residência a quem desde há largos anos habita e serve o país, apesar de atestada a sua conduta por entidades idóneas.Penso que aqui a Igreja tem tido um grande papel!Não percebo porque é que demoram tanto tempo a atribuir estas concessões de residência.Por tudo isto, parece-me que há uma política de equívocos e que necessitamos de uma liderança forte e articulada no espaço europeu.Esse desafio de liderança política é um desafio que interpela todos e cada um de nós, em particular, em torno de quatro eixos que me parecem fundamentais e que aparecem em praticamente toda a literatura respeitante à imigração, a uma nova política de imigração.Em primeiro lugar, cooperação com os países de origem.Parece que é fundamental percebermos porque é que estas pessoas saem dos seus países. Quais são as causas desta deslocação de pessoas, que apostam num destino, quase sem rede?.A gestão coordenada dos fluxos migratórios, promovendo obviamente a reunificação familiar. A adopção de uma política de integração dos imigrantes nas sociedades de acolhimento.Prossecução de uma política conjunta de combate à imigração clandestina.Eu penso que as autarquias podem ter um papel muito importante também. A articulação, o estabelecer a nível local uma estreita colaboração com as autarquias. Com planos de integração e de acolhimento.Articulação da acção do SEF e da Inspecção do Trabalho, em ordem a contrariar eficazmente a imigração ilegal e a exploração de mão de obra, e, depois, o enquadramento e apoio às actividades das associações de imigrantes, conferindo-lhes o estatuto das ONG´s e parceiros do Estado.E, parece-me, as coisas também evoluem. Não estamos perante uma situação estática.O Valentim queria, por exemplo, ir à Ucrânia e voltar. Há um fluxo de vai e vem, que este tipo de legislação não permite. Exactamente o problema que a Dr.ª Manuela Aguiar colocou no início da sua intervenção. Eles querem ir e vir. E esta legislação não lhes permite isto. E querem, inclusivamente, ir comprar um carro à Alemanha e entrega-lo á família. Podem ou não? Com a legislação que temos, penso que é muito arriscado fazê-lo.Vou finalizar a minha intervenção. Acho que o debate pode ser muito interessante.Só uma referência à questão dos capitais, das remessas . Há, também, aqui uma política de co – desenvolvimento com os países de acolhimento. O papel que a imigração pode ter no desenvolvimento do país de origem é positivo, deve ser incentivado através da canalização das poupanças, através de fundos de capital de risco para o desenvolvimento desses países. mais Também isto deve ser aprofundado.Por fim, só vos posso dizer que eram estas as inquietações que queria partilhar convosco. Da parte da tarde, possivelmente, não vou poder assistir ao painel, porque vou iniciar um programa de rádio, a nível local, com um ucraniano que já fala bastante bem português, para tentarmos fazer a ponte entre a comunidade, dando-lhe informação. Toda a que pudermos, em russo. Parece que há pouca. E eu consultei os sites da internet. Têm apenas disponível a questão do euro, que me parece já bastante ultrapassada. Há folhetos. Era preciso que houvesse mais informação. A que está disponível em russo eu já a retirei, obviamente, até porque começa a haver nas zonas rurais acessos gratuitos à "internet" e eles sabem utilizá-la. Se estiver disponível essa informação em russo, é fácil eles irem buscá-la, com acesso gratuito, e-mail gratuitos. Essa componente tecnológica, eles têm-na.Por último, reitero a preocupação com a equivalência dos diplomas. Penso no engenheiro de florestas que está a partir pedra, para além de outros (também encontrei um professor de vela que está a partir pedra e professoras que estão a fazer de mulher a dias). Eu sei que a universidade portuguesa ainda é bastante fechada, é difícil, inclusivamente, um aluno em Portugal passar do primeiro ano de Lisboa para o primeiro ano do Porto - tem de voltar atrás. Em Portugal é assim… Tenho, aqui ao lado, alguém que está ligado à universidade.É um desafio: como é que vamos certificar duas coisas: a língua e a equivalência dos diplomas?Muito obrigada pela vossa atenção.

Dr. Gonçalo Nuno
A Sr.ª Dr.ª Ana Narciso apresenta um trabalho cuidadoso, um trabalho em que ela própria veste o papel de actor, o actor da imigração com “i” e que faz perguntas a ela própria. Faz -nos perguntas, a nós, faz perguntas ao país.Como resolver? Como é que aqueles rapazes vão fazer o reagrupamento familiar? Como é que trazem o carro? O problema dos vistos? A língua? Problemas que afectam as pessoas. Apresenta-nos aqui um quadro de possibilidades, mas que passarão necessariamente por uma mudança. Primeiro, dos serviços intervenientes, que não estão devidamente interligados para darem uma resposta coesa e solidária, depois das pessoas, os interessados, os tais imigrantes, que parece não terem uma porta onde bater. Apetece-me quase dizer que Portugal tem um passado tão recente de emigração com “e” que ainda é muito prematuro ter políticas para imigração com “i”, ao contrário duma França, que há muitos anos lida com essa situação. Vou passar a palavra a Sr.ª Prof. Doutora Maria Engrácia Leandro, professora associada da Universidade do Minho.


Profª Doutora Maria Engrácia Leandro
Eu começo por cumprimentar os meus colegas de mesa e cumprimento todas as pessoas que estão nesta sala.E queria começar também por agradecer, mais uma vez, à Direcção da Associação Mulher Migrante, a que tenho a honra de fazer parte, de mais uma vez me ter convidado para estar aqui convosco. Como foi muito à última da hora, a resposta só foi dada na segunda-feira, portanto, desculpem-me se as coisas não forem assim tão estruturadas como eu gostaria que fossem.Por outro lado, eu queria dizer já isto à partida: é que se a Dr.ª Ana Narciso nos apresentou o resultado de um trabalho de campo, com ela própria frisou, eu não vou apresentar um trabalho dessa natureza.Aliás, há um trabalho que já fiz há cerca de um mês. Também sobre os imigrantes de leste, no concelho de Vila Verde, na perspectiva da saúde. Mas não é isso que venho aqui apresentar hoje. O que venho apresentar, o que me foi pedido, é, realmente, uma visão teórica sobre a questão do reagrupamento familiar. Vamos lá a ver se num quarto de hora, que foi o tempo que me foi dado, eu consigo dizer coisas interessantes. Portanto, eu irei estruturar a apresentação que vou fazer sobre quais são os aspectos sociais que decorrem desta questão, numa perspectiva sociológica. Depois passarei a outro aspecto da ligação dos aspectos sociais com os aspectos biológicos da família propriamente dita.Outro aspecto que temos que ter em conta nesta questão, é o das formas de família.E, por fim, as grandes questões que se põem hoje, decorrentes de uma política do reagrupamento familiar mais ou menos consistente ou, inversamente, quer para a própria família, quer para o indivíduo, quer para a própria sociedade, quer para a integração e quer para a saúde.Vamos lá a ver se, num quarto de hora, eu consigo abordar estes aspectos todos.A família é uma instituição universal e ancestral, reconhecida por todas as instâncias internacionais, por todos os Estados, por todos os Governos e por todas as religiões. É um facto inegável que todas estas instâncias e outras, que não tenho tempo de enumerar aqui, consideram a família um elemento natural e fundamental da sociedade, ou melhor, das várias sociedades em que nos encontramos. Mais ainda, na quase totalidade dos casos, os seres humanos, enquanto criaturas, nascem, crescem, vivem e morrem numa família.Hoje morrem menos na família e nascem menos na família. A maioria dos partos e das mortes tem lugar nos hospitais, nas clínicas, nos lares e assim por diante. Eu diria, a maioria das mortes. Se calhar, estou a exagerar porque, contrariamente àquilo que se diz, mesmo em Portugal - permitam-me agora meter a colher aqui - aquilo que se diz do abandono da terceira idade em lares, não é tanto como aquilo que se pensa. As percentagens parece que não vão além dos 3%. Não sejamos tão profetas da desgraça, como muitas vezes tentamos ser. (Mas, isso é outro aspecto da questão que não é para aqui chamado). Bem, seja de que maneira for, é importante que este aspecto seja tido em conta. Portanto, é à família que todas as sociedades continuam a confiar esta função primordial, que é a socialização dos seres mais novos, embora a família seja cada vez mais coadjuvada por outras instituições, como são particularmente as escolas, como são também hoje, com grande impacto, os “mass média”, designadamente a televisão... e uma série de outras instituições, que colaboram com a família nesta função.Repito mais uma vez, a família é a primeira responsável. Se não fosse assim, nós podíamos perguntar, até, porque é que, sobretudo nas sociedades ocidentais, pelo menos de há uns 40 anos para cá, se tem investido tanto em políticas de democratização da escola e, no entanto, quando se chega ao fim dos percursos escolares, a tendência é os filhos que nascem em famílias de condição social modesta não terem os mesmos diplomas daqueles que nascem de famílias altamente favorecidas. Portanto, não é só a escola que corrige as desigualdades sociais. Há outros fenómenos.Bem, perante tudo isto, uma das coisas que podemos realmente dizer é que a família é considerada um valor fundamental das sociedades.Aliás, apesar dos profetas da desgraça àcerca das crises da família, não partilho a tese de que a família está em crise.O que está em crise é uma forma de família. Não é a família.Os meus alunos ficam sempre, assim, a abanar, quando eu afirmo isto. Já agora permito-me explicar porquê. Porquê que eu digo que a família não está em crise? Reparem, todos os estudos que têm sido feitos à escala internacional e nacional põem a família como um valor fundamental da sociedade. Por exemplo, no inquérito feito à escala europeia de 1991, 82% ou 84%. Agora fiquei na dúvida dos europeus consideram a família um valor muitíssimo importante. São 82% dos europeus. E apenas 64% dos portugueses consideram a família um valor muitíssimo importante. 30 e qualquer coisa % ,entre os portugueses, consideram -na muito importante. O que significa que cerca de 90% dos portugueses no “muitíssimo” e no “muito” também consideram a família um valor muito importante.Por exemplo, outro estudo que foi feito em França, já aqui há uns 10 anos, no liceu, 70% dos adolescentes do liceu - portanto, entre os 12 e os 16 anos - consideravam que, quando qualquer coisa vai mal na família, tudo vai mal. Portanto, continuo a dizer, por exemplo, concretamente em França, a família é considerada pelos franceses um valor fundamental, que se sobrepõe ao trabalho, à igualdade e à justiça. E eu podia apontar, agora, outros estudos feitos à escala nacional, muito concretamente. Já agora, se me permitem: em 1995, fez-se um estudo na diocese de Braga em relação ao Sínodo, em que houve um inquérito de rua com resposta aberta. E havia uma questão que era esta: “Quais são para si os aspectos mais importantes da vida?”. Saúde, família, depois, Deus, solidariedade.Saúde aparecia com 26%, família com 24%.Depois : “O que é que lhe dá sentido à vida e o que é que lhe oferece felicidade?”. Os mesmos 26% e 24%. Portanto, dizer que a família está em crise com valores destes…Agora, repito, o que a família está é em profunda transformação. Mas eu não vou aqui falar disso. Há uma forma de família que está em crise, e uma certa forma, portanto, de se pôr a relação à família. Mas de qualquer maneira, é importante que tenhamos em conta a valorização da família. Se isto é assim para as pessoas em geral, o que é que se passa em relação à imigração?Bem, em relação à imigração temos de ver que o imigrante e a sua família são, por excelência, pessoas do Direito, sujeitos do Direito internacional, binacional e nacional, isto é, toda a vida do imigrante e da sua família está enquadrada por leis, por estatutos, por acordos - e pelo que anda aqui à volta. Ainda que sejam leis que discriminem pela positiva. Mas, enquanto que para os outros as coisas são de uma maneira espontânea - que me desculpem a palavra natural aqui - para os imigrantes as coisas têm realmente algo de diferente.Foi dito hoje aqui, quer pelo senhor Alto-Comissário, quer pela Dr.ª Manuela Aguiar, mas, de qualquer maneira, interessa-me dizer aqui uma palavra muito rápida sobre o "jurídico".Eu disse, no princípio, que todas as instâncias internacionais consideram a família um valor fundamental, um elemento natural e fundamental em todas as sociedades. No entanto, dizia eu que, em matérias de imigração, até 1990, a ONU não incluía nas suas Convenções nenhum aspecto concreto que fizesse tornar abrangente o direito ao reagrupamento familiar. Só a partir de 1990 é que nós o vamos encontrar Em contrapartida, e eu vou recuar um pouco no tempo, há três instâncias que eu não posso deixar de chamar aqui, para vermos como é que as coisas se posicionam.Uma é a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que, no artigo 16, considera que a família é um elemento natural e fundamental de qualquer sociedade e tem direito à protecção do Estado e da sociedade. Posto isto, significa que todas as outras instâncias jurídicas têm necessariamente que fazer apelo a este aspecto da Declaração Universal dos Direitos do Homem.Podemos também olhar para o Pacto relativo aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais e o Pacto relativo aos Direitos Sociais e Políticos, a nível europeu, de 1966. Estes dois Pactos visam também o direito de viver em família.Podíamos continuar a ver, do lado da OIT (Organização Internacional do Trabalho), também, várias cláusulas, que apontam no sentido do direito de viver em família.Agora há uma coisa que interessa ter aqui presente: todos o apontam como objectivo, não como aspecto constrangedor.Por exemplo, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 8, n.º 1, diz que toda a pessoa tem direito ao respeito pela vida familiar, mas, no artigo 8, n.º 2, diz logo que, “ninguém se pode ingerir no direito de cada Estado, para tornar obrigatória esta lei”.Há aqui uma certa dualidade. Por um lado, sim senhor, é obrigatório o respeito mas, por outro, não se pode ingerir. Significa o quê? Significa que cada Estado, embora se inscreva numa política comum, sobretudo a nível europeu, pode orientar as suas políticas internas em função de tornar mais ou menos obrigatória as leis que vão ao encontro do reagrupamento familiar.Por exemplo, na Europa, foi sobretudo a partir de 1968, com o Conselho da Europa, que as leis começaram a ser mais efectivas sobre este aspecto. No entanto, mesmo assim, só nos anos 90 é que começam também a aparecer, neste nível, leis que vão muito mais neste sentido.Em Portugal, a primeira lei, que foi criada, é de 1993. Agora mais recentemente - nisso eu não vou falar, portanto, só aponto, o Sr. Representante do Alto-Comissário já o disse há bocado - as leis portuguesas sobre esta matéria são, realmente, leis de vanguarda, as últimas leis são muito mais abertas do que era a lei de 1993.A lei de 1993 alinhava-se muito sobre aquilo que eram as orientações europeias. De qualquer maneira, nós estamos no espaço de Schengen, nesta altura, integramos a União Europeia. Não podemos fugir muito a esta questão, mas há sempre uma certa margem de manobra. Daí que, talvez, neste aspecto muito concreto, em matéria de Direitos Humanos e, em matéria de uma política muito mais humana relativa à imigração, Portugal seja, como já foi dito, um país de vanguarda.Mas, decorre daqui outra questão, sobretudo tendo em conta as leis do princípio dos anos 90, quer a nível europeu, quer a nível português. Se formos olhar para a lei portuguesa de então, nós achamos que a lei é extremamente aberta - isto é, em relação ao reagrupamento familiar.Quem é que pode integrar o reagrupamento familiar? O cônjuge, os descendentes, os ascendentes e os colaterais.Aqui é preciso termos em conta as formas de família. Está integrado em que forma de família? Na família nuclear. Como é que nós sociólogos definimos uma forma de família? Temos em conta as estruturas, os papéis e as representações. A nível de estruturas, a família nuclear não é uma criação da sociedade industrial, é mais antiga, mas foi muito mais desenvolvida com a sociedade industrial, que tem uma estrutura triangular. O pai, a mãe e os filhos. Podemos dizer que, no mundo ocidental, esta é a forma de família predominante. Daí que podem vir os filhos , os ascendentes, desde que se prove que estão a cargo dos imigrantes. E podem vir os colaterais, também, desde que se prove que estão a cargo dos imigrantes. Desde que não se prove, já não podem vir...Outra questão: será que nós podemos alinhar as políticas do reagrupamento familiar, tendo apenas em conta esta forma de família e, sobretudo, tendo em conta que a imigração em todo o mundo mas, muito particularmente em Portugal, é cada vez mais heterogénea, na sua origem geográfica, social e cultural?Nem todas as sociedades se alinham pela mesma forma de família. Por exemplo, a cultura muçulmana - e nós temos vários muçulmanos em Portugal, sobretudo vindos da Guiné e de Moçambique. Os que vêem dos países de Leste são mais de religião ortodoxa.As religiões têm muito que ver com a família, e dizia eu que, na cultura muçulmana, a família pode ser poligâmica. E se é poligâmica significa que um homem pode casar com quatro mulheres. Como é que a lei do reagrupamento familiar, contemplando apenas a família nuclear, tem em conta esta situação?Por exemplo, na cultura africana : esta valoriza muito e dá uma grande dimensão à família alargada. A família alargada não tem apenas aquela triangulação de que eu falei. Tem outro tipo de estruturas, que podem incluir, normalmente, três gerações no mesmo espaço e, além disso, é uma cultura de grande solidariedade com todos os membros da família.Ou ainda a família de linhagem. Nesta, basta ter um antepassado que seja secular, e, pelo facto de ter o mesmo antepassado, tem relações que ficam.Outra questão, ainda, aparece, e aí estou de acordo com a palavra crise da família, devido às grandes transformações que nela se estão a operar, em função sobretudo do divórcio, das rupturas e até das uniões de facto, que muitas vezes não podem ser comprovadas.Estamos, cada vez mais, perante a família mono parental e outro tipo de família - que me desculpem se vou chocar alguém, mas eu aqui estou na qualidade de socióloga - a família homossexual.Como se enquadram?O que eu quero dizer, é que há toda uma panóplia de formas de família, e não sei até que ponto é que a abertura ao reagrupamento familiar contempla este conjunto de situações.Quais é que são as consequências das políticas muito restritivas em relação à reunificação da família? Bem, é preciso termos em conta uma coisa fundamental. A semana passada, organizei em Braga um colóquio sobre “ Saúde e Discriminação Social”, e, nessa comunicação, que fiz com dois alunos de mestrado, sobre os imigrantes de leste em Vila Verde, chamamos-lhe “Os males do corpo em terra estrangeira”. E uma das coisas que verificamos - reparem, isto, é bom que tenhamos em conta – é que dizemos que queremos a interculturalidade mas a primeira coisa que esperamos do imigrante e que vemos no seu corpo, é um "corpo de trabalho". E só queremos cá a imigração por causa do trabalho. Os imigrantes, e os emigrantes, que são os nossos, são essencialmente o homem ou a mulher, o "corpo de trabalho". Se não trabalharem, não são cá precisos para nada. Para desemprego, temos cá os nossos. A tendência é para ver assim. Agora temos muito trabalho e eles são cá precisos. Quando as coisas não forem assim, fica um desafio para os políticos. E para mim, que me interesso pelas coisas sociais e humanas.É extremamente importante não olharmos para o imigrante apenas como o “ Homo faber ” (o homem que faz, o homem que trabalha), mas para o “ Homo familias “, o “ Homo socius “ , não apenas, repito, aquele corpo que tem força para trabalhar, o corpo procurado apenas para trabalhar, mas aquele corpo que é objecto de sensações, que é objecto de desejo, que é objecto de todas as dimensões humanas, como outra pessoa qualquer.Nesta altura, e eu há bocado não tive oportunidade para o referir, a família não tem só obrigação de educar as crianças, mas também de enquadrar os adultos. Portanto, um imigrante que é obrigado a ter de viver longe da família é um homem, ou uma mulher, fora do ambiente familiar que lhe possa dar este enquadramento. Como eu disse, é um homem ou mulher de desejo, mas como é que ele pode realizar os vários desejos do corpo, inclusive, a sexualidade? Estas questões figuram no meu trabalho de Vila Verde, de uma forma indirecta. Mas não tenho tempo de desenvolvê-las.Daqui, decorrem várias questões quando é dificultado o reagrupamento familiar, em termos da própria integração familiar do indivíduo - poder sentir-se cada vez melhor consigo próprio, enquanto pessoa de direito e, ao mesmo tempo, ter um grupo com o qual possa partilhar a sua existência.Uma das grandes dificuldades de comunicação é a linguagem e ele precisa do seu grupo nos primeiros tempos. Contrariamente ao que se pensa, há vários estudos feitos nesta matéria, que revelam que quanto mais os imigrantes, nos primeiros tempos, vivem e se solidificam entre eles e encontram as suas raízes, mais capacidade possuem para se integrar. E para isso precisa-se da família.Os primeiros estudos nesta matéria foram feitos, nos anos 20, em Chicago e, depois, nos anos 60, em França. E eu, nos anos 80 e 90, quando trabalhei sobre os portugueses, fui encontrar a mesma realidade.Queria que ficasse clara esta situação: das dificuldades que se criam ao reagrupamento familiar decorrem vários problemas que têm muitas dimensões humanas, familiares e sociais. Quando eu falo aqui na sexualidade, não falo apenas do objecto de desejo - é uma função fundamental da família enquadrar a sexualidade - mas até dos perigos que advêm para a saúde. Vejam, sobretudo hoje, as questões das doenças infecto – contagiosas, que são cada vez mais difundidas. As necessidades que se impõem e, depois, as consequências que advêm, localmente.Reparem, as doenças também imigram!Posto isto, eu penso que vos deixo aqui um conjunto de questões, um pouco desordenadamente, mas fico-me por aqui, porque já ultrapassei largamente o quarto de hora. Se tiverem algumas questões.Muito obrigada pela atenção que me dedicaram.

