domingo, 6 de setembro de 2009

Rita Machado Dias OS AÇORES E A EMIGRAÇÃO

Rita Machado Dias
Directora Regional das Comunidades

Solidão, insularidade íntima, agressividade do meio, ausência do conhecido, as limitações que o ser humano a si próprio impõe por alegada influência do circundante-adjacente, tudo isto integra a memória e as imagens da migração por dentro e por fora.
A mobilidade humana é um fenómeno que nasceu com o aparecimento do Homem. Desde os primórdios da Humanidade, a busca do desconhecido ou de mais favoráveis condições de vida impulsionou o estilo nómada, embrião das migrações que, mais tarde, viriam a obedecer aos cânones de determinada época: satisfazer a necessidade, apaziguar as tensões, demonstrar a bravura, perseguir o sonho.
As teorias da imigração também vieram a ser reconceptualizadas, muito mais tarde: teorias de “atracção” e “repulsa”, de “encastramento” social, de fluxos cíclicos alimentados pelos altos e baixos nas economias de acolhimento, o transnacionalismo da “globalização popular” assente na construção de redes.
O paradigma assimilacionista imperou, no campo político e no campo científico, no séc. XX, até à Segunda Guerra Mundial. Depois, o conceito de assimilação caiu em descrédito, emergindo os movimentos de libertação colonialista na percepção dos graves problemas gerados no interior do Ocidente. A expressão colonialismo interno foi aplicada, sobretudo nos Estados Unidos, a grupos que se tornaram, contra vontade, subdivisões da sociedade americana como os índios e a população negra. O famoso livro Black Power, de Carmichael e Hamilton, uma espécie de Bíblia do movimento black, acentua os valores anti-humanistas do assimilacionismo, conceito político que também veio a tornar-se suspeito no mundo científico, nos anos sessenta e setenta, sendo substituído por integração, multiculturalismo, interculturalidade.
Em integração subentende-se a preservação de uma certa especificidade evoluindo para o respeito pela identidade individual e colectiva das minorias, respeito esse que dá lugar ao multiculturalismo (modelo cultivado no Canadá), onde cada etnia tem direito ao seu espaço cultural, e nos anos mais recentes desemboca na interculturalidade, conceito divulgado na Europa pelo italiano Andreotti, que salvaguarda a preservação da identidade cultural mas não na metáfora do mosaico, antes num espaço de diálogo aberto e interactivo entre as diferentes etnias.
É na perspectiva da integração e do diálogo intercultural que o Governo Regional dos Açores politicamente se movimenta, abrindo caminhos na área da imigração bem como nos regressos compulsivos ou voluntários.
Mas um regresso só é possível após uma partida. E para entender os factos temos que compreender as pessoas que os criaram e as dinâmicas que lhes estão associadas. O que leva um ser humano a romper com o seu sentido de pertença? E o que motiva o seu regresso? Que impactos resultam das transformações da sociedade de origem? Quais as expectativas desse regresso?
Estas e outras respostas estão a ser alvo de uma análise profunda por parte da Direcção Regional das Comunidades.
Elaborámos um questionário e, seguindo o método da entrevista, fomos ao encontro de cada cidadão ou família regressada aos Açores após um período de emigração, e colhemos os dados agora divulgados. Do total de questionário aplicados – 3490, 1517 foram aplicados a mulheres, também elas emigrantes, também elas regressantes, viajantes de um percurso de emigração, de experiências, vivências e motivações. Será sobre as suas experiências, motivações e integração que daremos ênfase nesta breve apresentação.
Antes, porém, de falarmos dos elementos apurados pela Direcção Regional das Comunidades junto deste grupo heterogéneo que, num primeiro olhar, apenas tem em comum o ser torna-viagem, ou o ter feito a Viagem ao Contrário, como diria o saudoso Manuel Duarte, cumpre-nos revisitar as nossas viagens, quando começaram, os números oficiais que resistem, o muito que está por apurar na nossa história de partidas e chegadas.


