Jorge Carvalho Arroteia[1]
cepese@cepese.pt
Saudação
Aproveitamos o honroso convite que nos foi endereçado pela Sra. Dra. Manuela Aguiar, individualidade sobejamente conhecida pela sua intervenção cívica e política na sociedade e junto das comunidades portuguesas, para testemunhar o nosso apreço pelo seu desempenho no âmbito das missões em que se tem envolvido e para saudar, na sua pessoa, na Presidente da Associação Mulher Migrante e nos demais membros da direcção e filiadas nesta Associação, a mulher portuguesa e o seu papel como elemento estruturante do fenómeno que nos congrega: a emigração.
Quem não conheceu as “viúvas de vivos” que em diversas terras portuguesas asseguraram o sustento quotidiano e o trabalho familiar; o comando do lar e o desempenho de diversas funções domésticas, enquanto que os maridos, ausentes, se ocupavam de outra missão: a aquisição do pecúlio para a família? Quem não viveu o drama da emigração na sua dimensão familiar, investigativa ou política e se interroga sobre os diferentes traços e características deste movimento e dos seus efeitos na população e sociedade actuais?
Vejamos algumas das suas características dominantes.
1. Enquadramento do fenómeno
Relembrar a emigração portuguesa faz-nos recuar no tempo e no espaço e recorrer a diferentes tipos de ensinamentos que nos ajudem a compreender o fenómeno das migrações humanas. Fenómeno antigo por excelência, tão antigo como a história da humanidade, registou ao longo da história ciclos e características tão distintas que justificam, na sua explicação, o recurso a diferentes tipos de causas e de feitos, de motivações e de características, de leituras e de análises científicas. Por isso ao pensarmos nas migrações internacionais ou na emigração portuguesa, as deslocações geográficas que a caracterizam realçam sempre uma causa, ou um conjunto de causas, que alimentam os mecanismos de repulsão e os de atracção que acompanham este fenómeno. No domínio da economia das migrações, quem não conhece o processo de “push-pull”, invocado no processo de desenvolvimento das migrações internacionais, justificado por razões de desenvolvimento sócio-económico, de diferenças entre níveis de vida e de condições de existência e de contrastes sócio-culturais e políticos? Recordá-los permitiria a enumeração de um extenso rol de causas e de descrições que identificam a emigração.
Fenómeno que se identifica por processos de mudança individuais, familiares e societais, que se fazem sentir nas áreas de origem dos emigrantes ou nos seus locais de destino. Não importa aqui inventariá-los. Apenas realçar como as migrações, cuja descrição realça a sua variação no tempo, tem tido actores e percursos diferenciados, causas e efeitos distintos, reflexos e condições de desenvolvimento diferenciadas que assinalam nos seus traços mais gerais os efeitos de uma mudança perene e um ritmo acelerado do nosso quotidiano. Vejamos alguns aspectos.
A análise da emigração portuguesa registada durante as últimas décadas, testemunha as vicissitudes porque tem vindo a passar este fenómeno acentuando ao longo da sua história, a relação destas saídas com o estado de desenvolvimento de Portugal e com a situação do mercado de mão-de-obra internacional. Se tivermos em consideração a evolução deste movimento, em particular no decurso do último século, verificamos como este sofreu alterações muito significativas em relação ao seu volume e destinos; à sua evolução e composição; às suas causas e reflexos. De facto, o aumento da emigração portuguesa para a Europa, registado durante a segunda metade do século XX, foi uma das consequências mais visíveis do processo de crescimento e de desenvolvimento industrial e urbano que ocorreu neste continente no período imediato ao da segunda guerra mundial. Coincide, ainda, com a fase de reconstrução económica e social dos países ocidentais, depois da devastação ocorrida durante este conflito armado. Por isso nele vemos integrar grandes contingentes de população adulta, sobretudo do sexo masculino, mas sempre com representantes do sexo oposto, além de jovens e crianças.