Dr. Gonçalo Nuno
Muito obrigado, Sr.ª Professora. De facto, pela sua visão teórica da família, do reagrupamento “homem – família”, “homem- trabalhador” e por este raciocínio sobre as doenças, que também imigram, deu-nos uma lição! Foi um prazer para mim ouvi-la! Passo a palavra a Mr. Xavier Barois, que é encarregado da acção internacional no “Service Social d´Aide aux Émigrants”.

Sr. Xavier Barois
Bom Dia. Vou tentar fazer a minha intervenção em Português e, previamente, peço desculpa pelos erros.Sou trabalhador social do serviço chamado, em França, “Service Social d´Aide aux Émigrants”. É uma associação que foi fundada nos anos 20, como uma associação de ajuda aos imigrantes de França, e, ao mesmo tempo, o ramo francês de uma rede que se chama “Service Social International” - SSI. Nesta sala, posso saudar a nossa colega, que é chefe do serviço, da “Associação Portuguesa para o Serviço Social Internacional”. Vou, por uns minutos, falar desta parte. Depois, vou seguir o mesmo plano de uma intervenção, que foi feita, há uns anos atrás, em espanhol.O serviço social dos imigrantes é um serviço com uma base de associação, sem objectivo de lucro, que trabalha em França, e cuja acção se estendeu por todo o território francês. Agora temos uns 45 gabinetes em França. Depois de trabalhar 15 anos num deles, estive 5 anos na sede nacional, com contacto quotidiano com os nossos gabinetes locais a dois níveis: a nível nacional, apenas em França, e, a nível internacional, com as várias secções da qual faz parte a APSSI. Tenho uma colega que está encarregue de África e Magreb e outra com o Oriente e Ásia. Uma outra trabalha com os países da Europa do Norte, Alemanha, Suécia, Escandinávia, etc. A razão de existência do nosso serviço é o fenómeno migratório, porque, quando uma pessoa sai do seu país de origem, vai falar com as instituições do seu país e não mais.. .Fala-se de imigração nova em Portugal. Em França não se utiliza a mesma expressão, mas sabemos que esta é uma realidade que se move, que não é fixa. Não podemos estar tranquilos, pensando que não vai haver surpresas. Surpresas temos sempre . Há 20 anos que trabalho no meu serviço e cada vez tenho mais surpresas.Vou dar rapidamente dois exemplo de acção internacional, que tem como base a realidade familiar e a realidade migratória. O primeiro exemplo é mais ou menos emblemático do que temos na APSSI, do que, muitas vezes, temos com os tribunais franceses ou portugueses - solicitações de juizes, que pedem relatórios sociais de outros países, para terem elementos, a fim de decidirem se o menor vai poder reunir-se com o seu pai ou mãe, que está em França ou Portugal, por exemplo. É um trabalho quase quotidiano, se o seguimento destes casos for a reunificação com os pais, os tios, avós, etc.Outro tipo de trabalho de ajuda às famílias é algo muito mais delicado, no sentido em que são problemas de ordem familiar. É um facto também migratório que muitas vezes não está nas estatísticas. Por exemplo, quando os pais estão em conflito para o exercício do poder paternal , o nosso trabalho não é só reunir elementos para os juízes, como fizemos no passado - agora vamos fazer tentativas ou de mediação ou de contacto com serviços, que podem exercer o trabalho de mediação familiar.É outro campo de acção. E há outros. Pode ser o tema dos migrantes nos Estados terceiros, face à Europa. Por exemplo, um trabalhador argelino que está em Espanha ou Portugal e que quer saber se pode chegar até França. E, não há muito tempo, precisamente há menos de um mês, tive no meu gabinete, no mesmo dia ou na mesma semana, três ou quatro chamadas telefónicas de trabalhadores argelinos, que trabalham regularmente e que têm os documentos em Espanha, e querem saber se é possível virem a França, para trabalharem e para se instalarem.Isso vai ser tratado na terceira parte do meu programa. Faz parte do tema das directivas europeias, que está em preparação. Há uma directiva - não conheço exactamente o título - que trata dos trabalhadores que estão a longo prazo num dos países da U.E.. No futuro, vão poder instalar-se noutro país da U.E.. Mas, por agora, o texto não está acabado e temos que ultrapassar diferentes etapas.Na segunda parte, vou falar do nosso trabalho no terreno. Do trabalho a nível internacional, muito importante também, falarei sobre três temas:As pessoas que solicitam asilo político e refugiados. Refugiados são os que conseguiram obter esse estatuto. Mas há solicitadores de asilo político que não obtêm esse estatuto. São milhares de pessoas nessa condição. Há uns milhares, que estão fazendo essa solicitação à administração competente e que têm pressa de receber acolhimento. Os nossos gabinetes locais estão com uma pressão de trabalho terrível, porque as pessoas, que chegam de muitas partes do mundo, têm direito a apresentar um pedido de asilo político. Mas, ao mesmo tempo, há a responsabilidade de todos os escalões da sociedade, que a não assumem - cada um tem a sua parte das responsabilidades. É um problema, porque há muitos que não têm sítio para viver, enquanto o seu pedido está a ser analisado.Outra situação, é o problema da ajuda aos refugiados que já obtiveram esse estatuto. Há muitos que não têm equivalências nas suas qualificações. São os refugiados que, quando tiveram que sair do país, não tinham consigo os diplomas. Muitas vezes, têm que começar tudo de novo. Há poucas facilidades e ferramentas de apoio para obter possibilidades de formação profissional, a fim de se integrarem na sociedade.O nosso serviço, desde os anos 50, tem uma quantidade de dinheiro oferecida pelo Governo para ajudar os solicitadores de asilo recentemente chegados a França. Agora, são cerca de 2.000 (euros), concedidos apenas uma vez. Os nossos gabinetes estão atentos a estes problemas.Para acabar esta parte, sobre a acção no terreno, vou falar da reunificação familiar ou do reagrupamento familiar.Como pode parecer evidente, ás vezes, a expressão tem dois sentidos: reunificação da família, de facto, porque há pessoas da família que se juntam, e reagrupamento como resultado de um processo, ou procedimento administrativo.Eu vou falar melhor deste procedimento.O.M.I. é uma administração francesa, que foi criada nos anos 45, e cuja sigla foi atribuída nos anos 80. É a organização composta pelos gabinetes onde as pessoas têm que apresentar o pedido. Depois, há a visita do controle da habitação e dos papeis do emprego. Ás vezes, torna-se um pouco complicado para vida das pessoas. No final, o serviço de imigração internacional dá um parecer. Mas eu prefiro que seja o Governador Civil de cada distrito a tomar a decisão de aceitar ou não o reagrupamento familiar.O nosso serviço está, então, implicado em duas dimensões: a primeira é ajudar as pessoas, que não sabem como fazer o seu pedido, ou as pessoas que já tiveram o seu pedido rejeitado. É necessário o trabalho de as ouvir e arranjar uma explicação pedagógica, para ver como se ultrapassa o problema. Ás vezes, é importantíssimo ajudar as crianças, que não vieram regularmente, mas que podem ficar em França, se se apresentar um estudo social aprofundado. E, assim, os nossos colegas podem levar ao Prefeito uma solicitação de regularização excepcional para a família e para as crianças. Mas são aceites poucas vezes...O outro lado do trabalho, em matéria de reagrupamento familiar, é sobre os dispositivos do Estado, que estão implicados no acompanhamento da chegada das pessoas autorizadas a reagrupamento familiar. Estas pessoas têm uma plataforma de acolhimento, não em todos os aspectos. É um um responsável da OMI que preside à plataforma. Depois, os interessados são convidados a passar ao controle médico da imigração, bem como aos testes linguísticos, para saber se precisam ou não de frequentar um curso de francês. Explicação e orientação para que possam exercer os seus direitos sociais.Há outras formas de acolhimento. Depois da família chegar, pode ter, se quiser, a visita do trabalhador social do SSAE, para ver se começa a integrar-se, se tem mais algumas perguntas a fazer.Para acabar, posso precisar que o nosso serviço SSAE representa, no nível europeu, o Serviço Social Internacional na coordenação europeia para o direito dos imigrantes estrangeiros a viver em família. Essa coordenação europeia tem o seu endereço na Internet, que eu vou deixar no final, para as pessoas interessadas.Há, agora, um projecto de directivas sobre a reunificação familiar a nível europeu. Mas este projecto ainda não se cumpriu totalmente. Não é uma directiva, é apenas um projecto de directiva. Não vou queixar-me, porque ainda não saiu, não conheço a versão actual do seu texto. O texto mudou muito, segundo as diferentes presidências europeias dos distintos países. Conhece mais altos e baixos, não é?É assim, a actualidade!Obrigado.

Dr. Gonçalo Nuno
Muito Obrigado Sr. Xavier Barois, pela forma como nos explicou a orgânica do seu serviço quer na dimensão francesa, quer na dimensão internacional, o fenómeno migratório, a imigração dos países terceiros, as directivas europeias, a falta de legislação, os refugiados, o reagrupamento familiar, a diferença entre aquilo que é espontâneo e aquilo que é administrativo, e a plataforma de acolhimento, o que constitui o seu próprio serviço.Passava então, à parte das perguntas e respostas, à parte do diálogo que V. Exas. queiram manter com a mesa. Pedia que as perguntas fossem rápidas, claras e que da mesa também as respostas fossem consentâneas, para que às 13h:00 fosse encerrada esta mesa redonda. Muito obrigado.

Sr. Xavier Barois( respondendo a perguntas da audiência, não captadas em microfone)
É evidente que o problema linguístico põe um problema de informação, mas não só. Há o problema de acompanhamento de informação. Muitas vezes, a pessoa não vai imaginar todos os procedimentos que tem lugar, com as mesmas palavras ou designações.... Em França, costumamos dizer que nós não somos suficientemente numerosos para este trabalho, que é enorme, porque o nosso serviço é uma parte, mas há muitas associações que se dedicam a ele . E cada vez, tem de se trabalhar neste assunto, porque as regras podem alterar-se, um novo decreto lei ou um novo decreto pode mudar as coisas.Agora, é uma evidência para todos que nós que há um processo de integração europeia das regras da imigração. Estamos, parece-me, no fim do período das nossas regras nacionais, só nacionais. Estamos a entrar num período que vai ser de normas da U. E.E isso, parece-me, vai pedir um esforço contínuo a todas as forças dos nossos países, aos organismos, que trabalham neste âmbito de informação. Só a informação não é suficiente. Tem de ser acompanhada pelas pessoas que se dedicam ao assunto, profissionalmente ou com compromisso de cidadania. Em permanência. Acolhem a gente, podem dar orientações. Podem marcar um novo encontro, se o processo não funcionar bem, ou se faltarem papeis. Geralmente, nas administrações, os funcionários não têm muito tempo para dar explicações às pessoas. Parece-me, pois, muito importante que nos países da Europa - não estou a dar uma lição, é, também, para nós em França, pois não temos sempre respostas adequadas - toda a gente, que está implicada neste domínio da imigração, acompanhe os imigrantes. Pessoas competentes, que conhecem o assunto, as regras, e que podem ajudar no momento, não toda a vida, mas no momento em que as pessoas fazem os seus processos administrativos.

Dr.ª Ana Almeida
O meu nome é Ana Almeida e eu sou professora da Universidade Católica.Quero agradecer a oportunidade, por ter ouvido diversas intervenções relativamente aos aspectos da imigração, enriquecedores do ponto de vista da aprendizagem e de troca de impressões. O que disse a Dr.ª Ana Narciso leva-me a pensar que há necessidade urgente de se fazer a investigação correcta, não apenas para conhecer a realidade, para investigar, mas também como forma de exercer alguma pressão no sentido de legislar de uma outra forma. É certo que o que está aqui a ser feito corresponde já a uma sensibilização. E isto é muito importante, mas temos que ter uma noção mais concreta do que se passa na realidade.Relativamente à Doutora Engrácia Leandro, concordo plenamente com a questão da transformação da família. A família não é hoje a família tradicional. Há ainda quem pense assim, mas as coisas vão evoluindo. Concordo absolutamente com a sua perspectiva sobre a família homossexual, terá de ter igual liberdade para se constituir como família, do ponto de vista da integridade. Há pressão, que é feita pelos órgãos internacionais, mais concretamente a ONU. Daquilo que tenho andado a investigar, parece-me que houve várias etapas. Uma primeira corresponde à sensibilização relativamente aos Direitos Humanos. Uma outra, correspondente a recomendações. E há uma terceira, que já fala de sanção.A questão que se coloca, é que todos os Estados devem organizar as suas políticas sociais, sobretudo aquelas que exigem um maior contributo económico. E essas são sempre as mais difíceis de implementar, são sempre aquelas que, embora estejam contempladas na lei fundamental de cada um dos países, na verdade não são totalmente implementadas. Não vale a pena falar só dos Direitos, porque o problema está em quem os aplica, em quem os garante. Obrigada.Participante não identificado"Há mais imigrantes em Portugal. Há chineses, há paquistaneses, há cabo-verdianos, há guineenses... imensos, inúmeros, significativos. Eu acho que há um todo, não nos centremos só nos de leste. Há outros que também precisam de ajuda.

Drª Ana Narsiso
Penso que os palop's percebem português.

Participante não identificada
Os guineenses têm muita dificuldade. Há recém-chegados de cabo Verde que dominam mais o crioulo do que o português. Mas, de qualquer maneira eu acho que se vamos proceder a traduções para um determinado grupo alvo temos de procede do mesmo modo para os chineses, que já há em grande número, para os paquistaneses. Também em crioulo...Participante não identificadaDesculpe, a língua da educação é o português. Falado, eles entendem crioulo, mas não escrito.Dr Gonçalo NunoTodos estamos de acordo que é necessário informar, informar.Obrigado pelas intervenções. Acho que motivaram um debate interessante. ìa agora dar a palavra à senhora que está atrás. Gostaria que se identificasse .Participantenão identificadaMuito obrigada por me darem a palavra. Fui imigrante, e ainda sou, na Suécia. Neste momento, sou deputada da Assembleia e estou de passagem por Portugal. Tive a honra de ser convidada para este debate.
A minha pergunta é esta:
Qual o apoio que o Estado Português dá aos imigrantes? Há um Ministério da Imigração?O que eu estou a ver é que a responsabilidade está muito mais nas associações e não deve ser assim...

(diálogo imperceptível)

Dr Gonçalo Nuno
Muito obrigado. Irei passar a palavra, para as respostas, a cada um dos oradores do painel.