As migrações nos Açores têm início com o próprio povoamento e as motivações da Coroa que o determinaram, num período expansionista. Seguiram-se movimentos populacionais, ao longo dos séculos, com origens várias, que vão desde a fome às catástrofes naturais, perpassando também pelo desejo de alargar o horizonte do mar que o ilhéu sempre carrega em si. Assim se foi definindo e recriando a actual dimensão açoriana, no seu espaço geográfico e nas suas identidades partilhadas, expandindo a língua portuguesa e cultuando – como se diz no Brasil – as muitas especificidades regionais e locais, até aos nossos dias.
O que foi possível concretizar e o sonho que se quedou no percurso, é segredo de cada um. O certo é que a emigração caracterizou a vida portuguesa e desenhou a personalidade das ilhas, principalmente após o seu carácter sistemático que remonta ao século XVIII.
Foram cinco os grandes destinos da emigração açoriana: Brasil, Estados Unidos, Bermudas, Hawaii e Canadá, para além de outros destinos nomeadamente Uruguai, Venezuela, alguns países de África e Europa.
A primeira emigração com características sistemáticas teve como destino o Brasil, nomeadamente o Sul do Brasil, em 1747, com a saída de cerca de seis mil pessoas. No entanto, já no início do século XVII, em 1621, tinham-se assinalado os primeiros registos de açorianos a demandar o Brasil, mais precisamente, o Estado do Maranhão.
A emigração para aquele país teve diferentes fases. Um grande fluxo migratório teve lugar em finais do século XIX, início e metade do século XX para os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
Cronologicamente, os Estados Unidos surgiram como nosso segundo destino, na segunda metade do século XVIII. Porém só em meados do século XIX, o podemos considerar como um destino efectivo e preferencial.
As Bermudas foram o terceiro grande destino da emigração açoriana. O ano de 1849 marca o início da emigração dos Açores para este arquipélago do Atlântico Norte. Se relativamente aos outros destinos, a maioria dos emigrantes eram oriundos de todas as ilhas dos Açores, no caso das Bermudas, são maioritariamente micaelenses.
O Hawaii, actual estado ilhéu do pacífico dos Estados Unidos, foi em finais do século XIX um destino para muitos açorianos. As condições de vida no arquipélago e a crise económica da época, provocada pelo declínio da produção de laranja e consequente diminuição do comércio, levaram a que muitos açorianos seguissem viagem rumo ao Hawaii, onde as condições de trabalho oferecidas eram atractivas. Este surgiu como um pólo de atracção, apesar dos condicionalismos de ordem geográfica e cultural, principalmente para a população da ilha São Miguel.
O Canadá foi o último grande destino da emigração portuguesa das ilhas, apesar de muitos açorianos lá terem chegado antes da abertura dos canais oficiais. A emigração oficial data de 1953 e só foi possível após a assinatura de acordos bilaterais entre Portugal e o Canadá, sobre a entrada de emigrantes naquele país. Apesar de esta ser uma emigração muito recente, o número de açorianos que emigraram foi elevado.
Hoje a emigração é residual, ligada ao reagrupamento familiar não nuclear, após ter atingido picos elevados, nas décadas de sessenta e setenta. Entre 1960 e 2007, saíram oficialmente dos Açores cerca de 182 mil açorianos. O ano de 1969 foi aquele a que se assistiu a um maior número de saídas dos Açores, cerca de 13.200.
Actualmente a emigração açoriana não tem expressão significativa, conforme já referi. Ronda oficialmente cerca de 225 açorianos por ano que escolhem outro país para viver, sendo a Bermuda o destino preferencial (cerca de 77% do total).
Como observamos, a dimensão demográfica açoriana fora da Região permitiu que os Açores se tornassem conhecidos, graças ao trabalho quotidiano das nossas Comunidades, que nunca é de mais exaltar e agradecer.
Mas para reconhecer, há quer conhecer. Com o intuito de conhecer a realidade da emigração regressada nos últimos anos, a Direcção Regional das Comunidades iniciou em 2006 um estudo sociológico.
Este estudo tem como objectivos:
· Conhecer quantos, quem são (idades, sexo, escolaridade), onde estiveram e onde residem os emigrantes agora regressados aos Açores;
· Perceber as motivações da sua emigração e do seu regresso;
· Conhecer o seu processo de reintegração no país de origem.
Com este estudo, a Direcção Regional das Comunidades pretende traçar linhas futuras de apoio aos que regressam e acompanhar a sua reinserção, não descurando os que aqui vivem e dos quais os regressados também são mensageiros.
Este estudo foi efectuado porta-a-porta de Santa Maria ao Corvo! Estamos em cada ilha a fazer atendimento, periodicamente, com uma equipa de dez funcionários que presta um serviço personalizado, gratuito e integrado, mantendo o relacionamento do migrante com o espaço de acolhimento ou com o país de origem.