A extensão deste fenómeno, principalmente nos países mediterrânicos, veio pôr em evidência os desequilíbrios internos existentes no seio do velho continente, realçando os contrastes entre o ‘centro’ e a ‘periferia’, bem como a fragilidade dos recursos naturais e humanos na sua relação com a pressão demográfica dominante nos países meridionais. No que diz respeito à emigração portuguesa registamos a sua longa tradição e volume durante estes últimos cinco séculos da história de Portugal. Por isso, analisar a evolução da nossa emigração ao longo dos séculos, realça a existência de diferentes ciclos que desde o início de Quatrocentos assinalam a saída de portugueses do Reino, sobretudo em direcção ao Brasil, a partir da segunda metade do século XVIII - em consequência do "rush mineiro" do território -, movimento que prosseguiu de forma contínua até meados de Novecentos. Foi, então, um fenómeno essencialmente masculino, apesar do reagrupamento familiar registado em diversos momentos desse percurso.
Desde o início do século XX que a evolução deste fenómeno ficou marcado pelo seu aumento, até ao início do 1º conflito armado e à sua redução, desde então, em consequência da crise económica dos anos trinta. Só depois do 2º conflito armado o fenómeno emigratório português se acentuou, desta vez em direcção ao continente europeu, donde resultaram alterações muito significativas quanto ao seu volume, destinos, características e significado deste movimento. No seu conjunto estas alterações comprovam as mudanças que se verificaram, até ao início do terceiro quartel de Novecentos, quando se acentuou a redução deste movimento em direcção aos países da Europa ocidental e do continente norte-americano. Nesta fase, porém, a emigração é ainda um fenómeno marcadamente masculino embora ganhe cada vez mais expressão a saída de mulheres, que gradualmente aumentam o reagrupamento familiar.
Se compararmos a evolução deste movimento tomando como charneira os anos que assinalam o agravamento da crise energética de setenta (1973-1974), verifica-se que entre 1955 a 1974, mais de 1 milhão de portugueses saíram oficialmente do país, e entre 1974 e 1988, dos quais menos de metade do sexo feminino. De então para cá este fenómeno tem oscilado, mas durante a segunda metade de Novecentos a componente feminina aproxima-se da do sexo oposto, chegando nalguns caso a superá-la.
Um fenómeno com esta dimensão apresenta características e diferenças muito significativas em toda a extensão do território. Verifica-se, no entanto, que as regiões mais afectadas foram as regiões dotadas de uma ocupação humana mais densa e com uma vida rural dominante, situadas no norte e no centro do país, em especial o Nordeste português. Contudo também as áreas urbanas, sobretudo da grande Lisboa, cedem cada vez maior número de emigrantes, permitindo assim o engrossar constante das saídas oficiais. Note-se que depois dos anos sessenta do século XX este movimento passou a orientar-se para a Europa ocidental: França, Alemanha e Luxemburgo e, mais tarde, para a Espanha, Suíça ou mais recentemente para Andorra, países onde hoje residem comunidades de cidadãos portugueses muito consideráveis e onde a presença feminina fica assinalada pela sua ocupação em actividades diferenciadas que vão dos serviços domésticos, aos serviços pessoais, ou já dos serviços públicos, às profissões liberais.
Quanto à composição do movimento, nota-se ter sido constituído essencialmente por jovens e jovens-adultos que partiram com destino à Europa e ao continente americano, onde engrossaram as comunidades de cidadãos portugueses há muito aí residentes. Entre outras características notamos ainda que estes contingentes foram constituídos por cidadãos adultos, em idade activa, em regra pouco especializados e com um nível elementar de instrução. Foram as chamadas “migrações de trabalho”, de adultos, especialmente do sexo masculino, embora com a participação crescente de indivíduos do sexo oposto.