Profª Maria Engrácia Leandro
(Respodendo a pergunta sobre “guetos" ou grupos de imigrantes, posta por uma participante não identificada)
Ora, muito rapidamente: em relação á primeira questão que me foi dirigida... Se eu pudesse ter uma grande intervenção social, o meu primeiro empenhamento político era banir tudo o que era “gueto”. “Gueto” espacial, “gueto” social, cultural ... bania isso tudo. Como não tenho, não tenho pretensões. De qualquer maneira, eu não fiz uma apologia dos guetos, nem faço. Muito menos no domínio da imigração.Farei talvez, uma certa apologia, de uma fase de transição, de organização de comunidades, que é outra coisa. E aquilo que eu disse foi: ainda bem que me colocou a questão para clarificar o assunto. A questão foi estudada nos anos 20 em Chicago, foi estudada em 1964 em França, acerca da imigração polaca. Eu própria fiz trabalhos em França sobre os portugueses.A conclusão a que se chega, contrariamente ao que se pensa, e àquilo que a Sr.ª Dr.ª disse, é que a dispersão total dos imigrantes, cada um por si, na massa amorfa (de certa maneira amorfa, quando chegam) não resolve, só por si, o processo de integração. A Sr. ª Dr.ª falou, e eu concordo, sobre o seu processo de integração na Suécia, mas a senhora não é uma imigrante qualquer. E muito menos uma imigrante económica. Temos que distinguir isso. A Sr.ª Dr.ª nem sequer é uma imigrante. É uma estrangeira, que é outro aspecto que não vamos aqui discutir. Porquê? Porque normalmente o imigrante quando parte, deixa a sociedade, não deixa a sua cultura. Leva a sua cultura, mas não consegue integrar automaticamente a cultura do outro. E, sobretudo, temos de ter em conta que, efectivamente - agora um exemplo concreto - dos países de leste vem para aqui gente com grande cultura académica e a cultura aqui deve ser entendida como a cultura antropológica e não apenas a académica. Portanto, a cultura habita-nos e está em cada lado onde nós estamos. Habita-nos e é- nos singular. E, simplesmente, quando as pessoas chegam de repente a outra sociedade, não conseguem de um dia para o outro integrar-se na outra cultura. E a família tem essa grande função. E o grupo comunitário tem essa grande função. As comunidades, fechando-se nelas próprias, não se conseguem integrar. As comunidades, sim, abrindo-se á outra.Na política que defendi na minha tese - a minha tese foi sobre esta questão - digo: “ a integração é um processo biunívoco ”. Ninguém se integra, se a sociedade não os quiser integrar. Mas precisam de dar as mãos, num passo e no outro, e aquilo que lhe vou dizer, Sr.ª Dr.ª, é que o facto das pessoas, de certa maneira, nos primeiros tempos, tentarem uma reunificação - que me desculpem a palavra - ou melhor, uma reorganização a nível comunitário, leva a comunidade a mudar. Quantas vezes os portugueses me diziam assim: “olha aquele, coitado, anda ali com a boina na cabeça, parece que ainda está na aldeia recôndita”. Nem eram capazes de perceber que estavam noutra sociedade. A comunidade em grupo, sente que não perde o passo, sente que não perde as suas raízes, sente que vai fazendo uma re-interpretação da nova cultura e fá-lo em conjunto, dando o braço à abertura. Estes são os processos que tenho estudado, e é aquilo que conheço de outros processos estudados.Em relação á última questão, que a Sr.ª Dr. ª me pôs, é verdade que a ONU, como acabei de lhe dizer, teve várias fases. Ora, nestas questões, nas políticas do reagrupamento familiar, alguma pressão só aparece a partir dos anos 90. No entanto, as migrações são tão velhas como a humanidade. As modernas começam essencialmente no século XVIII/XIX.Uma das coisas que nós vemos em relação ás políticas do reagrupamento familiar é que são políticas muito controversas, ao fim e ao cabo. Reparem: a seguir a 1974, quando na Europa se aplica a política da porta fechada para as migrações económicas, a política do reagrupamento familiar, para alguns países, era a única permitida. Mas, quando continuamos numa situação em que se pensa que a imigração (como por exemplo, no slogan de Le Pen, em França, “ 3 milhões de imigrantes, 3 milhões de desempregados”) significa desemprego, manda-se embora os imigrantes e resolve-se o problema do desemprego. Nessa altura, o reagrupamento familiar esquece a dimensão humana, e olha apenas para a dimensão económica.Olha-se muitas vezes para o reagrupamento familiar como a nova forma de se contornar a questão das restrições à imigração. Não tive tempo de entrar por aí, nem era isso que me era pedido hoje. Mas é uma questão deveras complexa e que vale a pena ser estudada. Se não houver o sentido humano, as coisas não são assim, como podem parecer.Na minha perspectiva, continuo a dizer, é um direito fundamental da pessoa humana, perfilhado por todas as instâncias, uns de uma maneira, outros de outra. O papa João Paulo II, em 1993, exactamente no ano que antecedeu o "ano internacional da família", insistiu enormemente sobre esta questão. Acho que não vale a pena dizermos muito mais. Parece-me que é um direito fundamental que todos os indivíduos, sejam quais forem as condições em que se encontrem, tenham o direito de viver em família .Reparem: quando se imigra por razões económicas, ninguém imigra por gosto. São as exigências da vida que fazem com que as pessoas procurem uma vida melhor. O slogan que dizia que nós imigrávamos porque éramos aventureiros, leva-nos a perguntar: porque é que que uns são e os outros não o são? Uns são mais aventureiros que outros, porque precisam. A aventura dos portugueses, neste caso concreto, vem só por aqui. Exclusivamente por aqui. Se é assim, há que ver que o fundamental, porque permite à pessoa, ser mais pessoa. É uma razão ética.Façamos tudo aquilo que nós pudermos fazer para que a pessoa seja mais pessoa.Acho que nenhum Estado se deve coibir de enveredar por este tipo de política.Desculpem- me o entusiasmo com que falo desta questão, mas é o que eu sinto.

Dr.ª Ana Narciso
Há uma certa articulação, a nível do Estado, ou seja, o Estado não se tem demitido de a assegurar . É evidente que encontramos lacunas, que encontramos coisas que não estão bem feitas, que deviam ser apuradas, que deviam ser melhoradas e penso que encontros deste género são exactamente para isso. Não é para ofender, para hostilizar ninguém, é exactamente para ver que há problemas que não estão resolvidos, Vamos, através da nossa acção cívica, tentar ultrapassá-los.Mas há? Há. Podem ser melhorados? Podem. Falta alguma informação? Falta.É preciso um acompanhamento. Acho muito interessante esta ideia da "informação acompanhada", porque se chegar só a informação, não dá. E, então, só em português, não dá mesmo! Portanto, tem que haver alguém que faça a tradução e o acompanhamento da "digestão" dessa informação, para chegar ás pessoas, que dela necessitam.Em relação ao debate , neste momento, na Europa: penso que - vou ser outra vez politicamente incorrecta, acho que é aquilo que eu gosto de ser - há um debate muito interessante, que tem a ver com a Carta dos Direitos Fundamentais e com a matriz humanista e de valores de que a Europa faz bandeira. E há casos que põem em causa, claramente em causa, esta matriz. Todos os Estados se questionam sobre o que fazer.Eu vou deixar só dois exemplos da Suécia. Estão a perturbar a Suécia. Um tem a ver com um pai curdo, que, pura e simplesmente, porque não aceitou a opção de vida da filha de casar com um sueco, chegou ao pé dela e deu-lhe um tiro. Pura e simplesmente. A questão que se coloca é se os curdos podem continuar a ter este tipo de comportamento numa sociedade que tem outra matriz…O outro é este: à sombra do reagrupamento, as máfias são de tal maneira perversas que avançam quilómetros à nossa frente. Ainda nós estamos a pensar como bloquear o esquema, já eles estão anos à frente. Aconteceu isto, que eu acho paradigmático. Há 15 dias. A Suécia está a ser invadida por crianças sem pais. Porquê?Reparem nos dois problemas que isto implica: primeiro, qual é o desespero desses pais que deixam vir crianças entregues a estranhos, para um país que não conhecem?Eu volto sempre à mesma questão, acho que se impõe uma cooperação forte entre o país de origem e o imigrante.Este problema concreto, para mim, é dramático: como é que pais deixam crianças de 8, 9 e 10 anos abandonar o seu país e a sua família, para serem transportados por alguém que não conhecem, para um país de acolhimento que desconhecem completamente. São lançadas na rua. Para quê? Para que, a seguir, os pais venham ter com essas crianças. Só que os pais, depois, não vêm. E, portanto, a Suécia, neste momento, vive dramaticamente esta situação.Já houve um pronúncio, aqui, em Portugal, a semana passada, quando alguém que veio da Inglaterra, trazendo cinco crianças, que não se sabia se eram dele, ou não. Já há qualquer coisa no ar, a que é preciso estar atento.O debate é este: se, no país de acolhimento, a matriz de valores for contrária àquela do grupo de estrangeiros que aí são acolhidos, eles podem, ou não, continuar com as suas tradições, com as suas formas de estar? Não é um debate fácil. Eu vejo que não é. Mas é algo que tem de ser dito, sem tabus, e que temos de discutir.Em relação á sua questão, de saber se estão ou não integrados, eu acho que é uma questão de gerações. A primeira geração integrou-se muito bem. Temos um problema, de facto, com a segunda e a terceira geração. E não é por acaso, que aparecem problemas sociais ligados não à primeira, mas, sim, à segunda e terceira.O que eu gostaria, é que, já que estamos perante a primeira geração dos imigrantes do leste, não repetíssemos os mesmos erros. De contrário, falhámos também. Se calhar, podíamos ter feito melhor, podíamos, sim senhor. Temos um hiato de 25 anos entre estes dois momentos. 25 anos!Temos de aprender com a nossa própria experiência e acolher esta primeira geração, exigindo-lhe também alguma coisa. Não é só dar direitos. Eles também têm deveres. Não é? Eu acho que, nestas coisas, não temos de ser paternalistas. Temos que enfrentar as realidade. Se têm deveres, também têm direitos...O debate está a dar-se e a suscitar alguns problemas. Vamos enfrenta-los, discuti-los e actuar. As doenças e os problemas são cada vez mais globais e atingem-nos a todos. Não somos excepção nenhuma.Muito obrigada.

Sr. Xavier Barois
Para acabar, só queria dar uma precisão a propósito da coordenação europeia para o direito dos estrangeiros de viver em família. O trabalho dominante de coordenação europeia, neste momento, é uma campanha, uma petição, que está a circular para que aos cidadãos dos Estados terceiros não se imponham mais regras do que as já existentes para os cidadãos da Comunidade Europeia. Fala-se muito da União da Europa, a liberdade de circulação existe.E a liberdade de instalação?Até agora, um português, um francês, um inglês, que estejam numa situação social difícil, muitas vezes, não conseguem obter os documentos de permanência noutro país da Europa. Quer dizer que a livre circulação é uma coisa. A livre instalação, é outra coisa. Muitas vezes, confunde-se as duas.

Dr. Gonçalo Nuno
Muito obrigado às Senhoras e ao Senhor intervenientes. Obrigado a esta ilustre assistência. Bom almoço para todos. Até logo, ás 14h:30m.


MESA REDONDA
“ IGUALDADE DE OPORTUNIDADES NA SOCIEDADE PORTUGUESAPARA A MULHER IMIGRANTE"
Moderadora: Drª Maria Adelaide Lisboa (Vice-Presidente da Assembleia Geralda “ Mulher Migrante “ )
Comunicações: Padre Rui Manuel Pedro, Director da "Obra Católica Portuguesa das Migrações"; Drª Alcestina TolentinoPresidente da "Associação Cabo Verdeana"; Drª Deolinda Machado, Presidente da "Associação Portuguesa de Solidariedade e Desenvolvimento"; Drª Fernanda Pedro Técnica do "Centro Europeu de Formação e Estudo sobre Migrações; "Engº Jorge Venda, Sócio Gerente da "Plataforma Lda"Empresa de Inserção (Leiria)

Drª Maria Adelaide Lisboa
Sou uma sócia fundadora da “ Mulher Migrante “, que há vários anos nasceu na Boa Hora. Para além disso, sou uma pessoa que trabalhou na “Igualdade de Oportunidades das Mulheres e dos Homens” no Ministério do Emprego. Fui presidente da CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego), que tentou, na altura, adequar a legislação portuguesa e transpor para a legislação portuguesa as directivas comunitárias relativas à igualdade de oportunidades das mulheres no trabalho e no emprego.Foi uma experiência interessante para mim, que nunca tinha trabalhado na área da igualdade. Confrontou-me com as situações de desigualdade notórias e da desigualdade de oportunidades em relação às mulheres no mercado de trabalho, na promoção, no acesso. Foi importante o conhecimento, que eu fiz, há vários anos, desta realidade, que também me ajudará melhor a compreender esta problemática das mulheres imigrantes, que estão agora na nossa sociedade e que nós tentamos reinserir nela.Depois disso, fui Governadora Civil do Distrito de Lisboa, durante quatro anos.Foram várias experiências acumuladas, que, ao fim de tantos anos, me deram um conhecimento da sociedade portuguesa. Acumulação de conhecimentos, que me são benéficos e que vão ser benéfico, para o resto da vida que eu tiver.Posto isto, uma vez que já me apresentei, vamos dar início a este tema, que é um tema que se focaliza nas mulheres, embora eu tenha a certeza absoluta de que ninguém o vai focalizar só nas mulheres, vão aborda-lo de uma maneira global. Imigrantes, de uma maneira global.Esta situação da igualdade de oportunidades na sociedade portuguesa para a mulher imigrante é para as mulheres, mas também para os homens, para todos aqueles que estão a querer integrar-se... Penso que talvez a Sr.ª Secretária de Estado, quando vier fazer o discurso final, tente dar esta tónica, ou focalizar nas mulheres esta situação. Não sei se há alguma coisa prevista já, em relação a elas.Vamos dar início aos trabalhos. Já estamos um pouco atrasados. Pedia aos intervenientes nesta mesa que tivessem em atenção o tempo, porquehá cinco intervenções. Queríamos fazer um debate, antes da Sr.ª Secretária de Estado chegar. Portanto, até as 17h:30m, com um quarto de hora para o café. Vamos ter de fazer isto tudo, e é muito. Vou dar a palavra ao Padre Rui Manuel Pedro ou à sua secretária.

Padre Rui Pedro
Boa tarde. A Obra Católica Portuguesa das Migrações agradece o convite feito para estarmos aqui. Já estivemos o ano passado, creio eu, em Oeiras, de modo discreto. Eu era director há um ano. Portanto, ando, ainda, a conhecer este ambiente.E, o ano passado, reparei que havia aqui um grupo de pessoas interessado em levar por diante esta temática, a vários níveis. Ao nível político, ao nível social e académico, e isso também para a acção da Igreja é muito importante.O tema hoje é “as mulheres” e eu falo só agora, ao início, e dou, depois, a palavra a uma mulher que trabalha connosco, na Obra Católica Portuguesa de Migrações e que poderá expressar a sensibilidade desta famosa segunda geração. É portuguesa, nascida em Portugal, de pais de São Tomé. Ontem conversámos um bocadinho, e ela poderá comunicar também como vê este facto. Um dos fenómenos mais curiosos das migrações internacionais é a “feminização”. Este é um fenómeno que está cada vez a aumentar mais, seja nos países europeus, nos países latino – americanos ou até asiáticos. É um fenómeno que merece, cada vez mais, um melhor estudo. Muitas vezes, a ideia que passa nos jornais é do tráfico de mulheres, é a ideia que tem vindo a sobressair. Começamos pelo caso mais dramático e mais doloroso...Mas, por exemplo, na imigração africana, hoje já temos mulheres africanas idosas que estão cá, nos seus bairros, há 20 ou 30 anos e numa situação de alguma carência, ao nível da integração social e até linguística . Eu, no meu trabalho de sacerdote, dou comigo muitas vezes a ter que lidar com o crioulo para as poder entender e para celebrarmos os sacramentos.Outro aspecto, que quero realçar nesta introdução, é que notamos que a mulher, ao imigrar, diminui a sua consciência da maternidade e a própria fecundidade. Portanto, as dificuldades que encontra levam-na a reduzir o número de filhos, que ela pretenderia ter e até teria, se estivesse no seu país.Outra situação que vamos encontrando são as mulheres indocumentadas, são as mulheres ilegais que, por amor aos seus filhos, se submetem, de facto, a situações de autêntica desumanidade. Por amor aos seus filhos. Aqui temos não só as mães solteiras imigrantes, ou da segunda geração, como também mulheres que, por falta de informação, ou por negligência dos seus maridos, se encontram, ainda hoje, indocumentadas.Eu passo a palavra à Eugénia Costa para nos ajudar, também, com o seu testemunho de segunda geração, sem esquecer que a integração é um processo biunívoco. Alguém o disse esta manhã. Isto ainda não entrou nas políticas de integração.Portugal não entendeu que, mais do que integrar os imigrantes, tem de ser uma sociedade integrada, onde todos possam ter o seu espaço e onde não fique reservado para as mulheres migrantes só alguns trabalhos, só alguns lugares de habitação, alguns bairros e algumas tarefas, que elas, fatalmente, têm ao seu dispor.

Srª D.Eugénia Costa
Boa tarde.O meu nome é Eugénia Costa e há 26 anos que eu nasci em Lisboa. Sou filha de pais São-tomenses e estou a tomar consciência, um bocado recente, que os meus pais vivem esta realidade da imigração.Eu, se calhar, vivi muito tempo sem me aperceber que era filha de imigrantes, por estranho que possa parecer. Isto porque sempre me senti bem acolhida e integrada onde vivo, até hoje.Quando recebemos o convite para estar aqui, comecei a pensar neste tema da imigração e da igualdade de oportunidades, comecei a interrogar-me e a olhar para as mulheres com quem fui crescendo. Primeiro a minha mãe, depois familiares ligados à minha família e amigos, também. Os chamados de “segunda geração”, filhos de imigrantes como eu. Filhos de imigrantes, mas que nasceram cá. E uma das principais dificuldades com que estes imigrantes se deparam, e que passam para os filhos, é a solidão.E em que aspecto? Em África, quando uma mulher tem filhos, pode sair e confiá-los aos vizinhos, confiá-los à mãe. Há uma rede familiar, que ajuda a cuidar da criança. Aqui não. A minha mãe usa muito uma expressão que é: “eu tenho os meus filhos, eu caio com eles e levanto-me com eles”. Há aquelas que tem a oportunidade de integrar as crianças num infantário, que foi o meu caso, mas há muitas que não têm essa oportunidade. Encontramos nalguns bairros sociais essa situação. E, nesses bairros, vamos encontrar, felizmente, pessoas que estão despertas para essa realidade e que começam a criar estruturas de apoio para as crianças. Há uma necessidade muito grande de criar laços, há uma saudade muito grande de criar estes laços de afinidade.Por isso, se encontro alguém da terra, facilmente me ligo. Há uma necessidade de encontrar, também, na vizinhança, até nos patrões, esses laços de humanidade.Eu comecei a trabalhar, há pouco tempo, na Obra Católica, e apareceu-me lá uma senhora que dizia: “eu fiquei de baixa e a minha patroa nem perguntou como é que eu estava ...” Quer dizer... há esta necessidade de saber que se preocupam connosco. É uma necessidade muito humana, não só dos imigrantes. O ser humano, por natureza, tem necessidade de criar laços. E, quando se sai da terra natal, onde se tem todas as raízes, e se vai para outro lado, onde não se conhece ninguém, essa necessidade aumenta, com uma força muito maior.Outro aspecto, e que eu sinto ... Se calhar já muitos ouviram a Nelly Furtado. Vai ganhar um Grammy, com aquela canção “I’m like a bird”, "sou como um pássaro, não sei onde está a minha alma, não sei onde é a minha casa". Este é um bocadinho o sentimento que acompanha os filhos dos imigrantes.Os nossos pais tem muita firmeza – eu sei de onde é que eu sou, venho da minha terra, tenho as minhas raízes, a minha cultura, há filhos que se identificam rapidamente com África, mas outros não. E que sentem, “não sou portuguesa, mas também não sou de África”. Esta coisa da identidade… Afinal de onde é que eu sou? Afinal, onde é que eu pertenço? Afinal, eu concordo com isto, mas não concordo com aquilo… É uma adolescência que se prolonga nesta busca da identidade.E isto é um desafio a um diálogo muito grande. Eu procuro este diálogo pessoal entre culturas, mas é um desafio também para a comunidade, que nos acolhe. Porque há coisas que eu não posso aceitar, porque a minha cultura não permite que eu aceite, não entra na nossa lógica, mas tenho de fazer um esforço, ainda que eu não aceite, para tentar conhecer e entender porque é que o outro age daquela maneira. E só assim é possível dialogar. Só assim é possível vencer algumas barreira, que culturas diferentes naturalmente suscitam.Outra coisa que eu noto, nas mulheres que conheço, é que o seu papel de mulher muda. Se há aquelas que têm consciência que o ser mulher é muito mais do que ser dona de casa - que é ser mãe e é ser profissional, e ter de "dar o litro" em todas as vertentes - há outras que só o descobrem muito tarde. Só o descobrem, por exemplo, quando o casamento falha, não é? Porque vêem com aquela cultura de que o marido é o sustento, e que elas cuidam da casa e cuidam dos filhos. Por algum motivo o casamento falha, e são elas que vão para a rua, são elas que vão ter que ir trabalhar.Também encontrei mulheres que não trabalhavam, porque os maridos não permitiam. Mas, porque a situação económica é difícil, vão chegar à conclusão que a mulher tem que de trabalhar e tem que ajudar e dar o seu contributo, também de uma outra forma, na sociedade. E este é um desafio. É uma aprendizagem, que a mulher tem que fazer.Há uma coisa muito bonita que eu descobri - é que elas nos ouvem bastante e, por vezes, precisam de alguém que, no fundo, as oriente. Se há aquelas que têm, dentro de si, um bichinho i lutador e sabem onde se dirigir, há outras que não, que precisam de alguém que as ajude e oriente. Têm o tal "bichinho lutador", mas está um bocado adormecido e é preciso que se vá espicaçando. Tenho uma imagem da mulher bastante lutadora, que é capaz de fazer tudo, de lutar, de bater a todas as portas, em prol dos seus filhos. Nomeadamente, dos filhos.É esta a experiência que eu tenho para trazer.A grande mensagem que eu queria deixar para o final: há desafios que a imigração traz para a mulher imigrante, uma aprendizagem que ela tem de fazer, mas a comunidade que a acolhe também tem de fazer uma aprendizagem.A igualdade de oportunidades é uma conquista, de parte a parte.É preciso que a comunidade esteja atenta para este diálogo, disposta para este diálogo. Mas é preciso também e, algumas têm consciência disso, que elas estejam dispostas a ir ao seu encontro.