Através de um questionário, dividido em seis partes, tivemos a oportunidade de recolher informações relativas a:
§ Caracterização social do emigrante regressado;
§ Seu agregado familiar;
§ Sua situação anterior à emigração;
§ Sua situação enquanto emigrante;
§ Seu Regresso aos Açores;
§ Apoio institucional pretendido e disponível.
Nesta comunicação apresentarei, como referi anteriormente aspectos relacionados com a mulher e a emigração, as motivações de partida e de regresso, bem como a sua integração no país de acolhimento e no país de origem.
Após a realização de todos os inquéritos constatamos que os emigrantes que regressaram aos Açores são na sua maioria do sexo masculino, apesar de uma curta distância: 56,7% são Homens e 43,3% são Mulheres.
Não é de todo surpreendente, uma vez que a nossa experiência já detectara uma vontade de regresso no homem pouco comparável com a vontade de regresso da mulher. Ele ficará para sempre ligado à terra – a sua raiz; ela tem a sua raiz onde estão os filhos e, por vezes, netos; ele preza a herança identitária; ela a passagem do testemunho familiar às novas gerações.
No que concerne à idade, apesar das diferenças não serem discrepantes, a faixa etária de mulheres regressadas aos Açores que regista maior número é a dos 55-59, com cerca de 12,7%, seguindo-se a faixa etária dos 60-64, o que poderá significar o regresso para uma etapa da vida mais tranquila, após a aposentação.
A maioria destas mulheres é casada ou viúva – 91%.
Quando inquiridas sobre as motivações de partida, a maioria referiu a melhoria das condições de vida, dificuldades económicas, vontade em acompanhar a família, reagrupamento familiar e dar um melhor futuro aos filhos. Na sua maioria emigraram casadas e viviam a cargo da família, tendo já filhos, apenas 29% emigrou solteira e 21% trabalhava.
Do total de mulheres inquiridas cerca de 23% emigrou sozinha com o intuito de se juntar ao cônjuge que já se encontrava no país de acolhimento. As inquiridas que emigraram acompanhadas, fizeram-no na maioria dos casos com o cônjuge e filhos, cerca de 48,7%.
Se na maioria dos casos estas mulheres enquanto residentes na Região não trabalhavam e encontravam-se a cargo das famílias, executando tarefas domésticas, no país de acolhimento a situação alterou-se. Muito poucas foram as que mantiveram a mesma situação. Do total de mulheres inquiridas 82,6% trabalhou e 15% permaneceu em casa, como anteriormente.
Uma das questões colocadas era sobre a intenção regresso ao país de origem aquando da emigração. 56,4% das inquiridas respondeu que era sua intenção regressar à Região, 31% referiu que não tinha essa intenção.
Sobre as razões do regresso, encontramos razões muito díspares, sobressaindo a questão familiar – 18,7%, a educação dos filhos – 15,8, as saudades da terra – 13,5% e, também inadaptação ao país de acolhimento – 8,5%.
Apesar de ser um estudo extenso, com diversas variáveis, as quais proporcionarão uma análise profunda do fenómeno do regresso do emigrante à sua terra de origem, neste momento já podemos tirar algumas conclusões.
O emigrante regressado à Região Autónoma dos Açores é, na sua maioria, oriundo dos Estados Unidos da América e do Canadá, com uma idade superior aos 55 anos de idade, predominando o sexo masculino do feminino.
Estes e outros dados, que irão sendo desbravados no decorrer da análise deste estudo, constituirão um instrumento de trabalho da Presidência do Governo Regional dos Açores, na prossecução de objectivos direccionados às diversas Comunidades.
Conheceremos, através dele, o perfil do emigrante, a sua caracterização, as suas motivações de emigração e regresso, bem como as suas expectativas e dificuldades de reintegração, ou seja, a evolução dos movimentos e a sua contextualização.
As análises e conclusões de cada linha do inquérito e dos seus possíveis cruzamentos constituirão o embrião de um manual de apoio ao nosso trabalho, sempre em actualização, acompanhando as novas dinâmicas sociais e culturais que se desenham com os movimentos migratórios.
A Direcção Regional das Comunidades dispõe assim de mais informação que nos proporciona um caminho mais seguro e ajustado para ir ao encontro dos que partiram, dos que estão e dos que regressam… afinal é esta a nossa Missão!
E esta Missão não encerrará enquanto houver quem do outro lado faça da Açorianidade um estilo de vida, sabendo que é um caminho que temos que percorrer, ajustando à passagem dos tempos.
É por isso que “a Felicidade não está no fim da jornada, mas sim em cada curva do caminho que percorremos para a encontrar”.
Rita Machado Dias

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