Estes traços têm-se vindo a modificar nos últimos anos de forma que nas partidas mais recentes, ocorridas durante o ultimo Quartel de Novecentos e já na actualidade, notamos uma presença cada vez maior de emigrantes do sexo feminino e de jovens e de adultos detentores de um nível de instrução mais elevado e com formação profissional e académica de nível secundário e superior.
De realçar ainda a importância cada vez maior da emigração familiar, quer na componente transoceânica, quer na componente europeia, cabendo neste caso à mulher um papel de relevo neste processo de transição familiar de um, para outro país, acompanhando os filhos e por eles zelando, enquanto dá os primeiros passos no mundo do trabalho. Tal facto revela o carácter mais permanente deste movimento, a consolidação do desempenho de um papel feminino mais acentuado e uma relevância acrescida da sua importância como elemento estruturante da coesão familiar e da sua adaptação aos novos cenários da imigração. E uma vez estabelecido o núcleo familiar, a mulher é também aliciada pelo mercado de trabalho ocupando-se de diversas tarefas domésticas e outras, em serviços terciários muito diversos.
Pela sua posição na hierarquia familiar e social ou pela ausência comum de estudos ou de formação profissional, raramente vem a ocupar um patamar elevado nessa escala de profissões e de papéis que configuram uma mobilidade ascendente, digna de realce. Porém, nos casos de sucesso, têm contribuído a sua formação académica e profissional e a alteração de papéis familiares que permitiram à mulher uma maior libertação das tarefas domésticas em que esteve envolvida durante séculos. Estas, algumas das questões que ao serem debatidas neste Encontro, realçam a pertinência e a oportunidade actual dos estudos de género relacionados com a emigração portuguesa no seu conjunto e com o cenário real vivido em diversos contextos migratórios, na Europa e noutros continentes, onde residem comunidades de cidadãs e de cidadãos de origem portuguesa muito diferenciados.
Num fenómeno tão diversificado e intenso como é o da emigração, diversas consequências podemos assinalar em relação quer às áreas de origem, quer aos países de destino. Quanto às primeiras e do ponto de vista demográfico, salientamos as perdas de população, por via directa das saídas e por via indirecta, em resultado das saídas de casais jovens e de jovens adultos em idade de procriação. Tal facto tem contribuído para a alteração das estruturas demográficas das regiões mais afectadas por este fenómeno.
Razões de natureza económica, para além de outras causas de natureza social, religiosa e política, são as principais responsáveis pela grande diáspora de portugueses presentes nos cinco continentes. Portugueses de todas as regiões do país, que não só as áreas rurais e urbanas de um território cheio de contrastes, que se tem desertificado ao longo de séculos neste movimento contínuo de desestruturação da própria sociedade portuguesa. No seu conjunto estas transformações contribuíram para alterar as oportunidades de emprego, para o aumento do P.N.B. nacional, para a renovação urbana e para a criação de novos padrões de vida da população portuguesa. Contudo tais condições não bastaram para estancar o fenómeno emigratório pelo que continuamos a assistir a essa debandada, nalguns casos em situações dramáticas de vida e de condições de emprego que nos fazem recuar algumas décadas, quando do eclodir deste movimento, sobretudo do movimento clandestino, em direcção aos “bidonvilles” parisienses e de outras cidades europeias.
Memórias da emigração
A ocorrência da emigração em diferentes áreas do nosso país constitui um dos traços mais característicos da sociedade portuguesa sendo justificado não só pelo nível desenvolvimento das actividades económicas, mas ainda pela antiguidade e proximidade com outras famílias emigradas. Com este intuito desenvolvemos alguns trabalhos (Arroteia, 1996 e 2000) no sentido de encontrar pontos em comum no que respeita à leitura individual e comunitária deste fenómeno. Os testemunhos ora evocados recordam as causas e os efeitos deste movimento entre as populações rurais do centro e do interior norte do país[2], profundamente afectadas por estes movimentos da população. Entre esses traços reconhece-se a fragilidade dos meios de produção e a importância social da emigração, fenómeno tido como importante fonte de rendimento e factor de desenvolvimento local.