Dr.ª Maria Adelaide Lisboa
Muito obrigada. Muito obrigada pela maneira tão sentida como pôs esta questão das mulheres, das suas vivências, da sua adaptação e das suas dificuldades. Você é uma imigrante de segunda geração e só tarde é que descobriu que, afinal, já tem duas pátrias, não é? E isso mexeu consigo. Importante, estes sentimentos que nos trouxe aqui, para partilharmos! Para além do relato, que desenvolveu, foi muito interessante essa maneira como abordou a sua integração.Muito obrigada. Vou passar a palavra à Dr. ª Alcestina Tolentino.

Dr. ª Alcestina Tolentino
Muito boa tarde. Permitam-me, antes de mais, cumprimentar a Associação “Mulher Migrante” por esta iniciativa, por ocasião da celebração de mais um "Dia Internacional da Mulher", e agradecer o terem-me possibilitado juntar uma voz nesta jornada de reflexão, que muito nos enriquece, como sempre acontece nos eventos promovidos por esta Associação.A mobilidade das populações, embora ancestral, ganhou no presente novos contornos, que a transformam num dos desafios para a humanidade no século XXI. Diversas são também as razões que levam as pessoas a deslocarem-se, mas, hoje e aqui, iremos debruçarmo-nos sobre a imigração e a sua situação em Portugal. A presença de outros, a cada dia que passa, é uma realidade incontornável na sociedade portuguesa. A imigração ganhou visibilidade e está na ordem do dia.O que leva tanta gente a imigrar?O que deveria ser feito para evitar que milhões e milhões de pessoas sejam compelidas a procurar uma vida digna na terra das suas ilusões?A resposta a essas questões está encontrada no plano das reflexões académicas. Continua, infelizmente, por se concretizar, na prática, pela implementação de medidas que corrijam as cada vez maiores assimetrias, ou melhor, fossos entre e intra sociedades. Os espaços geográficos que atingem um alto grau de desenvolvimento e bem-estar social, lá onde se implantam os valores democráticos e se cria um clima de paz e segurança, constituem um polo de atracção para muitos milhões que lutam, denodadamente, pelo direito a uma vida digna, quando não, frequentemente, apenas pelo direito à vida.A União Europeia constituiu um dos espaços mais procurados como porto de abrigo de imigrantes, e Portugal o destino de muitos milhares, que aqui esperam encontrar e tornar em realidade a arca de sonhos, que transportam na bagagem. Estamos presentes nesta sociedade, na diversidade de tipos humanos, dos trajes, das línguas que falamos, da gastronomia, da música, da dança, das crenças religiosas e dos valores culturais de que somos portadores. Deixamos de ser um fenómeno de Lisboa para estarmos presentes no quotidiano de todos os portugueses. De Norte a Sul, do Litoral ao Interior, as pessoas são confrontadas com a presença de estranhos e interrogam-se sobre quem são e ao que vêm.Só no ano passado, com a entrada em vigor da lei nº 4/2001, mais de 130.000 imigrantes obtiveram uma autorização de permanência, ou seja, viram a sua situação legalizada e salvaguardados os seus direitos básicos como trabalhadores. O processo tem por base a existência de vínculos laborais claros no mercado do trabalho, que se pretende, de dia para dia, mais transparente.A "autorização de permanência" é um título de estadia precário, renovável anualmente, e que só ao fim de cinco renovações consecutivas dá direito a requerer a "autorização de residência". Podíamos seguir a nossa reflexão sobre a justeza de tal medida e perguntar pela salvaguarda dos direitos sociais desses trabalhadores e chegaríamos ao fulcro da análise a que nos propusemos, ou seja, “ imigrante ser humano, com direitos ”.É hoje um dado adquirido do pensamento moderno encarar o imigrante como um ser com direitos, isto é, um cidadão. Uma grande percentagem desses imigrantes são mulheres, que ou acompanharam os maridos, que imigraram, ou são elas próprias imigrantes individuais, em busca de trabalho. Num caso ou no outro, coloca-se a questão da salvaguarda dos seus direitos.A Constituição portuguesa assenta no princípio da não discriminação das pessoas em função da raça, credo, nacionalidade ou condição social. No domínio laboral, impera a igualdade dos trabalhadores perante a lei e, do ponto de vista dos direitos humanos e sociais, Portugal possui uma das mais avançadas legislações de salvaguarda da condição da mulher e do seu direito de participação na vida social, económica, política e cultural. Por sua vez, a lei que enquadra a presença dos estrangeiros em Portugal garante aos mesmos, desde que a residir legalmente, direitos idênticos aos nacionais, com excepções na esfera política e altos cargos na Administração Pública.Assim sendo, poder-se-ia inferir que o assunto estava resolvido, não havendo motivo para preocupações com a igualdade de direitos para a mulher imigrante. Mas a realidade é bem diferente. Desde logo, pelas características desse imigrante que, muitas vezes, funcionam como obstáculo ao exercício dos seus direitos, e ainda, porque existe uma grande diferença entre a proclamação de princípios fundamentais e adopção de leis e medidas sectoriais e a prática quotidiana dos responsáveis por elaborar as condições de usufruto dos direitos. Se não vejamos: estamos aqui, agora, a falar de mulheres imigrantes e há uma grande presença na sociedade de mulheres recém-chegadas, oriundas, principalmente, dos países de leste Europeu, mas também, por exemplo, da China, e pouco se sabe sobre o impacto da sua relação com a sociedade portuguesa. Diferente, porque mais conhecida, a situação das imigrantes oriundas dos espaços de língua portuguesa, países africanos e Brasil. E, com elas, muitas são as condicionantes à igualdade de facto, quando precisam de ajuda da sociedade de acolhimento.A sociedade portuguesa tem ainda muitas dificuldades para garantir aos seus cidadãos as respostas para todas as suas necessidades em domínios tão essenciais como a habitação, saúde e educação. E as condições de vida das pessoas são outro elemento a ter em conta na utilização dos recursos disponibilizados. A estes aspectos acrescentaremos, ainda, as características das próprias imigrantes, com baixo nível de escolaridade, sem formação profissional, enquadradas em actividades de baixo rendimento e com sobrecarga de horas de trabalho, quando estas mulheres têm dificuldades, porque não falam a língua de Camões e desconhecem os códigos da sociedade.Trabalhando sem descanso, não têm tempo para acompanhar e acarinhar os filhos. Os filhos, estes, crescem, e, de repente, o próprio papel de mãe é posto em causa. E a relação dos filhos com a sociedade está longe de ser pacífica. Ao peso das dificuldades económicas e das difíceis condições de habitação, acresce o desconhecimento dos seus direitos. Diremos que a uma ilitracia funcional se junta a ilitracia jurídica e que estamos perante a situação de não exercício de direitos, por desconhecimento da sua existência.Mas o problema tem contornos mais nítidos porque existem, na sociedade portuguesa, neste momento, três categorias de imigrantes. A saber:os que residem legalmente, isto é, possuem "autorização de residência" e têm os direitos salvaguardados na lei;os que estão autorizados a trabalhar, ou seja, são portadores de "autorização de permanência", gozam de direitos equiparados aos residentes, à excepção, por exemplo, do direito de circulação no espaço SCHENGEN, mas esses direitos são conferidos por orientação política superior, não estão lavrados em lei, pelo que o acesso aos mesmos é discricionário e gerador de insegurança;a terceira categoria, são os imigrantes ilegais, ou seja, para esses a situação é bem pior porque "estão", mas não existem...Também na garantia de direitos políticos, os imigrantes não têm todos o mesmo tratamento. O acesso ao direito de votar e ser eleito nas eleições autárquicas, está condicionado à regra da reciprocidade.No supra nacional, a U.E. é constituída com base em duas categorias de cidadãos: os comunitários e os extra – comunitários, com implicações no direito à livre circulação do trabalhador imigrante.Nos últimos anos, com as transformações operadas na sociedade portuguesa, as disposições da U. E. e o consenso geral na Assembleia da Republica, a aprovação de leis a favor da imigração e as medidas de política social, adoptadas pelo governo, fazendo prevalecer o princípio da coesão social - citamos como exemplo, o acesso ao rendimento mínimo garantido, ou o acesso ao PER, Programa Especial de Realojamento - puseram à disposição do imigrante mecanismos de combate à pobreza que, bem utilizados, terão como consequência a diminuição dos riscos de exclusão social. Pena é que, muitas vezes, o imigrante, porque não informado, não usufrui de todos estes direitos.A mulher imigrante, na sociedade portuguesa, que direitos tem?Há muito a fazer no sentido de corrigir desvios e omissões na ordem jurídica, mas muito mais na facilitação das condições de acesso aos direitos. Imaginem uma mulher negra, analfabeta e imigrante. E, se for mãe solteira, teremos ainda muito caminho a percorrer até à igualdade. Esta mulher até tem alguns direitos na sociedade portuguesa, mas será que todos os presentes quando olham para ela a vêem como um ser com direitos?Podeis estar certos que o maior desejo desta mulher é ser olhada como igual.Deixo pois, o meu apelo à prática, por todos nós, de uma nova deontologia do olhar.Muito obrigada.

Dr.ª Maria Adelaide Lisboa
Muito obrigado por esta sua intervenção. Nós chegamos à conclusão que nada é perfeito. Por muita legislação que haja, perfeitamente adequada, e cada vez mais minuciosa em relação aos direitos, aos direitos e à igualdade, na prática ,as dificuldades ainda são grandes, porque há muitas resistências e nós próprios, que aqui vivemos, sentimos, muitas vezes, essa dificuldade de aceitação na integração do mundo do trabalho e noutras áreas . As mulheres sentem-no, muitas vezes. E vamos agora para a política, estamos na altura de eleições: vejam lá quantas mulheres é que estão nas listas...Ainda há, de facto, esta dificuldade de adequação. A transposição para a vida prática, para a vida real, da igualdade efectiva na imigração é coisa ainda mais complicada, porque realmente, como disse, e muito bem, é um certo extracto cultural ... são pessoas que têm uma base cultural, não muito elevada e que dificulta mais, põe mais obstáculos a esta promoção da igualdade.Enfim, são questões com que a sociedade portuguesa se debate, são actuais e é bom que se fale nelas. É bom que a gente as leve a quem de direito.Muito obrigada pela sua intervenção. Eu vou passar a palavra, agora, à Sr.ª Dr.ª Deolinda Machado, Presidente da Associação Portuguesa de Solidariedade e Desenvolvimento.

Dr.ª Deolinda Machado
Bem, boa tarde a todos. O meu nome é Deolinda Machado, colaboro na Associação Portuguesa de Solidariedade e Desenvolvimento e, para algumas pessoas que estão aqui, e que me conhecem de outros lados, sou também funcionária da Direcção Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas.Já é a segunda vez que a Associação da “ Mulher Migrante “ nos convida a participar em eventos desta natureza, e eu queria agradecer, desde já, em nome da equipa da Associação, porque acho que somos muito jovens, muito recentes e isto permite-nos sempre, um bocadinho de marketing, o que é importante, porque fazemos um trabalho um pouco de retaguarda.Não quero fazer a mesma apresentação que fiz no dia 17 de Fevereiro do ano passado, porque as coisas, a partir daí, já evoluíram.A nossa intervenção não tem tanto a ver tanto com aquelas que acabamos de ouvir. Nós estamos muito mais ao nível do terreno e sentimos - aliás, sentimos não, observamos - os problemas que as mulheres imigrantes, e não só, enfrentam quando tentam uma inserção digna na sociedade portuguesa.O nosso público alvo são populações com dificuldades de inserção no mercado de trabalho, entre elas temos muitas imigrantes, efectivamente. Fundamentalmente africanas. Também temos de outras nacionalidades, por exemplo, uma italiana, uma senhora brasileira, que irá dar o seu depoimento daqui a bocadinho.E deparamo-nos, precisamente, com aquela questão que a Dr.ª Alcestina referiu: aparece-nos muita gente que quer uma formação, que quer qualquer coisa, uma ferramenta, um trabalho. Mas que estão ilegais e a legislação não nos deixa fazer nada. Efectivamente, se calhar, são esses que precisam mais. Aí deparamo-nos com as barreiras legais. E tem sido esse o nosso esforço, junto de algumas entidades, junto do SEF, para ultrapassar certas situações, o que não se consegue. E, como nós funcionamos com dinheiros comunitários, eles são muito claros. A pessoa não tem "autorização de residência", não tem direito a formação, não tem direito a qualquer tipo de programa de inserção.Em termos dos programas que temos neste momento em curso: são programas dirigidos a homens e mulheres, mas, efectivamente os nossos grupos são quase todos constituídos por mulheres. Isso reflecte que, são elas, portuguesas, ciganas, africanas, de leste, enfim ... são elas que continuam com verdadeiros problemas de inserção.Queria aqui só fazer um parêntesis, lembrei-me, e acho que é interessante verificar isto: eu acho que o desemprego nas mulheres, se calhar, é a situação mais fácil de ultrapassar, se nós as livrarmos de tudo aquilo que está à roda delas, os maridos, os filhos - tudo o que está à volta da mulhere é tão forte que a impede de ir para o trabalho. Por exemplo, hoje, a Fernanda era para ter trazido uma mediadora africana, que não veio porque não tinha quem lhe ficasse com os filhos. Então, onde estão os pais dos meninos? Não é? Mas isto era só um parêntesis para reflectirmos sobre esta questão.Nós, neste momento, estamos a desenvolver duas acções de formação profissional especial no Seixal. Uma de empregadas de andares e outra de empregadas de mesa e bar - só mulheres africanas. Está a ser uma formação muito complicada . Fazer alguma coisa nestes domínios é extremamente complicado, porque não sabemos por onde é que havemos de começar.E, efectivamente, agora, que há dinheiro para a formação, vamos fazer formação para estas mulheres. Mas, os outros problemas são tantos, os problemas ditos periféricos ao desemprego, como por exemplo, a habitação, a saúde, o agregado familiar complexo, que tornam a frequência destas mulheres na formação extremamente complicada. E nós temos jovens que, por desconhecimento - não sei... - tem situações muito complexas. Por exemplo, tivemos duas mulheres que fizeram um aborto espontâneo, durante a formação, caíram no chão, esvaíam-se em sangue, tivemos que as levar para o hospital. Não parece que estamos no séc. XXI. Mas, isto acontece....De qualquer modo, os cursos estão a decorrer, com muitas dificuldades. Eu penso que o que as guia, na actuação delas, é, objectivamente, o factor económico. Elas querem trabalhar e aceitam turnos, aceitam fins-de-semana, aceitam ... isso não está em questão. Só que os tais aspectos ditos periféricos são tantos, que elas faltam muito. Depois o patrão zanga-se e, andamos neste circuito, assim, e a inserção nunca mais se consegue. Ou, quando se consegue, é muito precária.Depois disto, depois deste dois cursos, que estão a decorrer e vão terminar agora em Abril, o que estamos a tentar é na área hoteleira. Estamos a tentar trabalhar, sempre, com hotéis de alguma qualidade.A rotatividade, nestes postos de trabalho é muito grande mas, digamos, esperamos uma inserção a nível dos 60%. Estes são os cursos do Seixal.Temos a funcionar, também, em Oeiras, um curso de arte floral, que está aqui bem representado. Está ali o nosso arranjo das flores, de um grupo de mulheres de várias nacionalidades, em que a portuguesa é a preponderante. É um curso que está a correr muito bem. E as pessoas estão aqui porque gostam mesmo do que estão lá a fazer, está a ser vivido com emoção, com gosto.Desenvolvemos um outro projecto no Sardoal. Aí não tínhamos imigrantes, lutávamos, efectivamente, com o peso da interioridade - onde a camioneta só passa de manhã e à noite, e as pessoas não podem ir trabalhar. Não há quem fique com os filhos. Aquela relação de vizinhança que, dantes, estava estabelecida, já se perdeu. É outra situação que afecta as mulheres, neste caso, não as imigrantes, mas as mulheres em geral, naquele local. È um projecto que não está a correr nada bem, precisamente por isso. Porque, infelizmente, não conseguem sair de algumas aldeias. Ou vão a pé e demoram três horas a chegar ao sítio, ou vão de táxi e é muito caro. Ou não vão!Estamos, também, a desenvolver acções especificamente destinadas a beneficiários do rendimento mínimo garantido. Aqui encontramos muitas mulheres imigrantes. Algumas são obrigadas a frequentar essas acções para receberem a prestação do rendimento mínimo, outras estão interessadas. Nessa área desenvolvemos duas acções de auxiliares de acção médica, constituídas por uma formação em sala, durante quatro meses, no máximo, e, depois, um ano de actividade de interesse social. Portanto, elas estão a trabalhar em hospitais, em centros de saúde, em diversas instituições onde são colocadas durante um ano, recebendo o ordenado mínimo nacional, nessa instituição. Depois, o circuito será para sair... Há instituições que aproveitam esta mão de obra muito barata, em que o empregador não gasta praticamente nada, apenas o custo da refeição e subsídio de transporte e o seguro. O resto é tudo pago.E desenvolvemos também um curso de cantoneiros. Aqui, efectivamente tivemos homens. Não quero estar aqui com discursos ditos feministas mas, se nós compararmos, de uma maneira geral, a qualidade dos homens que temos no curso de cantoneiros e a qualidade das mulheres que temos nos cursos em geral, que diferença!... É que esses homens não podiam fazer mais nada. Se compararmos as habilitações literárias, o saber estar, o saber fazer, todos estes saberes, ficam sempre a perder.Este curso de cantoneiros foi desenvolvido em parceria com a Câmara Municipal de Oeiras. Nós demos a formação em sala, eles organizaram a intervenção de interesse social. Mas nesta, ninguém está a trabalhar, toda a gente falta. Chegamos à conclusão que, se calhar, dentro destes grupos, é melhor trabalhar com mulheres. E é assim que vamos caminhando...Desenvolvemos muita formação na área de apoio a idosos, também só para mulheres.É interessante verificar outra situação, que eu penso que tem a a ver, também, um pouco, com o objectivo dos imigrantes em geral e, neste caso, muito em particular, com as mulheres - o objectivo económico. A mulher vai para um país estrangeiro para trabalhar, para ganhar dinheiro. E, portanto, quando organizamos um grupo, a nossa filosofia é fazer grupos mistos. Nós temos, por exemplo, as mulheres africanas, que não escolhem os horários e os turnos, e temos muitas senhoras portuguesas, que nunca saíram de cá, que não podem estar neste ou naquele, por isto ou por aquilo. Não trabalham aos sábados e aos domingos, porque os maridos não deixam ou porque não lhes apetece. Sem o mesmo objectivo económico, a postura é completamente diferente.E, felizmente, cada vez mais, os nossos empresários começam a aperceber-se dessa situação, e, aquilo que eu sinto, é que temos de sair de um discurso da “coitadinha da mulher” e fazer da mulher um motor, dinamizar os seus saberes fazeres, a sua própria postura na vida.O que é que nós fazemos mais? Fazemos formação pedagógica de formadores e fazemos formação para os técnicos, que trabalham com estas populações. Neste momento, estamos a arrancar com um pacote de formação na Região Centro. Foi lá que foi aprovado. Lisboa não quis.Tem formações para técnicos, para voluntários, para responsáveis de IPSS´s, e para empresários, para perceberem um pouco a especificidade destas populações-alvo. Temos cursos de “género”, e outros para comunicar com os ciganos. Em 48 horas, vamos tentar dar-lhes as características dos ciganos, algumas coisas básicas que permitam perceber porque é que a mulher não tira o véu, porque é que o homem não tira o chapéu. Este tipo de coisas.E vamos trabalhar também com os técnicos, ao nível da intervenção, de metodologias, da capacidade de chegar ao formando. Porque, efectivamente, é a peça fundamental neste processo. O formando! E, se não conseguimos, mais vale estarmos todos quietinhos e sossegados em casa.A nossa formação de formadores está homologada pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, tem um conteúdo rigorosamente igual ao do Instituto do Emprego, à excepção de dois módulos que considerámos pertinente incluir - que são o acompanhamento de populações em dificuldades e as especificidades destas populações alvo (dando algumas características desses públicos).Neste momento, um está a decorrer em Oeiras - faço aqui um apelo, se alguém quiser formação de formadores. É uma formação que não é co-financiada. . As pessoas pagam a inscrição. Têm um curso de 120 horas e depois disto têm um conteúdo programático homologado pelo Instituto do Emprego. O outro é no Seixal. Fazemos isto com a prata da casa. Recorremos aos nossos formadores, que já estão formados nas nossas metodologias e que já conhecem a nossa dinâmica. E é assim que temos feito e propagado as nossas práticas.Queria terminar com algumas coisas de natureza mais prática, para perceberem melhor o nosso trabalho. A vocação fundamental da Associação é a expressão e a realização da Pessoa, através de serviços, nomeadamente, da formação e intercâmbios mútuos, ou seja, não é uma relação de aprendizagem só num sentido, em que o formador debita a matéria e o formando aprende. Não, o formador tem que aprender muito com o formando e quando isto não funciona o nosso formador vai embora... O “senhor” dos nossos cursos é o formando!A nossa dinâmica baseia-se numa metodologia que assenta na análise das situações, na elaboração de projectos e na colocação em prática de uma estratégia. Todo o formando tem que ter um projecto de vida, de trabalho - chame-se aquilo que a gente quiser - e é colocada em prática uma estratégia, de que, às vezes, ninguém se apercebe. Mas há uma dinâmica entre o formando, formador, pessoal de coordenação, técnico de acompanhamento - que é uma figura que nós defendemos muito.A Associação existe em Portugal, desde 1997, mas existe em França há 30 anos. Neste momento existe outra em Marrocos, que trabalha nestes domínios. Temos, entre nós, uma filosofia comum, que assenta na filosofia de Paulo Freire - o cerne de tudo isto está no público que nós acolhemos e ajudamos a encontrar o seu caminho.Obrigada .

