Através dos contactos que tenho tido com a comunidade em geral, e com a feminina, mais em particular, e com todo o Associativismo na África do Sul, aprendi a viver a sentir muitos dos seus problemas.
A Mulher, parte do agregado familiar, ao sair de Portugal, por circunstâncias várias, trouxe consigo dois grandes anseios:
1º Ajudar a família a vencer na vida.
2º Poder um dia voltar às suas origens, à sua aldeia, aos seus familiares.
Com estes anseios acompanhou o marido e enfrentaram juntos grandes dificuldades, desde as económicas, linguísticas, aos diferentes costumes e tradições as condições de trabalho e as práticas religiosas e até mesmo as condições climáticas.
O emigrante ao chegar aos países de acolhimento tentou minimizar o seu isolamento agrupando-se para fundar associações relacionadas com a sua identificação de origem e clubista para assim falar na sua própria língua, das memórias e da saudade de tudo o que ficara para trás - a paisagem, os seus familiares, o seu clube preferido, as festas, as romarias, etc.
O casal chegou na flor da idade com uma esperança dominante de realizar rapidamente os seus sonhos, mas que, de uma maneira geral, nem sempre conseguiu tão facilmente.
Sabemos que as memórias do passado colectivo, garantem a continuidade de um ser, mas na situação do emigrante, estas memórias são muito mais acutilantes.
O emigrante criou verdadeiros monumentos - padrões de portugalidade neste país - criou escolas, ranchos folclóricos, organizações de solidariedade social, encontros gastronómicos e culturais para assim se identificar. Hoje muitas destas associações estão a sofrer por falta de assiduidade relacionada com os movimentos migratórios da comunidade e por vezes por falta de interesse da juventude e problemas de gestão.
E agora pergunto eu:
Qual é o papel da mulher em todo este percurso?
A mulher, a esposa, a mãe, a dona de casa, a operária, a empregada que ao lado do marido trabalha e trabalhou no comércio e nas fazendas, e que lado a lado lutou para que a associação por ela criada, pudesse crescer e desenvolver, estava votada ao esquecimento, tinha um papel secundário nesse sector, com as tarefas mais duras e desgastantes nas cozinhas, nas limpezas, sem nada reclamar e sem nunca ser incluída nos corpos directivos das mesmas organizações.
O emigrante português trouxe consigo a sua identificação e pertença, mas o modelo patriarcal como fora criado, estava bem arreigado no seu ser - até mesmo hoje nos seus descendentes. Dificilmente aceitou uma mulher como presidente da associação a que pertence. No entanto, estas ideias têm-se atenuado um pouco ao longo dos tempos. Em algumas instâncias, infelizmente muito poucas, a mulher portuguesa de hoje já não é só reconhecida pelo seu impecável papel de mãe e de dona de casa, é um elemento integrado na vida social, económica, política (neste sentido ainda tem muito para lutar), desportiva e cultural na África do Sul, (principalmente as camadas mais jovens), mas com uma sensibilidade superior que a distingue do homem!
Como dirigente tem dado provas de grande responsabilidade e competência, muito em especial na integração da juventude nas associações, com actividades que atraem jovens de ambos os sexos.
O NASCIMENTO DA LIGA
Um grupo de mulheres portuguesas sensível ao isolamento de muitas das nossas conterrâneas (temos que recordar aqui que não havia na altura qualquer acesso televisivo em língua portuguesa), formou-se 1988 a Liga da Mulher Portuguesa na África do Sul, com o lema "Contribuindo para um mundo melhor".
É uma organização com múltiplos objectivos entre eles promover a coesão das mulheres portuguesas, promover, desenvolver e preservar a cultura e tradições portuguesas através da divulgação e discussão dos mais variados tópicos assim como a mulher no seu desenvolvimento individual, defender os seus direitos e sempre que necessário, actuar em sua defesa, dos seus filhos e de toda a sua família.
Nesse ano criaram-se os Estatutos. A 20 de Maio de 1989 realiza-se a 1ª reunião pública à qual aderem cerca de 230 mulheres portuguesas, no Hotel Boulevard da mesma cidade. Dois anos mais tarde formam-se as filiais de Durban, Cidade do Cabo e Rustenberg.
Através da Liga, fomentou-se ainda a integração da mulher com outras comunidades tornando-se mais sensível e conhecedora dos problemas que a rodeiam, e mais consciente do seu papel neste país visto enfrentar problemas comuns.
Estes convívios são um manancial de enriquecimento cultural e colaboração, outro dos objectivos da Liga da Mulher.