Sistematizando alguns testemunhos recolhidos juntos da população emigrante, estes confirmam as vantagens deste fenómeno porque lhes possibilitou: “um nível de vida superior àquele que poderiam ter em Portugal se cá tivessem ficado” e “uma vida mais desafogada”. Além disso permitiu-lhes “contactar com novas culturas” e “aumentar o seu poder económico”. Estes aspectos favoráveis foram ainda extensivos aos filhos, “porque beneficiaram da situação económica dos pais”, sobretudo nos casos em que “tenham sido criados com a família e tenham estudado, permitindo-lhes uma melhor formação”. Além disso, “podem subir na vida tirando cursos ou dedicarem-se a outras actividades, utilizando o capital ganho pelos pais”. Mais ainda, porque a emigração lhes “trouxe novos horizontes e contacto com outros jovens, permitindo a aprendizagem de novas técnicas”.
Em muitos casos, porém, a emigração foi considerada menos favorável, sobretudo nos casos em que obrigou a uma separação familiar. Os testemunhos recolhidos evocam casos em que “os que ficara, tiveram grandes problemas pois ficaram desintegrados do meio familiar” ou então, porque ficaram “entregues a terceiros, sem terem quem lhes resolvesse os problemas”. Esta separação fez-se sentir sobre os resultados escolares, uma vez que “a separação pais/filhos provocou problemas a nível da educação escolar, principalmente com a língua e com o aproveitamento na escola”.
Os reflexos menos favoráveis do fenómeno emigratório não se fazem apenas sentir nos jovens mas também sobre o próprio emigrante. Entre as consequências adversas deste fenómeno, foi assinalado a “desagregação familiar” e as “dificuldades de adaptação após alguns anos de isolamento do seu agregado familiar”. Um outro efeito actuou sobre os emigrantes, que “se esquecem da sua aldeia, dos seus familiares e amigos”.
Eis algumas das consequências da emigração cujos efeitos se fazem sentir sobre o emigrante e sobre a comunidade. Por isso a sociedade local ressente-se deste movimento porque “as pessoas mais jovens e válidas saíram e assim as que ficaram vão envelhecendo, a mão-de-obra falta e as aldeias ficam com pouca vida e desertas. Só existem pessoas idosas”. Além disso, “verificou-se a desertificação, sobretudo dos meios rurais”.
Para além destes efeitos, a importância do regresso, depois de uma larga permanência no estrangeiro, é favorável “por as suas economias lhe darem dinheiro para um ramo de negócio ou por terem rendimento para viver” e “para acompanharem os filhos que vêm frequentar a escola portuguesa”. Tal facto tem-se manifestado não só na vida diária das povoações, mas também no seu crescimento e evolução. Para tanto é notório o contributo destes emigrantes, que “têm outra forma de estar na vida e ensinam a rentabilizar o trabalho”. Porém o habitual é que, quando do regresso, estes sejam “recebidos com satisfação por regressarem à terra natal” e pelo seu contributo no seu desenvolvimento.
A palavra dos jovens
Partindo agora de informações recolhidas junto da população escolar, ficamos a saber alguns aspectos relacionados com a população discente directamente afectada pela emigração. Entre outras questões abordadas e no que respeita ao aproveitamento escolar, foi em tempo reconhecido a estes alunos, filhos de emigrantes, “dificuldade de aprendizagem da língua portuguesa, em virtude da sua estadia (mais ou menos demorada) num país estrangeiro”. Note-se no entanto que o facto de terem permanecido vários anos no estrangeiro não constitui qualquer obstáculo no que refere à sua integração no seio da comunidade escolar onde residem. Algumas respostas recolhidas junto desta população confirmam as dificuldades sentidas por estes jovens quanto ao seu conhecimento da língua paterna. Daí que a necessidade de se obter um “melhor domínio linguístico e inserção cultural destes alunos”, tenha sido realizado através de programas de compensação, especialmente elaborados pelo Ministério da Educação.