Dr.ª Maria Adelaide Lisboa
Muito obrigada pela sua intervenção e pelo entusiasmo que pôs na explicação de todas estas actividades, que, realmente, nos deixou extasiados. Têm uma actividade espantosa. Parabéns ... a vossa Associação está de parabéns.Está prevista uma interrupção às 16h:00m, e há um compromisso com o hotel por causa dos cafés, não é? Eu sei por experiências anteriores. Vamos fazer uma interrupção, agora, de um quarto de hora, exactamente um quarto de hora, e, depois, recompômos a mesa e continuamos. Está bem? Até já.

Drª Adelaide Lisboa
Vamos recomeçar os nossos trabalhos. Tem a palavra a Drª Deolinda, ou quem quiser indicar.


Srª D. Annie.
Eu sou formada no curso de arte floral, de Oeiras. Sendo brasileira, eu vivi todos os momentos das inúmeras crises políticas e financeiras do Brasil, com trocas de moedas constante, a inflação alta e descontrolada, a violência dos grandes centros urbanos, mais precisamente no Rio de Janeiro, onde eu morava. Isso levou-me a optar por viver a 2.000 Km. do Rio, na Centro Oeste (região de centro oeste do Brasil), o que não minimizou as dificuldades. Era impossível ter uma qualidade de vida melhor em meu país.A chance para reverter esta situação surgiu quando o meu marido recebeu um convite, uma proposta para trabalhar numa empresa da construção civil, como marceneiro. Na altura, esta empresa estava a construir um hotel em Cascais. A princípio, o contrato de trabalho era por seis meses. A começar em Maio de 1991. Cumpridos os seis meses, passou um ano, dois anos, cinco anos, onze anos e meu marido não quis retornar ao país de origem, por se ter adaptado bem ao clima e às pessoas de cá.E, entre vindas e voltas para o Brasil, após muito resistir, eu decidi fixar residência aqui, pois já ficava complicado suportar os custos das viagens. E foi uma mudança radical e, consequentemente, a minha adaptação não foi fácil. Para ajudar no orçamento da família, eu tinha que trabalhar. Ingressar no mercado de trabalho foi a maior dificuldade que eu encontrei, por falta de informação. Eu não trouxe as minhas habilitações literárias para requerer as equivalências, já que era professora do ensino básico fundamental e também era orientadora educacional no Brasil. E a solução que eu encontrei, acho que como toda a mulher estrangeira imigrante, foi trabalhar a dias, em casa de famílias e fazer limpeza noutros locais. Até tentei tirar um curso de formação, num centro de formação, para aprender a passar a ferro. E as coisas não correram bem, porque eu não me sentia profissionalmente realizada nessas funções. E optei por outra coisa. Surgiu então a ideia de eu me candidatar para trabalhar em lojas de pronto a vestir, lojas de calçado, ópticas, supermercado, como repositora de mercadorias e operadora de caixa. Também não consegui nada do que pretendia, porque já tinha mais de 40 anos. E senti na pele o preconceito por ser estrangeira, ter mais de 40 anos, ser mestiça - eu tenho raízes do Índio, do africano, do português.Enfim, eu sou o que sou e podia produzir muito, em termos de trabalho, sendo útil na sociedade na qual eu me inseri... Cansada de procurar algo que me preenchesse, para além de ser doméstica do meu lar, encontrei a minha tábua de salvação ao ler um anúncio de jornal sobre um curso profissional de arte floral na APSD de Oeiras. Timidamente, dirigi-me a essa instituição e inscrevi-me. E eu confesso que estava céptica, porque não acreditava que pudesse ser seleccionada. Enfim, eu havia dado tantos passos e havia procurado tantas coisas ... Mas fui mesmo seleccionada. E, preenchidos todos os pré – requisitos, fui chamada pela Dr.ª Sandra Neves Dias, responsável pela selecção do pessoal, para frequentar o curso. Por gostar de artes em geral, e especialmente de trabalhos manuais então, não tive nenhuma dificuldade na parte prática e teórica do curso. Actualmente, estou a frequentar, em horário pós – laboral, o curso de formação pedagógica de formadores.Hoje posso visualizar um futuro promissor, quer seja trabalhando com arranjos florais, quer seja como formadora. E aproveito aqui para dizer e agradecer em nome das formandas do curso de arte floral da APSD de Oeiras, para expressar a minha gratidão a esta instituição, representada hoje pela Dr.ª Deolinda Machado. E também agradeço ao pessoal de apoio que dá toda a assistência necessária, incluindo também os nossos formadores. A todos o meu abraço e o meu obrigada.

Dr.ª Maria Adelaide Lisboa
Muito obrigada pelo seu testemunho. Eu perguntava à Sr.ª Dr.ª Deolinda Machado, não tem mais ninguém, agora, para falar?

Dr.ª Deolinda Machado
Eu só quero agradecer à Annie, que esteve brilhante e... o futuro promete. Obrigada Annie.

Dr.ª Maria Adelaide Lisboa
Muito bem. Então vamos continuar. A Dr.ª Fernanda Pedro, do Centro Europeu de Formação e Estudos sobre Migrações, vai falar.

Srª D. Fernanda Pedro
Muito boa tarde. Um sincero agradecimento à Associação “ Mulher Migrante “.Primeiro, quero fazer uma pequena rectificação. Eu não sou licenciada. A minha formação não tem a haver com esse mundo. Sou técnica de apoio parlamentar e voluntária numa Associação, que é o Centro Europeu de Formação e Estudos sobre Migrações.Uma voluntária que, por força das circunstãncias, de há um tempo para cá, é também Presidente desta Associação. Eu digo por força das circusntãncias, porque gosto muito de andar na rua, andar nos bairros e, muitas vezes, esta situação de presidente limita – me muito, dentro da Associação. Para mim, é um sacrifício, mas estou a ver se, realmente, conseguimos uma estabilidade para a Associação, que permita depois a outras pessoas continuarem numa situação mais favorável.O CEFEM é uma associação de leigos católicos praticantes e esta é uma forma de prática. A nossa forma de viver Jesus é estar no terreno, é estar com aqueles que precisam de nós. É uma Associação virada para a imigração, nasceu em boa hora ligada e seguindo o exemplo dos padres Scalabrineanos, uma congregação de padres fundada por João Baptista Scalabrini. Um grande homem que, no fim do séc. XIX, se preocupou com a imigração.É seguindo, um pouco, os exemplos e também a filosofia de João Baptista Scalabrini, que nós vivemos junto da comunidade de imigrantes. Estamos sedeados no Seixal, temos um manancial de trabalho. Muito trabalho. Infelizmente vivem muitos imigrantes naquela zona. Eu digo infelizmente, porque são pessoas muito carenciadas. E estamos também virados, de alguns anos para cá, para uma outra comunidade que, apesar de portuguesa, ainda é vista como imigrante no nosso país, que é a comunidade cigana. Nesta comunidade, a pedido de D. Manuel Martins, ainda Bispo de Setúbal, para que nós, a nossa Associação, passasse também a fazer algum trabalho nos bairros ciganos. Nós não conseguimos sair muito do Seixal, porque, como frisei, há muito trabalho. Temos um bairro, que é parecido com a Quinta do Mocho aqui em Sacavém - quando ainda era aquela Quinta do Mocho de prédios acabados com tijolos, de maneira a que as pessoas se encaixassem e vivessem aí.Temos um outro, que foi considerado, durante muito tempo, como um bairro social, onde a diversidade era grande e onde tudo era quase perfeito. Infelizmente, com os anos, a degradação tem-se dado e hoje é um bairro muito problemático : a Quinta da Princesa. Estamos nestes dois bairros, com mais tempo, assim como no bairro do Fogueteiro, com os ciganos e todos os outros imigrantes, que se dirigem à nossa Associação.A nossa preocupação é maior com os imigrantes de origem africana, ou com a segunda geração de origem africana, e com os ciganos. Temos um grupo de imigrantes de países de leste, com quem estamos neste momento a fazer um curso de português e que de alguma maneira veio até nós, ou fomos nós chamados até eles, por alguns problemas - porque se encontravam, todos eles, ilegais.Vive uma comunidade muito grande, de imigrantes de leste, em Fernão Ferro.Não há nenhum legal. Há um entrar e sair de pessoas nestes bairros... O que é que nós fazemos, os voluntários? Tentamos visitar as famílias. A nossa vocação é, realmente, a família e, junto das famílias, tentar conversar e, através da conversa, é evidente que surge tudo. Um leque de problemas que, muitas vezes, para nós é difícil saber encaminhar. Tentamos sempre parcerias com outras associações, entre elas também com a APSD, para resolver alguns dos problemas destas pessoas. Fazemos apoio social. Este apoio social passa muito pela ajuda alimentar, que recebemos do Banco Alimentar de Luta Contra a Fome da Península de Setúbal.Temos muitos imigrantes que vêm ao abrigo dos acordos de saúde, chegam a Portugal e os países de onde vêm, não cumprem a outra parte do acordo, que é dar a casa e a alimentação. As pessoas vivem em circunstâncias muito precárias, em bairros onde estão sujeitos a todo o tipo de infecções. Sem esgotos, nas piores condições que possam imaginar. Há famílias que os conhecem, que lhes dão a mão, que lhes dão casa , que os ajudam. Depois, ao fim de uns meses, cansam-se e vão para outra família, portanto, é este vai e vem. Outros vêm a acompanhar os filhos , principalmente as mulheres - porque os filhos vêm ao abrigo dos acordos de saúde - e ficam em Portugal anos, sem poderem ter a autorização de residência, com todas estas implicações, porque só ficam pelo período em que a criança está doente. E esse período pode ser muito prolongado.Normalmente, os imigrantes africanos não recorrem ao RMG, por desconhecimento. Portanto, se não é esta atitude dos voluntários, nos bairros, para poderem encaminhar e poderem ajudar estas pessoas, é difícil eles terem conhecimento das regras. Pensam sempre que não é para eles, que eles não têm direito a isso, mesmo quando têm "autorização de residência".São famílias que passam muitas horas fora de casa. Normalmente, a maioria das famílias são mono – parentais. A mulher de São Tomé, principalmente, sempre que imigra, imigra com os filhos atrás. Por isso, ouvimos, ainda há bocado, o ditado ali da mãe da nossa amiga, não é? Os filhos acompanham-na por todo o lado, de manhã à noite. Com a mulher de São Tomé esta é uma das regras de ouro. A mulher não imigra sem trazer os filhos com ela, não vai para lado nenhum sem os filhos. Pela própria cultura são tomense, é muito raro encontrarmos um casal "casado", ou um casal que tenha uma jovem mãe, uma família monoparental que tenha filhos de um marido só, por causa de uma questão cultural. Quando a mulher está grávida, o homem deixa- a por outra, depois regressa, quando elas permitem, para ajudar a criar o filho.Entretanto há todos estes problemas. Hoje não existe muita solidariedade - para não dizer nenhuma - nestes bairros. Deviamos ter vindo com uma mediadora sócio – cultural, que fez o curso connosco, e que é viuva, há bem pouco tempo. Para desgraça dela, vivia em união de facto, e, como vivia em união de facto, não tem direito a nada do que era do marido, que tinha uma empresa de construção. Tem filhos menores, que têm de esperar até serem maiores para receber a sua parte da herança.Com todos estes problemas, não encontrou no bairro ninguém, do Vale de Chichares, que pudesse ficar com os dois miúdos. Uma miúda com três anos e um miúdo com cinco meses. Temos tentado contornar estas situações, temos uma empregada no CEFEM que fica com as crianças. Hoje não tinha possibilidades de vir, porque tinha de ir ao médico.Das mulheres imigrantes, a maioria das que estão connosco, as africanas, são realmente de São Tomé, Cabo Verde, Angola, Guiné, com muita dificuldade de falar português. A falarem, muitas vezes, mais francês do que português e o crioulo, que nós não sabemos, não é?Com aquelas que têm autorização de residência, a nossa tentativa é tirá-las das empresas de limpeza. Porque são exploradas, porque estão até de madrugada, saem para o trabalho da noite, ao fim da tarde, chegam a casa noite fora. Os miúdos estão na rua, durante a noite, principalmente no fim da tarde, quando a mãe sai. Eles ficam na rua e, depois, há toda a envolvência destes bairros degradados, com os resultados que conhecemos. Portanto, a nossa tentativa é chegar a acordo com elas, para aquilo que gostariam de fazer no futuro. De acordo, com os seus saberes. Tentar fazer uma formação profissional que lhes dê, pelo menos, um suporte económico e que lhe permita estar o mais tempo possível com a família, não é? E viver o melhor possível.Temos tido vários cursos, realmente todos na área dos serviços de proximidade, que é onde há mais falta, ali, na nossa zona - porque também temos de ter em conta o mercado de trabalho existente. Fazerem formação profissional e ficarem desempregadas, não vale a pena. Tentamos sempre conciliar as duas coisas e, só a partir daí, é que fazemos candidaturas, que umas vezes são aprovadas, outras vezes não são, outras vezes são-no, com as verbas cortadas, etc. Quem vive neste mundo sabe como é.É gritante, ultimamente, a quantidade de pessoas a viverem abaixo do limiar da pobreza. Não é só com os imigrantes. É mais com os imigrantes e com os ciganos, porque são aqueles com quem contactamos mais, mas neste bairros também há os de nacionalidade portuguesa. Os ciganos dizem: “os lusos”, e eu quase que digo isso também, não é?Muitos lusos, como dizem os ciganos, são novos pobres, que vêm ter connosco, também a pedir roupa para as crianças, roupa para eles, comida, porque o dinheiro que ganham não chega, senão para pagar a renda e as despesas da casa. Acontece isto também. É evidente, que, quando estas pessoas vêm ter connosco, nós não dizemos que não, embora na verdade tentemos canaliza–las para outro lado, porque acho que, para os imigrantes, somos poucos par podermos fazer alguma coisa por eles.Eu tinha muita mais para dizer mas, realmente, não há tempo ...Termino, dizendo que quem trabalha como voluntária, nestes bairros, ganha todos os dias muito, aprende imenso, recebe muito amor, muito amor destas pessoas.Eu sinto-me muito mais realizada, muito mais feliz, desde que partilho a vida destas pessoas. Procurei muitas vezes sentir isto, até através da política, por ideal político, durante anos, depois mudei um pouco de acção, passei a ir para o terreno e no terreno as coisas são sentidas mais com o coração, mais com os sentidos todos, não é?...Nunca admiti que, em Portugal, nós fôssemos tão racistas, como somos. E somos... e cada vez mais. E hoje, onde houver um imigrante de leste, já um imigrante africano não entra. Onde houver uma mulher imigrante loura, ou de pele clara, não entra nem uma africana, nem uma brasileira. O resultado é que nós temos pessoas que nos telefonam a pedir empregadas para os cabeleireiros, para casa, para estabelecimentos, e toda a gente, hoje, a querer imigrantes de leste.Na construção civil, neste momento, há muito desemprego para os africanos, estão a sofrer muito com a situação. Todas estas famílias de imigrantes africanos estão, hoje, pior do que aqui há uns três ou quatro anos atrás.Há muito mais pobreza e há muito mais desemprego.E perdoem-me dizer isto, há certamente aqui pessoas que estão ligadas a instituições públicas, mas eu vejo as coisas, de uma forma amadora, de uma forma sentida: temos um programa, que é o “Portugal Acolhe” do IFP e, quando alguns técnicos do IFP me pedem para eu indicar imigrantes para estes cursos - porque eles não vão lá bater à porta - é a tal situação: só querem imigrantes de leste. Portanto, português, através do “Portugal Acolhe” só para imigrantes de leste. Quando digo que tenho guineenses que precisam, ou alguns cabo-verdianos, que chegaram há pouco tempo e têm ainda alguma dificuldade, porque maioritariamente só falam crioulo, a resposta é “Não!”. Só querem imigrantes de leste.É esta a realidade portuguesa. Eu fico muito triste porque eu costumo dizer, eu continuo a querer estar com aqueles que ninguém quer. Com os africanos e com os ciganos. E é só. Muito obrigada