A identidade de um povo está ligada à sua língua e cultura e nesse sentido, a Liga luta pela defesa contínua desses ideais. Como mãe e educadora, a mulher é a pessoa certa para transmitir esses nobres valores a toda a família.
Acreditamos que educar uma mulher é educar uma sociedade.
Enquanto que a sociedade portuguesa em Portugal, e a nível Europeu, evoluiu em termos do papel e importância da mulher nas várias facetas da sociedade (o que aliás é a situação que actualmente vivemos também na sociedade sul africana na nova e democrática África do Sul) este não é o caso propriamente dito na sociedade emigrante portuguesa neste país. Nota-se a existência de uma separação entre as 1as. e 2as. gerações a que me referi no início desta apresentação e as chamadas 3as. e 4as. gerações ou seja - jovens mulheres já nascidas neste país e que vivem portanto num mundo de dualidade - um existir patriarcal arreigado no seio familiar - de pais e avós - e uma maior abertura na sociedade em geral em que estão inseridas, que é a sociedade que profissionalmente lhe vai assegurar o futuro - seu e da sua família.
O que acontece é que estas jovens acabam por não se identificarem com estes valores ultrapassados da sociedade portuguesa neste país e estão a perder o contacto com a língua portuguesa.
A Liga continua na sua luta pela valorização da comunidade. Procuramos soluções para as gerações mais jovens, e acreditamos que este congresso poderá ser um manancial de ideias e experiências noutros países da diáspora.
Foi o último Encontro para a Cidadania - Congresso da Mulher Migrante na África do Sul, que incentivou um sonho antigo que tenta dar resposta à situação em que se encontram as primeiras gerações .Assim, ao comemorar os seus 20 anos de existência na África do Sul (a 7 de Dezembro de 2008) e atenta ao facto de que o grupo das 1as gerações está numa nova etapa da sua vida, a Liga está a desenvolver um projecto de criação de uma universidade sénior que se chama Boa Esperança por acreditarmos que trará mais confiança e ânimo aos seus alunos como o dobrar do Cabo trouxe aos marinheiros portugueses em 1488.
A universidade sénior portuguesa está a suscitar grande entusiasmo na África do Sul e confiamos que dará boas oportunidades a todos, principalmente aqueles que pela sua condição de vida têm mais tempo disponível para dar e receber novos conhecimentos. Força porque ainda somos úteis! A universidade é um espaço privilegiado para cada qual poder partilhar a sua experiência os seus conhecimentos e talentos. Apesar de já existirem universidades seniores na África do Sul justifica-se esta em português pois a comunidade lusófona da classe etária para a qual a universidade sénior se dirige isolou-se ao nível da língua e do convívio porque as prioridades inicialmente eram outras.
A propósito da universidade sénior, mencionei o último Congresso da Mulher Migrante realizado na África do Sul e trago-vos, em nome da Liga da Mulher Portuguesa na África do Sul, algumas impressões sobre este evento.
ENCONTROS PARA A CIDADANIA - ÁFRICA DO SUL
Honrou-nos com a sua presença um grupo de ilustres visitantes, nomeadamente a Sra. Dra. Maria Barroso, a Sra. Dra. Manuela Aguiar, a Sra. Dra. Rita Gomes, a Sra. Dra. Beatriz Rocha Trindade, a Sra. D. Carol Marques, a Sra. Dra. Vera Moreno e a Sra. Dra. Graça Guedes, todas pertencentes a Associação Mulher Migrante.
Estes membros da Associação Mulher Migrante apresentaram os diversos temas e foram moderadoras das intervenções a nível local.
Além do sacrifício de uma viagem de tantas horas de avião, estas Mulheres Extraordinárias trouxeram consigo, ensinamentos profundos, baseados na sua vasta experiência de trabalho com a Mulher Migrante no Mundo. Trouxeram também consigo, calor humano, amizade, simpatia e interesse pela causa da Mulher particularmente da Mulher Migrante. Trouxeram também algo de maravilhoso que foi a nossa Língua.
Foi tão bom ouvir falar bom Português! Adoramos estar convosco.
Nas várias sessões de trabalho foram partilhadas vivências e situações de outras Comunidades Migrantes Portuguesas e não só, que nos mostraram que muitos dos problemas e desafios que enfrentamos não são únicos a nossa Comunidade, mas verificam-se quase a nível geral de Migração.
Reiteraram os problemas que as mulheres ainda encontram no mundo actual devido à desigualdade de género e crenças e práticas culturais de discriminação.