Os entraves sentidos por estes jovens, resultado não só da sua condição de filhos de emigrantes, mas ainda da sua origem social, reflectem-se globalmente nos resultados escolares. Daí que alguns professores tenham reconhecido o seu carácter empreendedor, que faz esquecer a sua origem social e as marcas “de uma vida difícil que agora pretendem evitar”. Procurando saber o que pensam alguns destes alunos em relação a uma eventual possibilidade de emigrar, muitas das suas respostas ilustram que estes permanecem divididos entre o seu país de origem, “onde tinham fracas perspectivas de emprego”, e a situação em Espanha, França, Luxemburgo, Andorra ou a Suíça, países onde reconhecem que se “ganha bem” e onde têm possibilidades de “gozarem uma vida mais estável e desafogada”.
Por outro lado, tendo já vivido algum tempo no estrangeiro, o regresso à terra de origem é marcado por algumas dificuldades, tais como, “a falta de emprego e de habitação”. Por isso o balanço de uma estadia no estrangeiro pode considerar-se positivo dada a oportunidade de se terem conhecido: “novas línguas e culturas”, ou por “se terem vivido novas experiências”, que tornam os países onde viveram, inesquecíveis. Estas, algumas das respostas obtidas junto da população mais jovem, para quem o “abrir as portas à emigração”, constitui uma das opções mais frequentes dadas as perspectivas sombrias de emprego que ocorrem no país.
As notas que acabamos de transcrever podem ser completadas com outros testemunhos recolhidos, igualmente, junto desta “nova geração de emigrantes”. Inquiridos sobre as causas deste movimento as razões invocadas confirmam, de forma explícita, o que anteriormente havíamos notado, nomeadamente a “falta de trabalho”, os “maus salários” e a “necessidade de melhores condições de vida”. Para muitos, ainda, as causas situam-se na “falta de dinheiro para construir uma casa” e a necessidade do “reagrupamento familiar”.
Confirmando as referências anteriores sobre as razões destas saídas, as “melhores condições de vida” e o “ganhar-se mais em Espanha que em Portugal”, constituem os aspectos mais positivos deste movimento. Contudo, “a separação familiar” e “o estar longe dos pais”, constitui o aspecto mais negativo deste movimento. No caso dos alunos que tiveram oportunidade de residir no estrangeiro, “aprender uma outra língua” e “conhecer outro país”, foram aspectos positivos assinalados por alguns alunos. Outros, indicam terem regressado porque acompanharam os pais, ou só a mãe: “voltámos porque estávamos a fazer cá a casa e um café” ou então, “voltei para Portugal para fazer companhia à minha mãe”.
Muitos deles, porém, regressaram para virem para a escola: “regressei porque a minha mãe queria que eu estudasse cá”; “regressei porque o meu pai queria que eu aprendesse português”, “regressei porque precisava de estudar em Portugal. Em França não me adaptava ao ensino”, “regressei com dez anos porque lá não tinha facilidades de aprender a nossa língua”.
Contrariamente ao que havíamos assinalado sobre os emigrantes mais idosos, o facto desta população jovem ter residido alguns anos no estrangeiro e ter contactado com outro tipo de civilização, poderá justificar o desejo de regressarem ao país de imigração. Entre as razões invocadas apontam-se: “gosto muito da terra onde nasci”, ou então, “porque tenho lá a família e amigos”, porque “deixei lá os professores e os colegas de turma”. Em alguns casos, porém, a situação profissional dos pais, ocupados nas suas tarefas profissionais, não dava grandes liberdades a estes alunos, deixando por isso de os incentivar para novas saídas: “não gostava de voltar para o estrangeiro porque lá tinha de estar fechada em casa”.