Dr.ª Maria Adelaide Lisboa
Muito obrigada à Dr.ª Fernanda Pedro. Esta é uma realidade com que fomos confrontados, alguns pela primeira vez.. Com a realidade com que nós temos, com a força das associações que também estão no terreno, além e ao lado, provavelmente, dos serviços oficiais. Mas as associações, que nascem e que se desenvolvem e se organizam para resolver problemas, no fim de contas, que são de todos nós, que são da sociedade em geral, provavelmente estas associações, são desconhecidas e não são acarinhadas. A isto é que, realmente, devia ser dado relevo e conhecimento, para todas as entidades saberem que há muita gente no terreno a trabalhar, sem apoios de espécie nenhuma. É só esta carolice, esta fé.Foi isto o que nos trouxeram, aqui, as associações, esta tarde: o conhecimento destas realidades. Temos de deixar a nossa vida confortável, deixar de gozar de alguns privilégios da sociedade de informação que hoje temos e, se calhar, arregaçar as mangas e ir para o terreno trabalhar. Muito obrigada.Tem agora a palavra o Senhor Engª Jorge Venda, que é sócio gerente da Plaforma lda., empresa de inserção, sedeada em Leiria. Faça o favor.

Engº Jorge Venda
Muito boa tarde a todos. Desde já quero agradecer o convite que me foi dirigido. Eu venho em nome da Plaforma, que é uma empresa de formação e consultadoria. Foi um projecto que abracei, há cerca de 3 anos. No âmbito da consultadoria, fazemos apoio financeiro. Apoio financeiro não, peço desculpa: consultadoria na área financeira! Projectos de investimento, entre outros, e também no âmbito da formação. Desenvolvemos cursos para diversos públicos alvos, nomeadamente, activos e desfavorecidos.O porquê de uma empresa privada, com fins lucrativos, fazer formação para grupos desfavorecidos? Essencialmente, tem a ver com questões de cidadania, de solidariedade. Tem a ver também, essencialmente, com um aspecto. Nós pensamos, precisamente, em fazer um estudo à região, no âmbito do terceiro quadro comunitário, e constatamos que a zona centro tem cerca de 62.000 empresas, e que existe necessidade de mão de obra.Há que qualificar e formar pessoas e fazer face a essas carências, nas diferentes áreas. Pensamos, precisamente, em pegar e dirigir formação para os públicos mais carenciados, excluídos.Se nós formos analisar os dados de desempregados no Instituto do Emprego e Formação Profissional, constatamos que 67% são mulheres. Dos inscritos, 80% têm 9 ou menos anos de escolarização, portanto, são dados que falam só por si, não é? Há que inverter esta situação, preparar as pessoas e colocá-las, indo ao encontro das expectativas das mesmas. Colocá-las no mercado do trabalho. De certa forma, também nós temos públicos -alvo de activos, desenvolvemos formação para eles, na área da contabilidade, na área das línguas, formação de formadores. E, curiosamente, também nos aparecerem imigrantes nesses cursos. Pessoas a pagar os cursos que tiram. Aparece-nos uma percentagem de brasileiros, nesses cursos.Nos cursos dirigidos a excluídos, a grupos de risco, a maioria dos imigrantes são africanos. São cerca de 35% a 40% de imigrantes, e, portanto, na sua maioria africanos. Também temos de outras origens mas, essencialmente, africanos e mulheres.Devo-vos dizer que temos cursos para técnicos administrativos, para serviço de bar, para técnicos comerciais. Normalmente estas pessoas, são oriundas de famílias desestruturadas, desacreditadas, sem perspectivas de futuro. São pessoas para quem é muito difícil a inserção no mercado de trabalho. Essencialmente pelas questões de que a Dr.ª Deolinda há pouco falou, os filhos, o problema dos horários, um conjunto de situações que limitam, de alguma forma, a inserção das pessoas no mercado do trabalho. Por outro lado, devo deixar aqui a mensagem e o testemunho de que há muitos empresários que não estão sensibilizados para estas questões. Mas começa a haver outros mais sensíveis a estes públicos -alvo e a este tipo de pessoas.Há alguma receptividade, mas, depois, também nos surgem as dificuldades limitativas, por parte dessas pessoas, nomeadamente, no que diz respeito aos horários. Não têm com quem deixar os filhos, não têm o apoio do marido - dos maridos, aqueles que efectivamente pretendem procurar um caminho.Nós temos um conjunto de técnicos que dão um grande acompanhamento, psicólogos. Os dois primeiros meses são muito decisivos par o sucesso das pessoas. Elas recebem um grande acompanhamento extra formação, depois começam, de certa forma, a sentir uma confiança, que lhes permite seguir e finalizar o curso com sucesso. Penso que rondará - embora não sejam números muito certos - os 30% de sucesso, nos casos de inserção que nós temos. Efectivamente terminaram o curso, estagiaram e ficaram nas empresas cerca de 30%.Eu não quero demorar muito mais, mas, desde já, acho que nós todos temos de dar um contributo para, de certa forma, inverter estas situações de exclusão. E, hoje, os números relativamente ás mulheres, quer sejam estrangeiras, quer não sejam, são elevados a nível do desemprego, a nível de exclusão. Estamos de certa forma a preparar estas pessoas, a formar estas pessoas, e penso que, mais à frente, irá acontecer precisamente o contrário. Os homens é que irão para o desemprego, porque não estão preparados, não têm formação. Desta forma, penso que o futuro dependerá muito das mulheres. E é só.

Dr.ª Maria Adelaide Lisboa
Muito obrigada, Sr.Eng.º Jorge Venda.É um facto que a formação profissional é fundamental para a inserção nas sociedades, quer a formação profissional seja feita pelo Estado, pelas empresas privadas ou pelas associações. É muito importante que ela seja feita, porque permite, de facto, uma inserção mais efectiva dessas pessoas nas comunidades e nas sociedades de acolhimento, ou na sua própria terra, no fim de contas. É importante que se dediquem e que as Associações todas também tenham nos seus objectivos essa vertente, como prioritária.Eu vou abrir agora uns 20 minutos para debate, porque a Sr.ª Secretária de Estado chega às 17h:30m, não é? Pelo menos, está aqui marcado às 17h:30m. Nós vamos fazer um pequeno debate, eu aceito inscrições, para ver, primeiro, quantas pessoas é que vão falar. Quem quiser falar tem aqui um microfone. É por causa da gravação, é importante que fique gravado, porque, se não, perde-se alguma coisa importante do que se diz. Quem é que quer intervir?Dr.ª Deolinda MachadoQueria responder a uma pergunta feita agora, durante a pausa. Não sei o seu nome... Foi sobre a questão dos apoios para os formandos. Efectivamente, quando a acção de destina a desempregados, neste caso desempregadas, a formanda tem direito a uma bolsa de formação, que é igual ao ordenado mínimo nacional .Tem direito a uma ajuda para a creche dos filhos, que são cerca de 33.100$00 (escudos). Tem direito a um subsídio para transporte, que são 8.000$00 e tem direito a subsídio de refeição igual ao dos funcionários e agentes da Administração Pública. Efectivamente, há este apoio para a creche. Só que, na maioria, as nossas formandas são mulheres que têm 3 filhos - a Paula diz-me ali, 6, 7… - quando não está um doente, está o outro. Um está com a varicela, o outro com não sei o quê, e é sempre a mulher que fica em casa. E a creche não aceita o menino se está com febre, não aceita a menina se vomitou e vamos sempre parar ao mesmo. Portanto, são os tais aspectos periféricos, que são sempre muito complicados.O que é que acontece no interior do nosso país? Há o apoio para passe, mas não há transportes públicos. Como é que as pessoas se deslocam, não é? Nós tivemos uma guerra incrível com o “Integrar”, com o Programa Integrar, que efectivamente é um bom programa. Nós organizamos um táxi para ir buscar as pessoas, as mulheres, a uma terriolazinha, que estava lá perdida num monte. Eles não queriam financiar isto, e nós pagámos ao taxista. Ele trazia cinco mulheres e pagávamos 8 contos, vezes cinco por mês. É claro que o homem perdia muito dinheiro, mas com aquela chamada de atenção : “isto é uma coisa muito importante...", o Sr. aceitou. Mas, o “Integrar” não queria pagar a factura de táxi. E eu disse: “Então você quer que a gente minta. Simulamos aí um papel que a Rodoviária Nacional passa, quando, efectivamente, houve um táxi, que se disponibilizou para fazer isto”. São os aspectos designados como periféricos ...E nós tivemos uma Sr.ª que vivia numa situação muito degradada - num projecto que se desenvolveu em Loures. No tempo da chuva, a Sr.ª nunca chegava a horas, porque a casa dela metia água, portanto, todos os dias havia uma inundação. “ Você está excluída por faltas, não pode vir mais”! “Mas eu não tenho culpa...”.É assim, a gente quer começar por algum lado, mas não se sabe muito bem por onde.

Drª Fernanda Pedro
Eu por aí só faço uma achega. Nós temos feito várias tentativas, não é? Pedimos também autorização para fazer o transporte, contratamos uma pessoa que tem um carro e faz transporte ... Porquê? Apesar de vivermos todos ali na zona do Seixal é complicado chegar até aos locais onde nós damos formação, que é normalmente onde nos deixam estar, porque, quando temos dinheiro, pagamos aluguer, quando não temos não pagamos, não temos sede, não é?E isto é outra das coisas que eu ia dizer, é que nós também somos discriminados, porque somos uma Associação que trabalha com pessoas que não dão votos. O imigrante, na maioria, não vota, não é? E os ciganos não votam, porque deixaram de votar, aqui há uns anos atrás. Deixaram de votar, porque não houve resposta das pessoas em quem eles acreditavam.Muito temos trabalhado, ao nível do voluntariado, fazendo ver o direito e dever cívico da pessoa e a necessidade que há, até de se recensearem, porque muitos nem sequer são recenseados.Isto para dizer que houve - e lembrei-me do caso do “Integrar” - uma medida, era a medida 4, que permitia que fizéssemos profissional a minorias étnicas, onde estão os nossos imigrantes africanos. Permitia que tivessem uma bolsa por inteiro. Todas as coisas que a Deolinda disse. Depois, esse “Integrar”, como era uma coisa pequena, funcionava num edifício pequeno, só um andar, tinha pouca gente a trabalhar, portanto o governo, este governo que está a terminar, resolveu complicar ainda mais a situação. Criou, então, uma estrutura no IFP, um "Programa Operacional de Desenvolvimento, de Emprego", que é uma estrutura monstruosa, não é?A princípio houve uma medida, a 3.6.2.1., para estes públicos, mas, a partir daí, fechou. Porquê? Porque aí entram todas estas pessoas, que nunca descontaram para a Segurança Social, mas que trabalharam e trabalham e, nos outros programas que há (de financiamento para a formação profissional), quem tem descontos é considerado desempregado de longa duração e tem uma bolsa por inteiro. Se não tem descontos, é considerado primeiro emprego, nem que a pessoa tenha 50 anos. O primeiro emprego dá 16 contos de bolsa de formação! Portanto, é extremamente difícil nós tentarmos fazer alguma coisa. Como é que as pessoas estão seis horas na formação? Tentam sempre fazer qualquer coisinha mais, para ganhar dinheiro. Não é com 16 contos que uma pessoa adulta, com família, consegue governar a sua vida, não é?E com a questão das amas, também já nos vimos confrontados várias vezes. Quando temos mulheres com muitos filhos, arranjamos um espaço, contratamos uma funcionária, com mais ou menos formação nessa área, e as crianças ficam ali, numa sala ao lado, enquanto as mães estão a ter formação. Acaba a formação, os meninos vão para casa com os pais. É uma das maneiras que temos de inventar soluções, para fazer face a estes problemas. Porque creches ou infantários, na área social, há muito poucos. Normalmente, ligados aos centros paroquiais e sempre superlotados. E mais não há!

Drª Aida Ferreira
O meu nome é Aida Ferreira e sou professora da Universidade Lusófona. A minha formação é de serviço social e sou também directora do curso de Serviço Social, na Lusófona. Mas tive 30 anos no terreno, a trabalhar. Depois, passado 9 anos, nos últimos 9 anos, é que comecei a fazer uma vida académica, por já estar um pouco farta de tanta pobreza. Essa é a realidade.Nós trabalhamos uma vida inteira e verificamos que as coisas não mudam e cada vez parece que pioram mais.Por isso, eu fui muito sensível a tudo o que ouvi. Interrogo – me sobre qual é o resultado do nosso trabalho, tanto dos profissionais como dos voluntários, porque a pobreza é um fenómeno global e aumenta cada vez mais, e todas sabemos porquê. Também sabemos como é que são distribuídos os lucros a nível mundial, enfim, de tudo isso as pessoas têm conhecimento.Mas, entrando mais no concreto. Quando eu atendia pessoas, eu sei que tive algumas situações de uniões de facto - alguns casos que eu segui e que foram resolvidos por morte de um dos parceiros, com base numa legislação que não sei se ainda existe. Não sei se está aqui alguém de Direito que possa informar. Desde que o casal vivesse dois anos em união de facto, havia direito a pensão de reforma, pelo menos pensão, agora, bens da empresa não sei...Eu tratei de algumas situações dessas. Não sei como é que as coisas estão, neste momento.Também queria dar testemunho de um projecto que eu orientei no âmbito do ”Integrar”, em Almada, no Pica-Pau Amarelo. Foi uma situação difícil. Eram 22 mulheres e 18 africanas. Não tinham a escolaridade obrigatória e também se iniciou uma luta por parte da coordenação - e eu era uma das coordenadoras - no sentido de alterar aquilo que era exigido. Toda uma argumentação - acho que, por vezes, temos que usar muito a palavra, a palavra é fundamental no nosso trabalho - dizendo que as mulheres realmente não teriam acesso e os cursos eram de costura e restauração, numa parceria com a Casa Pia. O curso de costura foi feito em Maria Pia e o de restauração em Nuno Alvares, com óptimas condições. Se não tivéssemos ultrapassado a questão da escolaridade, essas mulheres ficavam cada vez mais excluídas. E, portanto, foi criada uma plataforma de entendimento no sentido em que essas mulheres se comprometeriam de futuro e iniciaram, a fazerem a escolaridade obrigatória. E acabaram por fazer o curso.O que é que eu quero dizer com isto? É que temos que lutar muito contra toda uma legislação, que acaba por excluir muito as pessoas.Também há outras questões, que foram referidas, mais ou menos neste âmbito. As mulheres não estavam habituadas a sair do seu bairro - elas tinham que vir para Lisboa e não queriam vir. Disseram: “ para Lisboa não vamos. Nós nunca saímos do bairro, como é que vamos?".Bom, teve de haver, na verdade, um trabalho de sensibilização muito forte, até que uma diz: “eu vou.” E todas quiseram ir.Relativamente aos maridos, havia a questão de eles não participarem na esfera da vida privada. O trabalho da casa é da mulher, por tradição, todos sabemos disso, e houve também um trabalho feito com os maridos. Houve situações que se alteraram, muito, muito, muito.A nível de infra – estruturas, concretamente para cuidar dos filhos, conseguiu-se uma verba, que já não foi do “Integrar”, foi da Casa Pia, para que as pessoas que estavam à frente do ATL e de outras estruturas, que existiam, fizessem horário de prolongamento até às 11h:00m ou 00h:00m.Portanto, foi toda uma habilidade, foi todo um conjunto de criatividade para resolução de problemas, que neste caso resultou.Eu quero chamar a atenção - desculpem, chamar a atenção, não é bem... - o que eu quero partilhar convosco, é dizer que, para além de tudo aquilo que nós temos que fazer no terreno, e que já é muito, e é muito difícil, depois, temos que ser realmente criativos e inovadores, para que as coisas resultem. O esforço é muito maior. Eu não sei se é 100% mais, se é 200%. Porque se as coisas fossem lineares - temos aqui estes direitos, avançamos com um projecto bem feito, bem realizado em profundidade - tudo avançava muito mais rapidamente. Mas não é bem assim, pois não? A estrada é muito sinuosa.Era esta partilha que eu queria ter convosco. Obrigada.

Drª Lurdes Ferreira
Trabalhei durante 26 anos na Segurança Social, e precisamente, no Centro Nacional de Pensões onde as prestações por morte eram atribuídas e ainda são atribuídas. Realmente, há uma legislação, desde 1991, em que se prevê - eu agora, de cor, não sei, o decreto lei - mas prevê que, realmente, as pessoas em situações de “união de facto” tenham direitos semelhantes aos casais legalmente constituídos, não é? E, portanto, terão direito às pensões de sobrevivência, da mesma maneira que qualquer outro casal. Isso é uma situação que ainda se mantém, não foi alterada.A única questão que se põe, e que às vezes torna mais difícil a atribuição dessas pensões, é exactamente, a verificação, da situação de união de facto, que, em termos legais, tem de ser passada pelo tribunal. E isso é que dificulta mais a atribuição.Mesmo para estas situações de imigração, ou de situações de imigrante não completamente legalizado. Isso já é outra questão. Aí, já não é a questão da união de facto que se põe, é a situação do imigrante não estar legalizado.Ao imigrante, pelo facto de residir temporariamente em Portugal, e mesmo que esteja na situação ilegal, é reconhecido o direito à educação. Portanto, o acesso á educação, à saúde e à acção social. Agora, não há dúvida nenhuma de que é uma coisa em termos de princípios, e outra coisa é, às vezes, a realidade. Na prática, os serviços muitas vezes não correspondem àquilo que se pretende.

