Na impossibilidade de estar presente nesta iniciativa a propósito da passagem de mais um dia internacional da mulher, é com grande prazer que me associo a esta celebração voltada às “Cidadãs da Diáspora”, homenagem que hoje constitui também o encerramento de um conjunto de Encontros dedicados à mulher portuguesa migrante que se vem realizando desde o ano de 2005.
Em primeiro lugar, quero cumprimentar as organizadoras dos vários “Encontros para a Cidadania – Igualdade entre Homens e Mulheres nas Comunidades”, ciclo de debate e de reflexão que vê hoje no Encontro de Espinho o seu fim, para de seguida tecer alguns comentários sobre o que foi a grande mudança na sociedade portuguesa nos últimos 50 anos do século XX em claro beneficio da justiça e dos direitos da condição social da mulher portuguesa.
Se é verdade que se verificaram grandes transformações sociais nas últimas décadas no sentido do esbatimento das clivagens entre o Norte e o Sul, o urbano e o rural, também é verdade que estes dualismos espaciais tendem a dar lugar aos dualismos socio-económicos ou a fenómenos de uniformização.
Veja-se, em primeiro lugar, o que aconteceu à população portuguesa. No continente, em 1960, a população era de 8,9 milhões, 8,7 milhões em 1970, 9,8 milhões em 1981, 9,9 milhões de habitantes em 1991 e de 10,3 milhões em 2001. Destes 10,3 milhões de habitantes em 2001, 5 milhões são homens e 5,3 milhões são mulheres.
A taxa de crescimento anual médio passou do valor negativo de -0,33% na década de 60, para 1,35% positivos na década de 70, descendo para 0,03% na década de 80. Repare-se que este crescimento negativo da população, na década de 60, deve-se em grande medida a um período de intenso fluxo emigratório dos portugueses para a Europa, principalmente para a França, fenómeno esse que viria a sofrer um travão na década seguinte onde se assiste pela primeira vez ao fenómeno inverso: entraram em Portugal mais de meio milhão de pessoas provenientes das ex-colónias, as quais foi necessário integrar social e profissionalmente.
Na década de oitenta, o crescimento populacional estagna em consequência do recomeço moderado da emigração - compensada pelo fluxo imigratório - e da acentuação do declínio da natalidade. As mulheres passam a controlar cada vez mais eficazmente a natalidade e fazem-no de uma forma bastante homogénea no espaço continental.
A generalização da vacinação das crianças e a cada vez melhor e maior cobertura sanitária e educativa do país, a melhoria da alimentação e dos cuidados de higiene explicam o que veio a ser a diminuição drástica da taxa de mortalidade infantil, factor que vem compensar em parte os efeitos da saída de portugueses devido à emigração.
É, assim, num curto espaço de tempo que a esperança de vida à nascença aumentou para as mulheres (mais 11,1 anos) e para os homens (mais 9,6 anos), bem como a esperança de vida aos 65 anos (mais 3,3 anos para as mulheres e 1,4 para os homens). Em consequência, a população portuguesa sofreu um envelhecimento nas últimas décadas.
Novas formas de relacionamento entre os sexos surgiram bem como a generalização da entrada das mulheres no mercado de trabalho. O aumento dos níveis de escolarização e a laicização da sociedade são aspectos que podem também justificar a generalização do casamento não católico, o aumento dos divórcios e dos filhos tidos fora do casamento.
No campo do trabalho também se dão grandes evoluções e a distribuição da população activa por sectores de actividade económica altera-se profundamente.
Dos quase 44% de activos existentes no sector primário, em 1960, já só se encontram 12% em 1992. Este decréscimo ocorre com o simultâneo aumento do sector terciário que passa de 28% para 55%, nos mesmos anos. A fuga do sector primário é empreendida principalmente pelos homens mais jovens, facto que explica, por um lado, a feminização do sector. No sector secundário, a percentagem de activos vai aumentando até aos 39% de 1981, mas a tendência inverte-se, a partir daí. Em consonância com a terciarização da economia, dá-se a feminização do sector terciário que absorve os crescentes contingentes de mão-de-obra feminina chegados ao mercado de trabalho.
O número de mulheres com actividade profissional remunerada mais do que duplicou nos últimos trinta anos, de tal modo que Portugal passou a ser um dos países do mundo onde a percentagem de mulheres trabalhadoras é maior, chegando mesmo a estar em maioria em alguns grupos de profissões, como é o caso das profissões mais intelectuais e científicas e de empregadas administrativas, do comércio e dos serviços pessoais. Em contraponto isso ainda não acontece noutras profissões, nomeadamente em cargos de direcção e chefia.
A feminização da população estudantil das universidades (em 1992, as mulheres representavam já 60% dos universitários, enquanto em 1960 não ultrapassavam os 29,5%) e a mais elevada taxa de sucesso das estudantes do sexo feminino apontam para a acentuação do predomínio feminino em profissões exigindo níveis de escolaridade elevados.
O princípio da igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios consagrado na Constituição de 1976, veio posteriormente a ser aplicado na legislação específica sobre o matrimónio, o trabalho e a regulação do poder paternal .
No entanto, sabe-se que as práticas sociais podem antecipar-se às normas jurídicas, segui-las ou adaptar-se-lhes segundo estratégias diversificadas. E, também neste caso, ainda se está longe da uniformização das atitudes, dos comportamentos e dos valores. Mas é um facto que as relações e as representações de género mudaram e estão a mudar na sociedade portuguesa.
Celebrar este dia é pois também a oportunidade para trazer à memória um trajecto intenso de riscos e assinaláveis desigualdades que hoje a Diáspora portuguesa viveu tão ou mais fortemente que o seu próprio país de origem.
É também em prol de um futuro mais solidário entre mulheres e homens, irmanados na mesma causa da dignidade humana que a celebração nos faz caminhar lado a lado.
Espinho 8 de Março de 2009
António Braga
Secretário de Estado das Comunidades
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