Quantos às perspectivas de um novo regresso, alguns deles desejariam voltar ao país de imigração “para me juntar aos pais e à família”. Contudo não deixam de notar a ausência dos pais e os seus efeitos sobre os resultados escolares. Daí terem notado a falta de apoio: “os meus pais estão fora e não me podem acompanhar tão bem”. Outros, porém, não notam “qualquer falta dos seus familiares”. Mas é evidente que as “saudades parecem constituir uma das razões mais dolorosas dessa separação”, com efeitos directos no aproveitamento escolar.
Embora de forma genérica os dados anteriormente referidos recobrem alguns aspectos da recolha de informação junto da população migrante, mostrando a actualidade e pertinência destes trabalhos na actualidade. Tal facto decorre dos velhos e novos desafios que se colocam às migrações no seu conjunto e particularmente às novas características dos fluxos internacionais.
Cá e lá: emigrantes
Tendo presente o desenvolvimento de comunidades migrantes residentes em países da Europa Ocidental, constituídas não só por emigrantes portugueses (e de outras nacionalidades), adultos, mas ainda por uma larga percentagem de jovens em idade de escolarização ou já inseridos no mundo do trabalho, a presença destes tem levantado diversos problemas relacionados não só com a sua integração social, mas ainda com a sua escolarização, formação profissional e inclusão destas "novas gerações de emigrantes". Relembrando outras experiências tomamos como exemplo da nova "nova ordem” migratória internacional, da segunda metade de Novecentos, a criação de uma vasta rede de associações de emigrantes, de natureza cultural, desportiva, recreativa, a formação de mediadores culturais, a acção de docentes de Língua e de Cultura de origem (ELCO) e o funcionamento de cursos de língua e de cultura maternas integrados no ciclo de estudos obrigatório. A estas situações acrescentamos o ensino da língua portuguesa como língua estrangeira, no ensino secundário e superior e o desenvolvimento de diferentes projectos e de estudos relacionados com esta matéria. Não sendo um assunto encerrado, valeria a pena recordar alguns aspectos do seu funcionamento na actualidade e daí retirar algumas notas sobre a situação portuguesa na actualidade e as mudanças de sentido dos fluxos migratórios internacionais.
Contrariamente ao que já sucedia com outros países parceiros da Europa mediterrânica, Portugal deixou de ser nos últimos anos apenas um país de forte emigração para se constituir, mais recentemente, como um pólo de atracção para novos emigrantes. Por este facto as referências e os padrões mais comuns das migrações no contexto nacional modificaram-se, realçando a oportunidade e interesse dos estudos interculturais. Justificam-nos não só a manutenção das comunidades portuguesas em países terceiros, mas também o crescimento de diversas comunidades estrangeiras residentes no continente português.
Esta diversidade não esconde um outro fenómeno, igualmente notório na nossa sociedade, decorrente da existência de emigrantes já regressados e de descendentes seus naturalizados noutros países, de cidadãos oriundos dos PALOP e de outros cidadãos, que legal ou clandestinamente, se estabeleceram em Portugal ou aqui aguardam a oportunidade de se deslocarem para outro canto da UE27.
Mais do que uma inventariação exaustiva destas nacionalidades e do seu montante, convirá assinalar que o reconhecimento e a integração destas comunidades na sociedade portuguesa passa, igualmente - como sucedeu com os portugueses na Europa a partir dos anos sessenta e setenta - pela aceitação e reconhecimento da sua cultura, das suas raízes históricas e dos traços dominantes das civilizações de origem. Só assim será possível contribuir para um maior entendimento entre as diversas civilizações e culturas promovendo, em simultâneo, a aproximação entre elas e a nossa sociedade. Exemplos recentes realçam ainda o seu contributo para o desenvolvimento científico, económico e tecnológico nacional e o seu papel na atenuação de divergências políticas, sociais e culturais que continuam a persistir e a agravar-se no velho continente europeu.