Drª Cecília Seixas
Eu chamo-me Cecília Seixas, represento o Instituto de Emprego e Formação Profissional. Trabalho no Instituto de Emprego e Formação Profissional, estou aqui como representante, o que demostra o interesse que o Instituto tem nesta problemática. A ideia de eu participar neste colóquio é levar todas as informações possíveis daqui, para que tudo, depois, possa ser distribuído pelas unidades orgânicas do Instituto, a nível nacional.Relativamente à imigração dos países de leste, de facto, só agora os nossos serviços começam a ser procurados por estes imigrantes. Muitos deles não se querem dar a conhecer, não estão legalizados, têm problemas com a língua, como já foi referido aqui, e, portanto, a questão do emprego e da formação vem depois. É uma etapa posterior à questão da língua.Relativamente à imigração africana e de brasileiros, de facto, o Instituto tem uma experiência muito grande, temos trabalhado muito com estes públicos e eu gostaria de salientar aqui uma ideia, que é esta: todos nós trabalhamos para um objectivo comum. Associações e entidades estatais, como é o caso do Instituto.Não podemos ser encarados como os dificultadores destes processos. Penso que nós todos trabalhamos para ajudar a resolver estes problemas, às vezes, temos é entraves, também. Muitas vezes até condicionantes da Comunidade Europeia, que não nos permitem avançar com outro tipo de medidas. Mas, dentro das nossas possibilidades, penso que conseguimos fazer um bom trabalho. Eu, trabalhando directamente num Centro de Formação, como Conselheira de Orientação Profissional, lido dia a dia com estes utentes e partilho de muitas opiniões, que foram aqui frisadas, relativamente à questão da orientação destes candidatos.O que acontece é que são pessoas que, devido às condições económicas, têm projectos a muito curto prazo. É muito difícil definir projectos a longo prazo com elas. Muitas vezes é o curso que está, no momento, para começar não dá para fazer um trabalho de continuidade, de projecto de vida da pessoa.Também há bastantes dificuldades ao nível das escolaridades. São pessoas com muito baixa escolaridade e, depois, não se integram nos nossos programas de formação, que, infelizmente, exigem determinados graus, também exigidos pela Comunidade Europeia, mais uma vez.E, há, portanto, um determinado número de problemas, de facto. Um deles é a questão dos filhos. Esta população tem muita dificuldade, mesmo tendo apoios para deixar os filhos, muita dificuldade em os deixar. Há aquela sensação da “mãe galinha”... É muito difícil abandonar os filhos numa creche, num infantário.De qualquer das maneiras, queria deixar aqui uma palavra de optimismo. Eu penso que se está a fazer, quer no Instituto, quer nas Associações, um trabalho bom, excelente, nesta área.Termino com uma palavra de optimismo. Acho que todos unidos, vamos conseguir, pelo menos, resolver algumas destas questões.Drª Maria Adelaide LisboaMuito obrigada. Está ali atrás a Drª Ana Paula, que também vai falar. Depois, é a Sr.ª Dr.ª Raquel Ribeiro.

Doutora Ana Bela Beja Horta
Eu vou ser breve.Ana Paula Beja Horta, da Universidade Aberta.Gostaria de fazer um comentário relativamente a este encontro. Penso que a Associação "Mulher Migrante" foi extremamente feliz em organizar um encontro desta natureza. Especialmente porque é um encontro que oferece discursos alternativos. Discursos alternativos a discursos que são produzidos na Academia. Discursos alternativos, que são produzidos a nível dos media, a nível, inclusive, político.Penso que os testemunhos que foram aqui dados, e o valor desses testemunhos, apontam, de facto, para uma questão, que, neste momento, é uma questão crucial, que é da importância das Associações e da sociedade civil, e a das associações, como veículo para uma cidadania participativa. Para uma cidadania cívica. Até há muito pouco tempo, a sociedade civil em Portugal era uma sociedade fraca. Que tinha graves problemas em se mobilizar. E, ao mobilizar-se, começa a mobilizar-se através de partidos.O que estamos a ver aqui é, de facto, um espaço que extravasa o espaço institucionalmente assumido como o espaço do político. É que essas associações, elas próprias, se tornam veículos de uma integração, tanto a nível social, como a nível político. E, portanto, eu queria deixar aqui salientada a importância da Associação da Mulher Migrante ao apostar na criação deste tipo de espaços, que proporcionam uma maior abertura e uma forma muito mais ampla de uma participação, especialmente das mulheres. Era esse o comentário.

Prof. Duarte Mendes
Sou o Duarte Mendes, sou professor, e fui, durante algum tempo, Director do Gabinete de Emigração dos Açores.Neste momento, não tenho qualquer função, mas tenho dedicado o meu tempo ao voluntariado, designadamente trabalhando para um serviço da Diocese, que se chama Serviço de Apoio à Pastoral da Mobilidade Humana, na qual tenho responsabilidades na área das migrações, muito ligado, aqui, a este Senhor Padre, que é da Obra Católica Portuguesa da Migrações. E eu preferia que eles tivessem falado, porque eles têm perguntas a fazer e questões a pôr, e o que eu pretendia aqui dar era um testemunho do trabalho que estamos desenvolvendo. Julgo que talvez seja importante.Eu tenho essa tendência. Quando vou a sessões destas matérias, às vezes, coíbo-me um pouco de intervir... Mas vou, então, desta vez, pecar por falar e não por não falar.O serviço de apoio à Mobilidade Humana começou há relativamente pouco tempo, isto é, já tem algum tempo, mas, em Dezembro do ano passado, começou a preocupar-se com um novo problema nos Açores. Estão neste momento a ir para lá, já, alguns milhares de imigrantes de leste.Segundo o próprio testemunho deles, muitas vezes, sentem-se mais seguros, porque pagam só uma vez às máfias, depois, como estão longe, aquele tributo já não lhes sai dos bolsos todos os meses. Isto são declarações dos próprios. Por outro lado, vão para lá muitas vezes, levados por firmas grandes continentais, que adjudicam obras públicas. Por vezes, ou porque gostam do ambiente, ou porque entretanto conseguem, em firmas mais pequenas, locais, outra estabilidade, acabam por se fixar e trazer a família.Eu queria dizer que nós criámos uma estrutura, e já temos, neste momento, três tipos dentro da nossa estrutura que são: classes de português, centros de acolhimento e centros de convívio, com possibilidade de usar um espaço de culto e para festas.Temos escolas a funcionar na ilha Terceira, Pico, Faial, São Miguel, e estamos a abrir noutras, várias escolas em diversos centros populacionais. Temos aquilo a que chamamos centros de acolhimento, que são lugares onde há alguém que, à noite, voluntariamente. dá apoio, encaminhamento, fazendopreenchimento de documentação e dando esclarecimentos.E, para convívios, procuràmos espaços onde as pessoas se pudessem encontrar. Falei em questões de culto, a que nós temos neste momento dado atenção - fizemos festas por altura do Natal e outras. Temos algumas dificuldades na parte das aulas e estes convívios podem dar até algumas achegas para nos ajudarem, na parte das aulas.O que é verdade é que é tudo novo para nós, não é? É verdade é que praticamente ninguém, mesmo os professores que estão dando as aulas, fala qualquer uma daquelas línguas. Por outro lado, não encontramos a solidariedade onde esperávamos encontrar. Nós já temos alguns imigrantes, professores de música nos nossos conservatórios, há alguns anos, gente que já fala português. Infelizmente, quando julgávamos que aí poderíamos ter algum apoio numa fase inicial, isso foi considerado não necessário e não tivemos essa solidariedade.Nos centros de convívio há uma outra dificuldade. É que nós julgávamos que fosse um lugar onde as pessoas se sentissem bem, com alguma coisa da sua terra. E pensávamos que talvez fosse fácil que embaixadas, consulados, etc, nos fornecessem uns jornalinhos, umas coisas assim. Mas não. Infelizmente, a nossa frustração é muito grande, porque meios para andar a comprar isso, diariamente, para assegurar um local de convívio para eles, é difícil... Nós temos que andar constantemente a improvisar. Acontece que os primeiros já começam a falar português e as coisas vão facilitar-se.Há uma outra coisa que eu queria dizer também, e que é importante, acho eu, é que os mais assíduos às aulas são os que têm maior formação académica. Aqueles que eventualmente poderiam ter mais necessidades, como se costuma dizer, são aqueles que ainda vão, no princípio, depois, cansam-se e deixam de aparecer. Os que ficam até ao fim, e que não falham nunca, são engenheiros, são médicos, são pessoas com formação já bastante alta. Tenho essa consciência. Alguns deles, porque esperam, depois, outros voos.Outra coisa que também queria dizer - e eu vou já acabar - é que há problemas a todos os níveis que julgo que são comuns aos clandestinos, que também há muitos, por lá.Muitos dos problemas dos clandestinos, e um que para nós tem sido praticamente insolúvel, é o dos passaportes dos indivíduos que vêem, por exemplo, do Casaquistão. Vêem daqui e dali, e não há Embaixadas desses países, não há consulados. Os passaportes caducam, e, depois, levantam-se uma série de complicações e nós precisamos de estar constantemente em contacto com pessoas como vocês, para terem paciência, benevolência. Porque eles não são todos anginhos, às vezes, conseguem ser agressivos. Uma vez, alguns grupos exigiam que eu arranjasse maneira de resolver o caso do passaporte deles. Um problema do país de cada um...E aconteceu-me uma coisa estranha, que eu , agora que estou em Lisboa, irei investigar. Até pode ser que, aqui, alguém saiba disso. Começaram a aparecer alguns passaportes passados por um serviço que pretende ser um serviço internacional e que se chama “World Service Authority” com sede em Washinton, DC. Eu fui à "internet", verificar. Já pedi algumas informações, e, agora, talvez o Ministério dos Negócios Estrangeiros possa dizer alguma coisa. A informação que vinha na "internet" era interessante - seria quase como um passaporte de cidadão universal, que seria válido em determinados países, que o reconheceriam. E, por aquilo que também vi lá, parece que Portugal é um dos que reconhecerá esse passaporte. É uma situação que eu, agora vou, embora não seja minha função, tentar esclarecer.Mas, lá, fizeram-me exactamente isto, agitaram o passaporte à frente do meu nariz... Ou seja, tinha-me eu esforçado - fiz telefonemas da minha casa, para tentar resolver o problema dos passaportes caducados, que ninguém queria passar, porque não havia Embaixadas e eu confessava a minha ignorância de noviço nestas andanças - e, passados três ou quatro dias, vem um que me diz assim : "afinal tu não quiseste resolver, falou -se com um advogado, falou-se com alguém a quem se pagou um bom dinheiro e o passaporte veio directamente de Washington".Bem, eu queria dar apenas estes testemunhos. Desculpem ter tomado o vosso tempo.

Maria Adelaide Lisboa
Muito obrigada.Eu queria pedir que não saíssem, a Sr.ª Secretária de Estado deve estar a chegar. Para encerrar estes trabalhos, a Dr.ª Raquel vai falar.

Drª Raquel Ribeiro
Sim. Só uma pergunta. Eu gostava de dizer muitas coisas, mas não digo nada, a não ser isto. De facto, nós estamos a viver uma sociedade, como a europeia, sobretudo, e dos países mais desenvolvidos, em que temos os velhos problemas sociais de pobreza e os novos. Porque há realmente, transformações, que se passam nas sociedades e nas famílias, e trazem necessariamente, estes problemas novos.Eu gostava de fazer só uma pergunta à Sr.ª Dr.ª Fernanda Pedro, porque fiquei um bocadinho chocada, quando afirmou, com tanta convicção, que nós somos efectivamente muito racistas. Eu tenho dúvidas disso, porque aquilo que citou como exemplo, eu acho que era muito mais justificado pela dificuldade dos africanos, do que os de leste, em ingressarem em acções de formação, um pouco como aqui já foi dito, por falta de educação de base, de cultura e por se sujeitarem mais a quaisquer outros trabalhos. Não é pela raça branca. E eu acho que o problema do racismo é o da cor.É isso que queria dizer. Custa-me muito aceitar que, realmente, essa seja característica nossa, portuguesa. O exemplo que deu não me convenceu, porque eu acho que os de leste, não é por serem brancos, mas realmente vêm de uma sociedade agora em transformação e também com muitas dificuldades, por isso eles procuram sair, mas com outro nível de educação cívica, de educação de base e de formação profissional. De maneira que isso leva, penso eu, a que eles ingressem mais facilmente no mercado de trabalho. Os casos, pelo menos aqui mais perto de Lisboa, que nós conhecemos, são desse género.Eu gostava de lhe fazer essa pergunta. E depois dizer ao Sr. Eng.º, não tenha medo, porque há sempre lugar para os homens. Até porque são diferentes de nós, têm força, vão para a construção civil, a mulher não vai, fica sujeita a outros tipos de trabalho, sujeita-se muito mais à diversidade. Muito obrigada.Drª Fernanda PedroÓ Sr.ª Dr.ª, eu também me custa muito, dói-me muito a minha alma, como católica que sou, e sabendo nós, que na maioria, temos educação cristã. Podemos não ser católicos, mas temos educação cristã. As nossas raízes são estas, por isso ainda somos tão solidários, e custa-me muito, também, pela educação social que os meus pais me deram. Custa-me dizer isto. E digo-lhe que, muitas vezes, venho para casa revoltada. Para mim, os imigrantes estão na primeira linha, não quer dizer que eu esteja a discriminar os meus conterrâneos, nem pensar - daqui a um bocado já respondo àquele senhor, também em relação a isso .No nosso país, sempre houve imigrantes africanos licenciados, além de trabalhadores nas obras e nas limpezas. E nunca ninguém falou neles. Dos imigrantes de leste, nem todos são licenciados, como dizia aquela Sr.ª da Universidade - penso que foi ela que disse, senão peço desculpa, não, foi o Senhor... - e muitos dos imigrantes que abandonam o português, realmente, são aqueles que não são licenciados, que vêm aqui ganhar um dinheirito e que, depois, se vão embora. E abandonam realmente os cursos de português. Há muito álcool entre os imigrantes de leste. Talvez, por isso, os problemas que ele referiu. E começa a haver problemas no nosso meio por causa disso.E ,depois, é assim: quando se dá, dá-se, e nada se pede em troca, e há sempre quem abuse.O que se passa neste momento é que todos nós abrimos as portas e damos, damos, aos imigrantes de leste. Como nunca demos a nenhum imigrante. Desculpem, é isto que eu sinto. Posso estar errada. Não digo que não estou errada. Estamos a dar, a dar, e eles querem mais, mais... Começam a pensar que nós temos obrigação . E nós, enquanto voluntários, só damos aquilo que temos para dar. Nada mais. Não podemos substituir as estruturas, não podemos substituir as entidades, não podemos fazer mais nada. Podemos dar as mãos em trabalhos de parceria, como falou a Sr.ª do IFP, com quem nós temos dado as mãos, e realmente, temos feito coisas muito boas, positivas. Sabemos que muitas das dificuldades não são da parte humana, nem da parte técnica, são directrizes políticas. Sabemos isso perfeitamente. Não são as pessoas. Estamos todos no mesmo caminho. Todos nós queremos contribuir para uma sociedade mais justa. Neste momento, há uma transformação muito grande na sociedade portuguesa.Eu vivo no meio de ciganos que ,quando me vêm entrar, dizem: lá vem aquela "chata". São as reuniões de parceria, onde eu vou. Normalmente eu vou àquelas que ninguém quer.Só para lhe dar um exemplo Sr.ª Dr.ª: tem a ver com a televisão. Tenho reparado, de há umas semanas para cá: houve um caso com uns ciganos, aparece um problema social, ou com os ciganos ou com os africanos, vê-se as caras deles, vê-se os nomes, os bairros onde vivem. A seguir, há um problema com as farmácias, na mesma semana, não se vê o nome da farmácia, nem se vê caras. Tivemos que comprar o Expresso, para saber qual era a farmácia... Não tenhamos dúvidas...Só queria ainda dizer que talvez possa dar ajuda aos vossos cursos uma ucraniana, que tem um mini curso de russo – português, com um dicionário, com cassetes e com exercícios para eles fazerem.

Maria Adelaide Lisboa
Damos por terminada esta fase dos nossos trabalhos para iniciarmos depois a fase de encerramento deste colóquio. Muito obrigada pela atenção que nos deram.