Foram discutidos aspectos de identificação e de pertença como factores importantes na dinâmica integracional da mulher migrante nas comunidades de acolhimento.
Foram também focados o papel da mulher no trabalho e no associativismo e a sua contribuição não só para a sua comunidade mas também para o enriquecimento da comunidade de acolhimento.
Falou-se ainda do percurso da mulher no ensino escolar e universitário que tem vindo a melhorar com as novas gerações e verificou-se também que a participação da mulher no desporto é uma realidade cada vez maior e que a mulher é capaz de grandes conquistas nesta área.
Por outro lado, os Encontros, facultaram a um grupo de mulheres na África do Sul a oportunidade de dialogarem umas com as outras e partilharem assuntos de interesse comum ficando também mais esclarecidas sobre vários aspectos relacionados com a sua condição de Mulher Migrante.
ENCONTROS PARA A CIDADANIA – CONCLUSÄO
Os encontros para a cidadania que são encerrados neste Congresso, e que ao longo destes 4 anos se realizaram nos diferentes países da diáspora, com o maior sucesso, foram um alerta à Mulher Migrante da sua importância, do seu papel como cidadã portuguesa, como cidadã do mundo! Tornar a mulher mais consciente, mais conhecedora dos seus direitos e deveres, no mundo em que está integrada.
A mulher não pode ficar alheia aos problemas sejam eles ligados à família, à economia ou à política! Tudo está interligado! A mulher portuguesa sempre foi conhecida por ser excelente mãe e esposa, exímia dona de casa, mas nunca se envolveu profundamente na política. Talvez ocupava simplesmente o lugar que lhe era indicado pelos maridos. Hoje, tudo se transformou e encontramos mulheres muito mais envolvidas nesses sectores e até com cargos de chefia, nos mais diversos postos de trabalho.
Na África do Sul, nas novas gerações é isso que está a acontecer. No entanto foram muitos os anos de isolamento a que a mulher foi votada por esses países de emigração.
A RTP Internacional veio dar um grande impulso, uma grande companhia a muitas mulheres que passavam os dias isoladas, enquanto os maridos saíam para os seus empregos. Ouvem falar a sua língua diariamente através da TV e ficam a par daquilo que se passa em Portugal. É um elo de ligação, é uma globalização que nos une aos nossos irmãos que ficaram na nossa terra natal! Ao mesmo tempo mostra o caminho a seguir em muitos sectores da vida do país - temos de nos integrar, temos de acordar e mostrar quão importante é ser Bom Cidadão! E dar a nossa opinião válida da qual podem depender muitas resoluções.
Com a nossa colaboração directa tudo pode mudar - para melhor ou pior - conforme nos consciencializamos desse papel!
Manuela Rosa
Pretória, África do Sul
manuela.pcb.rosa@gmail.com
Manuela Baptista Rosa
Liga da Mulher Portuguesa na África do Sul
Curriculum vitae resumido
Manuela Baptista Rosa nasceu a 3 de Janeiro de 1942, na Madeira onde estudou até concluir o Magistério Primário e onde leccionou no Ensino Básico até 1972.
Emigrou então para a África do Sul e, desde 1973 até 1997, foi professora e directora pedagógica da escola portuguesa da Associação da Comunidade Portuguesa de Pretória.
Volta à Madeira onde exerce no 1o ciclo do Ensino Básico até 1999.
Regressa à África do Sul leccionando, então, português como língua estrangeira, nas escolas locais até 2006. Entretanto, termina em 2004 a licenciatura em Formação Científica e Pedagógica pela Universidade Aberta.
Na África do Sul, participou de várias formas no trabalho com a comunidade e no movimento associativo. Foi directora cultural, fundadora do Rancho Folclórico e presidente da Casa Social da Madeira; membro fundador e vice-presidente da secção feminina da Sociedade de Beneficência "Os Lusíadas"; membro fundador, honorário e presidente executivo nacional da Liga da Mulher Portuguesa na África do Sul; membro desde a fundação da Mulher Migrante.
Foi Conselheira das Comunidades Portuguesas e é Conselheira das Comunidades Madeirenses. Desde 1980, foi membro da Sub-Comissão organizadora das Comemorações do Dia de Portugal em Pretória, sendo desde 1996 membro da Comissão de Honra.
Recebeu a Medalha de Mérito da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e o Grau de Comenda da Ordem de Instrução Pública.
Sem comentários:
Enviar um comentário