Da mesma forma, e por via da antiguidade das relações estabelecidas entre este e os outros continentes, a valorização desta presença e das suas culturas favorece o entendimento e o respeito entre os povos, podendo contribuir para o equilíbrio e aprofundamento das relações entre os países do "centro" e os novos blocos geo-económicos da periferia. No seu conjunto é reconhecido como estes se confrontam com a fragilidade dos seus recursos e formas de organização social e com uma plétora de cidadãos desejosos de reconhecerem a democracia e a paz, bem como os seus efeitos sobre as condições de vida, a dignidade humana e a vivência de uma cidadania plena que configura um novo traço societal da civilização europeia.
Estas as questões básicas fundamentais que importa assinalar quanto à responsabilidade colectiva de construção de um novo estado social e cultural europeu, baseado em pilares de desenvolvimento económico, de inclusão, de solidariedade e justiça social e, acima de tudo, no construção de uma nova consciência cívica e colectiva que nos ajude a encontrar os caminhos de novas “solidariedades” (mecânicas e orgânicas - Durkheim), permitindo, desta forma, a construção de um novo espaço cívico e cultural, em Portugal e na Europa, na qual nos integramos. Espaço, este, construído e ocupado por “actores” diferenciados, de ambos os sexos, mas que em conjunto reclamam uma sociedade onde possam exercer, em pleno, os seus direitos de cidadania, nomeadamente da cidadania portuguesa. Neste domínio, a Associação Mulher Emigrante, tem uma palavra a dizer.
Eis algumas das questões que num Seminário desta natureza e perante a plateia que nos rodeia, importa apreciar.
Bibliografia
Arroteia, Jorge (2000) - “As relações Espanha-Portugal e a acção da imigração portuguesa - o caso da imigração na bacia de Léon”. in: População e Sociedade. Porto, Centro de Estudos da População e Família - Universidade do Porto, nº 6, pp. 73-82.
Arroteia, Jorge (1996) – Emigração: a segunda geração de emigrantes: perspectiva de integração e de mobilidade social numa comunidade rural. Monte Redondo, Museu do Casal de Monte Redondo (Cadernos do Património, nº 6).
Arroteia, J. & Doudin, P.A. (1998) – Trajectórias sociais e culturais de jovens portugueses no espaço europeu: questões multiculturais e de integração. Aveiro, Universidade de Aveiro.
Loureiro, J. Evangelista (1985) — "Educação e desenvolvimento humano". in: O futuro da educação nas novas condições sociais, económicas e tecnológicas. Aveiro, Universidade de Aveiro, pp. 11-30.
Rocha-Trindade, M. B., (1973) — Immigrés portugais. Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina.
Resumo: A análise da emigração portuguesa ao longo do tempo testemunha as diferentes fases deste movimento, associadas a causas distintas e à sua composição e reflexos diferenciados. Traduzindo um sentimento de mudança nas condições de vida e de existência, a emigração em si é geradora de novos fenómenos sociais e culturais, económicos e políticos, registados quer nas comunidades de origem, quer nas sociedades de acolhimento. Para isso contribui a acção de diferentes ‘actores’ que apesar de residirem em locais distantes, mas igualmente afectados pelo fenómeno da emigração, fazem leituras semelhantes das suas causas e reflexos, dos seus problemas e identidades.
Mais do que inventariar todos os aspectos que identificam as migrações ou mesmo a emigração portuguesa pretendemos, no contexto deste Congresso, recordar alguns dos factos em que a mulher tem tido um papel preponderante.
*Comunicação apresentada no encontro: “Mulher migrante em congresso”. Espinho, Associação Mulher Migrante, 6 -7 de Março de 2009.
[1] Professor Catedrático da Universidade de Aveiro (Aposentado) e investigador do CEPESE: Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade (Porto)
[2] Respectivamente: Monte Redondo (Leiria) e Parque Natural de Montesinho (Bragança)
Sem comentários:
Enviar um comentário