APRESENTAÇÃO de CONCLUSÕES

Moderadora: Drª Manuela Aguiar
Relatores: Dr Gonçalo Nuno P. Santos Drª Maria Adelaide Lisboa

Dra Manuela Aguiar
Nesta Associação, e neste Colóquio. os homens têm voz e um papel tão importante como os das mulheres. Estamos, lado a lado, a tentar conhecer melhor as causas e as consequências geradas pelas migrações internacionais e a resolver problemas muito concretos, que delas decorrem.Tenho , assim, o gosto de dar a palavra ao nosso amigo e colaborador constante, o Sr. Director Gonçalo Nuno Perestrelo dos Santos, que vai fazer a apresentação das conclusões da 1ª mesa redonda.Dr. Gonçalo Nuno Perestrelo SantosSr. Secretária de Estado para a Igualdade, Dr.ª Maria do Céu Cunha Rêgo, Sra. Presidente da Direcção da Mulher Migrante, Dr.ª Manuela Aguiar, Sr.ª Vice Presidente da mesma organização, Dr.ª Maria Adelaide Lisboa.A mesa redonda desta manhã teve três intervenientes. Resumindo aquilo que foi aqui dito:Falou-se do reagrupamento familiar, falou-se das equivalências, da aprendizagem do português, dos vistos, da concessão dos vistos, uma vez que há mais do que uma qualidade de vistos - são confusos para os imigrantes, "com I" - das quotas que têm a ver com as pessoas;Da tradição de Portugal, enquanto um país plural e também um país pluri-cultural, que também o deve ser na relação para com os seus imigrantes, seguindo a experiência que teve e tem com os seus emigrantes, "com E". Existe, na opinião de alguns, ainda um certo vazio em matéria do ensino do português, algum trabalho precário, a prática da retenção do passaporte, o que é uma atitude verdadeiramente reprovável;A falta de apoio consular dos países de proveniência desses imigrantes, pois muitos até não estão cá representados, até nem têm representação em Portugal, o que dificulta o funcionamento de alguns mecanismos legais.Falou-se na cooperação eventual entre os países de origem, o que seria interessante, na integração dos imigrantes nas sociedades de acolhimento e deu-se até a entender que Portugal tem pouca experiência na imigração, "com I", porque é um país que só recentemente saiu, ou está ainda a sair, dos processos de emigração, "com E".Falou-se da família, do reagrupamento familiar, falou-se da família nuclear, falou-se da dificuldade desse reagrupamento familiar, quando alguns imigrantes, "com I", aqui em Portugal têm uma tradição poligâmica, o que dificulta ao legislador o entendimento deste reagrupamento familiar;Falou-se do "homem -família "e do "homem -trabalho" e, finalmente, falou-se de uma experiência de um serviço social francês. Foi demonstrada a sua orgânica interna e internacional, falou-se do fenómeno migratório e este orador ,com experiência de um serviço social na França, mostrou aquilo que a França, com mais experiência que Portugal, tem feito em relação ao fenómeno migratório. E deixou aqui algumas questões, como por exemplo, as migrações para países terceiros de indivíduos que imigram, primeiro, para um Estado da União e, depois, pretendem imigrar para outro país da União, sendo eles provenientes de países de leste, por exemplo.E, falou-se também , finalmente, de Portugal como plataforma de acolhimento, em todas estas vertentes, e naquilo que ainda importa disciplinar em matéria de imigração. Foi basicamente isso, Sr.ª Secretária de Estado.Manuela AguiarMuito obrigada. Tem a palavra, para apresentação das conclusões da segunda mesa redonda a Sr.ª Dr.ª Adelaide Lisboa.Maria Adelaide LisboaNão estava a contar fazer agora o resumo, mas como estive a moderar a mesa, vou ver se encontro aqui as ideias essenciais que saíram da discussão desta tarde.Sr.ª Secretária de Estado, muito gosto em a ter aqui connosco, somos conhecidas e amigas de há algum tempo. Espero que goste de estar aqui connosco, porque, se calhar, vamos convidá-la novamente para vir para aqui, para estar connosco noutro colóquio que venhamos a fazer.Ora bem, hoje à tarde com as múltiplas intervenções, chegou-se a algumas conclusões, ou, pelo menos, eu cheguei, e, se eu não for correcta, espero que me ajudem.Uma delas é que algumas das dificuldades que se põem na integração das mulheres nas sociedades advém da sua dificuldade de inserção na formação profissional . Muitas mulheres têm fracos recursos culturais, portanto, não têm um suporte cultural suficiente para aderirem à formação profissional. Para além disso, já são todas mães de família, muitas delas mães solteiras ou de famílias mono – parentais, como hoje se chama, e que realmente não têm nenhum apoio para os seus filhos, e são de uma maneira geral absenteístas nos cursos de formação. Não tendo a quem deixar os filhos, por vezes faltam, faltam, e isto é uma desmotivação. Portanto, esta é uma das dificuldades que as Associações aqui apresentaram . De facto, a inserção também se faz pelo mundo do trabalho, pela inserção nas sociedades, pela adesão às culturas. Mas é fundamental o trabalho, o trabalho é que dá à mulher, ás pessoas, a sua independência, para poderem estar à vontade no mundo que as recebe.Depois, também se falou do desconhecimento que muitos imigrantes têm em relação aos recursos à sua disposição. Para as comunidades africanas, que estão aqui em Portugal, não é tão difícil, porque falam a nossa língua. Para as pessoas que chegam de outros países, em que a língua realmente não é acessível, essas pessoas, muitas vezes, vivem com dificuldades de aderir a qualquer apoio.Muitos trabalhadores estão em situações intermediárias, em que ainda não estão legalizados, não têm direitos de natureza social. Ainda não têm muitos dos direitos que o cidadão nacional tem e que, realmente, os integra : o direito de votar, o direito de estar nas sociedades. Essa foi uma das questões que também foi aqui apresentada - não têm direitos políticos, não estão assegurados alguns direitos políticos.Uma conclusão que eu tirei, e que penso que todos tirarão, é que não basta os serviços oficiais estarem no terreno a trabalhar nesta matéria, para esta questão tão complicada, que se põe à sociedade portuguesa. São precisas, também, as Associações, com trabalho voluntário, com uma dedicação exclusiva. Não ganham um tostão. São pessoas que estão no terreno a trabalhar, que fazem um trabalho escondido, só nestes momentos de colóquios e de convívios é que, no fim de contas, se sabe isto: que são muitas as Associações que têm dado as mãos aos serviços oficiais.Os serviços oficiais, através de programas específicos financiados, como o programa “Integrar” e outros, que são financiados pela U.E. e pelas instituições portuguesas, realmente, têm ajudado e colaborado com essas Associações privadas, que estão no terreno. É o papel delas que penso se deve enaltecer aqui e salientar, porque é um papel extraordinariamente importante. O voluntariado em Portugal é um facto, é um fenómeno e, nesta área, muita gente provavelmente não conhece as associações que estão a trabalhar desta maneira.Portanto, nas conclusões deste colóquio, há que dar relevo às Associações, que trabalham no terreno, por uma causa de tanto interesse nacional, que é integrar quem chega à nossa pátria.Fico por aqui, em termos de conclusões.

DrªManuela Aguiar
Muito obrigada, DrªMaria Adelaide.


SESSÁO DE ENCERRAMENTO
Dr^Manuela AguiarEstamos quase no final de um dia inesquecível, muito rico de ensinamentos, graças a tantas e tão excelentes participações. Podemos dizer: "Valeu a pena", porque temos esperança de que vá fazer a diferença na vida dos imigrantes, entre nós. Muito, muito obrigada a todas e a todos. Cumpre-me, agora, e com enorme prazer o faço, cumprimentar e agradecer a presença da Senhora Secretária de Estado, que vai encerrar os trabalhos.Queria apenas lembrar que Drªa Maria do Céu Cunha Rego é fundadora desta Associação, e, mesmo antes disso, já tínhamos feito um percurso em comum, em perfeita sintonia, nestes domínios, ao longo de muitos anos.Temos por ela uma grande admiração, pela forma como sempre se tem batido pela boas causas. É alguém que sabe defender, denodada e coerentemente. aquilo em que acredita. E acredita, como nós acreditamos, na igualdade para todos os cidadãos que co-habitam, que co-existem numa determinada sociedade, da mesma forma que luta pela igualdade de direitos e de oportunidades entre mulheres e homens.Não se pode fazer uma democracia sem a participação de todos, sem a participação das mulheres, mesmo as que são nacionais e que, tantas vezes, se vêem tratadas ou discriminadas, como estrangeiras, no seu próprio País. Sem a participação de homens e mulheres, vindos de longe, que não devemos excluir, como estrangeiros, na nossa sociedade. Precisamos de melhores práticas, quando não de melhores leis.Ninguém o sabe tão bem como a Drª Maria do Céu. Uma notável jurista, que nunca se fechou num mundo formal, nem se conformou com interpretações redutoras, sempre norteada por ideais humanistas e aberta aos problemas e vivências dos que mais precisam de solidariedade. É deles que temos tratado, essencialmente, durante este dia intenso de trabalho, de refexão e diálogo.Não poderíamos ter encontrado uma visão mais lúcida, uma voz mais forte , uma personalidade mais combativa para encerrar uma jornada sobre os problemas sociais da nova imigração, com as mulheres no centro desta problemática. Aqui lhe queremos manifestar o nosso grande apreço, por uma vida dedicada à "res publica", agora, e, com que orgulho o afirmamos, no excepcional desempenho de um cargo no Governo Português. E, também, a nossa amizade. O nosso agradecimento. A Senhora Secretária de Estado fala por direito próprio. Está na sua casa.( incluir foto da SEI, Drª Maria do Céu)Dr.ª Maria do Céu Cunha RêgoMuito Obrigada Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada, querida amiga.Eu é que tenho muito gosto e muita honra em estar aqui neste ambiente tão amigável, tão acolhedor. E, só agradeço a gentileza e a generosidade das suas palavras.Sr.ª Dr.ª Adelaide Lisboa, muito obrigada pelo acolhimento. Sr. Dr. Gonçalo Perestrelo, minhas senhoras, meus senhores.Eu queria felicitar em primeiro lugar a Associação por esta iniciativa, mais uma, sempre persistentemente todos os anos e isso é muito louvável conseguir, uma Associação conseguir fazer habituar-nos à banalidade da anualidade destas reuniões é alguma coisa que muitas vezes nem os serviços públicos conseguem fazer, quanto mais as Associações. Por isso, eu gostava de saudar particularmente a Associação “Mulher Migrante” por este ritmo que já é uma instituição. E, agradecer muito o convite para estar aqui nesta qualidade, nesta precariedade de qualidade mas, que me dá também muito gosto.Falou a Sr.ª Dr.ª Manuela Aguiar da frase que vinha aqui, que eu olhei para aqui quando comecei a escrever o que queria dizer – vos, e olhei para a frase e lembrei-me. “Nenhuma pessoa é estrangeira numa sociedade que vive de direitos humanos”. Assisti há muitos anos ao nascimento desta frase e lembro-me da polémica, dos entusiasmos, do que ficou por dizer. Mas a frase acabou por se revelar eficaz e por acentuar o essencial que são os direitos humanos. E um tema magnífico para os abordar é o da Igualdade de Oportunidades na sociedade portuguesa para as mulheres imigrantes que foi objecto da 2ª mesa redonda do colóquio e cujas conclusões nós acabamos de ouvir. A minha área de responsabilidade é, como saberão, a promoção da igualdade entre as mulheres e os homens. E porquê a insistência nas mulheres e nos homens, e não em grupos mais ou menos desfavorecidos, ou em grupos com determinadas características que os tornam minoritários e particularmente vulneráveis à discriminação, como por exemplo, os imigrantes? Porque a desigualdade entre as mulheres e os homens é estrutural, e não, circunstancial. Hoje podemos ser imigrantes num país que não é o nosso, mas as circunstâncias mudam e podemos voltar à nossa terra onde somos maioria. Hoje podemos ter uma religião minoritária num país que não é o nosso, mas as circunstâncias mudam e podemos voltar à nossa terra onde somos maioria. E, os que são maioria num país, serão minoria noutro. Mas, seja qual for a nossa circunstancia seremos em qualquer parte ou homens ou mulheres e, desiguais. Não que não nos reconheçamos com felicidade nas nossas diferenças, mas diferença não é desigualdade. As nossas diferenças tornam – nos pessoas únicas e são positivas. As nossas diferenças podem ser justificadas por razões várias e são aceitáveis. A desigualdade implica discriminação, implica desvantagem sem motivo, hierarquiza-nos e é negativa. Entre as mulheres e os homens existem diferenças biológicas, e por causa delas, a desigualdade. Porquê? Porque a desigualdade resulta de um anacronismo a que ainda não soubemos pôr fim, e que, persiste no mundo inteiro com formas mais ou menos gravosas. Porque apesar dos progressos muitas das nossas cabeças e muitas das nossas práticas continuam submetidas à ditadura das funções sociais específicas para cada género. Funções sociais específicas ligadas à vida pública, a uma actividade remunerada e valorizada, poderes de organização da sociedade e de representação, predominantemente para os homens. Funções específicas ligadas à vida privada, o que inclui os cuidados e os serviços para a família, o trabalho não remunerado e o poder de organizar a vida doméstica e familiar, predominantemente para as mulheres. Só que, depois do reconhecimento dos direitos humanos, não há mais funções sociais específicas, papeis apropriados para cada um dos sexos. Não há destino porque se nasceu homem ou porque se nasceu mulher. Hoje, não faz sentido, que as diferenças biológicas entre os sexos que geraram o sistema patriarcal e a divisão quase estanque entre os homens e as mulheres do trabalho socialmente útil, se sobreponham aos direitos humanos de que são em igualdade sujeitos activos, tanto as mulheres como os homens. Hoje não faz sentido a predominância da esfera pública para os homens e a predominância da esfera privada para as mulheres. Hoje não faz sentido que haja assimetrias de poder entre homens e mulheres em qualquer destas esferas, sobretudo quando sabemos, como sabemos, a que grau de violência podem chegar a dominação e a submissão geradas por tais assimetrias. Sabemos bem que nos educaram de modo desigual. Sabemos que ainda nos vemos, entre nós, desiguais. Neste contexto o dicionário é muito esclarecedor. O que é um homem, e o que é uma mulher para o dicionário? É interessante comparar o primeiro significado da acepção específica de homem com mulher nas entradas de homem e mulher do grande dicionário da língua portuguesa de José Pedro Machado. Isto é recente, 1991. Assim, homem: “Cada um dos representantes da espécie humana. Animal Racional. O ser humano do sexo masculino. Opõem-se a mulher.”; mulher: “A fêmea da espécie humana. Pessoa do sexo feminino depois da puberdade.”. Ou seja, os homens têm sexo, que é uma propriedade acessória. As mulheres são um sexo, que é uma propriedade essencial. Sabemos, que ainda nos vemos, entre nós, desiguais. Por isso a desigualdade nos incomoda tão pouco. Habituamo-nos, reproduzimos criticamente modelos, não achamos importante. Mudar para quê? Simplesmente, pela democracia, e pela qualidade da nossa vida individual quer enquanto homens, quer enquanto mulheres e do nosso desenvolvimento colectivo. A vida também nos ensina e nada, nem ninguém, se pode arrogar o direito de escolher a nossa vida. Somos, todas e todos, seres globais, e não robôts programados por terceiros para realizarmos as funções que alguém nos destinou, e a que não conseguimos resistir com receio de frustar a expectativa social e de perder aceitação. As mulheres sabem, que o que mais se espera delas, é que sejam mães e que cuidem dos homens. Que só serão bem aceites socialmente se responderem ao padrão. As mulheres prezam muito a aceitação social , é um património que custa a reunir e que depressa se esvai. Mas hoje sabemos que é possível uma nova geração de políticas públicas para promover a igualdade entre as mulheres e os homens....porque também as promovemos até onde podemos em Portugal. O exemplo paradigmático, é o reconhecimento ao direito da licença por paternidade, paga pela Segurança Social ou pelo Estado, paga como a das mulheres quando são mães, embora, claro, durante muito menos tempo. Sabemos porque as promovemos no quadro da presidência portuguesa da U. E., na cimeira de Lisboa e na resolução do Conselho sobre a participação equilibrada das mulheres e dos homens na vida profissional e familiar. Um texto de direito comunitário que refere por mão portuguesa, designadamente: “ O objectivo da participação equilibrada, das mulheres e dos homens na vida profissional e familiar em paralelo com o objectivo da participação equilibrada dos homens e das mulheres no processo de decisão, constituem dois pressupostos particularmente relevantes para a igualdade entre as mulheres e os homens. E que o princípio da igualdade entre as mulheres e os homens, implica a indispensabilidade de compensar a desvantagem das mulheres no que se refere às condições de acesso e de participação no mercado de trabalho, e a desvantagem dos homens no que se refere às condições de participação na vida familiar, decorrentes de práticas sociais que ainda pressupõem que o trabalho não remunerado imergente dos cuidados à família, é uma responsabilidade principal das mulheres e que o trabalho remunerado, inerente à actividade económica, é uma responsabilidade principal dos homens.”. Fim de citação.Uma nova geração de políticas públicas que entende, que a conciliação da actividade profissional e familiar é para promover com energia, mas tanto para os homens como para as mulheres. Sobretudo, para os homens, que é quem mais precisa de medidas neste campo. Uma nova geração de políticas públicas que entende, sobretudo, que este não é um problema de mulheres. Que o Estado, generoso e paternal, tenha que resolver, ajudar a resolver, às mulheres. Induzindo-as a ficar em casa, pagando-lhes para ficarem em casa, a ver a vida à janela, como dizia Maria Lamas. Responsabilizando-as mesmo, culpando-as mesmo, por quererem assumir todas as suas potencialidades como pessoas, incluindo a sua contribuição para a riqueza e para o desenvolvimento. Atacando-as no ponto em que são mais vulneráveis, o de que seriam más mães se preferissem continuar no mercado de trabalho. Contrapondo à maternidade a independência e a autonomia indispensáveis à liberdade. Como se as mulheres não pudessem ter tudo, como se para os homens, alguma vez, se colocassem a necessidade dessa opção. Quem, e com que direito, pode pensar que pode fazer em exclusivo as regras todas? Quem é que disse que tínhamos que aceitar todas as armadilhas e concordar com elas? As mulheres são mães, e gostam muito. Mas não se esgotam na maternidade. Como os homens são pais e gostam muito, sem se esgotarem na paternidade. O regresso ao fado, das fadas ? Só que não há destino nas democracias. Hoje sabemos, que é possível uma nova geração de políticas públicas que entende que não há qualidade, com discriminação em função do sexo, qualquer que ela seja, directa ou indirecta, incluindo a das gaiolas douradas. Que entende, que não há responsabilidade cívica, sem a participação equilibrada das mulheres e dos homens, em todos os processos de decisão na actividade profissional e na vida familiar. Hoje sabemos, claro, que mesmo sabendo, que podemos escolher ou continuar a preferir o êxito social garantido. Sempre haverá quem nos sorria, com a tranquilidade e a gratidão, de quem sabe que não será posto em causa. A questão está em saber, se ainda hoje, ao fim de tantos anos, no séc. XXI , ainda preferimos que nos sorriam, ainda preferimos continuar na menoridade cívica e de participação, que é o preço desse sorriso. Ou que se faça, aquilo que só em conjunto, e em paridade, decidirmos mulheres e homens, livres e iguais. Iguais em direitos, iguais em poderes, iguais em deveres, decidirmos juntos aquilo que é melhor para todos e para todas nós. Não somos nem menores, nem incapazes, nem podemos ser socialmente irresponsáveis. Daí que, relativamente às mulheres imigrantes em Portugal, nos importe muito conhecer as assimetrias existentes relativamente aos homens das mesmas comunidades. Como é que se passa a igualdade e a desigualdade entre as mulheres e os homens nas comunidades estrangeiras? Muito há ainda por estudar mas seria bom reunir o que já se sabe a esta luz. A igualdade entre as mulheres e os homens deve ser promovida em Portugal sempre, com todos e com todas, trate-se ou não, de comunidades imigrantes. Esse é o núcleo duro dos direitos humanos. Todas as mulheres em Portugal, gozam dos mesmo direitos, dos mesmos poderes e têm as mesmas responsabilidades face aos homens da mesma nacionalidade e com o mesmo estatuto jurídico em função da nacionalidade ou da residência. Todas têm direito ao mesmo apoio dos serviços que trabalham para a igualdade. A lei portuguesa da igualdade entre as mulheres e os homens, tem que ser respeitada por todas as comunidades estrangeiras, e por todas as comunidades culturais. As leis civis, as leis do trabalho e do emprego. Trata-se de uma questão de ordem pública, não se trata de uma questão cultural. Trata-se de uma questão de regime, não se trata de opções individuais. Trata-se de uma exigência da democracia e de direitos humanos. Questão, que é a base em que o país se funda. Todas as mulheres têm direito a ter voz em Portugal, e a ter vida própria, para além das suas famílias, das suas casas e dos seus maridos. Não se trata de uma luta entre as mulheres e os homens. Não se trata de procurar conflitos, trata-se de um olhar sobre a vida, que é o olhar do nosso tempo, que é o olhar do nosso espaço. Não temos que nos resignar, temos só que nos respeitar e que falar. Se calhar muito, ainda durante algum tempo, do nosso futuro. Livres, iguais, juntos e felizes.Muito obrigada.(Aplausos)Curriculum e medidas tomadas pela SEI

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